O Atuário do Futuro

Por José Nazareno Maciel Junior

Graduado em Ciências Atuariais pela UFC/Mestre em Economia pela UFC

Gerente de Informações Estratégicas e Atuariais na Unimed Fortaleza

 

Quando olhamos para trás, a história da ciência atuarial nasce na antiga Roma com os ACTUÁRIOS, que eram os secretários do senado, que anotavam o transcurso das sessões (ATAS) e as divulgava ao povo. Posteriormente, o termos passa a estender aos escrivães públicos que tratavam dos registros dos nascimentos e óbitos e no século XVII o termo ATUÁRIO foi utilizado para identificar os pesquisadores que organizavam as tábuas de mortalidade, utilizando-se de recursos estatísticos e matemáticos.

Como já é do nosso conhecimento, o Instituto Brasileiro de Atuária (IBA) define o profissional atuário como sendo: “… o preparado para mensurar e administrar riscos, uma vez que a profissão exige conhecimentos em teorias e aplicações matemáticas, estatística, economia, probabilidade e finanças, transformando-o em um verdadeiro arquiteto financeiro e matemático social capaz de analisar concomitantemente as mudanças financeiras e sociais no mundo.”

Além desta definição acima do IBA, várias outras podem ser encontradas, mas em todas iremos encontrar a palavra “RISCO”. Portanto, em suma, somos gestores de risco (identifica, analisa, administra etc.).

As atividades elementares do atuário são: a) precificação; b) cálculo de reservas; c) modelagem de capital; e d) gerenciamento de riscos corporativos.

 

 

E com a necessidade da multidisciplinaridade nos faz levar a ter que conhecer de tudo um pouco:

Passando por esta contextualização inicial, vamos olhar agora para o futuro, criemos então uma ponte, destacando assim algumas tendências que podem ser enxergadas.

Vamos lá.

Além da Previdência, Seguros, Saúde e Capitalização

Ainda tem muito trabalho a se fazer na previdência, seguros, saúde suplementar e capitalização. Disso ninguém tem o que discutir, mas esses ramos no longo prazo estarão saturados e não conseguirão mais absorver todos os profissionais.

Então se somos profissionais preparado para mensurar e administrar riscos, qual a razão então de não ampliarmos mais esse campo de atuação? Todos os ramos de atividade possuem seus respectivos níveis de risco que podem ser analisados de forma interna (core business) e externa (mercado). Talvez não envolva diretamente aspectos demográficos e sociais como o seguro (incluindo saúde) e previdência envolvem, mas possuem sim e devem ser mensurados e administrados para evitar perdas desnecessárias e contribuir para o equilíbrio.

Ou seremos profissionais sempre dependentes de regulamentação? E mesmo os mercados que estão já regulamentados, só iremos fazer o que os reguladores exigem? Até quando faremos só o que mandam? Gestão de risco é muito mais amplo e essas lacunas podem ser perfeitamente preenchidas pelos atuários.

Era Digital

Hoje já tem muito atuário trabalhando com Business Intelligence pois diante do conhecimento de banco de dados facilita muito essa interação com as ferramentas. Mas e o Big Data? Já parou para pensar nisso?

Neste contexto, gostaria de abordar dois aspectos: a) com a chegada dos robôs que farão diversos procedimentos até então manuais para a forma automatizada, seja ela em dados estruturados e não estruturados, vejo que nós precisaremos mergulhar mais do que nunca na análise dos resultados, incrementando e muito as respostas; e b) teremos também que investir mais nas metodologia para os modelos preditivos que farão parte das estimativas também reportadas no Big Data.

Além disso, o mundo digital chegou para ficar: já existe operadora de plano de saúde totalmente digital nos EUAjá tem banco contratando gerente digitalvários serviços “uberizados” e segundo os futuristas, as maiores empresas em 2030 serão as escolar online. E onde podemos atuar nesse mundo? Penso em cursos, consultorias de forma online.

Trate um Gráfico de Distribuição de Probabilidades uma Obra de Arte

Chega de ficar só reforçando certeza de um único valor determinístico. Devemos mergulhar também no mundo estocásticos (incluindo variáveis aleatórias dos custos e também das receitas). Quero intensificar aqui a ideia da utilização de modelos estocásticos, pois não podemos ter a pretensão de achar que estamos 100% certos de que um único valor será a melhor estimativa, mesmo diante do teste de consistência. Quando estamos tratando de gestão de riscos, é interessante que esta tese venha a dar lugar aos estudos, incluindo, pelo menos, cenários. Nem que seja apenas para se ter uma ideia da volatilidade para efeito, inclusive, de estudos de solvência.

O Muro Técnico foi demolido 

A verdade é que ainda somos conhecidos, na maioria das vezes, como TÉCNICOS que possuem boa percepção analítica, conhecedores de planilhas eletrônicas e bancos de dados, exclusivamente responsáveis pelo cálculo dos prêmios, das provisões técnicas, da reserva matemática, dentre outros.

O mais importante é que a profissão siga os passos para a visão mais ampla do risco, possibilitando a união da boa técnica com uma percepção mais estratégica. Com a necessidade de: a) ter uma visão sistêmica da negócio/empresa; b) integração com profissionais de outras áreas do conhecimento; e c) ser um profissional multidisciplinar.

Outro ponto fundamental é que o atuário, além de utilizar cálculos, sejam eles determinísticos ou estocásticos, pode utilizar também, dependendo do caso e com a prudência e o bom senso necessários, o feeling (intuição), explorando assim sua subjetividade e experiência da área em que está atuando interagindo os aspectos internos e de mercado. Desta forma amplia os horizontes de atuação e não fica “preso” a uma metodologia, algumas vezes até inexistente para aplicação.

Todo Mundo Junto e Misturado

Muitas vezes isolados, vivemos em um mundo a parte onde a matemática é um dos combustíveis principais, com a cabeça voltada para o raciocínio eminentemente lógico, resumimos muitas vezes às resoluções dos problemas da vida através de fórmulas mágicas ou códigos mirabolantes do tão poderoso e inseparável Excel. Parece até que já nascemos assim!

Venhamos e convenhamos, a realidade acima existe sim, porém hoje em dia já é notório perceber um avanço no tocante a integração com outras áreas do saber e isso é necessário e fundamental, pois estimula novas ideias/soluções e estabelece um enriquecimento intelectual mútuo, ativando inclusive a subjetividade (coisa ainda distante de nós), além do fato de possibilitar cada vez mais o conhecimento da ciência atuarial pelo outros, corroborando para gestão de risco em sua essência maior. Não esqueçamos: o coletivo que faz a diferença!

Exemplos Lúdicos

A comunicação é outro fator muito importante, possuir clareza e didática para explicar algum estudo realizado é tarefa, muitas vezes difícil, principalmente quando o público não trabalha diretamente com exatas.

Portanto pare que querer explicar as fórmulas mirabolantes dos livros, as pessoas geralmente não querem saber disso, querem entender os resultados e ponto final.

Faça analogias, dê exemplos lúdicos e ilustrativos, tente transformar a matemática em algo prazeroso, pois muitas pessoas possuem trauma de números.

Abaixo um exemplo comparando as provisões com a margem de solvência na saúde suplementar:

Tchau Relatórios Imensos 

Como assim? Criatividade? Não, sou atuário e não preciso disso. Deixa isso para a área de marketing. Engano seu amigo(a)! Você pode explorar outras metodologias, você pode adaptar as metodologias existentes à realidade da empresa e preste bem atenção! A criatividade pode estar em algo muito simples, um exemplo disso é a forma de apresentação: já tentou adaptar alguma apresentação ou relatório de 200 páginas que ninguém lê para um infográfico em uma página só? É sucesso! Vai por mim!

Os especialistas mesmo recomendam a ler outros assuntos que não tem nada a ver com a sua área de atuação profissional. Assim quando surgir alguma ideia inovadora esta será o resultado de uma construção mental de partes de vários assuntos. Pense nisso!

O Lado Relacional

Na sua rede de contatos (atuários e não atuários) pode estar reservada possibilidades que, aliada aos seus valores, competência e conhecimento técnico te auxiliem na sua ascensão profissional. Sem contar que um dia, infelizmente você poderá acordar desempregado(a) e aí parte da solução do seu problema estará nela. Além disso, existe um fato notório que quando se está em um certo nível de maturidade profissional, não há mais necessidade de participar de seleções exaustivas, basta uma conversa, muitas vezes informal, com o futuro líder direto, muitas vezes, fruto de uma indicação. E não esqueçamos: o mundo é dinâmico, a vida é cíclica e o Brasil um país majoritariamente relacional.

Qualitativamente

Além das razões óbvias que já sabemos, o que leva um beneficiário ir a uma consulta eletiva? O que leva um individuo a não poupar? O que leva uma pessoa a não fazer o seguro do seu carro? O que leva a falta de interesse de um determinado produto que é julgado importante? Juntando esses questionamentos aos meus critérios de curiosidade, encontrei uma disciplina fundamental que estuda aspectos comportamentais do ser humano e que certamente agregará muito ao equilíbrio necessário do Quali Quant, a chamada Economia Comportamental.

Isto posto, devemos complementar nossas análises levando em consideração, além do lado da empresa, o lado do cliente (dependendo do ramo, lê-se cliente como segurado ou beneficiário ou participante ativo ou participante assistido ou pensionista, etc.), contemplando assim um mapeamento dos motivos pelos quais levam a praticarem iniciativas/atitudes que geram, em sua essência maior, fatos intrinsecamente ligados aos riscos inerentes ao negócio das empresas e à sociedade como um todo.

Para isso, será necessário passar por uma intensa política conceitual e multidisciplinar, fomentando assim uma base de fatos no nosso cotidiano laboral com vistas a elevar métodos de gestão.

Hoje em dia a maioria das nossas respostas são baseada pelo lado quantitativo lógico e nem sempre a tomada de decisão deve ser baseada exclusivamente por este lado, mas sim a combinação entre os dois (quali e quant).

***

Acredito que quase todas ou senão todas já não são novidades para muitos atuários.

De qualquer forma, é o que julgo ser interessante refletirmos juntos para nossa evolução e para que possamos continuar tendo importância no mercado.

Por fim, ressalto que não sou dono da verdade e diante disso, se você deseja discordar e/ou complementar alguma tendência, fique a vontade e deixe um comentário com sua opinião. Ela será bem vinda e sem dúvidas enriquecerá a nossa visão de futuro.

Fiquemos atentos a tudo.

Prof. Dr. Peter Burke

Primeiramente, como surgiu o seu interesse pela História e em qual momento da sua vida o Sr. optou por cursá-la? Como surgiu a História Cultural em sua obra?

 

As a small boy growing up just after the Second World War, I liked playing with toy soldiers. Someone gave me a book for adults called Fifteen Decisive Battles of the World. I found the text difficult but the diagrams of battles were ideal for the toy soldiers. I began to take an interest in military history, especially medieval armour and weapons and 19th-century uniforms. I became especially interested in the Middle Ages – Gothic cathedrals, romances of chivalry, heraldry, illuminated manuscripts (on display in the British Museum), medieval chronicles, etc. When I applied to Oxford, aged 17, I still thought I was going to be a medievalist, but then I discovered the Renaissance. Reading Jacob Burckhardt’s book on the culture of the Italian Renaissance was my discovery of culltural history, leading to my Culture and Society in Renaissance Italy (1972), which one reviewer called ‘the Burckhardt of the 1970s’ (actually, the book is still in print).

 

 

Como o Sr. analisa o impacto dos Annales na sua produção intelectual?

 

As a student at Oxford, I read works by Bloch, Braudel and Febvre (I think in that order) as well as new issues of  the journal Annales, and I became an enthusiast for ‘total history’ and especially the history of mentalities. When I was writing the book on the Renaissance, which was a social as well as a cultural history, I remember asking myself from time to time, How would an Annales historian approach this subject? None of them had, unless one includes Francastel, an unorthodox art historian who published something in the journal.

 

 

Uma reflexão que o Sr. propõe é pensar na História como gênero literário. Por que e como fazê-lo?

 

This is really an old idea, going back at least as far as Thucydides, who wrote history as tragedy long before Hayden White suggested ‘emplotment’. Another favourite historian of mine, Francesco Guicciardini, wrote a history of Italy in the 16th century that was also emplotted as tragedy, following the French invasion of Italy in 1494. Personally, I am most attracted to history in the ironic mode (another of White’s 4 categories, which should be at least 5, including epic). In this respect I follow Burckhardt. I would really like to be able to write history in the manner of Chekhov, producing a narrative that is comic  and tragic at the same time, but this would work better for political or maybe social hisotry rather than cultural history.

 

 

A ideia do gênero literário poderia ser expandida para outras áreas, como Antropologia, Economia, Direito, dentre outras?

 

Not only can be but has been. In anthropology, Clifford Geertz in particular was well aware of producing a literary work, while some of his ex-students contributed to a book, Writing Culture, that stressed the literary aspect of books on anthropology. The  comparison between Malinowski and Conrad (both Poles, living at the same time and  exploring worlds beyond Europe) was once bold but has become commonplace. I am not so sure about economics, but in the case of law, there is increasing interest in narrative and its conventions, a new approach to the testimonies of witnesses.

 

 

Como a História pode contribuir para a sociedade através das escolas, mas, também das universidades (onde outros cursos possuem disciplinas de História, como Arquitetura, Economia, Medicina e Matemática)?

 

In the 19th century, courses on the natural sciences usually included a history of the subject, abandoned when there was too much geology, physics, etc to teach. The history of science then turned into a speciality with courses of its own, part of the increasing division of labour inside as well as outside universities. I think that, for instance, courses on the history of architecture, given by architects for architects, make an important contribution to understanding, but this internalist approach (a history of problems and solutions) needs to be  complemented by an externalist approach by social or cultural historians, linking what happened in architecture to what happened outside it in a given period.

 

 

No contexto atual, qual a importância da divulgação científica? Na sua opinião, no que ela poderia vir a ser aprimorada?

 

In the case of the natural sciences, popularization via television is obviously important, while in some universities, chairs have been founded in ‘The Public Understanding of Science’. In the case of history, some leading scholars have shown themselves able to write for the general public as well as for specialists – Simon Schama, for instance, Carlo Ginzburg, or in the most recent generation of Annales historians, Patrick Boucheron. Things can always be improved, but looking at the disseminators, my view is optimistic. Looking at the disseminated, the readers and viewers, I am not so sure, especially in the  case of a generation more familiar with smartphones than with books.

 

 

O Sr. tem alertado sobre a importância do polímata. Assim, poderia nos falar sobre a relevância deles e da interdisciplinaridade para a sociedade em geral e, também, para os circuitos acadêmicos e para o próprio mercado de trabalho?

 

In an age of increasing specialization, we need polymaths more than ever, because they are the only individuals in a position to see connections between discoveries, problems  and solutions in different disciplines. The problem today is that there are fewer social niches for them than before. The job market has no place for them. But many polymaths have begun in one discipline and gradually extended their interests to others.

There are interdisciplinary courses in some universities (including the University of Sussex, where I began my teaching career in 1962, though the interdisciplinary project was abandoned there around the year 2000). I still believe that the best form of education in a university is to combine the intensive study of one discipline, the ‘major’ subject, with courses in other disciplines, preferably ones that connect with the  major. In the case of certain subjects, such as law and medicine, there may be a conflict between this ideal and the need for professional training, but most employers want graduates who are adaptable, whatever their subject at university. When I used to write references for my students, I emphasized, where possible, that they were quick to learn new things, and this kind of recommendation seemed to work.

 

 

Para finalizarmos, alguma projeção relativa ao que será a pesquisa acadêmica nas próximas décadas? Há, ao menos na História, a perspectiva de alguma renovação como foram os Annales?

 

Today, we see a variety of new approaches to history of which the best established and most important is surely the history of the environment. Where the Annales historians focussed and still focus on relations with the social sciences, historians of the environment need to know about natural sciences – geology, climatology, botany, etc. Other new approaches include digital history and non-human history. I don’t see any one centre dominating the scene like the Annalistes in Paris in the age of Braudel. History – like the world – is now polycentric!

A reforma da previdência de 1998 como consequência da construção do discurso hegemônico pró-neoliberalismo

Por Helena Wagner Lourenço Ferreira

(Doutoranda no PPGH/UERJ-FFP, mesmo programa no qual a autora defendeu a dissertação “O papel dos partidos políticos nas reformas da previdência de 1998 e 2003“)

 

Construção de um discurso hegemônico

 

Antonio Gramsci ensina que a dominação não está apenas no campo da coerção, ou seja, do uso da violência, mas também se utiliza da produção de consenso, formando ambas, coerção+consenso a hegemonia. Dessa forma, pode-se verificar que a reforma da previdência ocorrida em 1998 houve a utilização de coerção e consenso. Através de um processo de convencimento, feito de maneira processual, a mesma foi aceita pela sociedade, embora tratando-se de retirada de direitos conquistados pois, segundo Cox, “a hegemonia é suficiente para garantir o comportamento submisso da maioria das pessoas durante a maior parte do tempo” (COX, 2007, p.105).

 

Diante disso, Gramsci trabalha com a ideia de Estado Ampliado, ou seja, sociedade civil mais sociedade política, isto é, hegemonia revestida de coerção, não identificando, portanto, o Estado apenas como um aparelho repressivo. Assim, a hegemonia não é construída só a partir do consenso, mas também a partir da coerção. Coutinho explica

 

O Estado em sentido amplo, “com novas determinações”, comporta duas esferas principais: a sociedade política (que Gramsci também chama de “Estado em sentido estrito” ou de “Estado-coerção”), que é formada pelo conjunto dos mecanismos através dos quais a classe dominante detém o monopólio legal da repressão e da violência […] e a sociedade civil, formada precisamente pelo conjunto das organizações responsáveis pela elaboração e/ou difusão das ideologias, compreendendo o sistema escolar, as igrejas, os partidos políticos, os sindicatos, as organizações profissionais, a organização material da cultura (revistas, jornais, editoras, meios de comunicação de massa), etc (COUTINHO, 1999, p. 76 e 77).

 

No intuito de construir a hegemonia, os partidos políticos têm o papel de moldarem as opiniões do proletariado, formando uma vontade coletiva, os fazendo crer que será melhor para eles apoiar aquilo que os partidos querem, ainda que seja a diminuição dos seus direitos conquistados pela Constituição do Brasil de 1988. De acordo com Marinho,

 

Ao partido caberá a “formação de uma vontade coletiva nacional-popular,da qual (…) é ao mesmo tempo o organizador e expressão ativa e atuante” e também a missão de preparar a “reforma intelectual e moral” (MARINHO, 2006, p. 58)

 

Essas ideias não são revolucionárias, mas têm origem no país que estabelece a hegemonia, conforme afirmado por Cox

 

o grupo portador de novas idéias não é um grupo social autóctone ativamente engajado em construir uma nova base econômica com uma nova estrutura de relações sociais. É um estrato intelectual que aproveita idéias originadas de uma revolução econômica e social ocorrida anteriormente no estrangeiro […] em geral, as instituições e regras internacionais se originam do Estado que estabalece a hegemonia (COX, p. 115 e 119)

 

Neto também corrobora esse entendimento

 

[…] a imposição para a adoção da mesma cartilha [neoliberal] veio quase sempre de fora. Mas, encontrou no interior das nações lideranças classistas dispostas a adotar pontos do receituário neoliberal que se adequavam aos seus interesses. Este foi o caso do Brasil (ALMEIDA, 2012, p. 144)

 

Dessa forma, aos poucos, a classe operária passa a ser a favor de privatizações, neoliberalismo, reformas tributárias, trabalhistas, previdenciárias, sem perceber que, na verdade, as mudanças prejudicam a sua classe, interessando, apenas, à classe dominante. De acordo com Gramsci,

 

As ideias e opiniões não “nascem” espontanemanete no cérebro de cada indivíduo: tiveram um centro de formação, de irradiação, de difusão, de persuasão, um grupo de homens ou inclusive uma individualidade que as elaborou e apresentou sob a forma política de atualidade (GRAMSCI, 1989, p. 88).

 

Segundo esse autor, o convencimento da sociedade a algo se completa através do trabalho dos “aparelhos privados de hegemonia”. Ou seja, utilização de jornais, revistas, escolas, que realizam uma reforma intelectual na população, fazendo com que esta passe a querer aquilo que esses aparelhos desejam. Pois,

 

a elaboração nacional unitária de uma consciência coletiva homogênea requer múltiplas condições e iniciativas. A difusão, por um centro homogêneo, de um modo de pensar e de agir homogêneo é a condição principal […] (GRAMSCI, 2001, p. 205)

 

Em que pese esses veículos se apresentarem como “neutros”, na verdade eles funcionam como partidos, não no sentindo stricto da palavra, mas no sentido lato de “ter um lado”, não sendo imparcial, mas trabalhando para convencer o interlocutor. Assim, Marinho declara que

 

Antonio Gramsci distingue duas formas de partido: o político e o ideológico. O partido ideológico está dentro do conjunto dos aparelhos privados de hegemonia – imprensa, círculos, associações, clubes. O partido tende a transformar cada indivíduo em intelectual, mais especificamente em dirigente, ou seja, intelectual capaz de desempenhar sua “função diretiva e organizativa, isto é, educativa ou intelectual” (MARINHO, 2006, p. 69)

 

A esse respeito, Coutinho conceitua “aparelhos privados de hegemonia” como “organismos de participação política aos quais se adere voluntariamente (e, por isso, “privados”) e que não se caracterizam pelo uso da repressão” (COUTINHO, 1999, p. 76). Ou seja, são privados, mas são voltadas ao interesse público, se dirigindo a este, possuindo função pública, se tornando um formador de opinião.

 

Esses aparelhos declaram que se, por exemplo, o neoliberalismo e as reformas previdenciárias forem implementadas, haverá crescimento econômico, combate à miséria, progresso, os recursos remanescentes serão distribuídos para outras áreas, como saúde e educação, porque a sua finalidade é moldar na sociedade a opinião de que a reforma da previdência, por exemplo, é boa e necessária. Pois,

 

[…] sua finalidade é modificar a opinião média de uma determinada sociedade, criticando, sugerindo, ironizando, corrigindo, renovando e, em última instância, introduzindo “novos lugares-comuns” (GRAMSCI, 2001, p. 208)

 

Fernando Henrique Cardoso, afirmou

 

A parceria com a iniciativa privada na infra-estrutura econômica abre espaço para que o Estado invista mais naquilo que é essencial:  em saúde, em educação, em cultura, em segurança. Em suma, para que o Brasil invista mais no seu povo […] (CARDOSO, 1994, p. 21)

 

E, em seu discurso de posse, em 1995 declarou a necessidade da utilização dos aparelhos privados de hegemonia,

 

esta verdadeira revolução social e de mentalidade só irá acontecer com o concurso da sociedade […] precisamos costurar novas formas de participação da sociedade no processo das mudanças. Parte fundamental dessa tomada de consciência, dessa reivindicação cidadã e dessa mobilização vai depender dos meios de comunicação de massa (CARDOSO, 1995, p. 23)

 

E, diante desse trabalho, aos poucos, os cidadãos vão se convencendo do discurso que a classe dominante quer, atuando como uma “massa de manobra”. De acordo com Gramsci,

 

A massa é simplesmente de “manobra” e é “conquistada” com pregações morais, estímulos sentimentais, mitos messiânicos de expectativa de idades fabulosas, nas quais todas as contradições e misérias do presente serão automaticamente resolvidas e sanadas (GRAMSCI, 1989, p. 24)

 

Como já exposto, os jornais são aparelhos privados de hegemonia, atuando para a construção da mentalidade do proletariado de que a reforma da previdência se fazia necessária e urgente. No entanto, isso não impede que o historiador problematize os fatos e vários ângulos da notícia, podendo, esses periódicos serem utilizados como fontes de pesquisa. Por essa razão, algumas reportagens da Folha de São Paulo serão utilizadas no presente trabalho.

 

O PSDB, através do então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, atuou como um verdadeiro partido político, sendo líder da construção do discurso hegemônico pró-neoliberalismo, que culminou em privatizações e, também, na reforma da previdência iniciada em 1995. Durante toda a sua campanha eleitoral, o assunto era o orçamento apertado, o desequilíbrio financeiro do setor público, falência do modelo previdenciário, necessidade de diversas reformas constitucionais, disseminando o medo, levando a população a crer que se não fossem realizadas mudanças urgentes na Constituição não haveria dinheiro para pagar aposentadoria, inexistiria possibilidade de aumento do salário mínimo, etc. Em seu discurso de posse FHC declarou

 

Ao escolher a mim para sucedê-lo [Itamar Franco], a maioria absoluta dos brasileiros fez uma opção pela continuidade do Plano Real, e pelas reformas estruturais necessárias para afastar de uma vez por todas o fantasma da inflação. A isto eu me dedicarei com toda a energia, como presidente […]

o movimento por reformas que eu represento não é contra ninguém. Não quer dividir a Nação. Quer uni-la em torno da perspectiva de um amanhã melhor para todos.

 

Ainda no mesmo discurso, a questão do convencimento consta também na fala de FHC:

 

buscando sempre os caminhos do diálogo e do convencimento […] temos o apoio da sociedade para mudar (CARDOSO, 1995, p. 13)

 

E, em outro discurso, fica clara a disseminação de que se não houver reforma constitucional haverá o desequilíbrio do sistema e impossibilidade de pagamentos e aumento do salário mínimo, causando medo na população, convencendo-na da necessidade das mudanças:

 

O Fundo Social de Emergência […] é um arranjo transitório […] se ele não for substituído por medidas permanentes, o precário equilíbrio fiscal – ou o “desequilibrio controlado” como diz o ministro Sérgio Cutollo sobre as contas da Previdência – dará lugar a um desequilíbrio aberto já em 96 […] Nem há como pensar em aumento real do salário mínimo enquanto o valor dos benefícios previdenciários estiver vinculado a ele (CARDOSO, 1994, p. 24 e 30)

 

No entanto, na contramão da argumentação presidencial, o Tribunal de Contas da União (TCU) realizou auditoria nas contas da previdência e em abril de 1995 declarou, através de relatório, que em 1994 a previdência não teve déficit, mas sim, um superávit de R$ 1,8 bilhão de reais e ainda que “o INSS vem tendo superávit de caixa nos últimos três anos”( O Globo, 18. abr. 1995, p. 5). Após esse relatório, o ministro da previdência, Reinhold Stephanes (PFL), informou que esse valor é considerado reserva de caixa(Ibid, 1995, p. 5). Ou seja, em nenhum momento o ministro confrontou a informação trazida pelo TCU, o que leva a crer que de fato havia superávit e não déficit no sistema em questão, ao menos em 1994, permitindo-se, portanto, concluir a respeito da ausência de necessidade da reforma.

 

E  ainda, apesar do aumento do salário mínimo e, consequentemente, a elevação do valor das aposentadorias e pensões, o secretário-executivo da Previdência, Luciano Oliva, declarou que a Previdência Social terá superávit em 1995 e não déficit (O Globo, 31mai. 1995, p. 7), o que, mais uma vez, corrobora o relatório do TCU. Tudo leva a crer que FHC assumiu o poder Executivo sem déficit no sistema previdenciário, sem necessidade de reforma, mas devido à imposição da construção da hegemonia neoliberal, realizou a mudança no sistema previdenciário, prejudicando a classe dominada, ou seja, a classe mais desfavorecida, como os trabalhadores.

 

Discurso hegemônico pró-neoliberalismo em âmbito internacional

 

A construção de um discurso hegemônico pró-neoliberalismo não ocorreu apenas em âmbito nacional, mas também a nível internacional. As organizações multilaterais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial também são utilizadas como aparelhos privados de hegemonia, sendo usados pelos Estados Unidos para que os países subalternos implantassem a nova ordem internacional. Dessa forma, nas décadas de 1950 a 1980, os países da América Latina se desenvolviam através de financiamento a juros baixos. No entanto, tendo em vista a segunda crise do petróleo, ocorrida em 1979, houve o aumento dos juros impostos pelo FED (Banco Central dos Estados Unidos), como uma política de defesa do dólar, que foi acompanhado por diversos outros países, como a Inglaterra.

 

Devido ao aumento dos juros, os países em desenvolvimento que haviam realizado empréstimos tiveram dificuldades para honrar com os seus pagamentos, ocorrendo aumento da inflação, queda de renda, aumento do desemprego e, em 1982, o México declarou moratória. Ou seja, estava-se diante da chamada “crise da dívida externa”. Belluzzo e Galipolo afirmam:

 

Em Belgrado, na reunião do FMI em 1979, o presidente do FED – o Banco Central americano – Paul Volcker, deixou os europeus falando sozinhos, voltou para os Estados Unidos e deflagrou o famoso choque de juros de outubro de 1979, alçado até 20% em abril de 1980 e provocando uma quebradeira geral, sobretudo dos endividados, como o Brasil (BELUZZO, 2017, p. 27)

 

Diante desse cenário, os países recorreram a empréstimos junto ao FMI (instituição pública, mantida através do financiamento e voto de seus países membros, onde apenas os Estados Unidos tem poder de veto, dando a este país extrema vantagem diante dos outros).  Quanto a isso Stiglitz expõe que,

 

O FMI é uma instituição pública, mantida com dinheiro fornecido pelos contribuintes do mundo todo. É importante lembrar disso porque o Fundo não se reporta diretamente nem aos cidadãos que o financiam nem àqueles cuja vida ele afeta. Em vez disso, reporta-se aos ministros da fazenda e aos bancos centrais dos governos do mundo […] mas as principais nações desenvolvidas comandam o espetáculo, sendo que somente um país, os estados Unidos, tem poder de veto (STIGLITZ, 2003, p. 39)

 

Esses empréstimos vinham acompanhados de exigência do cumprimento de algumas condições, como ajuste fiscal, diminuição da máquina do Estado, privatizações e, segundo o referido autor, quem “não seguir as regras do jogo, pode ser excluído do sistema de crédito internacional” (SCHWARTZ, 2008, P. 257), não permitindo ao país receptor da ajuda financeira governar a sua nação implantando as medidas que ache cabíveis. Em vez disso, a política econômica a ser colocada em prática já está pré-determinada pela hegemonia do capital financeiro. Dessa forma, o FMI foi usado como uma forma de universalizar o discurso hegemônico e impor o modelo econômico neoliberal aos países endividados. Verifica-se que

 

No nível exclusivo da política externa, as grandes potências têm uma liberdade relativa de determinar suas políticas externas em resposta a interesses nacionais; as potências menores têm menos autonomia. A vida econômica das nações subordinadas é invadida pela vida econômica de nações poderosas […] o Estado dominante encarrega-se de garantir a aquiescencia de outros Estados de acordo com uma hierarquia de poderes na interior da estrutura de hegemonia entre os Estados (COX, 2007, p. 114 e 120)

 

Pontua-se, ainda, que em 1989 ocorreu o Consenso de Washington que consistiu em um seminário com representantes de instituições financeiras como o FMI, Banco Mundial e o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos, no intuito de “ajudar” a economia dos países em desenvolvimento, para que estes conseguissem arcar com os seus compromissos financeiros. Ou seja, na verdade, o intuito da reuinão foi impedir que os bancos privados recebessem um calote e o sistema financeiro internacional sofresse prejuízo. Nessa encontro, ficou determinado que os países ajudados financeiramente deveriam implementar dez medidas: disciplina fiscal, redução dos gastos públicos, reforma tributária, determinação de juros e câmbio pelo mercado, liberalização do comércio, investimento estrangeiro direto sem nenhuma restrição, privatização das empresas estatais, desregulamentação e respeito à propriedade intelectual. A respeito do assunto Rafael Vaz da Motta Brandão afirma que

 

[…] o congresso realizado na capital dos EUA, permitiu a elaboração de um conjunto de medidas neoliberais que deveriam ser seguidas pelos países da América Latina em troca da continuidade do financiamento por parte das agências e organismos internacionais (FMI e Banco Mundial). A esse conjunto de medidas deu-se o nome de “consenso de Washington”. Basicamente, podemos afirmar que o consenso de Washington fazia pate de amplo conjunto de reformas neoliberais que estava centrado na desregulação dos mercados, na abertura comercial, na liberalização dos fluxos de capitais, em uma rigorosa política monetária e fiscal e, fundamentalmente, na redução do papel do Estado nos países latino-americanos (BRANDÃO, 2013, p. 61).

 

Verifica-se que as “orientações”, em termos práticos, não passavam de verdadeiras imposições, construindo-se um discurso hegemônico mundial a favor de contrarreformas, ou seja, mudanças contrárias aos interesses da classe trabalhadora, transformando esse padrão em um modelo a ser imposto aos países latino-americanos. A esse respeito Cox afirma

 

[…] uma hegemonia mundial é, em seus primórdios, uma expansão para o exterior da hegemonia interna (nacional) estabelecida por uma classe social dominante. As instituições econômicas e sociais, a cultura e a tecnologia associadas a essa hegemonia nacional tornam-se modelos a serem imitados no exterior. Essa hegemonia expansiva é imposta aos países mais periféricos como uma revolução passiva (COX, 2007, p. 118)

 

Vale ressaltar que, segundo Stigliz, essas instituições são controladas pelos interesses dos países industrializados mais ricos do mundo, onde opera a hegemonia do capital financeiro, não representando, portanto, as pretensões dos países que são obrigados a realizarem as reformas estruturais em troca de benefício financeiro. Nas palavras de Stiglitz:

 

As instituições são controladas não só pelos países industrializados mais ricos do mundo, mas também pelos interesses comerciais e financeiros desses países […] embora quase todas as atividades atuais do FMI e do Banco Mundial sejam no mundo em desenvolvimento (com certeza, todas relativas a empréstimos), elas são conduzidas por representantes das nações industrializadas (por acordo tácito ou de praxe, o diretor do FMI é sempre europeu e o diretor do Banco Mundial, norte-americano). Eles são escolhidos a portas fechadas e nunca foi considerado pré-requisito  que esse profissional tenha qualquer experiência no mundo em desenvolvimento. As instituições não são representativas das nações a que servem […] A instituição, na verdade, não tem a pretensão de ser uma especialista em desenvolvimento STIGLITZ, 2003, p. 46 e 63)

 

Desta forma, verifica-se que os Estados Unidos, utilizando essas organizações como instrumento de poder, como meio de disseminação de hegemonia, determina a política que será implantada nos outros países, que, juntamente com governos classistas, facilita a imposição da hegemonia que os Estados Unidos quer. Segundo Cox

 

As instituições internacionais também desempenham um papel ideológico. Elas ajudam a definir diretrizes políticas para os Estados e a legitimar certas instituições e práticas no plano nacional, refletindo orientações favoráveis às forças sociais e econômicas dominantes (COX, 2007, p. 120)

 

Diante disso, é notória a rendição do Brasil a essas instituições financeiras, basta verificar a quantidade de empréstimos que o então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, conseguiu junto ao FMI. Segundo o jornal Folha de São Paulo

 

FHC fechou três acordos com o FMI […]Durante o governo Fernando Henrique Cardoso, foram fechados outros dois acordos com o FMI […] o primeiro, foi fechado em novembro de 1998 […] o acordo fechado em novembro de 1998 previa metas de ajuste fiscal até o final de 2001. Foram definidas metas de superávits primários (receitas menos despesas sem incluir despesas com juros) a cada trimestre e todas foram cumpridas. A cada revisão do acordo, feita pela missão técnica do FMI, o país tinha direito a um novo saque dos recursos disponibilizados. O Brasil não chegou a sacar todos os recursos a que tinha direito nesse acordo. Apesar disso, em setembro de 2001[…] as turbulências do mercado internacional […] forçaram o governo brasileiro a assinar um novo acordo com o Fundo. Esse novo acordo […] cancelou o crédito restante do acordo de 1998 […] o governo brasileiro teve que recorrer ao FMI em junho [do ano de 2002] (Folha de São Paulo, 07 ago. 2002).

 

Após emprestar o dinheiro e definir as metas, o FMI realiza visitas para verificar se estas estão sendo cumpridas. É possível perceber que todas as medidas impostas pelo Fundo foram cumpridas durante o governo mencionado. Se elas não haviam sido satisfeitas, não seria viável os recebimentos posteriores, pois “se um país não puder apresentar um número mínimo de parâmetros, o FMI suspende a ajuda e, geralmente quando o faz, outros doadores também o fazem” (STIGLITZ, 2003, p. 56).  Além disso, segundo Brandão, “o maior doador da campanha de FHC em 1998 foi o grupo Itaú” (BRANDÃO, 2003, p. 107), demonstrando como o governo brasileiro estava “jogando o jogo” dos interesses dos bancos e do sistema financeiro internacional, não governando conforme os interesses da população, se permitindo ser refém da imposição do discurso hegemônico pró-neoliberalismo.

 

Ao se construir o discurso pró-neoliberalismo, no século XX, as promessas eram de crescimento econômico, progresso, combate à miséria, mas não foram cumpridas. O que se viu em diversos países foi aumento do desemprego, crises financeiras cada vez mais frequentes, elevação da pobreza, conforme apontado por Stigliz.

 

Pode-se até considerar que o neoliberalismo foi bem sucedido no que diz respeito à redução da inflação, trazendo uma estabilidade macroeconômica, de uma maneira geral, aos países que o implementaram. Contudo, o preço que a sociedade paga por esse benefício é bem caro, pois, o resultado dessas implementações de medidas de caráter liberal tem sido retirada de direitos, através de contrarreformas tributárias, trabalhistas, previdenciárias, privatizações, aumento do desemprego, desigualdade, pobreza, caos político e social, recessão, redução de gastos sociais, segundo Pires. No entanto, nada disso atinge negativamente o sistema financeiro porque,

 

Partindo do pressuposto de que só o capital concentrado cria riquezas, isto é, aumento de capital significa investimentos, o desemprego, ou melhor, a taxa natural de desemprego, que faz diminuir os salários, garante maior taxa de lucro e, portanto, maior acumulação de capital. Desta forma, o desemprego não é uma consequência indesejada da economia neoliberal, mas um de seus componentes estratégicos (PIRES, 1999, p. 43).

 

E Varoufakis completa

 

É como se as sociedades capitalistas fossem desenhadas para gerar crises periódicas, que vão piorando na medida em que retiram o trabalho humano do processo de produção e o pensamento crítico do debate público (VAROUFAKIS, 2017, p. 48).

 

Conclusão

 

Diante do exposto, verifica-se que Gramsci entende que o discurso hegemônico é construído através de coerção e consenso. Através da atuação dos partidos políticos, reafirmados pela utilização dos aparelhos privados de hegemonia, ocorre uma reforma intelectual na classe subalterna e esta, por sua vez, passa a querer aquilo que a classe dominante deseja, se comportando como uma massa de manobra.

 

Dessa forma, a classe dominada passa a ser a favor de privatizações, contrarreformas, neoliberalismo, etc, sem perceber que essas mudanças só os prejudicam, pois retiram direitos consagrados na Constituição, ocasionando aumento do desemprego e da pobreza, por exemplo. Nesse contexto, no caso brasileiro, verifica-se que a reforma da previdência de 1998, durante o governo de FHC foi consequência da construção do discurso hegemônico pró-neoliberalismo.

 

A construção da hegemonia não se dá apenas no campo nacional, mas também em âmbito internacional. Através do uso das instituições multilaterais, como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, os países em desenvolvimento se vêem obrigados a implantar a nova ordem internacional. Pois, ao solicitarem empréstimos a essas organizações, são obrigados a cumprirem diversas exigências que culmina na retirada de direitos da sociedade através de contrarreformas, privatizações, diminuição da máquina do Estado, entre outras de caráter liberal.

 

Diante da quantidade de empréstimo que FHC conseguiu com o FMI durante o seu governo, bem como por ter sido um banco o maior doador da sua campanha, é indubitável sua rendição à dominação da hegemonia do capital financeiro, demonstrando que a reforma previdenciária realizada durante o seu governo não passou de mais uma exigência do grande capital e da construção da hegemonia pró-neoliberal em âmbito internacional que não encontrou resistência durante o seu governo.

 

Referências bibliográficas

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BELLUZO, Luiz Gonzaga; GALÍPOLO, Gabriel. Manda quem pode, obedece quem tem prejuízo. São Paulo: Ed. Contracorrente, 2017.

BRANDÃO, Rafael Vaz da Motta. Ajuste neoliberal no Brasil: desnacionalização e privatização do sistema bancário no governo Fernando Henrique Cardoso (1995/2002). 2013. Tese (Doutorado em História) – Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2013.

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COX, Robert. Gramsci, hegemonia e relações internacionais: um ensaio sobre o método. In: GILL, Stephen (org.). Gramsci: materialismo histórico e relações internacionais. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2007.

COUTINHO, Carlos Nelson. Gramsci: um estudo sobre seu pensamento político. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999.

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GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, vol. 2

GRAMSCI, Antonio. Maquiavel, a Política e o Estado Moderno. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1989.

JORNAL  O GLOBO. Diversos números. 1995.

MARINHO, Pedro Eduardo Mesquita de Monteiro. O Centauro Imperial e o “Partido” dos Engenheiros: a contribuição das concepções gramscianas para a noção de Estado Ampliado no Brasil Império. In: MENDONÇA, Sonia Regina de (org.). Estado e Historiografia no Brasil. Niterói: Ed. UFF, 2006.

SCHWARTZ, Gilson. Conferência de Bretton Woods (1944). In: MAGNOLI, Demétrio (org.). História da paz. São Paulo: Editora Contexto, 2008.

STIGLITZ, Joseph E. A globalização e seus malefícios: a promessa não-cumprida de benefícios globais. São Paulo: Ed. Futura. 4a edição, 2003.

VAROUFAKIS, Yanis. O minotauro global: a verdadeira origem da crise financeira e o futuro da economia. São Paulo: Editora autonomia literária, 2017.

A Arquitetura do Convento dos Lóios de Santa Maria da Feira: relação entre as formas*

Por Jéssica Alves Fontes

Mestre em Ensino de História no 3.° Ciclo do Ensino Básico e no Ensino Secundário. Licenciada em História da Arte pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Correio electrónico: up201303797@letras.up.pt.

 

  1. Introdução

 

Este convento confinado à regra que regulava a Congregação de São João Evangelista é resultado de uma época e meio no qual está inserido. Uma congregação que ao longo do tempo vai adquirindo uma boa imagem e protecionismo por parte da realeza portuguesa e outras figuras ilustres, pelo prestamento de um serviço de excelência nas missões de evangelização, assim como, na administração dos melhores hospitais do país.

A escolha desta congregação para o novo convento do Espírito Santo da Feira deve-se ao grande desejo por parte da família Forjaz Pereira, nomeadamente D. Manuel Forjaz Pereira e seu filho, D. Diogo Forjaz Pereira, que tinham como ambição a construção de um convento não só para o seu benefício, como também para habitantes da vila.

Embora a questão da encomenda esteja mais do que entendida, as imensas transformações que este convento sofreu ao longo do tempo, levaram consequentemente à ausência de documentação manuscrita referente a quem pertence ao certo o traço do convento, da igreja, bem como o envolvimento de possíveis artistas na sua edificação. “(…) por isso venho escrever da Feira, terra importante, mas pobre em documentos antigos para a sua história, para a história do seu colégio[1].”

Com efeito, foram várias as circunstâncias que levaram a esta escassez de fontes, como a extinção das Ordens Religiosas em 1834, que fez com que a parte sul do convento ficasse sob a posse da Câmara, sofrendo posteriormente diversas alterações para poder albergar o Tribunal e as Conservatórias. E mais tarde, em 1878, o antigo refeitório passou a ser uma sala de espetáculos, o Real Teatro de D. Fernando II[2].

Na atualidade, apenas a igreja do convento possui o traço original, uma vez que não sofreu alterações significativas ao longo do tempo, o mesmo não aconteceu nas suas dependências, como é o caso da zona claustral que para além das modificações fruto das consequências acima referidas, teve que se adaptar para a construção do museu[3].

Assim sendo, iremos nos deter sobretudo na análise do corpo da igreja conventual através da observação em confronto com arquiteturas contemporâneas e contíguas ao nosso objecto de estudo, como também com a tratadística.

Deste modo, dos diversos tratados que circularam em Portugal, como o Tratado de S. Carlos Borromeu, Instruciones Frabricae et Supellectilis Ecclesiasticae de 1577, o Tratado de Vitrúvio, De Architectura Libri Decem, do século I a.C, De Architectura de Libri Quince, de Sebastiano Serlio, que disseminou a serliana, um motivo de Palladio, destacamos o tratado flamengo do arquiteto Hans Vredeman de Vries, Architectura oder Bauung der Antiquen auss dem Vitruvius, de 1577 e o de Wendel Dietterlin[4], uma vez que encontramos presença de uma gramática decorativa na fachada e no interior da igreja de influência flamenga, como as cartelas com enrolamentos e pontas de diamante. Este último tratado, possivelmente circulou entre o Norte e Centro de Portugal, fruto de intercâmbios entre artistas.

Assim, pretendemos aferir quais os possíveis arquitetos que terão trabalhado na igreja conventual dos Lóios da Feira e entender sua a linguagem artística.

 

  1. Especificidades da Congregação

 

A congregação vai se desenvolvendo progressivamente e a sua popularidade na sociedade e na corte vai permitir a construção de nove casas religiosas em Portugal. Nomeadamente, a casa em estudo foi a sétima a ser construída.

Neste sentido, a arquitetura elegida para estes espaços teria que permitir a dinâmica da vida religiosa comunitária, uma vez que tinham como propósito alcançar a vida evangélica e comunitária[5]. Na crónica O Ceo aberto na Terra, o autor descreve que os cónegos azuis “forão os primeiros clérigos seculares viventes em commum”, no reino português[6]. Além do mais, o Convento dos Lóios de Santa Maria da Feira é um excelente exemplo disso, tendo sido implantado junto da população e perto do Castelo. Dado que, o trabalho da comunidade consistia na pregação, doutrinação, ensino e missionarismo, algumas das casas contruídas para esta congregação como o colégio de Vilar e de Santo Elói de Lisboa, tiveram a função de colégio. Neste sentido, vários autores como António Ferreira Pinto colocam a hipótese de o Conventos dos Lóios da Feira ter tido esta função.

De facto, devido às dificuldades financeiras para finalização das obras do corpo da igreja, no final do século XVII, a Câmara da Feira propõe o assentamento de uma taxa de um real em cada quartilho de vinho vendido na vila. Em troca, os padres teriam que ensinar latim a todos os fregueses que quisessem estudar. Uma grande estratégia por parte da Câmara, remetendo as despesas e encargos da igreja no povo, ao mesmo tempo que estabelecia o ensino na vila. Deste modo, estamos perante o ensino do Convento dos Lóios da Feira, mas não é suficiente para sustentar a hipótese do edifício se tratar de um colégio.

É certo, que o edifício em estudo é organizado por duas portarias e claustro, o que remete para uma organização semelhante a um colégio. No entanto, não existe informação que comprove o ensino neste convento e não é de todo o foco deste artigo.

 

  1. A Fundação do Convento da Feira

 

Existiam duas pequenas ermidas na época, uma no local onde foi construído o convento com o seu orago dedicado ao Espírito Santo, e outra na freguesia de S. Nicolau onde a Congregação esteve instalada numa primeira fase[7].

No entanto, os condes da Feira desejavam a construção de um convento para seu benefício perto do castelo, assim como para os seus habitantes da vila. Assim, uma das principais razões que levaram à escolha da Congregação dos Lóios para a construção de um Convento na Feira foi a pertença à congregação por parte de dois dos filhos do Conde – D. Leonis e Rodrigo de Madre Deus. Para além disso, era uma congregação protegida do rei e permitiria a construção de um cemitério próprio para os Condes da Feira. De igual modo, os habitantes da vila poderiam também ter a possibilidade de cura espiritual. Neste sentido, no ano de 1560 é lançada a primeira pedra da igreja, onde outrora estava a Ermida do Espírito Santo[8], e em 1566 já estava pronta a habitar[9].

Aqui vivião pelos annos de1560 o quarto Conde da Feira D. Diogo Forjaz, & sua mulher a Condeça D. Anna de Meneses, os quaes desejavam ter naquela Villa hum convento de religiosos, em beneficio seu, & de seus vassalos. Seu, porque em quanto vivos terião no convento quem lhe fisesse cõpanhia, & assitencia, & depoes de mórtos terião quem lhe désse sepultura, & lhe rogasse pela alma[10].

De acordo com Carlos Ruão era necessário aumentar a monumentalidade da obra e deste modo, em 1580, o conde D. Diogo contrata o mestre Jerónimo Luís para a obra de pedraria da capela-mor. No entanto, com a morte de D. Diogo as obras pouco avançaram, sendo lançada a primeira pedra para a sua construção a 6 de abril de 1618. O mestre pedreiro Jerónimo Luís foi responsável pela edificação da abóbada e do claustro circular do Mosteiro da Serra do Pilar, em Vila Nova de Gaia, projetado por João de Ruão. Com efeito, até este momento estava concluído o arco cruzeiro, mas dada a imponência do desenho da capela-mor foi necessário executar um novo arco, sendo lançada a primeira pedra a 30 de junho de 1625, já na responsabilidade de outro mestre pedreiro, Francisco Carvalho[11], oriundo do Porto, sendo substituído após a sua morte pelo mestre Valentim Carvalho, também proveniente do Porto[12].

As obras para corpo da igreja permaneciam em atraso por falta de apoios financeiros e para ajudar na progressão da construção, alguns cidadãos tinham a pretensão de dar alguns contributos. De igual modo, o crescimento da comunidade dificultava ainda mais a situação e a necessidade de receber um maior número de rendas era cada vez mais urgente. Assim, em 1623 habitavam apenas quatro religiosos e entre 1639 a 1641 o administrador das obras, Pantaleão de S. Tiago registou o total de nove celas no convento, em que seis delas estavam ocupadas. De igual modo, o mestre padre Jorge São Paulo mencionava que em 1658 estavam dez religiosos a ocupar o convento[13].

Por outro lado, a encomenda de missas perpétuas por parte dos fregueses pelas suas almas e dos seus familiares, contribuíram para o acúmulo de alguns rendimentos para a continuidade da comunidade. Posteriormente, em 1693 estava terminado o novo arco cruzeiro, mas uma vez que a congregação estava com escassez de meios financeiros para a continuação das obras solicitaram apoio junto à Câmara Municipal. O apoio foi concedido com a contrapartida de os frades lecionarem aulas de latim à comunidade[14]. Deste modo, conseguiram não só a colaboração da Câmara Municipal como do poder régio, auferindo-lhes a taxa de um real por cada quartilho de vinho, num período de cinco anos[15].

Neste sentido, a construção do corpo da igreja passou a estar à responsabilidade do construtor Domingos Moreira a 3 de outubro de 1692, proveniente de Moreira, na Maia. Este teve como obras a seu cargo o aqueduto do Mosteiro de Stª Clara de Vila do Conde. Por volta de 1705 concluiu-se o coro-alto e o batistério. A fachada apenas possuía a torre norte[16], sendo que a torre sul apenas fica concluída em 1743[17].

 

  1. Observação do objeto de estudo: análise arquitetónica e relação entre as formas

 

Os cónegos azuis foram os primeiros clérigos seculares a viverem em comunidade[18] e podemos observar essa característica na escolha do lugar para a implantação deste convento, inserido perto da população e próximo ao Castelo segundo a vontade de D. Diogo Forjaz Pereira.

Assim, a igreja surge implementada geograficamente sobre um ponto alto perto do rossio e próximo do castelo, desafogada de envolventes, destacando a fachada da igreja em relação ao seu entorno. Se a área geográfica de implementação fosse plana, deveria construir-se de forma a ascender à igreja, três ou cinco degraus. Estes princípios estão de acordo com o tratado de S. Carlos Borromeu presentes no capítulo I. De igual modo, a aplicação de princípios das práticas arquitetónicas é recuperada do Renascimento após o concílio de Trento e da tradição greco-romana descrita no tratado de Vitrúvio que refere a construção dos templos em locais elevados – locais limpos, secos, sem imundices, com espaços que permitem a circulação, boa captação de sol, ou seja, boas condições de salubridade para evitar doenças.

 

Os templos sagrados dos deuses, que se consideram ser a mais alta tutela da cidade, Júpiter, Juno e Minerva, dever-lhes-ão ser distribuídas zonas no lugar mais elevado, de onde se possa observar a maior extensão do recinto fortificado[19].

 

Fig.1. Fotografia aérea do Convento dos Lóios de Santa Maria da Feira.

 

No caso da necessidade da construção de degraus na fachada estes deveriam ser em número ímpar e com medidas que permitam uma subida harmoniosa. Posto que, o terreno apresenta uma desigualdade de cota a igreja em estudo apresenta um número de degraus superior a cinco, através da configuração de uma enorme e majestosa escadaria com a largura idêntica à igreja conventual, composta por dois lanços de escadas duplos e convergentes, estabelecidos por patamares ornamentados que conferem um enquadramento cenográfico e teatral na sua envolvente.

No frontispício, os degraus deverão ser dispostos de tal modo que sejam sempre ímpares: pois como se sobe o primeiro degrau com o pé direito, também este será o primeiro a atingir a parte superior do templo. Sou da opinião de que a altura destes degraus deverá ser definida de modo que não fique maior que cinco sextos do pé nem menos que três quartos; deste modo, a subida não será custosa. Quanto à largura dos degraus, considera-se que não deverá ser inferior a um pé e meio nem superior a dois[20].

A parte inferior foi alvo de modificações no entanto, Paulo Roberto Nogueira acredita que os dois lanços divergentes que partem do terceiro patamar assinalam o fim da obra original e começo de algumas variações[21] O segundo patamar definido pelo adro da igreja, é constituído por vários sepulcros e por um cruzeiro, formado por uma coluna assenta sobre o soco com capitel coríntio que por sua vez é rematada por uma esfera que suporta a cruz latina. De uma forma geral, a escadaria é ornamentada com pequenos pináculos e elementos curvos.

Nomeadamente, após a subida da escadaria deparamo-nos com a igreja e o corpo monástico anexado a ela. Segundo o tratado de S. Carlos Borromeu, a igreja deveria assemelhar-se a uma ilha, com as suas paredes separadas das paredes dos edifícios envolventes, como casas de habitação[22]. No entanto, tratando-se de uma igreja conventual, dado a sua natureza funcional possui algumas das suas paredes ligadas às do corpo monástico.

A fachada principal (fig.2) está ladeada por torres sineiras elevadas em relação ao corpo central e sobre o mesmo plano da fachada. De certo por uma questão de regularidade da fachada, posto que compõe o equilíbrio da mesma. No topo do frontão surge o relevo de uma águia, o tetramorfo de S. João Evangelista. De facto, trata-se do único elemento iconográfico presente nesta fachada, uma vez que a Congregação não possuía muitas imagens de santos associadas, sendo a figura principal S. João Evangelista, aquela que denomina a própria Congregação.

 

Fig.2. Fachada da Igreja do Convento dos Lóios da Feira, 2019. Foto de Jéssica Fontes.

Nomeadamente a composição central da fachada é definida por dois corpos revelando uma horizontalidade e um eixo médio vertical que marca o ritmo – a porta rematada com frontão, a grande janela e as seis pilastras interrompidas que ladeiam estes elementos. Estes dois corpos são separados por um entablamento muito simples e depurado de qualquer ornamentação. Por sua vez, esta composição termina com outro entablamento semelhante ao inferior e é rematada através de um grande frontão triangular que confere um sentido plástico e valoriza a fachada, conferindo todo um programa arquitetónico que monumentaliza o acesso ao templo.

Para além disso, ao observarmos atentamente os dois pisos, conseguimos constatar que estes não obedecem ao ideal da ordem arquitetónica concebida pelo Renascimento que defendia a sobreposição de ordens, ou seja, a ordem toscana deveria estar em baixo e a jónica em cima. No entanto, o autor do traço da fachada optou por inverter as ordens, algo inconcebível para os artistas renascentistas que apenas faziam a supressão de uma ordem na sucessão, estando sempre a ordem toscana ou dórica na base, com a finalidade de suportar o piso superior. Neste caso, o autor optou por colocar a ordem mais delicada, a jónica no piso inferior e a mais robusta, a toscana no piso superior. Neste sentido, esta inversão faz-nos colocar desde logo as seguintes questões: O que levou o arquiteto a inverter as ordens? E onde foi encontrar este tipo de solução? – desde logo, se recuarmos até Miguel Ângelo poderemos obter resposta à segunda questão, dado que este ousou romper com quase todos os modelos pré-estipulados, realizando variadas possibilidades de combinações, ao duplicar colunas e inverter capitéis como podemos observar na Biblioteca Laurenciana.

Aliás, é de destacar também os dois relógios presentes nas torres que ladeiam o corpo central da fachada. Estes apresentam uma moldura em rollwerk (fig.4), enrolamentos embelezados de influência nórdica. Curiosamente, o Mosteiro de Grijó, um dos complexos monásticos contíguos ao Convento dos Lóios, apresenta uma solução semelhante no relógio da fachada, em que o possível autor do traço seria Francisco Velasquez[23] (fig.3). De igual modo, conseguimos estabelecer as mesmas relações com o tratamento plástico do claustro do Mosteiro da Serra do Pilar (fig.5), a cargo do mestre pedreiro Jerónimo Luís, um dos primeiros mestres a cargo do projeto do Convento dos Lóios da Feira.

 

Fig.3. Pormenor do relógio da Igreja do Mosteiro de Grijó, 2019. Foto de Manuel Botelho.
Fig.4. Pormenor do relógio da Igreja do Convento dos Lóios da Feira, 2008. Autor desconhecido.

 

 

 

Fig.5. Claustro do Mosteiro da Serra do Pilar, Vila Nova de Gaia. 1998. Foto de Luís Ferreira Alves. Acervo do Sistema de Informação para o Património Arquitetónico.

 

De um modo geral, estamos perante uma fachada simples, mas com um desenho arquitetónico interessante, através a inversão das ordens clássicas e da ornamentação dos relógios que remete para a linguagem artística do norte da europa.

No que diz respeito ao interior da igreja, esta apresenta uma planta longitudinal (fig.6) de nave única, com uma composição arquitetónica simétrica, apresentando proporções aproximadas ao corpo humano[24]. Porém, a igreja em estudo apresenta transepto inscrito, que corresponde apenas a uma pequena fração do braço humano, mas que vai de encontro à própria evolução da arquitetura e necessidade emergente na época, a criação de um espaço amplo, para que os fiéis conseguissem observar todos os acontecimentos que decorriam na capela-mor.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fig.6. Planta do Convento dos Lóios de Santa Maria da Feira.

 

O corpo da igreja divide-se em três tramos: o inicial, onde se situa o coro alto, e os outros dois às capelas laterais, sendo cada um deles definido por largas pilastras toscanas dispostas simetricamente (fig.7). O primeiro tramo que é ocupado em parte pelo coro alto apoia-se num arco inserido na parede da entrada, e num outro abatido aos pés da nave. O restante espaço foi aproveitado através da abertura de portas, sendo que a da direita concede acesso ao claustro.

Nos outros dois tramos, abrem-se entre as pilastras toscanas os arcos das quatro capelas laterais – duas de cada lado. Por sua vez, estes arcos são rematados por um entablamento. As capelas laterais inscrevem-se na planta de forma a que o seu eixo seja perpendicular ao da nave. Estas capelas são comunicantes entre si, através de corredores que servem de confessionários.

Neste sentido, o interior da nave central é animado através da articulação de elementos que se remetem num módulo – capelas laterais, nichos e largas pilastras toscanas, entre as quais as duas centrais parecem também ter nichos na parte superior, mas não possuem qualquer imagem de santos.

É de salientar os dois últimos tramos da igreja que para além das capelas laterais, possuem confessionários relevados em granito por baixo dos nichos do corpo da igreja, inseridos na espessura da parede entre os arcos das capelas laterais, revelando a preocupação do artista em dar funcionalidade às paredes da igreja. Estes confessionários em granito são enobrecidos plasticamente através do enquadramento com formas espirais, volutas que intencionalmente ou não, são trabalhadas de forma diferente, ou seja, uma voluta não é igual à outra.

Fig.7. Nave da Igreja do Convento dos Lóios de Santa Maria da Feira, 2019. Foto de Jéssica Fontes.

 

O transepto é inscrito de acordo com a largura da nave, não excedendo cada um dos seus braços à linha exterior traçada pelas capelas. À semelhança do que acontece nos dois tramos mais avançados da nave, em cada uma das paredes de topo dos braços do transepto abre-se um arco no qual se insere um retábulo, sendo este simetricamente ladeado por duas portas sobrepujadas por janelões. Estas portas são no braço esquerdo falsas, e no direito dão acesso respetivamente à sacristia e ao claustro. O revestimento das paredes do transepto é feito através de um esquema de azulejos 12×12 do século XVII, onde podemos observar o emprego do azul-cobalto e do amarelo antimónio, conferindo um grande efeito plástico através da diagonal.

No entanto, é no transepto que conseguimos mais uma vez detetar relações com o Norte da Europa e com arquiteturas próximas ao nosso objeto de estudo que terão sido construídas em datas aproximadas. Num detalhe quase impercetível, localizado no entablamento do transepto, por de baixo da cornija, surge uma decoração pétrea com formas em ponta de diamante articuladas com formas ovais (fig.8), que revela assimilações da tratadística flamenga, nomeadamete com o tratado de Vrederman de Vries[25]. Neste sentido, este tipo de decoração encontra-se no friso do entablamento da capela-mor da Igreja da Misericórdia do Porto (fig.9), pelo arquiteto Manuel Luís, por volta de 1590[26], na parte inferior da cornija da fachada da Igreja da Misericórdia de Aveiro (fig.13), da autoria de Gregório Lourenço e no arco cruzeiro e abóbada da capela-mor da Igreja do Colégio de São Lourenço do Porto.

Além disso, conseguimos perceber outras relações no que diz respeito ao transepto a partir dos caixotões da cobertura da capela-mor da Igreja da Misericórdia do Porto (fig.9), bem como os da cúpula do Mosteiro da Serra do Pilar (fig.10), sob a responsabilidade do mestre pedreiro Jerónimo Luís. Como podemos ver nas figuras 8, 9 e 10, os caixotões de ambas as igrejas apresentam uma solução plástica semelhante sendo os da Igreja da Misericórdia do Porto e do Mosteiro da Serra do Pilar mais exuberantes plasticamente em relação à sobriedade decorativa da igreja em estudo.

 

 

 

 

 

 

 

 

Fig.8. Pormenor dos caixotões na abóbada de berço do transepto do Convento dos Lóios de Santa Maria da Feira, 2019. Foto de Jéssica Fontes.

 

Fig.9. Pormenor dos caixotões da cobertura da capela-mor da Igreja da Misericórdia do Porto.

 

Fig.10. Cúpula da Igreja do Mosteiro da Serra do Pilar, Vila Nova de Gaia, 1998. Acervo do Sistema de Informação para o Património Arquitetónico.

 

Fig.11. Pormenor da cornija do entablamento do transepto da igreja do Convento dos Lóios da Feira, 2019. Foto de Jéssica Fontes.

 

Fig.12. Pormenor do friso do entablamento da capela-mor da Igreja da Misericórdia do Porto, 2019. Foto de Jéssica Fontes.

 

Fig.13. Portal da Igreja da Misericórdia de Aveiro, s.d. Acervo do Sistema de Informação para o Património Arquitetónico.

 

O lugar de destaque na arquitetura religiosa em relação aos restantes é sem dúvida a capela-mor, onde a assembleia dos crentes presencia o Mistério da Transubstanciação, criando um cenário celeste no seio dos participantes da eucaristia[27]. Esta capela pertence à primeira fase da edificação da igreja (fig.14), situa-se no ponto mais alto da igreja, a Este do pórtico, obedecendo às diretrizes de S. Carlos Borromeu[28]. Esta é retangular com uma cobertura em abóbada de berço organizada por três séries de caixotões irregulares com mármores rosa e negro no seu interior, assente na cornija contínua em toda a igreja, e é ligeiramente mais estreita do que a nave.

 

 

 

 

 

 

 

 

Fig.14. Capela-mor da Igreja do Convento dos Lóios de Santa Maria da Feira, 2019. Foto de Jéssica Fontes.

 

 

 

Entre estes janelões que conferem uma iluminação abundante[29] situam-se os cenotáfios (fig.16), em mármores rosa, branco e negro, rematados através de um frontão triangular – no lado do Evangelho está o cenotáfio do conde D. Manuel Pereira, e no lado da Epistola está D Diogo Forjaz Pereira. Estes cenotáfios por sua vez, possuem algumas semelhanças com o lavatório da sacristia da Igreja da Misericórdia do Porto, pela sua forma e emprego dos mesmos materiais (fig. 15). Nesta sacristia trabalharam: Pantaleão Vieira, João da Rocha, ambos viviam no Porto[30] e António Vieira.

Fig. 16. Sepulcro do lado do Envangelho na capela-mor da igreja do Convento dos Lóios da Feira, 2019. Foto de Jéssica Fontes.
Fig.15. Lavatório da sacristia da Igreja da Misericórdia do Porto, 2019. Foto de Jéssica Fontes.

 

 

 

A solução de policromia interior da capela-mor do Convento dos Lóios torna o espaço mais enobrecido plasticamente, concedendo uma paleta de cores não só através do mármore presente na cobertura e no entablamento, como do revestimento azulejar do século XVII de padrão azul cobalto e amarelo de antimónio, formando quase que dois tapetes separados por dupla cercadura nas paredes da capela.

Posto isto, tendo em conta todas estas relações facilmente conseguimos perceber as fortes assimilações da via flamenga na arquitetura religiosa do Noroeste, disseminadas pelos tratados de Hans Vrederman de Vries e de Wendel Dietterlin. Tal como Celso Francisco do Santos refere esta via é sentida sobretudo nos acidentes decorativos, como nos obeliscos, pirâmides, cartelas, enrolamentos, pontas de diamante que se revelam na gramática decorativa das fachadas, cúpulas, abóbadas e remates das arquiteturas[31].

 

4.1. Claustro

 

Em termos simbólicos, o claustro é a alma de todo o conjunto arquitetónico, um local de intensa e austera vida espiritual, que representa o centro da vida monástica através da centralidade dos elementos que o organizam. É um microcosmo e representa a imagem do paraíso, através da criação da cidade sagrada. “O cruzamento dos quatro caminhos, resultantes dos quatro lados dos pontos cardeais apontava o centro do mundo, definido no convento da Feira pelo chafariz[32].”

O claustro deste convento é quadrangular (fig.17) e situa-se a sul da igreja, constituído por dois pisos com arcadas assentes sobre pilastras, tornando-o robusto e grandioso. A regularidade do espaço é evidente através das formas simples, das arcadas que pousam sobre gigantes pilastras dóricas que constituem os dois pisos, abandonando a solução mais comum de arcos sobre colunas, ou colunas a sustentar um entablamento direito, substituindo-a pela utilização de pilastras das quais nascem os arcos e arcarias que sustentam a galeria superior, que por fim o remate é feito através de um entablamento simples. O primeiro piso é constituído por uma arcaria de arcos de volta perfeita enquanto que o segundo, o subclaustro é fechado para ter outra funcionalidade no interior, mas possui um conjunto de janelas com varandins.

 

Fig.17. Claustro do Convento dos Lóios da Feira, 2019. Foto de Jéssica Fontes.

Neste sentido, o claustro integra um elo de ligação entre os diferentes lugares que constituem o complexo conventual como a zona habitacional – as celas (localizavam-se no piso superior nas alas nascente, poente e sul) – a sala do capítulo (que hoje será os sanitários), o refeitório (que se encontrava na parte sul do claustro, voltado para o castelo), a igreja e outros compartimentos conventuais, permitindo que os religiosos usufruíssem da oração ao ar livre, ao mesmo tempo que as suas galerias funcionavam como um abrigo para os dias quentes de Verão ou chuvosos e frios do Inverno.

O centro do claustro é marcado pelo chafariz de tanque quadrilobado que não é o original, possivelmente seria o que está fixado no final da escadaria junto ao rossio. A água era fornecida pelo conde D. Diogo Forjaz Pereira através da fonte do castelo.

Com efeito, a maioria dos claustros possuíam sepulturas de religiosos, sendo um local privilegiado onde as comunidades monásticas preferiam ser enterradas, permitindo aos monges orar pela alma daqueles que já partiram, como gesto de memória. No entanto, não existe qualquer informação acerca de sepultamentos no claustro em estudo.

Por fim, uma vez que não se trata de uma comunidade monástica fechada, o claustro apresenta portarias que dão acesso exterior, sendo um local para receber visitantes, desde peregrinos, negociantes, hóspedes ou até mesmo mendigos – sobre o ideal de acolher qualquer pessoa que ali chegasse. Assim, o convento dos Lóios da Feira insere-se no modelo organizado nos colégios jesuítas com a integração de duas portarias – a comum e a do carro. A comum virada a sul, direcionada para o castelo, destinava-se em dias de grande afluência para a prática do ministério e das confissões. Uma vez dado o toque das Aves-Marias, o porteiro fechava a porta e atendia as chamadas noturnas como o auxílio de doentes e moribundos. Por sua vez, a porta do carro voltada para o rossio destinava-se ao abastecimento do convento e para acudir espiritualmente os mais necessitados, oferecendo algumas esmolas, e fornecimento de alimentação aos mendigos.

 

 

  1. Considerações Finais

 

Ao estudarmos a arquitetura não podemos descartar a relação com o sítio, a envolvente e as produções contemporâneas ao objeto de estudo. Neste sentido, uma vez que existiam à época diversos estaleiros nas cidades contíguas ao Convento dos Lóios, como em Grijó, Porto e Aveiro, consideramos a possibilidade de para além dos mestres identificados como intervenientes ao longo do processos de obra do Convento dos Lóios da Feira, como Jerónimo Luís, Francisco Carvalho e Valentim Carvalho, poderá ter havido a participação de outros mestres a trabalhar nas proximidades como Pantaleão Vieira, João da Rocha e António Vieira. Não podemos descartar as semelhanças na forma e materiais entre o lavatório da sacristia da Igreja da Misericórdia do Porto e os sepulcros da capela-mor da Igreja do Conventos dos Lóios de Santa Maria da Feira.

Apesar dos problemas financeiros que o convento sofreu, originando várias interrupções na execução da obra, e provavelmente, alterações no projeto inicial, tendo este que se adaptar consoante os recursos disponíveis, conseguimos perceber que se tratou de um projeto ambicioso. Um traço que revela algumas influências com o Norte da Europa, com um desenho arquitetónico interessante, salientando a composição anticlássica da fachada pela inversão das ordens canónicas e o emprego de materiais nobres, como os mármores e azulejos.

Neste sentido, estas assimilações flamengas só podem ser compreendidas através da dinâmica da cidade do Porto e a sua relação com o Rio Douro, uma vez se trata de um ponto de partida e de chegada, que estabelece ligações com o exterior, fazendo circulação de tratados, permitindo a viagem das formas e conhecimento daquilo que de melhor se fazia pela Europa. Podemos assim constatar, que a cultura arquitetónica internacional era estudada pelos arquitetos postugueses nos séculos XVI a XVIII.

No entanto, ao deparamo-nos com a ausência de dados concretos quanto à autoria do traço, não podemos concluir de facto qual destes mestres pedreiros referidos ao longo deste estudo terão sido responsáveis pela execução do projeto da igreja conventual dos Lóios da Feira. Possivelmente terá sido Jerónimo Luís que traçou o projeto do convento na sua totalidade, tendo posteriormente, Francisco Carvalho e Valentim Carvalho a seguir o projeto inicial, dando assim continuidade ao mesmo, algo que era muito frequente, dado a morosidade e peripécias destas construções. Assim, esta questão terá que ser deixada em aberto, mas acreditamos ter contribuído para esta investigação ao estabelecermos relações com alguns projetos da mesma época, percebendo as apropriações e soluções apresentas ao objeto de estudo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fontes e Bibliografia

Bibliografia geral:

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BORROMEO, Carlos (1985) – Instrucciones de la Fábrica y del Ajuar Eclesiásticos. México: Universidade Nacional Autónoma, Introducción, traducción y notas de Bulmaro Reys Coria. ISBN 968-837-051-7.

BUSH, Harald (1966) – Arquitetura del Renascimento en Europa: Desde el Gótico tardio hasta el Maneirismo/. Madrid: Harald Bush y Bernd Lohse.

Direção Geral do Património Cultural (2011) ­­­- Mosteiro da Serra do Pilar. Disponível em: <http://www.patrimoniocultural.gov.pt/pt/patrimonio/patrimonio-imovel/pesquisa-do-patrimonio/classificado-ou-em-vias-de-classificacao/geral/view/5035987/> [Consulta realizada em 7/12/2019].

KUBLER, George (2005) – A Arquitetura Portuguesa Chã entre as Especiarias e os Diamantes (1521-1706). 2.ª Edição. Lisboa: Nova Veja. ISBN: 972-699-758-5.

ROCHA, Manuel Joaquim Moreira da (2017) – A retórica do espaço na arquitetura religiosa portuguesa nos séculos XVI a XVIII. Santiago de Compostela: Universidade de Santiago de Compostela. Quintana. Revista do Departamento de História da Arte.

RUÃO, Carlos (2006) – «Os Eupalinos Moderno» Teoria e prática da Arquitetura Religiosa em Portugal 1550-1640. Coimbra: Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Tese de Doutoramento.

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Bibliografia específica:

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FERREIRA, Vaz (1951) – Padre Jorge de São Paulo. O Convento da Feira. Coimbra: Arquivo do Distrito de Aveiro. Vol. XVI.

FERREIRA, Vaz (1951) – Padre Jorge de São Paulo. O Convento da Feira. Coimbra: Arquivo do Distrito de Aveiro. Vol. XVII.

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PINTO, António Ferreira (1938) – Colegiada ou Colégio do Espírito Santo na Vila da Feira, in “Arquivo do Distrito de Aveiro”, Figueira da Foz: Tipografia Popular.

SANTA MARIA, Fancisco de (1697) – O Ceo Aberto na Terra: História das sagradas congregações dos Cónegos Seculares de S. Jorge em Alga de Venesa & S. João Evangelista em Portugal. Lisboa: na Off. De Manoel Lopes Ferreyra.

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TAVARES, Pedro Vilas Boas (1986) – Os Lóios e a Reforma Religiosa nos Meados do Séc. XVI: A Ordem e o refimento da vida Crista de Frei Pedro de Santa Maria. Porto: Faculdade Letras da Universidade do Porto. Dissertação de Mestrado.

TAVARES, Pedro Vilas Boas (1999) – Para uma revisitação dos Cónegos Lóios. Porto.

TAVARES, Pedro Vilas Boas (2003) – Em Busca das Virtudes promordiais do “Estado Apostólico”: Os Fundadores Lóios nas “Memórias” de Paulo de Portalegre (+1510).  

TAVARES, Pedro Vilas Boas (2009) – Os Lóios em Terras de Santa Maria: do Convento da Feira à realidade nacional da congregação. Santa Maria da Feira: Município de Santa Maria da Feira. ISBN 978-989-8183-04-0

TAVARES, Pedro Vilas Boas (Janeiro – Abril de 1991) – Fundação e construção da Igreja e Convento da Congregação de S. João Evangelista de Vila da Feira, in Humanistica e Teologia, Instituto de Cultura portuguesa da FLUP, Editora Correio do Minho – Braga. Vol. XII. ISSN 0870-080X.

VECHINA, Sofia Nunes (2017) – Dinâmica Artística na antiga Comarca Eclesiástica da Feira. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Tese de Doutoramento.

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[1] PINTO, 1938: 5.

[2] DIREÇÃO GERAL DO PATRIMÓNIO CULTURAL (2011) – Mosteiro da Serra do Pilar.

[3] NOGUEIRA, 2007: 238-239.

[4] SANTOS, 1989: 89.

[5] TAVARES, 1999: 2.

[6] NOGUEIRA, 2007: 298.

[7] VECHINA, 2017: 57.

[8] VECHINA, 2017: 118.

[9] NOGUEIRA, 2007: 52-53.

[10] SANTA MARIA, 1697: 534.

[11] RUÃO, 2006:24.

[12] FERREIRA, 1950: 197-200.

[13] TAVARES, 1999: 92.

[14] VECHINA, 2017: 451.

[15] SILVA, 2002: 58-59.

[16] TAVARES, 2009: 99-101.

[17] NOGUEIRA, 2007: 217.

[18] SANTA MARIA, 1697: 228.

[19] VITRÚVIO, 2009: livro I, cap. VII, 54.

[20] VITRÚVIO, 2009: livro III, cap. IV, 119.

[21] NOGUEIRA, 2007: 222.

[22] BORROMEO, 1985: 5.

[23] Francisco Velasquez é apontado como autor do projeto do Mosteiro de Grijó, datado de 1572.

[24] VITRÚVIO, 2009: livro III, cap. I, 109.

[25] Hans Vredeman de Vries, Architectura oder Bauung der Antiquen auss dem Vitruvius.

[26] Data de conclusão da capela-mor da Igreja da Misericórdia do Porto.

[27] NOGUEIRA, 2007: 154.

[28] BORROMEU, 1985: 15.

[29] BORROMEU, 1985: 13.

[30] ALVES, 2014: 255.

[31] SANTOS, 1989: 89.

[32] NOGUEIRA, 2007: 137-138.

II Colóquio Internacional da Red Iberoamericana de la Historia de la Historiografía

Ocorreu, de 23 a 27 de outubro, o II Colóquio Internacional da Red Iberoamericana de la Historia de la Historiografía. Realizado de forma inteiramente on-line, o evento contou com mesas redondas coordenadas por pesquisadores de universidades de diversos países da América Latina, da Espanha e da França, além de conferência de Jurandir Malerba (UFRGS/Brasil) e do encontro com José Emilio Burucúa (UNSAM/Argentina).

 

Nas mesas do colóquio, pesquisadores da Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Espanha, Equador, França, Guatemala, México, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela debateram pesquisas relacionadas à historiografia. Temas como a profissionalização do ofício do historiador, os usos públicos da História, a biografia, a cultura escrita, as redes historiográficas, a historiografia das ciências e a historiografia acadêmica e história escolar estiveram presentes no evento internacional.

 

A Red Iberoamericana de la Historia de la Historiografía “surgiu em 2020, durante o confinamento gerado pela pandemia. A ideia partiu de Tomás Sansón, professor uruguaio que há várias décadas trabalha temas de história da historiografia a nível nacional e regional. Ele iniciou os contatos ao longo da Iberoamérica para formar uma rede que congregasse acadêmicos de diversos países interessados na historiografia da região. Assim, fui convidado para participar de um espaço frutífero de intercambio no qual surgiu a ideia de organizar o primeiro colóquio” pontua Nicolás Arenas, professor da Universidad de los Andes (Chile), membro fundador da Red, de sua Comissão Coordenadora e integrante do Comité Organizador das duas edições do Colóquio.

 

O historiador ainda destaca que “não se tratava de um espaço fechado, mas de uma rede que se ampliaria progressivamente, com uma perspectiva internacional e intergeracional. Portanto, o Colóquio permitiu agregar esses pesquisadores (jovens e experientes) para que conhecessem os trabalhos uns dos outros e que se gerasse um ambiente profícuo de diálogo e discussão” e, em relação aos eventos da Red, Arenas também relembra que “a primeira edição se realizou em outubro de 2021, tendo contado com quase uma centena de expositores de 14 países. O evento foi local de debate de diversos tópicos sobre a história da historiografia e também foi plataforma para projetos de pesquisa e publicações. A dimensão do evento levou a Red a propor sua realização a cada dois anos. Em 2022, também para manter a Red em atividade, se realizaram três encontros que pretendiam-se recuperar alguns dos debates realizados no primeiro colóquio. A agenda incluiu um encontro sobre a História do Brasil, outro sobre a Guerra do Chaco e um terceiro sobre os processos de profissionalização e institucionalização da história na Colômbia e na Argentina”.

 

Sobre o II Colóquio, Arenas conta que “este ano, animados pelo êxito da primeira edição, se realizou uma segunda versão, que também contou com uma alta adesão, tanto de expositores, quanto de ouvintes interessados no tema”. Perguntado sobre a importância do mundo digital para a realização do evento, o pesquisador afirma que “sem dúvidas, o virtual é essencial para o funcionamento de uma rede tão ampla, e ainda mais para a realização de um evento desta dimensão. No âmbito acadêmico americano, no qual a mobilidade internacional ainda não se normalizou depois da pandemia, esta modalidade nos permite conhecer pesquisas de colegas de diversas latitudes. Além disto, têm nos permitido convidar acadêmicos de destaque para que se realizem reflexões sobre distintos aspectos da disciplina.”

 

Mesa 4: coordenada pelos Profs. Drs. Martha Rodríguez (UBA/Argentina), José Cal Montoya (USAC/Guatemala), Denise Reyna (UNC/Argentina) e Fábio Ferreira (UFF/Brasil).

Assim, ao longo dos cinco dias do encontro, proporcionou-se o debate acadêmico sobre a historiografia no espaço Iberoamericano, conectando pesquisadores dos dois hemisférios e dos dois lados do Atlântico. Agora é aguardar 2025, quando haverá o III Colóquio Internacional.

 

 

 

 

Sobre o evento
II Colóquio Internacional da Red Iberoamericana de la Historia de la Historiografía
Online, de 23 a 27 de outubro de 2023

 

 

Comité Organizador
Nicolás Arenas Deleón (UANDES, Chile)

 

José Cal Montoya (USAC, Guatemala)

 

Bárbara Gómez (Universidad Católica Nuestra Señora de laAsunción, Paraguay)

 

Fábio Ferreira (UFF, Brasil)

 

Alex Loayza Pérez (UNMS, Perú)

 

Denise Reyna Berrotarán (UNC, Argentina)

 

Martha Rodríguez (UBA, Argentina)

 

Israel Sanmartín (USC, España)

 

 

 

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La Conmemoración Centenaria de Independencia en Argentina: Memoria(s), Estrategias y Controversias en Perspectiva Comparada*

Por Sonia Rosa Tedeschi

Doctora en Historia por la Universidad Pablo de Olavide (Sevilla, España). Profesional Principal del Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas. Docente Investigadora de la Facultad de Humanidades y Ciencias, Universidad Nacional del Litoral. Vice Directora del Centro de Investigaciones en Estudios Culturales, Educativos, Históricos y Comunicacionales, FHUC, UNL, República Argentina. Coordinadora General del Comité Académico Historia Regiones y Fronteras, AUGM.

E-mail: rnsoniat@santafe-conicet.gov.ar

 

Introducción

La disciplina Historia tiene un papel relevante en la construcción de las identidades nacional y regional. Desde su profesionalización ha intervenido en esta construcción a través de distintas instituciones, actores sociales y mecanismos relacionados con la producción de conocimiento histórico, la relación entre academia y política, el diálogo y la discusión crítica con la literatura y las manifestaciones artísticas, la enseñanza en los distintos niveles educativos, la divulgación, entre otros. El problema que nos convoca hoy a la reflexión permite un abordaje variado desde distintos ángulos y ejes temáticos. Aprovechando la circunstancia reciente del Bicentenario de la Independencia de las Provincias Unidas en Sudamérica declarada el 9 de julio de 1816, optamos por abordar ese problema a través de las conmemoraciones en sus formas de evocación, las cambiantes asignaciones de sentido, las disputas por la(s) memoria(s). En el presente ensayo, el campo de aplicación de este ejercicio es, principalmente, la conmemoración del Centenario de esa Independencia. En el desarrollo nos centramos en algunas ideas y comprobaciones que refieren a aspectos históricos, políticos, culturales, materiales, simbólicos, marcados por la lucha de intereses e identidades de distinta naturaleza patentes en las celebraciones oficiales que se organizaron en torno a tan importante acontecimiento. Luego, introducimos algunos elementos muy generales correspondientes a las celebraciones del Centenario de la Independencia del Brasil en 1922, en función del examen del caso argentino. Ponderamos las ventajas heurísticas de una perspectiva comparada de tipo asimétrico, solo esbozada en este ensayo, y que pretendemos sistematizar y profundizar en un avance futuro a fin de evaluar mejor los matices entre estas dos experiencias históricas en los inicios del siglo XX

 

Conmemorar: sentidos, usos, representaciones, disputas.
Los procesos de independencia que se evocan en las conmemoraciones centenarias presentan una extrema complejidad en su desarrollo; fueron tiempos de gran conmoción social, donde se mezclaron sueños, tragedias y grandes desafíos. Procesos históricos, hechos, actores sociales… ¿Cómo se los recuerda? ¿Cómo se convoca a esa memoria? ¿Cuáles son los marcos sociales que orientan la memoria del grupo? Partiendo del concepto de Maurice Halbwachs y de su reelaboración hecha por el antropólogo Joel Candau, reconocemos a esos marcos como portadores de la visión del mundo y la representación general de la sociedad, de sus necesidades y valores los que, en un enfoque comparativo, revelan las peculiaridades de cada matriz cultural (CANDAU, 2006, p. 65-68). En cada conmemoración el pasado recobra su sentido activo, es un momento de evocación, de efervescencia de sentimientos colectivos relacionados con la pertenencia y con las identidades. Los lugares de memoria y las representaciones en su más amplio espectro recobran su poder de movilizar a las memorias sociales y dar nuevos sentidos a lo que se recuerda. Pero esas conmemoraciones no son para nada ingenuas sino que plantean distintos móviles, intencionalidades, intereses, usos políticos, la(s) memoria (s) son selectivas, se discuten y disputan. Bajo sus fastos suelen esconderse o disimularse graves situaciones sociales, se exageran algunos logros de los gobiernos, se muestran versiones idílicas de esos hechos o de esos personajes; las figuras de los héroes patrios, los héroes de bronce, las conductas ejemplares aparecen fortalecidas. (JELIN, 2002, p. 39-44). En sus representaciones festivas, con mayor o menor rigor histórico, emerge claramente una memoria oficial que se instala desde el Estado coincidente o no con las memorias individuales y las colectivas. En este sentido no hay una memoria sino varias, memorias de vieja generación y de nueva generación, memorias del poder y memorias del pueblo.

 

Los rituales cívicos que interesan en este ensayo, Argentina 1916 y Brasil 1922, fueron momentos culminantes de una cadena de celebraciones que tenía antecedentes ya en el siglo anterior. Una cadena formada por eslabones de una memoria oficial reforzada, entre otras razones, por la gran afluencia inmigratoria extranjera especialmente estimulada por los gobiernos desde mediados del XIX que, con su presencia, demandas y acciones organizadas parecía hacer temblar los pilares de las tradiciones nativas y la nacionalidad. En efecto, los inmigrantes fundaron sus propias instituciones celebrando las fechas patrias de sus países de origen con fiestas, erección de monumentos y despliegue de símbolos; las asociaciones étnicas y la prensa planificaron acciones de preservación cultural y lingüística y hasta con aspiraciones, en ciertos casos, de participación política. Así, estas culturas diferenciadas fueron percibidas como una potencial amenaza tanto para las nacionalidades argentina y brasilera en construcción como para ciertas identidades locales y regionales de más larga data (BERTONI, 1992, p. 77-80. SANTORO de CONSTANTINO, 2007, p. 61-63). Podemos dar dos ejemplos de la respuesta generada a fines del siglo XIX ante esta percepción, conectados por la literatura, la historia y la tradición y en distintas escalas: nacional y regional. En Argentina, el poema Martín Fierro de José Hernández fue publicado en 1872; el protagonista central es un gaucho. Los intelectuales Ricardo Rojas y Leopoldo Lugones rescataron este poema y lo elevaron a la categoría de épica fundante de la nacionalidad argentina. Fierro fue caracterizado como “refugio de virtudes definitorias de nuestro ser nacional y depositadas en un pasado del cual el inmigrante quedaba excluido”. La creación de este mito de significación colectiva pretendió defender a la “argentinidad”, como conciencia e ideal de un pueblo nuevo que se encontraba en formación, del peligro de disolución que traía aquella oleada extranjera. (ROJAS, 1922, p. 13; GRAMUGLIO, SARLO, 1980, p. 15-19). En cuanto al Brasil, la investigación de María Medianeira Padoin sobre la identidad regional en el extremo sur brasilero y en el Uruguay plantea la construcción de la figura del gaúcho como arquetipo de identidad de la pampa riograndense. Esta fue una respuesta de la elite intelectual y política local que se veía desafiada por la colonización europea, instalada en las áreas serranas del Estado de Río Grande del Sur. (PADOIN, 1997, p. 104-107)

 

Argentina, 1916.
El calendario cívico argentino está marcado por las fechas patrias de la revolución del 25 de mayo de 1810 y la declaración de la Independencia el 9 de julio de 1816. En sus recordaciones anuales, es muy difícil erradicar de la sociedad la idea de fechas estancas y con escasa relación. En nuestras intervenciones académicas y de divulgación reforzamos la necesidad de articularlas y analizarlas en conjunto, considerando incluso los acontecimientos previos que fueron preparando el terreno para se produzcan revoluciones a favor de derechos locales, como la vacancia del poder real por la prisión del rey español Fernando VII a manos de los franceses. En 1810, la Junta revolucionaria en Buenos Aires asumió el derecho al autogobierno, pero sin romper aún los lazos con España. Esa Revolución de Mayo habilitó el planteo de independencia, que se concretó seis años después a través de un acto jurídico realizado en el marco del Congreso General Constituyente reunido en Tucumán. Revolución e Independencia, como hechos y procesos, estuvieron contenidos en una década que trajo vertiginosos cambios, profundizó viejas diferencias y agregó nuevas tensiones. Podemos mencionar ciertos rasgos políticos transformadores en esos diez años, los que continuaron incidiendo fuertemente en la historia pos independiente: -las disputas en distintos escenarios entre centralismo, autonomismo, unión confederal; -los gobiernos centrales con sede en Buenos Aires y su imposición de obediencia al resto de las ciudades ex virreinales por la vía militar; un incremento y ampliación de la participación en la vida política; cierta maduración de un lenguaje político de corte liberal que coexistía con viejos principios ordenadores de la convivencia social; -la necesidad de regular la vida social y política a través de constituciones.

 

La declaración de independencia es un hecho histórico central contextualizado en ese proceso revolucionario rioplatense por lo cual no podemos desagregarla del mismo pero tampoco de las otras revoluciones hispanoamericanas y su dimensión atlántica. Cabe preguntarse ¿Cuál es el sujeto colectivo que se pronunció por la Independencia? Hablamos de la independencia Argentina, cuando en ese tiempo no estaban constituidos el Estado y la Nación tal como los conocemos hoy. Los diputados reunidos en Tucumán representaban a las Provincias Unidas en Sudamérica, un conjunto de pueblos, antiguas villas y ciudades ex – virreinales, situados en el litoral y el interior rioplatense sumando también a Mizque, Charcas y Chichas en el Alto Perú, conformando todo un territorio muy amplio. En esos tiempos no existía una visión acotada de la independencia, sino que estamos ante un acto jurídico que abría las posibilidades de sumarse a todos aquellos pueblos que ponderaran a la declaración como una herramienta legítima para emanciparse del dominio español. De ese conjunto las provincias reunidas en la Liga de los Pueblos Libres, liderada por José Artigas, no participaron del Congreso por considerarlo útil al proyecto al cual se oponían: el centralismo porteño. Esta asociación política sostenía un proyecto alternativo, también partidario de la independencia de España, basado en principios de soberanía de los pueblos, libertad e igualdad y en una visión más amplia, su reunión en un sistema constitucional confederal de rasgos republicanos. (CHIARAMONTE, 1997, p. 155-159; p. 165-169. FREGA, 2007, p. 194-212)

 

Pero más allá de los discursos, la independencia necesitaba de la guerra: “La guerra nos es del todo necesaria”1 , así lo manifestó el gobierno revolucionario entendiendo que la suerte del nuevo régimen se jugaba en los campos de batalla, había que formar ejércitos competentes y definir las campañas armadas contra los españoles, plan en el que José de San Martín tuvo una actuación central en Cuyo, Chile y Perú y a quien se lo recuerda más por su éxitos militares que por su faceta política, sus ideas libertarias y su profunda convicción independentista.

 

¿Cómo se conmemoró ese proceso independentista en Argentina? En Buenos Aires, los festejos por los 100 años de la revolución de mayo, 1910, fueron realmente fastuosos con la intención de mostrar la prosperidad del país y las ventajas de invertir en él pero también de celebrarse a sí misma como una urbe moderna y pujante. En contraste, los actos organizados en 1916 fueron mucho más sobrios. La llamada Gran Guerra, que se desarrollaba principalmente en Europa, tuvo impacto negativo en la economía argentina: interrupciones de circuitos comerciales y del capital europeo con fuerte impacto en las actividades económicas internas. Las elecciones de abril habían consagrado a Hipólito Irigoyen del partido Unión Cívica Radical, mediante la novedad del voto universal, secreto y obligatorio; un triunfo de un partido con representación de clases medias y populares que desplazaba al régimen conservador en el poder desde 1880. Esos fuertes cambios políticos se dieron en medio de un clima social agitado por el desempleo, el alza del costo de vida y la reducción de salarios, que abrió un ciclo de grandes huelgas durante todo el gobierno de Irigoyen. Hechos y procesos situados en un espectro ideológico marcado por el positivismo, las corrientes de libre pensamiento, el anarquismo, el hispanismo (LOBATO, 2000).

 

¿Cuáles fueron las características de la organización, festejos y eventos? La partida presupuestaria de gastos fue poco abultada y se destinó a la realización de actos públicos de distinta relevancia, de Congresos Americanos sobre Niñez, Bibliografía e Historia, el de Ciencias Sociales en Tucumán, la publicación de las Actas secretas del Congreso de Tucumán, la Exposición Internacional de Ganadería, entre otros. En la semana central de la conmemoración, la llegada de representantes extranjeros, que venían en su mayoría de países vecinos, fue escasa. La Gran Guerra que iba por su tercer año impidió que se repitiera la gran concurrencia de embajadores europeos de 1910. Una línea de buques de las armadas de Brasil y el Uruguay rindió su homenaje, se incluyeron desfiles cívicos militares y adornos alegóricos en el espacio público. Pero, no todo era fiesta. El mismo día 9 de Julio, se frustró un atentado contra la vida del Presidente Victorino de la Plaza en el palco de la Plaza de Mayo; el atacante que se identificó como anarquista fue apresado. La situación de agitación social y el peligro de posibles ataques anarquistas fueron factores que hicieron incrementar las medidas preventivas y de vigilancia oficial, tanto en los preparativos como durante los actos centrales: las movilizaciones masivas debían estar bien controladas.

 

La palidez con que Buenos Aires afrontaría estos festejos fue tempranamente percibida en la ciudad donde se declaró la Independencia en 1816, Tucumán. En 1915, autoridades y círculos políticos e intelectuales prepararon un plan propio solventado prácticamente por el gobierno provincial y la ciudadanía. Pese a la crisis de los ingenios azucareros y las tensiones sociales, el plan fue impulsado disputándole la centralidad a la Capital porteña. En sus fundamentos se resaltaba la importancia de la región del Tucumán en la épica libertadora y el valor del Congreso independentista. Según la investigación de Soledad Martínez Zuccardi, las representaciones más poderosas de Tucumán para ese entonces eran, además, la de un jardín edénico, de naturaleza y geografía prodigiosas, cuna de la libertad y la independencia, provincia pujante, ciudad culta; esas imágenes no eran producto de una creación antojadiza y casual sino que poseían un carácter estratégico en relación con el proyecto modernizador pensado y desarrollado por aquellos círculos del poder y la cultura (2015, p. 67).

 

Los intelectuales tucumanos que le dieron argumentos y sustento al plan conmemorativo eran, en su mayoría, miembros de la llamada Generación del Centenario –Ernesto Padilla por entonces Gobernador de la provincia, también Miguel Lillo, Alberto Rougés, Juan B. Terán- que se reunían habitualmente en la Sociedad Sarmiento. Esta constituía un espacio cultural entre la literatura y la historiografía, dedicado a producciones de historia local y provincial y a promover los estudios superiores; uno de sus logros máximos había sido la creación de la Universidad de Tucumán en 1914. Según los discursos de esos intelectuales, la sociedad tucumana conservaba la tradición hispánica encarnada en el linaje de las clases dirigentes y del pasado de la provincia; el progreso económico del Norte no había mellado los auténticos valores patrióticos que eran reservorio moral en tiempos de crisis (PERILLI, 2010; MARTÍNEZ ZUCCARDI, 2015) Así lo reconocían, desde hacía tres décadas, las peregrinaciones patrióticas a la Casa histórica donde se había producido la jura: ese lugar de memoria, culto y veneración de los llamados Padres de la libertad había adquirido carácter sagrado y religioso. Año tras año, nutridas delegaciones de jóvenes estudiantes provenientes de centros universitarios, predominantemente de Buenos Aires y de Córdoba, llegaban a la Casa dejando placas y medallas recordatorias. (LACABERA, 1916, p. 352-358). Esa cultura de moral cívica y tradición patriótica le daba una impronta propia a la región y por tanto, había que aprovechar la conmemoración para exhibirla. De este modo, se apuntaló un proyecto intelectual y cultural con la creación de instituciones educativas, organización de archivos, edición de colecciones documentales y antologías poéticas, recopilación de tradiciones orales y folklóricas, además de una serie de actos y representaciones coincidentes con el 9 de Julio.

 

La tensión Nación – provincias venía manifestándose desde 1890 en varios aspectos: levantamientos y rebeliones armadas radicales contra el régimen conservador nacional, intervenciones federales y estado de sitio en las provincias díscolas, desigual distribución regional de la riqueza, entre otros. La turbulencia de estas relaciones se prolongó en los inicios del siglo XX, pero en la circunstancia del Centenario de la independencia, por sobre los enfrentamientos y disidencias, había que mostrar que las provincias también habían contribuido a la construcción del Estado y al progreso de la Nación. En este sentido, marchaban las historiografías locales y regionales marcando diferencias con una llamada historia nacional argentina que comenzó a perfilarse en el último tercio del siglo XIX. Esta historia asumía naturalmente la delimitación territorial del Estado soberano como algo dado ya desde los orígenes coloniales, estaba generalmente vertebrada en los acontecimientos ocurridos en Buenos Aires y solo le daba a esos aportes locales y regionales un lugar marginal y apenas sumario. La línea del tiempo de la revolución, la independencia y la organización nacional se llenaba prácticamente con los sucesos porteños, sucesos dotados de centralidad a los que los otros grupos sociales más allá del puerto se acomodaban, reaccionaban, aceptaban o resistían. Es decir que se trasvasaba ese proceso histórico en el largo siglo XIX a toda la Nación, tanto en sus características como en sus repercusiones y esto no parecía admisible para estos círculos políticos e intelectuales (QUIÑONES, 2009, p. 5-18). A esa tarea historiográfica se sumaron obras que, por fuera de la estricta disciplina histórica, tenían similares objetivos a esas historiografías locales y regionales. El Álbum de la Provincia de Tucumán en el Primer Centenario de la Independencia argentina fue publicado en 1916 bajo la dirección de Alberto Lacabera. En una elocuente Introducción, Lacabera consideró a Tucumán como predilecta de la Naturaleza y de la Historia y por ello, predestinada a todos los éxitos y a todas las conquistas. El libro está atravesado por una aclamación del civismo, el patriotismo y la gloria del pueblo tucumano. El progreso económico y el nivel de educación son aspectos bien destacados en una provincia que ya no se veía como la aldea que había descrito treinta años antes el intelectual francés Paul Groussac, en su célebre Memoria histórica del Tucumán (LACABERA, 1916; PERILLI, 2010). En cuanto a las representaciones sociales, la presencia indígena tuvo un reconocimiento en algunas de sus manifestaciones prehispánicas sin incluirlas específicamente en esa caracterización exaltada de principios del siglo XX.

 

En la provincia litoraleña de Santa Fe las características de los actos festivos, publicados en el Diario Santa Fe2, dan cuenta de la trama organizativa montada casi exclusivamente en la administración pública y los representantes políticos, que acapararon los discursos y los palcos. La escuela y el ejército aparecieron como genuinos ámbitos de tradición patria. La Iglesia también tuvo participación activa; aún en medio del debate entre católicos y anticlericales, mantuvo su Te Deum como expresión de ofrenda de la independencia a Dios, dando al hecho un significado que iba más allá de la autoridad y el poder de los hombres. La Comisión de festejos incluyó un programa de banquetes y cenas de gala en los más conspicuos clubes sociales de la ciudad. Sin embargo, la crítica situación social le obligó a contemplar otras acciones más ligadas a la beneficencia y a la prevención de posibles convulsiones sociales: entrega de pan, carne y ropa a los pobres; visitas a las cárceles públicas para repartir comida a los presos; conmutación de penas por parte del Gobernador.

 

Las escuelas públicas y colegios católicos fueron sede de actividades culturales muy diversas: asambleas patrióticas, encuentros musicales, representaciones de distintos géneros teatrales, reuniones literarias y declamaciones. A propósito de estas últimas expresiones, las poesías declamadas en los actos del 9 de julio de 1916 pusieron énfasis en la importancia de los triunfos militares que hicieron posible la independencia, destacando por ejemplo las primeras acciones exitosas de José de San Martín contra los españoles en la costa santafesina del Paraná, 1813. Así, de manera indirecta, Santa Fe –que no había asistido al Congreso de Tucumán por integrar la Liga de los Pueblos Libres- pretendía ganarse un lugar en esa historia, ser parte, no quedar fuera de la gloria.

 

Contemporáneamente a la publicación de Lacabera, Santa Fe produjo su propia obra magna: “La provincia de Santa Fe en el primer Centenario de la Independencia Argentina, 1816 – 1916” dirigida por Eduardo Güidotti Villafañe y con la participación entre otros, de Miguel Pereyra, Salvador Caputto –fundador de los diarios La Palabra y El Litoral- y el reconocido historiador local Ramón Lassaga (GÜIDOTTI VILLAFAÑE, 1917?) Los rasgos sobresalientes de sus redactores nos revelan sus formas de iniciación académica y cultural, el grado de profesionalización e influencias ideológicas: formación en la Academia de los Jesuitas y en la Universidad de Santa Fe, representación de una nueva intelectualidad que combina periodista – escritor – historiador, militancia en las filas de la Unión Cívica Radical triunfante en las urnas y en ciertos momentos rozando la prédica anarquista, adhesión prácticamente acrítica a los postulados hispanistas donde se rastreaba la herencia española para revalorizarla como raíz de tradición. Junto a esta afirmación hispanista se filtraba otra, la de Santa Fe como pionera en la organización de las colonias agrícolas habitadas por inmigrantes europeos desde 1856. Es decir que la identidad santafesina se amalgamaba entre españoles fundadores, caudillos federales que lucharon contra el centralismo porteño y hombres y mujeres llegados desde Europa que cambiaron la configuración de la pampa. Ahora era la pampa gringa, poblada de brazos generosos y laboriosos; un imaginario reproducido por círculos de historiadores, poetas y literatos que aún hoy es posible percibirlo.

 

Considerada una Summa histórica de Santa Fe, el voluminoso libro se abre con una sinopsis del periodismo en Argentina y sigue con capítulos de excelente escritura, factura informativa y estética, incorporando una gran cantidad de fotografías, al igual que el de Lacabera. Los editores tuvieron en cuenta el valor histórico de las imágenes y la importancia de la cultura visual para fortalecer la identidad, incitar a la sensibilidad y a la empatía con esa historia, mover las emociones en torno a la pertenencia. Los capítulos del libro se ocupan en resaltar la rica historia de la provincia, las biografías de gobernadores, la evolución de la estructura político institucional, educativa y científica con sus logros más importantes. La información geográfica y estadística se recopila y presenta en textos, cuadros, mapas y planos departamentales de gran precisión para la época. La monografía económica ocupa un lugar central enlazando una naturaleza pródiga y generosa con la acción humana que fue artífice del progreso en base a la ganadería, la agricultura, la industria y los nuevos sistemas de comunicación. Pero sobre todo la obra resalta los valores patrióticos y el credo constitucional santafesino en términos de profesión de fe.

 

Brasil, 1922.
A fin de reunir elementos que nos permitan una perspectiva comparada en la construcción de identidades en contextos centenarios, exponemos aquí algunos resultados desde una investigación básicamente bibliográfica sobre la conmemoración de los 100 años del Grito de Ipiranga ocurrido 7 de setiembre de 1822 (FERNÁNDEZ BRAVO, 2007; LEDEZMA MENESES, 2007; PERES COSTA, 2005). Ese día, en el que se declaró al Brasil independiente de Portugal, suscitó fuertes controversias acerca de su definición como fecha fundadora de la nacionalidad brasilera: ¿Era el 7 de setiembre? ¿O era el 7 de abril con la abdicación de Pedro I y el inicio de un nuevo rumbo en 1831? ¿El 21 de abril rememorando la ejecución en 1792 de Tiradentes, el líder de la Inconfidência Mineira? Quizás el 15 de noviembre era más pertinente, con el fin el Imperio y la instauración de la República en 1889.

 

Hacia 1922 el gobierno de Epitácio Pessoa enfrentaba una situación crítica por diferendos limítrofes estaduales de antigua data y desigualdades regionales, muy notorias por cierto entre el sur más rico y el nordeste empobrecido, que alimentaban la posibilidad de desintegración de los Estados Unidos del Brasil.3 Había que frenar estos conflictos, lograr acuerdos y procurar un desarrollo más equilibrado en su extenso territorio, es por eso que Pessoa convocó a los jefes políticos más importantes para definir un plan que diera solución a estos problemas pero sobre todo alcanzar una unidad nacional en el estricto sentido simbólico: el Centenario de la Independencia era la oportunidad perfecta. Para eso había que trabajar en la unificación de fechas y acontecimientos en una trama que recogiera la memoria monárquica y la memoria republicana tratando de disolver así sus peligrosas diferencias. Políticos, escritores e historiadores se involucraron en este proyecto unificador con intervenciones para nada homogéneas, entre ellos los agrupados en los Institutos Histórico-Geográficos con numerosos estudios sobre la historia patria. Wilma Peres Costa observa que las visiones de la formación de la nación y la brasilidad estribaban, ya en la segunda mitad del siglo XIX, en bases diferentes: una que la miraba desde el aparato del estado imperial y luego republicano y otra, montada en un distinto lugar social: en los hombres y mujeres anónimos situados en la geografía profunda que se rebelaban contra las órdenes metropolitanas (2005, p. 65). El proyecto unificador de Pessoa se situó en una renovación de los idearios con fuerte matriz modernista que tomaban distintas posturas: defendiendo o discutiendo aquellas voces que desde distintos Estados reivindicaban otros sucesos no coincidentes con el Grito de Ipiranga alegando que poseían fundamentos más sólidos de la nacionalidad brasilera: poner en cuestionamiento al Grito de Ipiranga era resistir el papel central que se había adjudicado Río de Janeiro y posteriormente la emergente Sao Paulo, en la construcción de esa nacionalidad. De acuerdo a lo investigado por Gerson Ledezma Meneses, distintos Estados confrontaban sus propios lugares, fechas y acontecimientos como momentos preferentes y relevantes de su historia. Pernambuco, por ejemplo, destacó sus viejas luchas contra la colonización holandesa y contra la corona portuguesa, resaltando la revolución de 1817 y las revueltas independentistas de 1824. Mato Grosso recuperó su pasado bandeirante por el que fue posible la expansión de las fronteras de la América portuguesa: en el imaginario local el avance y conquista del sertão como lugar agreste, salvaje y lleno de peligros lo dotaba de reserva moral y natural, cuna de la brasilidad. Por último, en Bahía no se reconoció el 7 de setiembre como día de la independencia; allí se prepararon para el 2 de julio de 1923 con la evocación centenaria en términos de epopeya: la expulsión definitiva de los portugueses que selló con sangre bahiana la independencia brasilera, ellos exaltarían a sus propios héroes locales eclipsando a los grandes nombres de la memoria oficial carioca (2007, p. 397-418)4.

 

Una estrategia oficial para enlazar a monárquicos y republicanos fue mostrar a Pedro I como el emperador que tuvo la valentía de declarar la independencia y a la vez reforzar la figura de José Bonifacio de Andrada e Silva como mentor de la Independencia y Padre de la Nación brasilera que se venía sosteniendo desde fines del siglo XIX. Bonifacio, un intelectual formado en Coimbra, autor de escritos independentistas, fue presentado como defensor del orden, líder providencial y héroe republicano. Las placas, medallas y monedas acuñadas, y la construcción de estatuas de Pedro y Bonifacio representaron la materialidad de una memoria unificada que se quería implantar.

 

En 1922 se inauguró la Exposición Internacional en Río de Janeiro, con un despliegue de pabellones dedicados al Brasil y sus adelantos sociales, educativos, de industria, agricultura y comercio, etc. Otros países europeos y latinoamericanos fueron incluidos para que instalaran sus propias muestras. Según Álvaro Fernández Bravo, el Livro de Ouro, publicado en Río de Janeiro en ese año, muestra un recorrido pormenorizado de los adelantos en educación, cultura, filosofía, política, economía, agregando pruebas estadísticas del progreso. Las referencias a la exhuberancia y riqueza de la naturaleza nos remiten a las mismas que se presentan en los libros de Tucumán y Santa Fe: tierra pródiga, fértil, generosa. Ese libro marca una diferencia con los publicados en Argentina pues contenía material de propaganda para atraer capitales privados en una sociedad que reforzaba el sello cosmopolita y la potencia de sus lazos con el mercado mundial. En él las evidencias tangibles del progreso se describen como “expressão da energia constructora de uma raça nova”, los logros son atribuidos a la nación en su conjunto y propios de la pujante República, esas evidencias quieren contestar a las acusaciones de pobreza y atraso que pesaban sobre el Brasil, pero ¿quienes son los excluidos de tamaño relato de proeza nacional? Para edificar la Exposición se desplazó a la población marginal del centro de Río hacia la periferia oculta. Intelectuales como Lima Barreto criticaron la ostentación no solo por innecesaria y costosa sino porque excluía al pueblo de la fiesta con una intención manifiesta de invisibilizarlo públicamente. Similar intención se percibió en el Livro de Ouro con respecto a la cultura africana y el pasado esclavista: en sus páginas están totalmente ausentes. (2006, p. 5-14).

 

 

CONSIDERACIONES FINALES

En este punto se abren más preguntas que conclusiones pues este análisis parcial no nos habilita a hacer generalizaciones ni afirmaciones rotundas. Sin embargo, podríamos decir que estas conmemoraciones centenarias, desarrolladas en marcos conflictivos e inestables, tuvieron un afán celebratorio que aportaba a la creación de una identidad nacional e intentaba mostrar fortaleza institucional, regeneración política, economía floreciente, prosperidad cultural. El espacio público fue ocupado por las elites y una masa popular participante en programas de actividades bien pautados y que, en las capitales y centros urbanos, sumaron fuertes dispositivos de seguridad: incluir al pueblo pero bajo control.

 

Por otra parte, la cultura material de los Centenarios, expuesta en los libros, exposiciones, monumentos, construcciones alegóricas y estatuas provocaron reacciones opuestas: los que se deslumbraban con el cambio de las fisonomías urbanas y los que criticaban estas expresiones materiales por ser fuentes de derroche y frivolidad pero más aún: por ser la visión fragmentada de la nación auténtica. Los libros conmemorativos editados en Tucumán y Santa Fe y el Livro de Ouro brasilero son muestras palpables de la autovaloración exaltada sobre las bases materiales y el progreso que querían mostrar al interior y al mundo, con esporádicas menciones o ausencias para nada ingenuas de expresiones culturales ligadas a los indígenas y a los africanos esclavizados. Historias ocultas del pasado y exclusión de estos grupos étnicos en esa autovaloración, producto de olvidos deliberados o inconcientes.

 

Las conmemoraciones Centenarias de Independencia que analizamos son evidencias del carácter selectivo de las memorias e involucran a las identidades en un ejercicio contrapuesto de lucha, debate y negociación en diversos campos como el espacio público, los discursos políticos, historiográficos y literarios, los símbolos, las representaciones materiales. Campos donde emergen las tensiones identitarias con algunas distinciones teniendo en cuenta lo limitado de los casos planteados: -provincias y regiones argentinas en tensión contra el centro porteño de Buenos Aires pero reforzando la celebración de una fecha indiscutible y buscando un lugar en la Nación; -el interior profundo, estigmatizado del Brasil en oposición al litoral y los centros urbanos de Río de Janeiro y Sao Paulo que miran hacia el Atlántico en una deliberada ignorancia del resto, hace hincapié en la forja de una identidad local y resiste al proyecto de Pessoa sobre la nacionalidad brasilera unificada.
La memoria social se encuentra en permanente construcción. El concepto de nacionalidad, una cuestión central en los centenarios analizados, se encuadra dentro de esa misma afirmación, es revisado, ampliado o restringido según ciertas circunstancias e intereses, se encuentra en apelación constante. Las conmemoraciones de hechos y procesos históricos significativos para una sociedad -en particular las “números redondos” como aniversarios, centenarios, bicentenarios- constituyen campos de observación privilegiados para ponernos de cara a la complejidad de sus andamiajes y tratar de desentrañarlos, entenderlos, interpretarlos, realizar balances e intentar proyecciones, desde cada presente que rememora. La Historia debe aportar más conocimiento y más densidad a esos procesos y al mismo tiempo, tener la capacidad de transmitirlos adecuada y eficazmente por fuera del ámbito académico. En fin, una Historia profesional y comprometida que contraste con el mero uso político-ideológico y coyuntural habitualmente presente en las conmemoraciones y abra a reflexiones y prácticas sociales más profundas.

 

Notas

* Trabajo basado en la exposición presentada en la Mesa Redonda ““História e a construção das identidades nacional e regional”, I Congresso Internacional de História: Poder, Cultura e Fronteiras. Universidade Federal de Santa María, Santa María, Rio Grande do Sul, Brasil. 2016. Una instancia académica que tuve el placer de compartir con tres distinguidos colegas: Dra. Ana Frega, Dra. María Luisa Soux, Dr. Luiz Carlos Villalta. Una versión del mismo fue publicada como capítulo del libro I Congresso Internacional de História, Santa María (RGS, Brasil): Editora FACOS UFSM y CAPES, 2017, ISBN 978 85 8384 0480.

01 – «Orden del día de la Junta, 6 de septiembre de 1811», en Maillé, Augusto (comp.), La revolución de Mayo a través de los impresos de la época. Primera serie 1809 – 1815, vol. 1. Buenos Aires: Comisión Nacional Ejecutiva del 150º aniversario de la revolución de Mayo, 1965, p. 473. Citado en Rabinovich, Alejandro Obedecer y comandar: La formación de un Cuerpo de Oficiales en los ejércitos del Río de la Plata 1810-1820. Revista Estudios Sociales, Vol. 41, Santa Fe: Ediciones UNL, 1er. Semestre 2011, p. 42. Disponible en: https://bibliotecavirtual.unl.edu.ar/publicaciones/index.php/EstudiosSociales/issue/view/264
Acceso: 2 noviembre 2016.

02 – Diario Santa Fe, 9 de julio de 1916. Disponible en:
http://www.santafe.gov.ar/hemerotecadigital/diario/7948/?page=1 Acceso: 30 octubre 2016.
Para un análisis pormenorizado de estos diferendos y desigualdades Cf. Ferreira Santos, Julio César. As questões de limites interestaduais do Brasil: transição política e instabilidade do território nacional na Primeira República (1889-1930) – O caso do Contestado. Scripta Nova. Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales. Universidad de Barcelona, Vol. X, núm 218 (17), 2006. Disponible en: http://www.ub.edu/geocrit/sn/sn-218-17.htm. Acceso: 2 noviembre 2016.

03 – Para un análisis pormenorizado de estos diferendos y desigualdades Cf. Ferreira Santos, Julio César. As questões de limites interestaduais do Brasil: transição política e instabilidade do território nacional na Primeira República (1889-1930) – O caso do Contestado. Scripta Nova. Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales. Universidad de Barcelona, Vol. X, núm 218 (17), 2006. Disponible en: http://www.ub.edu/geocrit/sn/sn-218-17.htm. Acceso: 2 noviembre 2016.

04 – En este trabajo, Gerson Ledezma Meneses nos informa que en su tesis doctoral: Festa e forças profundas na comemoração do I Centenário da Independência na América Latina (estudos comparativos entre Colômbia, Brasil, Chile y Argentina), Universidad de Brasilia, 2000, ha analizado la conmemoración del centenario de independencia también en otros estados brasileros: São Luiz do Maranhão, Acre, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, São Paulo y Río de Janeiro. P. 388.

 

 

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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CANDAU, Joel. Antropología de la memoria. Buenos Aires: Nueva Visión, 2006.

CHIARAMONTE, José Carlos. Ciudades, provincias, Estados: orígenes de la Nación Argentina (1800-1846). Buenos Aires: Ariel, Biblioteca del Pensamiento Argentino, 1997.

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Além do Ipiranga: uma história muito mais complexa da Independência*

Por Fábio Ferreira

Professor Associado da Universidade Federal Fluminense e líder do Grupo de Estudos das Trajetórias das Organizações (GESTOR)/CNPq. Doutor em História pelo PPGH/UFF. Mestre em História pelo PPGHIS/UFRJ. Graduado em História pela UFRJ.

 

Normalmente, quando se pensa na independência do Brasil, o senso comum costuma recordar-se da imagem do príncipe regente português Pedro de Bragança às margens do rio Ipiranga (hoje, parte do bairro de mesmo nome da cidade de São Paulo), a proclamar, em 7 de setembro de 1822, “Independência ou Morte”. Em tese, teria sido feita ali a separação de Portugal. Há, portanto, os que creem que, no ato, o Brasil tornou-se uma nação livre e soberana, inclusive essa versão contada ao longo de quase 200 anos foi consolidada junto à sociedade e, hoje, está presente no hino nacional, em livros, museus, monumentos nas praças, nomes de ruas de várias cidades, além de o dia 7 ser o principal feriado cívico nacional. Porém, qual seria a versão “mais complexa” da Independência do Brasil?

 

Em primeiro lugar, a emancipação foi um processo histórico que atravessou vários anos, o que já se constitui um elemento que convida a todos a olharem além do Ipiranga. Ademais, os historiadores devem voltar sua análise aos processos e não aos fatos isolados, como seria fazer se se fixassem unicamente no 7 de setembro.

 

Deve-se considerar ainda que, nesse período, independência podia significar a ruptura completa com Portugal, como ao fim e ao cabo ocorreu, mas também podia ser o estabelecimento de um governo autónomo que não rompesse totalmente com Lisboa, inclusive as mencionadas possibilidades estiveram presentes em projetos políticos da época. Entre muitas aspas, a Independência poderia ser uma proposta de inserção do Brasil na monarquia portuguesa que se assemelhasse à canadense ou à australiana na monarquia inglesa de hoje.

No tocante às identidades dos atores sociais do período, os indivíduos que viviam no Brasil tinham o sentimento de pertencimento à nação portuguesa, sendo que a brasileira sequer existia. Essa foi forjada depois de 1822. Então, os habitantes do Brasil se sentiam portugueses pertencentes à sua região de nascimento, a haver, por exemplo, os portugueses fluminenses (da capitania/província do Rio de Janeiro), os portugueses pernambucanos (Pernambuco), os portugueses riograndenses (da área que é o atual Rio Grande do Sul), etc.

Dito isso, para uma melhor explicação do processo de Independência, deve-se voltar a 1820, quando o sul da Europa viveu uma série de revoluções políticas de cunho liberal com diversas demandas, entre elas a de uma Constituição. Como exemplo, Nápoles, Espanha e Portugal foram palco desses levantes. Ao caso português agrega-se a particularidade que os liberais exigiam o retorno a Lisboa do rei D. João VI, que, desde 1808, vivia no Rio de Janeiro, pois ele e sua corte deixaram Portugal quando Napoleão Bonaparte invadiu a península ibérica, sendo que, apesar de o líder francês ter sido derrotado em 1815, ao monarca interessava-lhe permanecer nas Américas.

Voltando aos constitucionalistas portugueses, seus levantes reverberaram em diversas partes importantes dos territórios da monarquia portuguesa, como, por exemplo, Lisboa, Pará, Bahia e Rio de Janeiro. Nessas circunstâncias, sem o apoio de importantes regiões do Brasil, D. João decidiu voltar a Portugal, embora soubesse que na Europa ele teria seu poder político diminuído em razão dos liberais.

O rei partiu em abril de 1821, deixando no Brasil o seu filho mais velho, D. Pedro, como príncipe regente, o que significou que o primogênito dos Bragança seria responsável pelos assuntos americanos da Casa Real. À altura, na capital portuguesa, já havia se instalado um Congresso, também chamado de Cortes, no qual seus deputados elaboravam una constituição que deveria vigorar em todos os domínios portugueses ao redor do mundo, ou seja, na Europa, África, Ásia e América.

 

Entretanto, ainda que não existisse uma Constituição lusa até outubro de 1822, o governo lisboeta tomou medidas concretas para diminuir o poder político do príncipe Pedro e do Rio de Janeiro. Como exemplo, vários órgãos de governo que foram criados na cidade com a chegada de D. João em 1808 deveriam deixar, segundo as Cortes, de existir no Brasil.

 

Observa-se que, independentemente do seu local de nascimento, ou seja, se no Rio de Janeiro, Porto, Luanda, Goa ou Macau, essa medida desagradava aos poderosos estabelecidos no Novo Mundo, que tinham fechadas oportunidades de cargos e de influência na administração pública. Outra ação foi a exigência de Lisboa de que o príncipe Pedro deveria voltar à Europa, assim como seu pai havia feito meses antes, o que também desagradou a muitos dos portugueses que estavam no Brasil.

 

Desobedecendo às Cortes, em janeiro de 1822, D. Pedro declarou que ia ficar no Brasil, no famoso Dia do Fico. Em sintonia com seu ato político, o príncipe também expulsou do Rio de Janeiro tropas portuguesas fieis a Lisboa, alterou seu ministério e estabeleceu, sem o aval do governo lisboeta, órgão que deveria analisar as decisões das Cortes no que se referisse ao Brasil. Em junho, D. Pedro convocou uma Assembleia, que deveria fazer uma Constituição especifica aos domínios americanos dos Bragança e, ao mesmo tempo, tecia alianças políticas com vários setores sociais das províncias brasileiras, não obstante houvesse segmentos que estivessem presentes no Brasil e fossem fieis às Cortes. Além disso, conhecedor do processo de fragmentação dos vice-reinos espanhóis nas América, o príncipe buscava evitar que o mesmo ocorresse com o Brasil.

 

No segundo semestre de 1822, ocorreram vários fatos importantes, que aumentaram o desgaste das relações entre o Rio de Janeiro e Lisboa. Em agosto, D. Pedro decretou que as forças militares oriundas de Portugal que, porventura, desembarcassem no Brasil sem sua autorização seriam tratadas como inimigas. Igualmente, no citado mês, tornou público seu manifesto às nações estrangeiras onde justificava suas ações à frente do governo fluminense e enviou seus representantes diplomáticos a Londres, Paris e Washington.

 

Também em agosto, o príncipe foi a São Paulo tecer alianças e permaneceu na província até setembro. Nesse contexto, ocorreu o que hoje se compreende como a independência brasileira. Às margens do Ipiranga, à época área entendida como fora da cidade de São Paulo, D. Pedro recebeu cartas do governo do Rio de Janeiro. As epístolas informavam-lhe sobre as novas medidas das Cortes contra seu governo e, então, o príncipe disse aos membros de sua comitiva que estavam definitivamente rotos os enlaces com Portugal e, em seguida, voltou à capital da província. Deve-se destacar que esse fato não foi largamente explorado em 1822.

 

No entanto, nos anos posteriores, se criou uma versão heroica do fato ocorrido em São Paulo. D. Pedro e sua comitiva estariam montados em cavalos (mas, na verdade, eram mulas, pois era o animal que utilizava-se, rotineiramente, no período e na região, para transportar-se) e, quando ele teria lido as missivas, indignado com as medidas de Lisboa, tirara sua espada às margens do Ipiranga e teria gritado “Independência ou morte”, no que foi seguido por todos de sua comitiva.

Deixando a versão ufanista e retornando a 1822, mais especificamente a outubro, há de explorar-se o dia 12, quando D. Pedro foi aclamado imperador do Brasil no Rio de Janeiro, seguindo ritos das monarquias europeias, com o objetivo de pontuar seu governo como continuidade de una tradicional casa real do Velho Mundo. Ademais, a data era o dia do aniversário de D. Pedro e, ao menos em 1822, reverberou muito mais que o 7 de setembro. Ao longo da década de 1820 se compreendia que o Império foi criado em outubro e a data somente saiu do calendário das festas oficiais brasileiras em 1831, ano que, depois de uma grave crise de governabilidade, D. Pedro abdicou do trono brasileiro e retornou a Portugal.

No último mês de 1822, também no Rio de Janeiro, houve a coroação de D. Pedro como Imperador do Brasil. A data escolhida foi 1º de dezembro, dia importante, até o século XXI, para os portugueses, pois é o dia da Independência de Portugal, que, por sua vez, foi feita em 1640 por um antepassado de D. Pedro, o Duque de Bragança. Desejava-se, portanto, associar sua imagem e do seu Império a um passado glorioso no qual os portugueses e os Bragança estivessem envoltos.

Além dos fatos expostos, que contribuem para a compreensão de uma versão processual e mais complexa da independência do Brasil, nas províncias houve reações distintas aos episódios que tiveram o Rio de Janeiro e São Paulo como palco. Como exemplo, em parte significativa da região amazónica, os poderosos locais não aderiram ao projeto imperial. No caso específico do Pará, esse já havia se declarado parte de Portugal, a desvincular-se do Rio de Janeiro, antes mesmo da aclamação ou da coroação de D. Pedro. Salvador foi controlada por militares portugueses fiéis às Cortes até julho de 1823.

No rio da Prata, mais especificamente no território onde hoje é a República Oriental do Uruguai, que, por sua vez, desde 1821 era parte da monarquia portuguesa sob o nome de Estado Cisplatino Oriental, houve divisão interna: a parte das forças militares dos Bragança favoráveis a Lisboa associou-se a uma fração da elite “uruguaia” e, associados, controlaram Montevidéu, tendo sido árduos opositores do projeto do Império. Outra parte dos militares (comandados pelo general português Carlos Federico Lecor) e dos “uruguaios” estabeleceram a sede do poder brasileiro no interior.

Identifica-se, deste modo, que o novo imperador tinha um grande desafio para estender seu poder do Amazonas ao Prata. O grito no Ipiranga ou a aclamação não foram bastante para garantir-lhe o controle de todas as províncias. A isso soma-se que o Império não tinha a quantidade suficiente de militares para submeter todo o Brasil e, para consegui-lo, D. Pedro contratou mercenários franceses, como Labatut, que já havia lutado na América do Sul com Bolívar, e ingleses, como Cochrane, que, anteriormente, lutou no Chile ao lado de O’Higgins e San Martin (respectivamente próceres das independências chilena e argentina).

Embora os muitos conflitos que ocorreram entre forças imperiais e portuguesas, ao longo de 1823, pouco a pouco as resistências ao Império foram caindo. A última praça ocupada por portugueses foi Montevidéu, onde as forças brasileiras adentraram somente em março de 1824. Também nesse ano, D. Pedro outorgou a primeira constituição brasileira e, em 1825, Portugal reconheceu o Brasil como um Estado independente. No entanto, havia, ainda, uma árdua missão para o Império: ordenar a economia brasileira, debilitada pelos acontecimentos políticos; criar uma identidade nacional ao Estado que nasceu sem ser uma nação; e equilibrar-se nos complexos jogos políticos com as províncias imperiais e com os governos vizinhos – basta recordar-se que o primeiro conflito externo do Império iniciou-se em 1825 contra o governo de Buenos Aires pelo controle do “Uruguai”, na chamada Guerra da Cisplatina.

Por fim, ao longo dos anos, o grito do Ipiranga foi ganhando importância e se tornando a principal data cívica brasileira. O que aconteceu em outras partes do Brasil foi sendo esquecido e, hoje, fora dos círculos acadêmicos, poucos conhecem o processo de emancipação e sua complexidade. Ignora-se, por exemplo, que outros episódios além do Ipiranga poderiam ter sido reconhecidos como os da independência brasileira e serem, porventura, celebrados como episódios cívicos nacionais. Porém, esquecimentos e equívocos ocorrem em diversos processos históricos em vários países e cabe aos historiadores a análise e recordarem à sociedade o que foi esquecido, muitas das vezes, por séculos.

 

* A versão original do artigo foi publicada, em espanhol, na edição 655 (agosto de 2022) da revista “Todo Es Historia” (ISSN 0040-8611/IMPRESA, ISSN 2618-4354/DIGITAL) , destinada à divulgação científica, sob o título “Más Allá del Ipiranga: Una Historia Compleja”.

 

Referências

CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem: a elite política imperial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

 

FERREIRA, Fábio. O 1808 português e espanhol e os seus desdobramentos na Banda Oriental do Rio da Prata. In: ORTIZ ESCAMILLA, Juan; FRASQUET, Ivana (Org.). Jaquea la corona: la cuestión política en las independencias ibero-americanas. Castelló de la Plana: Universitat Jaume I, 2010.

 

KRAAY, Hendrik. A Invenção do Sete de Setembro, 1822-1831. In: Almanack Braziliense, n°11, mai. 2010. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/alb/article/view/11738/13513

 

NEVES, Lucia Maria Bastos Pereira das. Corcundas e constitucionais: a cultura política da independência (1820-1822): Rio de Janeiro: Revan, FAPERJ, 2003.

 

PIMENTA, João Paulo. Independência do Brasil. São Paulo: Contexto, 2022.

 

revistatemalivre.com: 20 anos

Niterói, 23 de abril de 2022

Da redação

Há exatos 20 anos, entrava no ar a revistatemalivre.com, com o objetivo de divulgar o conhecimento. O caminho para a difusão foi a web.
Ao longo dos anos, artigos e entrevistas com pesquisadores de universidades de diversas partes do mundo. Matérias dedicadas a eventos acadêmicos no Brasil e no exterior. Lançamento de livros e notícias ganharam espaço na revistatemalivre.com.
Com o desenvolvimento tecnológico e o aumento de possibilidades de realizações através da web, aconteceram, ainda antes da pandemia, as nossas primeiras lives, com a exposição de temas da História.
Em 2020, quando a revistatemalivre.com completou 18 anos, as primeiras “Tema Lives” e o podcast “Tema Livre”, com pesquisadores de universidades brasileiras e estrangeiras, além da estreia do nosso canal do YouTube. Em menos de um ano, entrevistas com pesquisadores de universidades da África, Américas, Ásia, Europa e Oceania e a realização de material em português, inglês, espanhol e francês.
Esse ano, em função dos 20 anos da revistatemalivre.com, várias estreias: no último dia 30 de março, aconteceu a primeira edição do Debate Tema Livre no YouTube. Além disso, em breve, a estreia, no nosso canal do YouTube, da nova série de lives da revistatemalivre.com, dedicada aos 200 anos da Independência do Brasil. Também neste ano, teremos a nova edição da revista, a de número 15, que contará com material de qualidade para o nosso qualificado público.

Por fim, nesse dia importante para a revistatemalivre.com, o nosso muito obrigado a todos que caminham conosco, seja nas redes sociais, seja no nosso canal do YouTube. Agradecemos a todos que participaram com #artigos, com entrevistas e com sua atenção assistindo as nossas lives e lendo a nossa #revista. Muito obrigado.

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Os 200 anos da Independência do Brasil

Niterói, 04 de maio de 2022.
Da Redação.

Como é de conhecimento público, nesse ano, completam-se 200 anos da Independência do Brasil. Depois da realização das séries de entrevistas sobre os bicentenários da criação do Estado Cisplatino Oriental e das emancipações do México e do Peru, que ocorreram ao longo de 2021, a revistatemalivre.com inicia hoje o ciclo dedicado ao Brasil no seu canal do YouTube
O bicentenário brasileiro é oportunidade para agregar pesquisadores de diversas instituições nacionais e estrangeiras para discutirem o complexo processo de independência brasileiro sob vários prismas, abarcando questões econômicas, políticas e culturais, que envolveram diversos atores e grupos sociais de norte a sul do Brasil. Constitui-se em momento de reflexão e análise da sociedade brasileira e sua história.

As conversas ocorrerão, quinzenalmente, no canal da revistatemalivre.com no YouTube às 19h. Para assisti-las, basta clicar aqui

 

 

A estreia
Logo mais, às 19h, "Brasil: 200 anos da Independência" tratará das influências de Napoleão Bonaparte no Brasil da primeira metade do século XIX, além dos mercenários franceses que lutaram ao lado de D. Pedro I, da imigração francesa para o Rio de Janeiro e a influência da França no campo intelectual brasileiro, além de muito mais. O convidado é o historiador francês Patrick Puigmal (Universidad de Los Lagos/Chile).

A próxima conversa ocorrerá no dia 18 de maio, também às 19h, e a convidada é a historiadora norte-americana Kirsten Schultz (Seton Hall University/EUA). O título do bate-papo é “A Versalhes Tropical: a corte portuguesa no Rio e a Independência”. Não deixe de participar.

 

 

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Outros bicentenários

Já estão disponíveis no YouTube todas as lives das séries sobre a Cisplatina, o Peru e o México. Assista clicando em https://www.youtube.com/revistatemalivre?sub_confirmation=1

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Cartaz de divulgação da série.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Milton Santos é homenageado no espaço público de Salvador

Niterói, 28 de fevereiro de 2022

Foto do geógrafo em 1994/Foto: Jorge Maruta/USP Imagens

Depois de Paulo Gustavo tornar-se nome de rua em Niterói, retirando a homenagem ao cel. Moreira César, que morreu em Canudos, agora foi a vez do geógrafo Milton Santos (1926 – 2001) ter seu nome atrelado ao espaço público, não em Niterói, mas em Salvador. Desde o final de fevereiro, a prefeitura da capital baiana sancionou lei que transformou a então Av. Adhemar de Barros em Milton Santos.

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A trajetória de Milton Santos
Nascido em Brotas de Macaúbas, no interior da Bahia, Santos vem de uma família de professores. Já em Salvador, aos 15 anos, ele começou a lecionar geografia, porém, graduou-se em Direito na UFBA. Isso não impediu que o personagem abandonasse a geografia. Ele foi para Ilhéus lecionar no colégio municipal da cidade a mencioanda disciplina. Também a partir de Ilhéus, atuou no Jornal da Tarde.
Na década de 1950, Santos foi convidado a ingressar no doutorado na Universidade de Estrasburgo, na França, onde defendeu a tese 'O Centro da Cidade de Salvador'.
Em 1964, com o golpe militar, Santos chegou a ser preso e, ao abandonar o cárcere, foi lecionar na França, onde obteve o seu primeiro título de Doutor Honoris Causa. Também durante seu exílio, lecionou em universidades dos EUA, Canadá, Tanzânia, Venezuela e Peru.
De volta ao Brasil, atuou como professor na UFRJ até 1983. No ano seguinte, tornou-se titular na USP.
Em 1994, Santos recebeu o prêmio Vautrin Lud, considerado o "Nobel da Geografia", tendo sido o primeiro latino-americano a receber a distinção. No ano seguinte, tornou-se Comendador da Ordem Nacional do Mérito Científico e, em 1997, recebeu o #Jabuti de Literatura pelo livro A Natureza do Espaço – Técnica e Tempo, Razão e Emoção.
No que diz respeito aos seus livros, Santos publicou mais de 40, tanto no Brasil, quanto no exterior.

 

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