A seguir, os principais trechos da entrevista concedida à Revista Tema Livre pelo professor Francisco Carlos Palomanes Martinho, presidente da ANPUH regional, no dia 14 de Outubro de 2002, durante a realização do X encontro regional de história, no campus da Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ. Na entrevista, o Professor Martinho faz sua analise do evento, fala da regulamentação da profissão de historiador e, ainda, da utilização, por parte da TV e do cinema de personagens e fatos históricos.

Revista Tema Livre – Primeiramente, o que é a ANPUH regional ?

Francisco Carlos Palomanes Martinho – ANPUH regional é a seção do Rio de Janeiro, a organização no âmbito do estado, da Associação Nacional de História. A Associação Nacional de História é uma entidade civil, criada em 1961, que congrega professores universitários de história, e que tem como finalidade mais importante a difusão de trabalhos acadêmicos dos professores afiliados a entidade.

RTL – Qual a sua analise do evento ?

Martinho – É uma analise muito positiva. Na verdade, ao contrário da maioria das outras associações acadêmicas, a ANPUH prefere fazer encontros dentro de universidades, no próprio campus universitário, ao invés de um hotel ou coisa que o valha, como a maioria das outras associações. E nós procuramos trazer para a participação da ANPUH o número maior possível de alunos tanto de graduação quanto de pós-graduação. Quer dizer, é um evento relativamente grande, relativamente oneroso, mas muito positivo. Ao final do encontro, os trabalhos aqui entregues são publicados nos anais do encontro, o que seria a última atividade da atual gestão da ANPUH. Outra coisa positiva desse encontro e que eu acho que vai dar um salto qualitativo para a associação é o fato de que nós que tínhamos uma dificuldade logística muito grande, dessa vez conseguimos uma sede própria para a ANPUH. A ANPUH agora vai ter uma sala localizada no arquivo público do Estado do Rio de Janeiro, que é o lugar ideal para uma associação de historiadores, e o nome da sala vai ser Sérgio Buarque de Holanda, em homenagem ao centenário do Sérgio Buarque. A obtenção dessa sala vai facilitar a organização da entidade, a distribuição de material junto aos associados, e o seu funcionamento naturalmente será mais eficaz do que vem sendo até hoje.

RTL – Existem planos para estender aos alunos da graduação a possibilidade de vir a filiarem-se à ANPUH para terem acesso a publicações da associação ?

Martinho – Na verdade o planejamento foi em um sentido contrário, quer dizer, o termo original ANPUH, a sigla, significava Associação Nacional de Professores Universitários de História, depois ela mudou, manteve a sigla ANPUH mas passou para Associação Nacional de História, na qual podem se filiar não só professores universitários, mas professores do ensino médio e fundamental. Nos anos 80, alunos de graduação podiam participar das comunicações coordenadas e demais comunicações, hoje, já não podem mais, uma vez que, em primeiro lugar há fóruns para os alunos de graduação participarem, nomeadamente as semanas de iniciação científica, as universidades e etc e essa é uma associação que apesar de não ser mais, ou de não se chamar mais uma associação de professores universitários é uma associação de profissionais, então ela não deve ser confundida com outro tipo de associação. Há uma reivindicação que está em aberto que é em relação à participação dos alunos que tem bolsa de iniciação cientifica, porque o CNPQ cobra desses alunos a participação em eventos acadêmicos. Alguns professores consideram ruim a ANPUH vetar a participação dos seus próprios alunos de história em um evento organizado para a difusão cientifica da história e para a difusão de trabalhos acadêmicos na área de história, quer dizer, seria ir contra o espirito da bolsa de iniciação cientifica. Então essa é uma reivindicação que vai ser posta em questão em assembléia (A assembléia, realizada após a entrevista, decidiu permitir a participação do aluno de graduação desde que tenha a orientação de um professor).

RTL – No atual contexto brasileiro, qual o papel do historiador ?

Martinho – Quer dizer, todo profissional tem uma importância muito grande. O historiador não deve, naturalmente, superdimensionar o seu papel, nem subdimensionar. O papel do historiador é importante como difusor de conhecimento e como propagador do pensamento crítico. Quer dizer, a rigor, ao contrário do que se pensou muito nos anos 70, não é exatamente o papel do historiador fazer um trabalho de intervenção. O trabalho de intervenção cabe ao político. É natural que um historiador como um cidadão é um ser político também, mas o trabalho dele será tanto melhor quanto mais critico for e quanto mais abrangente for na sua critica, quer dizer, o papel do historiador não é o papel do militante social, embora muitas vezes possam existir pontos de interseção entre um e outro.

RTL – E sobre a regulamentação da profissão, na sua opinião, isso seria algo importante ou desnecessário para o historiador?

Martinho – Esse também é um tema aberto na associação. Há colegas associados que são favoráveis e há colegas associados que são contrários, quer dizer, no encontro de Florianópolis, em 99, que foi o encontro nacional da ANPUH, essa questão foi discutida, sendo ponto de polêmica e de indagação, havendo uma tendência predominante a aceitação ao apoio da regulamentação. Eu pessoalmente sou contra, acho que há um exagero nesse bacharelismo, na necessidade de determinar, quando, na prática, você tem no Brasil um número muito grande de excelentes historiadores que não tem o diploma de história. Como você teve e tem cada vez menos, infelizmente, um número muito grande de excelentes jornalistas que não tem o diploma de jornalismo. Aliás, depois que houve a regulamentação da profissão de jornalista, os jornais se empobreceram. Claro que essa não é a única relação, mas esse é um fato. Hoje, por exemplo, figuras como João Saldanha e como Sandro Moreira não poderiam ser jornalistas, assim como figuras como Caio Prado Júnior ou Jacob Gorender não poderiam ser historiadores, embora não tenham o diploma de historiador, e são excelentes historiadores. O Gorender, aliás, não tem nem o diploma de nível superior, então essa amarra é, ao meu juízo, muito perigosa. Agora, essa é uma opinião minha, individual, como cidadão que tem opinião sobre as coisas. A Associação, de uma maneira geral, tende a ser favorável a regulamentação.

RTL – Qual o seu ponto de vista sobre a utilização por parte da TV de fatos e personagens históricos, como recentemente, houve uma série que colocou uma figura um tanto quanto polêmica do D. João, da Dona Carlota e de toda a família real?

Martinho – Olha, eu acho que aí essa questão da relação entre a arte e a história, seja literatura, seja o cinema, seja a tv, ela é sempre polêmica e provocadora de tensões. Não cabe a nós censurar o trabalho do artista, o trabalho do artista é um trabalho livre, toda criação é livre, e você pode fazer dela o que você quiser. O problema é quando essa obra literária ou artística pretende ser uma obra interpretativa de um determinado período histórico. Quer dizer, quando para além da criação artística ela tem uma visão histórica e pretende fazer opinião a partir da visão histórica que ela tem. Aí eu acho que é justo que o historiador critique o conteúdo daquilo que está sendo feito, daquilo que está sendo elaborado. Tanto nesse episódio da minissérie da Rede Globo, quanto no filme da Carla Camurati, Carlota Joaquina, que são os dois mais recentes e que causaram mais polêmica, o grande problema é que a figura do D. João foi colocada de maneira muito caricaturada, quer dizer, de maneira muito empobrecida, enquanto na verdade ele foi um grande estadista. Para o bem ou para o mal é D. João um dos responsáveis diretos pela manutenção da América Portuguesa unificada, enquanto a América Espanhola é toda retalhada em pequenas repúblicas. A América Portuguesa se manteve unificada em decorrência do papel desempenhado pelo D. João nas relações políticas, nas relações internacionais à época. Então, eu acho que é justo que o historiador critique o conteúdo, na medida em que esse conteúdo pretende de certa maneira reconstituir a história passada.

RTL – Quais são os futuros eventos que a ANPUH regional pretende realizar?

Martinho – Bom, a ANPUH realiza encontros de dois em dois anos de âmbito regional e encontros de âmbito nacional também de dois em dois anos não coincidindo os anos, então, nos anos pares, são os encontros regionais e, nos anos ímpares, são os encontros nacionais. Agora, nesse encontro, na assembléia da associação, vai ser definido o tema do próximo encontro, pois cada encontro tem um tema especifico, onde as conferências e as mesas redondas obedecem a um tema, e o desse ano é história e biografia, mas no próximo encontro vai ser outro. Agora, para além disso, nós temos vários grupos de trabalho vinculados à ANPUH, vários GTs, que pegam temas dos mais variados, desde os GTs de gênero, por exemplo, como o GT de história da ciência, GT de história agrária e esses GTS têm a obrigação, têm a função de, ao longo desses dois anos, funcionarem, quer dizer, promoverem um conjunto de atividades que não dependem desses encontros bianuais da associação. Então, a associação se mantém viva através desses grupos de trabalho, dessas pesquisas congregadas de historiadores das várias universidades daqui do Rio.

RTL – Finalizando, para associar-se a ANPUH?

Martinho – Para se associar a ANPUH tem que procurar a direção regional, se associando aqui está automaticamente associado a ANPUH nacional e a ANPUH como um todo. A obrigação do associado é pagar a anuidade, estar em dia com a mesma e, pagando a anuidade, o associado tem o direito a receber a Revista Brasileira de História, publicada pela ANPUH nacional. Então, o certo é procurar a direção da ANPUH regional. Esse ano como o encontro foi na UERJ, a direção é da UERJ, o próximo encontro provavelmente será na UFRJ, então o futuro presidente da ANPUH provavelmente será um professor do Departamento de História da UFRJ (Após a entrevista, a presidência da ANPUH-RJ passou a ser ocupada pelo professor Manuel Salgado Guimarães – UFRJ/UERJ -, tendo como vice a professora Tânia Bessone – UERJ).

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