Apresentação: edição 07

Revista Tema Livre

No ar desde 23 de Abril de 2002.

Ano II – Edição nº07 – Niterói, Rio de Janeiro, 23 de Dezembro de 2003.

Dentro do seu propósito de divulgar a história e os profissionais que a reconstitui, a Revista Tema Livre chega a seu sétimo número trazendo novos artigos, entrevistas, fotos e a cobertura de mais um evento relacionado ao historiador e ao conhecimento histórico.

A presente edição conta com dois artigos: o primeiro, “Considerações acerca das revoltas mineiras setecentistas”, a abordar as revoltas como estratégia de barganha da elite mineira, sendo tais acontecimentos ocorridos na sociedade de Antigo Regime e, tal sociedade, parte de um todo muito mais amplo, o Império Português. O segundo, “A política externa joanina e a anexação de Caiena: 1809-1817”, que trata da anexação da atual Guiana Francesa ao Brasil pelo príncipe regente português D. João, além do interesse francês, já manifesto desde o século XVI, no território americano pertencente a Portugal.

Porém, nesta edição, não é só o príncipe regente que é lembrado. A sua esposa também. E o é através da cobertura do lançamento do livro “Carlota Joaquina na corte do Brasil”, da profª Drª. Francisca L. Nogueira de Azevedo, que traz uma nova perspectiva de análise da princesa do Brasil, nascida em Espanha, e que também vem a ser rainha de Portugal.

No que se refere a este país europeu, na seção fotos, temos a terceira parte da exposição virtual “Imagens de Portugal”, com enfoque nas ruínas históricas da cidade de Conimbriga, vestígios da presença romana na Península Ibérica.

Falando sobre os vários séculos em que o que é hoje Portugal fez parte do Império Romano, temos como entrevistado o prof. Dr. José D’Encarnação, da Universidade de Coimbra, que esteve na Universidade do Brasil (UFRJ) a proferir diversas palestras no evento “Testemunho epigráfico e o processo de romanização na Lusitânia”, coordenado pela profª Drª Norma Musco Mendes.

Saindo da história antiga para os meios contemporâneos de comunicação, temos a entrevista da historiadora da PUC-MG Carla Ferretti Santiago, que conta-nos a sua experiência na junção do conhecimento histórico e da televisão através da produção de documentários, além da inserção do historiador nos novos meios de comunicação, como a internet, por exemplo.

Assim, com informações da época de Viriato e de Sertório, até a era da internet, passando por D. João e Dona Carlota Joaquina, entra no ar a sétima edição da Revista Eletrônica Tema Livre.

Revista Tema Livre.

Litografia, de 1827, de autoria de Rugendas tratando do tema da mineração e intitulada
Litografia, de 1827, de autoria de Rugendas tratando do tema da mineração e intitulada “Lavragem de ouro em Itacolomi, Minas Gerais”

Texto de Carlos Leonardo Kelmer Mathias

E lá nas Minas…

(..) a terra parece que evapora tumultos; a água exala motins; o ouro toca desaforos; destilam liberdades os ares; vomitam insolências as nuvens; influem desordem os astros; o clima é tumba da paz e berço da rebelião; a natureza anda inquieta consigo, e amotinada lá por dentro, é como no inferno1.

O que pulsava por detrás desse “inferno” – que a primeira vista nos remete a uma terra de ninguém – era uma incipiente sociedade cuja formação revela, para além de suas “dores”, uma das facetas da lógica do Antigo Regime, a saber, uma contínua situação de barganha que, por seu turno, remete a negociações e mercês.

‘Tumultos’, ‘motins’, ‘desaforos’, ‘insolências’, ‘rebelião’… ‘inferno’: revolta.

No alvorecer das Minas, final do século XVII início do século XVIII, um enorme surto demográfico concorreu às descobertas de veios auríferos. Dentre os vários indivíduos presentes nas Minas no início de colonização havia membros da elite carioca, poderosos paulistas envolvidos na captura do gentio e alguns fulanos que conseguiram acumular, acolá de consideráveis cabedais, prestígio junto ao povo, mesmo não sendo, naturalmente, originários das melhores famílias da terra, quer portuguesa, quer colonial2.

Estes potentados disputavam entre si o privilégio de primeiros descobridores e povoadores das Minas, o que lhes rendeu, por parte da coroa, sesmarias, ordens de Cristo, cargos e patentes3. Contudo, tais potentados não estavam sozinhos em seus intentos, aliavam-se a eles ouvidores, juízes, militares de carreira, agregados de homens livres pobres, além de seus próprios séqüitos de negros – via de regra armados e contrariando desígnios régios4.

No desenvolver da sociedade mineira, essa situação foi caracterizando a formação de redes clientelares com interesses comerciais capazes de movimentarem ligações que se estendiam desde Minas até Lisboa, passando por Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador5. Um dos pontos interessantes a serem percebidos nessas redes são as estratégias utilizadas por esta “elite mineira” – as vezes com apoio do próprio governador, que, não obstante proibição régia, realizava tratos comerciais na colônia – para atingir seus objetivos nessa sociedade, caracterizada por Assumar de “inferno”, e por nós de Antigo Regime.

Não é meu objetivo neste artigo aprofundar-me na análise de tais estratégias, embora acredite que através de uma pesquisa nesse sentido seja possível uma melhor compreensão não só do processo de implantação do poder metropolitano em Minas, como também da lógica de funcionamento dessa sociedade enquanto parte de um todo maior, o Império Português. Nesse sentido, limitar-me-ei apenas a um ponto dessas estratégias: a revolta. Não apenas a revolta por si só, mas enquanto espelho de uma situação de barganha.

A sociedade mineira abriu novos campos sociais, carreiras públicas e privadas possibilitando a Coroa aliviar a sede de méritos e retribuições de seus súditos6. As mercês concedidas em Minas possuíam, também, outros propósitos7.

O dom no Antigo Regime integrava um universo normativo caracterizado por atos beneficiais que estruturavam as relações políticas, formando a chamada economia moral do dom, que estava na base de práticas informais de poder, como por exemplo, as redes clientelares. O funcionamento dessa economia do dom assentava-se em três valores básicos: dar, receber e restituir tríade, que regia a natureza das relações sociais e, por conseguinte, das relações de poder. Como não podia deixar de ser, as trocas regidas por tal sistema eram profundamente desiguais, donde mercês eram dadas em troca de submissão política8. Em linhas gerais, a prática de concessão de mercês tinha início com o rei e ia sendo transmitida a pessoas de menor hierarquia de forma a reproduzir o poder e hierarquizar, os sujeitos, inserindo-os em relações de favor e dependência9.

A concessão de privilégio, recompensa e mercê foi amplamente utilizada pela coroa portuguesa em sua expansão marítima, de modo a beneficiar a própria Coroa. Contudo, havia certos contratempos em toda esta lógica do dom.

Com o uso já costumeiro da retribuição – prática que se iniciou nas guerras de Reconquista – o rei, muitas vezes, via-se na “obrigação” do agraciamento a um dado serviço prestado por seu súdito10. Figurando como personagem central de todas as redes clientelares, competia ao rei restituir os vassalos com as honras e mercês proporcionais a seus serviços. Na visão destes últimos, prevalecia a idéia de contrato, na da coroa, a idéia de imperium11; do embate entre tais visões surgiam, muitas vezes, quizumbas. Freqüentemente os súditos vinham requerer uma dada mercê, alegando terem arriscado a própria vida na defesa dos reais interesses, terem gastado cabedal de suas fazendas nestes serviços ou coisas do tipo. Caso o rei e seus conselheiros não interpretassem da mesma forma, e aquele lhes negasse a mercê, os súditos, muitas vezes, sublevavam-se12. A importância da retribuição pode ser atestada nos vários motins que eclodiram em Minas nos seus 30 primeiros anos, palco dos colonos que percebiam um desnivelamento entre as remunerações recebidas e os serviços prestados13.

Nesta sociedade de Antigo Regime, os mecanismos de distribuição do poder eram caracterizados pela formação de redes clientelares e pelas trocas de favores entre as partes envolvidas. Disto conclui-se que o sentimento de pertença ao Império era profundamente marcado pela participação do súdito no governo – o acesso a cargos da governança – e pela concessão de honras e mercês. Originava-se daí uma das formas de centralização administrativa14.

A idéia de pertença dos súditos ao império, originando em uma melhor situação de governabilidade, fica melhor entendido tendo por base o que se denominou “economia política de privilégios”15.

Admite-se que para além de retribuir os serviços prestados pelos súditos na defesa do bem comum, o sistema de concessão de mercês e privilégios estreitava os laços de sujeição e o sentimento de pertença daqueles para com o Império. Por efeito, garantia-se melhores bases de governabilidade e, quiçá, de centralização administrativa. Tal dinâmica contribuía para formar uma dada noção de pacto e de soberania intrinsecamente ligada, como não podia deixar se ser, a valores e práticas do Antigo Regime. Daí depreende-se a chamada economia política de privilégios16.

Após a constituição da sociedade colonial, as elites utilizaram diferentes estratégias – dentre as quais, políticas de alianças, sistema de mercês e luta pelos cargos concelhios – para se manterem no topo da hierarquia econômica e administrativa da colônia e, assim, terem instrumentos para negociar com a Coroa17. Em Minas, isso não parece ser diferente, embora o quadro fosse um pouco mais “agitado”.

A revolta em Minas colonial era lócus por excelência de negociação e, também, de concessão de mercê. Nos primórdios dos descobrimentos auríferos, a Coroa não possuía contingente militar suficiente para fazer frente aos grandes potentados com suas redes clientelares e séqüitos negros. Como enfrentar as várias revoltas que varreram Minas desde seu alvorecer até 1736? Negociando, cooptando potentados para desarticular as redes clientelares e utilizando-se do chamado sistema de concessão de mercês. Tais estratégias, assim como a própria eclosão da revolta, perpassavam uma contínua idéia de negociação, aonde ambos os lados buscavam auferir, dentro do limite do possível, os maiores proventos em benefício próprio18.

O envolvimento dos agentes régios nos negócios coloniais e a inserção da elite local em cargos da governança foram fatores cruciais para aumentar a influência da colônia na política ultramarina, levando a metrópole a ter que respeitar os sistemas de autoridades estabelecidos na colônia sob pena de enfrentar fortes resistências. Tal situação impediu que a autoridade régia fosse imposta de cima para baixo, mas sim construída em um processo de negociações, barganhas recíprocas entre o centro e a periferia19.

Fruto das Grandes Navegações, da Reforma e do próprio Renascimento, a ordem social perde seu ornamento de estabilidade e passa a ser vista baseada em acordos provisórios aos quais os homens chegam com o intuito de, em cada conjuntura, evitar a anarquia e manter a paz. O homem, mais dinâmico, passa a modelar suas relações sociais e políticas de acordo com suas vontades, e a sociedade adquire feições de um pacto, cujas cláusulas dependem das partes integrantes, de forma que o governo estabelecido seja justo20.

De um lado temos uma elite colonial ávida por garantir seu lugar no topo da hierarquia econômica e administrativa com todas conseqüências daí advindas, do outro temos o homem barroco luso, imbuído de vontade e razão próprias que, uma vez afastado de seu rei e com poder para tal, lança-se na aventura do trato comercial na colônia. Tais retas, longe de serem paralelas, são convergentes e, num certo sentido, complementares. Cria-se, a partir de tal convergência, uma perfeita situação de negociação entre centro e periferia.

Relativo às revoltas, essas eram mecanismos de negociação dos súditos com interesses locais afetados pela política régia, levando a coroa, muitas vezes, a não reprimir violentamente os conflitos sob pena de colocar em risco “o equilíbrio das hierarquias, ameaçando as dependências e trocas clientelares, premissa fundamental no ultramar”21. Especificamente em Minas nos seus primeiros anos, a Coroa, haja vista as dificuldades que teria para controlar a área, percebeu a necessidade de contemporizar no tocante ao enfretamento das revoltas envolvendo homens brancos livres. Neste sentido, negociar com os vassalos era condição sine qua non para manter a acomodação entre estes e as autoridades régias22.

Na época em que a coroa ainda não detinha as plenas condições de cobrança do quinto, as negociações pareciam favoráveis aos colonos23. Mais especificamente, “na fase de ganhos elevados com a mineração; a Coroa lucrou menos com os tributos”, em contrapartida, lá pelos idos de 1730, quando a extração era mais dispendiosa, os habitantes de Minas foram mais “penalizados”24.

Para além de uma visão centrada simplesmente no quesito tributação – leia-se extração do excedente colonial – acredito que para uma melhor compreensão dos “mais favorecidos” com tais negociações, faz-se necessário levar em conta, também, os objetivos, as trajetórias, as estratégias e os reais ganhos dos envolvidos nesse processo, ou seja, somente um estudo mais detalhado da composição social da elite mineira e de suas redes clientelares ligadas à Lisboa será possível aventar melhores conclusões não somente acerca das negociações imperiais, mas também acerca do próprio processo de implantação do poder metropolitano em Minas e como essa elite se portou frente a tal processo. Devemos ter em mente que as elites somente conseguiam se sustentar enquanto elite utilizando-se de estratégias e, conseqüentemente, de redes clientelares. É neste sentido que o estudo dessa elite nos possibilita compreender as redes clientelares mineiras no início do século XVIII, pois tais redes não são dadas, mas se modificam de acordo com as estratégias.

Do que foi acima dito, gostaria apenas de salientar que no alvorecer das Minas o processo de implantação do poder metropolitano não pode ser pensado tendo como norte considerações acerca da tributação ou da incessante busca metropolitana pelo máximo excedente possível. Nesse processo, a Coroa enfrentou revoltas, negociou e concedeu mercês aos colonos, evidenciando, além de uma complexa sociedade de Antigo Regime, um complexo processo de implantação do poder, poder esse que possui, no mínimo, três faces: revolta, negociação, mercê.

No período compreendido entre 1694 e 1736, Minas presenciou nada menos do que 46 movimentos sublevacionistas25. Desses 46 levantes, 37 ocorreram entre 1694 e 1720 e, mais especificamente, entre 1717 e 1720 – período em que o governo das Minas esteve sob a responsabilidade de Dom Pedro Miguel de Almeida Portugal, Conde de Assumar – ocorreram 16 levantes26, ou seja, 35% dos levantes ocorridos até 1736 estiveram concentrados em 4 anos.

Em um contexto tão conturbado urge a questão do porquê da eclosão de tantos levantes. Bastante divergentes são as explicações para tal questionamento, o que demonstra o quão complexa e dinâmica era a sociedade mineira nos seus primeiros tempos.

Eis a questão que norteia nossos estudos: por que um potentado arriscaria cair em desgraça com o rei, perder seus bens, ser degredado para Angola ou Moçambique planejando, participando, financiando e incitando não somente um, mas vários levantes em Minas? A resposta a esta questão vai além da constatação de se o poder estatal estava ou não presente, se o abastecimento de fato se consumaria e se as formas acomodativas seriam respeitadas ou não. Sigamos pelos caminhos das mercês

No que tange especificamente aos levantes, a Coroa utilizou-se das mercês para aplacá-los, para tentar quebrar alianças e para minar a oposição a seu governo com a cooptação dos revoltosos. As concessões mais comuns nestes casos eram de postos civis e militares e honrarias a indivíduos estratégicos, especialmente os hábitos de ordens militares27, além de perdão aos amotinados. A Coroa utilizava mercê para negociar com os sublevados e agraciar aqueles que ajudavam na contenção de tais sublevações. Resta ressaltar o lugar e a importância da negociação neste processo.

No título desse artigo lê-se “revolta, negociação, mercê: as três faces do poder em Minas colonial”. Contudo, a face de maior importância neste processo é, sem dúvida, a negociação.

A premissa de que parto para sustentar essa opção refere-se ao fato de eu considerar a negociação ocupante do lugar central nesta tríade, ou seja, tanto a revolta quanto a mercê não podem ser analisadas sem ter a noção de negociação como substrato comum. Até pelo menos 1736, avento a hipótese de que nenhuma, ou quase nenhuma, revolta possa ser entendida se não for enquanto um complexo jogo de interesses e alianças que variavam conforme os ocupantes dos cargos mais importantes da administração régia. Minha hipótese se torna muito clara analisando as conclusões que Campos obtém dos diferentes governos mineiros até 1736. Segundo a autora, ao se depararem com uma situação de desrespeito, os governadores reagiram das mais diferentes formas:

(…) “dom Fernando Martins Mascarenhas de Lencastre recuou; Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho preferiu a cooptação; dom Brás Baltasar optou pelo recuo alternado com uma política de neutralidade diante de conflitos e lutas de facções que colocavam em risco sua autoridade; dom Pedro Miguel de Almeida desarticulou e destruiu redes de clientela; dom Lourenço de Almeida agregou em torno de si redes de clientela formada dentre os cooptados potentados e novos migrantes enriquecidos em Vila Rica; e Martinho de Mendonça complementou o processo de destruição de redes de clientelas dos primeiros povoadores de Minas”28.

Aonde entra a negociação nestas diferentes formas de governo? As várias redes clientelares que existiam em Minas muitas vezes eram inimigas umas das outras, tendo interesses concorrentes e sendo tratadas de formas diferentes pelas várias autoridades régias não só em Minas, mas também na Bahia – incluindo o vice-rei do Brasil e integrantes da corte em Lisboa.

O que estas diferentes formas de governo de fato evidenciam são na verdade três movimentos, sendo que os dois últimos são corolários do primeiro: 1) as diferentes formas utilizadas pelos governadores para negociar com a elite que integrava estas redes clientelares; 2) as diferentes formas que os governadores utilizavam para se inserirem nesta elite; 3) as diferentes formas utilizadas pelos governadores para defenderem seus próprios interesses em Minas. Nenhuma revolta é fruto de geração espontânea; nasce dos interesses de potentados que incitam o povo ou utilizam-se de seus próprios cativos e agregados para colocá-la em prática.

Neste sentido, as formas de tratar as revoltas envolviam negociações que resultavam no favorecimento de certos interesses em detrimento de outros. As mercês, via de regra, iam para os favorecidos, geralmente potentados cooptados pela Coroa, ou seja, possuíam interesses confluentes aos interesses régios ou de seus funcionários.

Pelo menos no alvorecer mineiro, a negociação estava presente em quase todos os setores dessa sociedade caracterizando-se enquanto uma das faces do poder. As outras duas, revolta e mercê, figuravam enquanto faces do poder na medida em que eram instrumentos de negociação.

A negociação está no centro dessa sociedade e a revolta e a mercê interagem com ela, formando uma complexa dinâmica de funcionamento que, acredito, está inserida dentro dos moldes do Antigo Regime.

Patrimônio da Humanidade pela UNESCO, Ouro Preto, antiga Vila Rica, ainda guarda os vestígios da arquitetura colonial e barroca do Brasil.
Patrimônio da Humanidade pela UNESCO, Ouro Preto, antiga Vila Rica, ainda guarda os vestígios da arquitetura colonial e barroca do Brasil.

_______________________________________________

01 – DISCURSO histórico e político sobre a sublevação que nas Minas houve no ano de 1720. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 1994, Estudo crítico de Laura de Mello e Souza, pp. 59.

02 – Casos emblemáticos são Manuel Nunes Viana, Pascoal da Silva Guimarães, Manoel Rodrigues Soares dentre outros.

03 – CAMPOS, Maria Verônica. (2002), Governo de mineiros: “de como meter as Minas numa moenda e beber-lhe o caldo dourado” 1693 a 1737. São Paulo: USP, FFLCH (Tese de doutoramento inédita), pp. 30-105.

04 – “[…] e porque é preciso evitar esta desordem, mando que nenhum negro cativo entre nesta Vila com bordão de nenhuma casta nem também com nenhuma arma de nenhuma qualidade […]. APM, SC 27, fl. 65. BANDO de D. Lourenço de Almeida para todas as vilas deste governo das minas em 31 de maio de 1730. Também o Conde de Assumar relata a situação de negros armados em Minas, ressalvando que eles tinham a […] confiança de seus senhores, que não só lhes fiavam todo o gênero de armas, mas encobriam as suas insolências e os delitos […]. APM. SC 04, fls. 587-596. SOBRE a sublevação que os negros intentaram a estas Minas. Carta do Governador ao Rei de Portugal de 20 de abril de 1719”.

05 – Campos, Maria Verônica, op. cit., passim.

06 – ALENCASTRO, Luiz Felipe de. (2000), O trato dos viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul. São Paulo: Companhia das Letras, pp. 302-303.

07 – Ressalvamos que a análise que ora se segue não é passível de restrição à sociedade mineira, mas ampliável a todo Império luso.

08 – HESPANHA, Antônio M. & XAVIER, Ângela B. “As redes clientelares”. (1998), In: José Tengarrinha (org.). História de Portugal: o Antigo Regime. Lisboa: Editorial Estampa, pp. 340-342.

09 – Sobre a idéia da graça enquanto categoria do poder, manifestação do direito e da justiça, ver Antônio Manuel Hespanha, As vésperas do Leviathan: instituições e poder político. Portugal – século XVII. Coimbra: Almedina, 1994, p. 282-287 e 489-498.

10 – HESPANHA, Antônio M. & XAVIER, Ângela B, op. cit., pp. 347.

11 – Campos, Maria Verônica, op. cit., pp. 19.

12 – Caso emblemático foi o de Pero de Hates Henequim, ver Adriana Romeiro. Um visionário na corte de D. João V: revolta e milenarismo em Minas Gerais. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2001.

13 – Campos, Maria Verônica, op. cit., pp. 371.

14 – Idem, ibidem, pp. 43-44.

15 – BICALHO, Maria F. B., FRAGOSO, João & GOUVÊA, Maria. (2000), “Bases da materialidade e da Governabilidade no Império: uma leitura do Brasil colonial”. Penélope, n 24, Lisboa, pp. 75.

16 – Destacamos que tal conceito faz parte de um todo maior denominado “economia do bem comum” que, devido aos interesses deste artigo, não cabe aqui discutir. Para outras considerações acerca da economia do bem comum e da economia política de privilégios, ver João Fragoso, “A nobreza da República: notas sobre a formação da primeira elite senhorial do Rio de Janeiro (séculos XVI e XVII)”. In: Topoí: Revista de História. Rio de Janeiro, vol. 1, 2000, p. 45-122. Do mesmo autor, A nobreza vive em bandos: a economia política das melhores famílias da terra do Rio de Janeiro, século XVII – algumas notas de pesquisa, Rio de Janeiro, Departamento de História, UFRJ, 2003 (texto inédito), Maria de Fátima Gouvêa, “Redes de poder na América portuguesa: o caso dos homens bons do Rio de Janeiro (1790-1822)”. In: Revista Brasileira de História. São Paulo, vol. 18, n 36, 1998, p. 297-330, Maria Fernanda Bicalho, A administração colonial: debate historiográfico e algumas questões teóricas, mimeo

17 – BICALHO, Maria F. B., FRAGOSO, João & GOUVÊA, Maria, op. cit., pp. 67.

18 – Apenas a título de nota, outro campo muito importante de negociação era as câmaras municipais com suas elites locais que, através de petições, mantinham uma integração política no espaço imperial MONTEIRO, Nuno Gonçalo. (2001), “Trajetórias sociais e governo das conquistas: notas preliminares sobre os vice-reis e governadores-gerais do Brasil e da Índia nos séculos XVII e XVIII”. In: Maria F. Bicalho; João Fragoso & Maria de Fátima Gouvêa (orgs.). O Antigo Regime nos trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI – XVIII). Rio de Janeiro: civilização brasileira, pp. 283.

19 – GREENE, Jack P. (1994), Negotiated authorities: essays in colonial political and constitutional history. The University Press of Virginia, pp. 11.

20– __________. As estruturas políticas em Portugal na época moderna. (2000), In: TENGARRINHA, José (org). História de Portugal. Bauru, SP: EDUSC; São Paulo, SP:UNESP, pp. 119-120.

21– FIGUEIREDO, Luciano. “O império em apuros: notas para o estudo das alterações ultramarinas e das práticas políticas no império colonial português, séculos XVII e XVIII”. (2001), In: Júnia Furtado (org.). Diálogos oceânicos: Minas Gerais e as novas abordagens para uma história do Império Ultramarino Português. Belo Horizonte: HUMANITAS, pp. 229-244.

22 – ANASTASIA, Carla & SILVA, Flávio M. da. “Levantamentos setecentistas mineiros: violência coletiva e acomodação”. (2001), In: Júnia Furtado (org.). Diálogos oceânicos: Minas Gerais e as novas abordagens para uma história do Império Ultramarino Português. Belo Horizonte: HUMANITAS, pp. 309.

23 – Campos, Maria Verônica, op. cit., pp. 76.

24 – Idem, pp. 415.

25 – Idem, pp. 390-404.

26 – Idem, pp. 390-398.

27 – Idem, pp. 175.

28 – Idem, pp. 385-386.

Conheça outros artigos disponíveis na Revista Tema Livre na seção "Temas".

Texto de Fábio Ferreira

1. Introdução

D. João de Bragança

O presente trabalho tem como objetivo abordar brevemente a anexação de Caiena pelo príncipe regente português D. João no contexto europeu e sul-americano do início do século XIX e as características da ocupação joanina na região, dialogando, sempre que possível e em determinados aspectos, com as incursões realizadas pelo príncipe na Banda Oriental.

Assim, o próximo item, para a melhor compreensão do estabelecimento de uma possessão francesa na América do Sul, é dedicado ao corte temporal que compreende entre o primeiro estabelecimento francês no território do atual Brasil, mais especificamente na Baia de Guanabara, até a transmigração da Corte portuguesa para a mesma região.

O terceiro item diz respeito às duas regiões anexadas por D. João durante o seu reinado americano: Caiena e a Banda Oriental, explicitando as razões e as argumentações em torno de tais empreendimentos.

No item seguinte, a capitulação de Caiena e a administração portuguesa da mesma são abordadas, havendo, inclusive, uma breve comparação com o governo do general Lecor em Montevidéu.

O Congresso de Viena e a devolução de Caiena aos franceses são questões apresentadas no item cinco do trabalho, além das manobras por parte dos diplomatas de Portugal e França na restituição e restabelecimento dos limites entre os domínios dos dois países na América.

Assim sendo, nas linhas que se seguem, encontram-se informações a respeito da anexação de Caiena pelos portugueses, sem ignorar o contexto internacional, a geo-política e a política externa joanina na primeira vintena do século XIX.

 

2. O Período Colonial: De Villegaignon ao príncipe regente D. João

Mapa francês da baía de Guanabara, c. 1555.
Mapa francês da baía de Guanabara, c. 1555.

 

A demonstração do interesse francês na América do Sul dá-se já no século XVI com a ocupação da área que é hoje a cidade do Rio de Janeiro pelos gauleses e a fundação da França Antártica em 10 de novembro de 1555, tendo Villegaignon como vice-rei1.

Porém, a ocupação francesa na Guanabara não é duradoura: Em 15 de março de 1560, Mem de Sá ocupa o forte francês na região, culminado com o triunfo português. Apesar do malogro deste primeiro intento, a França não desiste dos seus objetivos no continente sul americano.

Em 1604, novamente há a presença francesa no continente com a expedição de Daniel de la Touche, senhor de La Ravardière, que explora a costa da Guiana e, no ano seguinte, recebe a nomeação para colonizar Caiena2. Entretanto, ela é destruída alguns anos mais tarde pelos portugueses, que queriam fazer valer o tratado de Tordesilhas de 14943. Em 1608 e 1617 há novas tentativas de dominar a mesma região, respectivamente por Robert Harcourt e Edward Harvey, porém todas as duas fracassam.4

Mesmo com tais acontecimentos, os franceses, em 1612, fundam no Maranhão a França Equinocial e o forte de São Luís, tendo a frente do novo projeto La Ravardière e François de Rassily. No entanto, o destino do empreendimento gaulês em terras sul americanas não é diferente dos anteriores: Em 16155, mais uma vez, os portugueses derrotam os franceses.

É válido observar que a defesa do território ao norte do continente sul-americano dá-se durante a União Ibérica (1580 – 1640), quando o rei de Espanha, Felipe II, passa a ser também o monarca de Portugal e seus domínios ultramarinos. Porém, a defesa dos domínios espanhóis na América fica a cargo dos portugueses, conforme explicita Furtado (p.86) “Aos portugueses coube a defesa da parte dessa linha [das Antilhas ao Nordeste brasileiro] ao sul da foz do Amazonas. Dessa forma, foi defendendo as terras de Espanha dos inimigos desta que os portugueses se fixaram na foz do grande rio, posição-chave para o fácil controle de toda a imensa bacia.”. Com o fim da união entre as duas Coroas, a América portuguesa vê-se além dos limites de Tordesilhas. Assim, segundo Vainfas (2000, p.572) “(…) foi no período da dominação filipina que se alargaram as extensões da futura América Portuguesa (…)”

E, neste mesmo período, a era dos Felipes, mais precisamente em 1626, que é constituído, segundo Jorge (1999), o núcleo original do que virá a ser a Guiana Francesa: às margens do rio Sinamari é constituída a primeira colônia gaulesa, que, em 1634, é transferida para a ilha de Caiena.

Ainda segundo o mesmo autor, a manutenção de Caiena nas mãos dos franceses vem a ser uma tarefa árdua para estes:

“(…) no novel estabelecimento malograram-se sucessivamente todos os reiterados ensaios de colonização até 1656, quando a ilha de Caiena foi ocupada pelos holandeses que a exploraram até 1664, data de sua retomada pelos franceses. Os ingleses expulsaram-nos em 1667, ocupando-a até que dela se reapoderaram os holandeses em 1674. Da reconquista pelo vice-almirante conde d’Estrées, em 1676, data a sua ocupação definitiva pela França.”6

Sobre as adversidades da região, é válido observar que, citando Ciro Cardoso, Gomes e Queiroz (2002, p.32) comentam que “(…) as dificuldades de colonização da Guiana Francesa eram diversas: relevo acidentado, correntes marítimas dificultando a navegação, epidemias e pragas nas plantações, subpovoamento, pobreza crônica, etc. Enfim, o fracasso inicial da colonização teve fatores geo-ecológios e históricos.”

As primeiras tentativas de delimitar as fronteiras entre a Guiana Francesa e o Cabo Norte, parte do atual estado brasileiro do Amapá, datam de 16337. Em 1640, com a Restauração, Portugal volta a existir como país independente, e os limites da dominação gaulesa – apesar de todas as adversidades que ela sofreu – na região citada com a América Portuguesa têm como fruto inúmeras discussões entre os dois países europeus ao longo do século XVII.

Segundo Jorge (1999), para os portugueses, o limite entre os seus domínios e o dos franceses era o rio Oiapoque ou Vicente Pinzón, em virtude da doação feita por Felipe IV de Espanha, em 1637, à Bento Maciel Parente da Capitania do Cabo Norte. Porém, para os franceses, os limites entre as possessões dos dois países não dava-se pelo Oiapoque, criam que a França tinha direitos sobre a margem setentrional do Amazonas devido as cartas-patentes concedidas, em 1605, a La Ravardière.

No decorrer do século XVII várias são as atitudes por parte da França que demonstram o seu interesse na região entre o Amazonas e o Orinoco, na atual Venezuela, como, por exemplo, quando os franceses perdem Caiena para os holandeses e, sem possuir território algum nas Guianas, Luís XIV nomeia o duque de Ampville vice-rei da América, tendo tal área entre os dois rios estado sob a sua jurisdição, e também a criação de diversas companhias de comércio que abrangem a área que vai desde as margens do Amazonas até as do Orinoco.8

Diante do impasse, que chega a resultar em conflitos armados entre os dois países, Portugal e França optam pela negociação, que inicia-se em Lisboa no ano de 1698. No entanto, segundo Jorge (1999, p.57), devido à falta de conhecimento de ambas as Coroas litigiosas sobre a região, um tratado provisório é assinado em 4 de março de 1700 por Portugal e França, em que

“(…) deixou em suspenso a atribuição do território compreendido entre a ponta de Macapá e o cabo do Norte e daí pelo litoral até o Oiapoque, permitindo aos nacionais dos dois países estabelecer-se livremente entre aquele rio e o Amazonas, sem que nenhuma das duas Coroas pudesse, por este fato, reivindicar um direito de soberania ou instalar postos militares ou comerciais que implicassem tomada de posse. Esse modus vivendi, baseado na neutralização provisória do território contestado, seria mantido até a conclusão de um ajuste definitivo.”

Porém, conforme evidencia o autor citado acima, devido ao posicionamento português na Guerra de Sucessão espanhola, ao lado da Inglaterra e Holanda e contra a França e Felipe V da Espanha, o tratado provisório é anulado, sendo que tal limite só é definido pelo Tratado de Utrecht, de 11 de abril de 1713.

Por este tratado, garantido pela Inglaterra, segundo Carvalho (1998), a França renuncia as terras do Cabo Norte, assim como a qualquer pretensão em relação à navegação do Amazonas, sendo as duas margens deste rio de navegação única e exclusiva da marinha portuguesa, além do trânsito de Caiena para o sul do Vicente Pinzón ser proibido, igualmente havendo a proibição dos lusos comerciarem na citada cidade.

Porém, segundo Gomes e Queiroz (2002) os franceses não cumpriam o Tratado de Utrecht, o que não era de desconhecimento dos portugueses, e Abreu (1998, p.197) afirma que os gauleses encontraram maneiras de burlar tal trato, “(…) descobrindo mais de um Vicente Pinzón e mais de um Oiapoque, de modo a aproximarem-se o mais possível do Amazonas, seu verdadeiro e constante objetivo.”

Conforme demonstra Jorge (1999, p.59) ao longo do século XVIII, por parte de várias autoridades francesas na Guiana, diversos rios são entendidos como o Vicente Pinzón e o Oiapoque, sempre com o mesmo objetivo citado por Abreu, porém “(…) Portugal e, depois, o Brasil, sempre e invariavelmente, sustentavam que o rio Japoc ou Vicente Pinsão do Tratado de Utrecht era o mesmo e único Oiapoque ou Vicente Pinzón, universalmente conhecido com este nome desde 1596, que se lança no oceano Atlântico ao oeste do cabo de Orange, limite (…) formalmente aceito pelo [Tratado] de Utrecht em 1713”

Após a Revolução Francesa (1789) e a chegada do príncipe regente D. João ao poder (1792), no período de 1797 a 1802, várias são as tentativas de acordo entre portugueses e franceses sobre os seus limites na América, como, por exemplo, o de Paris de 1797 que não é ratificado por Portugal pelo fato de ir contra os seus interesses, e o de Amiens, de 1802, que exclui o país ibérico das negociações, logo o não reconhecimento do tratado.9

Assim, a tentativa por parte da França de estender a Guiana Francesa e o desrespeito à soberania lusitana, em que acordos são celebrados sem a participação de Portugal, são reflexos da posição frágil em que o país chega ao século XIX, além da conjuntura européia, com a polarização de forças entre a Inglaterra e a França napoleônica, que intimidava todo o continente.10

É válido também ressaltar que no período que compreende o final do século XVIII e os primeiros anos do XIX, Portugal, devido ao complicado xadrez europeu, vê-se envolvido em várias guerras, mesmo sempre tendo tentado levar ao máximo uma política de neutralidade. Tropas portuguesas, por exemplo, marcham contra a França, em 1793, na Campanha do Rossilhão, incorporadas ao exército espanhol e, em 1801, Portugal é invadido pelos aliados de outrora, com apoio militar francês, no episódio conhecido como Guerra das Laranjas, em que a praça de Olivença, território português, cai nas mãos do visinho e inimigo.11

Sobre a situação enfrentada por Portugal e o seu reflexo nos tratados e no espaço americano, Jorge (1999, p.60) afirma que “os seus negociadores [dos tratados] não tiveram em mira interpretar o pensamento do Tratado de Utrecht, mas, impor a Portugal, enfraquecido pela guerra, limites novos no território da Guiana.”

Evidentemente, não podemos ignorar as dinâmicas das populações locais na definição de fronteiras, conforme explicitam Gomes e Queiroz (2002) em seu trabalho, entretanto, nesta tentativa de expansão francesa, pode-se constatar a política européia e a utilização de tratados para definições de espaços no continente americano.

 

3. As Anexações Joaninas: Caiena e a Banda Oriental

Napoleão Bonaparte: tentativa de impedir a Europa de negociar com a Inglaterra.

Como foi dito anteriormente, Portugal adentra o século XIX envolvido nas intrigas européias, porém, sempre a buscar a neutralidade. Sobre tal fato, Vicente (1996, p.34) afirma que “D. Maria, o Príncipe Regente e os ministros portugueses entendiam que a neutralidade era a melhor política (…)”. Ferreira (2003) também mostra que “Mesmo em 1803 [com] novos conflitos terem se estabelecido entre a França e a Inglaterra, Portugal consegue permanecer em uma posição que convém-lhe: a de neutralidade. Continua aliado dos ingleses e em paz com os franceses.” Até mesmo Carlota Joaquina, esposa do príncipe regente, tem a mesma postura, segundo Francisca Azevedo, sempre a objetivar a neutralidade portuguesa, inclusive as suas cartas ao pai, Carlos IV, rei de Espanha, seguem esta linha.12

Porém, a política de neutralidade acaba por tornar-se inviável, seja por questões internas, como a força que o partido francês ganha em Portugal, seja por externas, como os desejos expansionistas de Napoleão e a aliança do país ibérico com a Inglaterra.

Diante destes fatos, Junot, a obedecer ordens do líder francês, marcha em direção ao território português, a adentra-lo pela Beira Baixa no dia 17 de novembro de 180713. Sete dias depois, a Corte fica ciente do ocorrido e, assim, a família real parte de Lisboa em direção ao Rio de Janeiro doze dias após a entrada dos franceses no território português. 14

A transmigração da Corte para o Brasil, realizada com apoio inglês, e que segundo Azevedo (2002) torna-se um dos objetivos de Canning desde que assume o Ministério das Relações Exteriores do seu país, não é o único fato da história luso-brasileira neste momento que tem a participação de Londres. Segundo Goycochêa (1963) há a possibilidade do plano da invasão da Guiana Francesa ter sido formulado na capital britânica.

Independentemente se tal incursão foi planejada ou não na Inglaterra, o autor demonstra que D. Rodrigo15, antes mesmo da transferência da Corte para o Rio, já propunha a hostilização da possessão francesa no extremo setentrional da América do Sul.

Lima (1996, p.287), ao citar uma correspondência de 1801 do ministro para o príncipe regente, evidência que há o interesse napoleônico, já nesta época, de transformar a Guiana em uma poderosa colônia que, para D. Rodrigo, seria fatal para o Pará e conseqüentemente para o Brasil.

Assim, feita a travessia do Atlântico, D. João declara guerra a França e anula os tratados celebrados anteriormente com tal país. Sobre tal atitude do príncipe regente, Calógeras (1998, p.243) afirma que “Nulos e de nenhum efeito declarou-os (…) D. João, em seu Manifesto de 1º de maio de 1808, ao romper relações e entrar em guerra contra Napoleão.”

Uma vez tento declarado guerra aos invasores de Portugal, D. João prepara o ataque da possessão dos seus inimigos no continente sul-americano. Conforme explicita o autor, partem do Pará, no dia 6 de novembro de 1808, as hostes comandados pelo tenente-coronel Manoel Marques, que conquista Caiena em 12 de janeiro de 1809.

Sobre os objetivos joaninos em tal anexação, Silva (1986) afirma que a defesa do litoral norte do Brasil, preocupação de D. Rodrigo, é uma das razões de tal atitude por parte do governo português instalado no Brasil; outro argumento era o restabelecimento de limites entre a Guiana Francesa e a América portuguesa de acordo com os interesses lusitanos; além de visar a aniquilação de qualquer ponto gaulês na América do Sul.

Já as razões e justificativas da outra anexação joanina durante a sua estada no Brasil, a da Banda Oriental, ocorrida pela primeira vez em 1811 e em uma segunda no ano de 1816, são outras.

Primeiramente, é válido observar que o desejo de D. João em conquistar essa área faz parte do velho desejo lusitano de possuir ao menos um ponto no Rio da Prata, anelo este que pode ser constatado desde o século XVI e manifesto ao longo dos séculos seguintes16. O temor de que da América espanhola emanassem “(…) as idéias dos ‘novos tempos’ franceses”17 para a região do sul do Brasil é igualmente outra razão apontada por Silva (1986).

Também é pertinente destacar que houveram especulações de que Napoleão – que em 1808 aprisiona toda a família real espanhola, exceto Carlota Joaquina – desejaria conquistar para si o que foi o domínio dos Bourbons na América, além da tentativa do mesmo em subjugar Montevidéu, conforme narra Azevedo (2002, p.177): “[Chegam a esta cidade] delegados franceses com despachos de Napoleão (…) informando da abdicação de Carlos IV em favor de Jose Bonaparte e exigindo a aclamação do rei também nas colônias. [Entretanto] Fernando VII [irmão de Carlota Joaquina] fora proclamado rei e os emissários franceses foram banidos da cidade.”

Porém, é interessante observar que uma vez sob domínio português, há o silêncio por parte de Napoleão para recuperar a Guiana, pois a França não envia esforço militar algum para tentar reaver a possessão perdida, sendo que Lima (1996) atribui tal postura ao fato dos franceses terem como maior inimigo a Inglaterra, a marinha mais poderosa da época. Outra razão que talvez também possa ser apontada como contribuídora para a não tentativa de refutar os portugueses da ilha de Caiena pode ser que Napoleão, por estar tão comprometido com as suas conquistas e guerras na Europa, não tinha condições de atuar no sentido de retomar a Guiana Francesa.

Outro ponto a observar-se no que diz às duas invasões à Banda Oriental e a sua justificativa, é a de que os luso-brasileiros estavam a buscar os limites naturais da América portuguesa. Na incursão de 1811, o direito dos Bourbons na região do Prata é evocado, além do fato de Montevidéu, reduto pró-Espanha, e, por essa razão, estar sob ataque portenho18, que visava conquistar a Banda Oriental, o que acarretou no pedido de ajuda dos montevideanos aos luso-brasileiros e também à perturbações na fronteira com Rio Grande.

Em 1816 as violações continuaram, além de que a região estava a ser governada por Artigas, que na interpretação do Rio de Janeiro o seu governo era sinônimo de anarquia, além da preocupação geopolítica do Rio da Prata tornar-se um bloco político espanhol19. Assim, o General Lecor, veterano das guerras napoleônicas na Europa, marcha em direção à Banda Oriental, conquistando Montevidéu em 20 de janeiro de 181720.

A geopolítica, assim como na região do Prata, também foi um fator que contribuiu para que as tropas luso-brasileiras marchassem em direção à Caiena, conforme explicita Silva (1986) quando cita a preocupação que D. Rodrigo tinha na proteção do litoral norte do Brasil.

Tal receio não é ignorado por Lima (1996, p.286), que mostra o ministro de D. João tendo como questão de suma importância a integridade territorial do Brasil, “(…) e que sob este ponto de vista nenhuma capitania lhe merecia igualmente maior cuidado que a do Pará, em consideração do perigo da proximidade dos franceses num momento de inimizade com a França, e da ameaça da questão sempre aberta do Oiapoque.” Logo o aniquilamento da dominação francesa na Guiana torna-se relevante para o governo português devido a posição estratégica que os gauleses obtinham na América do Sul.

Lima (ibid.) também demonstra em seu trabalho o reconhecimento de D. Rodrigo de que os grandes rios das capitanias amazônicas interligavam-nas com o Mato Grosso; o fácil acesso ao interior do Brasil que o domínio destas citadas capitanias garantiam; além do potencial econômico que possuíam. Quer dizer, uma eventual perda desta região poderia significar grande estrago na configuração do domínio português na América, sendo que quem possuía um ponto bem próximo a esta região e que era hostil ao príncipe D. João era Napoleão Bonaparte.

Evidentemente, as relações de Portugal com a Espanha eram igualmente hostis, além dos dois países possuírem vastos limites na América, porém, em 1808, no mesmo ano da chegada da Corte portuguesa ao Rio de Janeiro, a Espanha sucumbe diante de Napoleão, não constituindo ameaça ao governo português sediado no Brasil e, a partir de 1810, começam os movimentos na maioria das colônias americanas, em que as mesmas não aceitam a dominação das Cortes espanholas.

A Inglaterra, evidentemente, possuía tais condições, porém, era aliada dos portugueses, além do fato de que D. João, uma vez no Brasil, tomou as conhecidas medidas que beneficiaram os aliados britânicos. Assim, os ingleses não teriam razão para atacar os seus aliados, por sua vez, os espanhóis, que diversas vezes ao longo da história envolvem-se em conflitos com os portugueses, tinham que resolver muitos problemas dentro do seu território metropolitano e colonial, logo a dificultar bastante um eventual ataque a Portugal na América, sendo a França o único país que tinha razões para tal atitude e em tais condições.

 

4. A capitulação de Caiena e a dominação portuguesa

Mapa atual: em rosa, o planalto das Guianas, que perpassa pela Venezuela (Guiana Espanhola), Guiana (Guiana Inglesa), Suriname (Guiana Holandesa), Guiana Francesa e Amapá (Guiana portuguesa).

Conforme foi dito anteriormente, D. João, ao chegar ao Brasil, declara guerra à França, sendo o ataque a Caiena o primeiro ato joanino de hostilidade a Napoleão. Entretanto, primeiramente, Portugal trata de redefinir as fronteiras do Brasil com a Guiana Francesa de acordo com o Tratado de Utrecht, para depois adentrar o território guianense, conforme demonstra Goycochêa (1963, p.127):

“Os limites entre o Brasil e a Guiana Francesa, em tais condições, voltaram ao rio Oiapoque ou de Vicente Pinzón, combinados no Congresso de Utrecht em 1713. O que foi estabelecido em Paris (1797), em Badajoz e em Madrid (1801) e mesmo em Amiens (1802), foi anulado, deixou de existir.

Impunha-se depois, como revide à invasão de Portugal, que fosse levada a guerra até ao território indiscutivelmente francês, do Oiapoque ao Maroni, inclusivemente à ilha de Caiena onde é a capital (chef-lieu) da colônia, que se sabia guarnecida e fortificada.”

A expedição que realiza o ataque a Guiana é organizada pelo capitão-general do Pará, José Narciso de Magalhães de Menezes, contando, inicialmente, segundo Lima (1996), com 400 homens e, após passagem pela ilha de Marajó, 500, que partem, sob o comando do tenente-coronel Manuel Marques – que ganhou destaque na guerra entre Portugal e Espanha de 180121, lidera, na incursão à Caiena, as tropas terrestres – em direção ao extremo norte brasileiro.

O papel da Inglaterra ao lado de Portugal em tal invasão não pode ser ignorado, pois, segundo Goycochêa (1963), o ministro do exterior inglês, George Canning, esteve envolvido na articulação de tal ataque junto a D. Rodrigo, além da força naval anglo-lusitana, comandada por James Lucas Yeo, sobrinho de Sidney Smith, ter tido atuação neste advento contra Napoleão e os seus súditos.

As forças que partiram de Marajó chegam ao cabo Norte em 12 de novembro de 180822, a apossarem-se, segundo Calógeras (1998), da margem direita do Oiapoque exatamente um mês depois e, assim, continuam em direção a Guiana Francesa. Victor Hugues, o governador francês de Caiena, ao saber do que estava a ocorrer, envia esforços militares para a fronteira, esforços estes que, segundo Lima (1996) contavam com apenas 40 homens, que não conseguem conter os seus oponentes, e acabam recuando.

Porém, paralelamente, em Caiena, é organizada a defesa da cidade com os diminutos recursos disponíveis pelos franceses. Tais preparos são citados por Lima (ibid., p.292): “(…) em Caiena se faziam preparativos de defesa (…) que (…) constavam de 511 europeus de tropas escolhidas, 200 pardos livres e 500 escravos adrede recrutados, além de um brigue de 14 peças e 80 homens de equipagem. Não era portanto desproporcionado o pessoal de terra, e no dizer dos documentos franceses eram bastantes os víveres e as provisões bélicas.”

Entretanto, a defesa preparada pelos franceses é inútil: a 6 de janeiro de 1809 as hostes saídas do Pará chegam a Caiena, desembarcando aí no dia seguinte, sendo que o governador acaba por assinar a rendição cinco dias após o desembarque23.

Lima (1996) observa que, os portugueses, antes de assinarem o trato com o governador de Caiena, ameaçam estabelecer um sistema em que os escravos da possessão francesa que pegassem em armas contra os senhores guianenses e atacassem as propriedades dos mesmos seriam libertos após o derrube do poder francês na ilha, sendo muito mais por esta razão, e não pela força, que Victor Hugues, possuidor da maior plantação da Guiana Francesa, assina a rendição.

O governador rendido, membros da administração civil e militar, além das suas respectivas famílias e criadagem, retornam para a França, tendo o seu custo bancado pelo príncipe regente. Uma vez de volta à França, segundo Silva (1986), a rendição do antigo governador de Caiena acaba por culminar na prisão perpétua do mesmo.

Sobre a punição de Victor Hugues, Lima (1996, p.292) destaca que

“O conselho de inquirição nomeado pelo imperador dos franceses culpou Victor Hugues de imprevidência e frouxidão na organização da defesa e na operação militar, permitindo por suas delongas o desembarque que lhe não teria sido difícil impedir, e recuando com a flor das tropas antes mesmo do primeiro revés, para assinar às pressas, sem convocar conselho de guerra nem reunir ou consultar as autoridades civis, as condições de uma capitulação cujo teor demonstrava que os aliados não contavam tanto com a imediata eficiência dos seus esforços.”

No tocante a conquista de Caiena pelos portugueses e a sua interpretação negativa por parte do Governador do Pará, Silva (1986, p.) observa que

“Os termos da capitulação foram criticados pelo Governador do Pará, que não concordava com eles, sobretudo no tocante à libertação dos escravos guianenses, os quais se incorporaram no exército aliado, e no referente à vigência única do Código Napoleônico, preferindo o estabelecimento de áreas jurídicas nas quais a autoridade de D. João VI pudesse agir. Não obstante, em janeiro de 1809, lavraram-se os termos da posse definitiva portuguesa da Guiana, embora esta nunca tenha chegado a ser declarada oficialmente parte integrante do território brasileiro, mantendo os guianenses o seu vínculo às leis napoleônicas e não às portuguesas.”

A manutenção das leis napoleônicas no novo território dominado por Portugal podem ser melhor compreendidas se analisadas sob a perspectiva dos objetivos joaninos na anexação de Caiena. Além das razões citadas anteriormente, como, por exemplo, a retaliação aos franceses pela invasão do território peninsular e a anulação da força dos mesmos na América do Sul, Lima (1996) afirma que Portugal não visa com tal advento uma conquista definitiva de Caiena, ao contrario de Montevidéu, onde, nas palavras do autor, os objetivos seriam imperialistas. Anexando o domínio francês, o governo estabelecido no Rio de Janeiro pretendia, no futuro, ao fim das guerras, ter com o que barganhar em convenções e tratados do pós-guerra, e, também, o restabelecimento dos limites entre Brasil e Guiana Francesa de acordo com o Tratado de Utrecht.

Apesar da vitória sobre os franceses, a situação militar portuguesa em partes do território da Guiana não é das mais favoráveis, inclusive, a reconquista em si não sendo impossível, ao contrário, os gauleses não teriam tido muitas dificuldades, porém Portugal tem como aliado o maior poderio naval da época, o que acaba por garantir-lhe a posse da nova conquista e inibir um ataque francês.

Uma vez Caiena sendo capitulada, Manuel Marques, o líder das tropas de terra, administra-a provisoriamente. Já nos primeiros dias da nova administração caienense o governador português constata essa deficiência militar pela qual o novo domínio luso passa, com as forças de ocupação debilitadas, com muitos homens doentes e, diante de tal fato, demanda ao Governador do Pará mais tropas, no que é atendido.

Sobre a atuação de Manuel Marques no comando da Guiana Francesa, Lima (1996, p.298) taxa-a positivamente, afirmando que

“Para administrar a colônia (…) recorreu a um conselho ou junta consultiva e deliberante composta dos habitantes mais reputados pela sua inteligência e probidade, sendo logo por esse meio regulado o valor da moeda portuguesa comparado com a francesa, para não embaraçar as transações mercantis; estabelecido um imposto de patente sobre todas as casas de negócio, para com o seu produto se pagar o soldo à guarnição, e adotadas outras providências urgentes de bom governo.”

O autor ainda cita que diante da desobediência de um grupamento militar desejoso de voltar para o Pará e de abandonar Caiena – ninho de febres malignas, nas palavras do mesmo – Manuel Marques repreende os descontentes apenas com a sua palavra e prestígio militar.

Em março de 1810 assume a administração de Caiena o desembargador João Severiano Maciel da Costa24, que tem a sua atuação elogiada por Jorge (1999, p.61), a afirmar que a mesma “(…) contribuiu poderosamente para o desenvolvimento do comércio naquela região e mereceu as mais lisonjeiras referências de historiadores franceses da Guiana.”

Já Silva (1986) e Lima (1996) demonstram que o governo de Maciel da Costa (1810-1817) gerou tanto detratores, quanto simpatizantes, sendo grande opositor da administração o jornal Correio Brasiliense, que acusava-o de déspota, corrupto e arbitrário. No entanto, “(…) outras fontes mostram-no como um bom administrador, modernizador do centro urbano de Cayenne, tendo-se interessado em fazer remeter ao Brasil grandes quantidades das especiarias da região: cravo, canela, noz moscada, pimenta (…) [e] mudas de uma espécie nativa de cana, ‘a caiena’ (ou caiana) que floresceria nas zonas canavieiras brasileiras.”25

O governo de Maciel da Costa é elogiado com entusiamo por Lima (1996, p.298), conforme pode ser constatado no seguinte trecho:

“A administração de Maciel da Costa (…) constitui uma página honrosa do reinado americano de Dom João VI. Os seus conhecimentos jurídicos e outros, a sua ciência da língua francesa, a sua lhaneza, espírito de justiça e atividade burocrática fizeram dele (…) um governante geralmente tido por modelo, que deixou muito agradáveis recordações quando a possessão foi restituída à França e os antigos senhores a reocuparam.

Não ficou todavia a administração portuguesa extreme de queixas contra ela. Os descontentes são inevitáveis e porventura alguns justicáveis, apesar da colônia ter aproveitado materialmente, quando mais não fosse pela livre exportação e venda com lucros dos seus gêneros coloniais, amontoados inutilmente nos armazéns durante os anos de guerra em que a Inglaterra varria de inimigos os mares com suas esquadras.”

O tratamento dado à administração portuguesa na Guiana é plausível de comparação com a da Banda Oriental, que teve a sua frente, desde 181726, o general Carlos Frederico Lecor, mais tarde Barão e Visconde de Laguna. Ambas geraram construções díspares e, a representar a positiva, destaca-se o viajante Saint-Hilaire (2002, p.187) que, em 1820, esteve em Montevidéu, e em seu diário faz a seguinte observação da administração do general português:

“(…) Montevidéu goza de profunda paz [enquanto Buenos Aires vivia o oposto]. Não mudaram as formas de administração; nem aumentaram os impostos, e a receita é aplicada às necessidades do país e ao pagamento dos funcionários espanhóis. O general escuta e faz justiça a todos, favorece, o quanto pode, os habitantes da região, mantendo uma disciplina severa entre as tropas. [E] É o governo português que [as] paga (…)”

Tratando a ocupação portuguesa da Banda Oriental com, no mínimo, certa reserva – isso quando não é rechaçada – é o que se encontra entre autores uruguaios como Felde (1919) e Acevedo (1933). Como exemplo, Felde trata as medidas por parte do governo luso-brasileiro que visavam tornar a Banda Oriental parte integrante do Brasil e que acabaram por ter apoio de uruguaios, como um pragmatismo dos seus conterrâneos, que tendo o seu país arrazado pelo período de guerra, não tem outra opção senão aceitar a dominação portuguesa, com os aspectos positivos da mesma sendo silenciados.

Outra comparação que pode ser feita entre a ocupação joanina do extremo norte com a do sul é que, embora a segunda tenha tido objetivos imperialistas, caso malograsse, e D. João tivesse que abandonar a conquista platina, ele não exitaria em redefinir a fronteira com a Banda Oriental de acordo com as suas conveniencias, de maneira que não conseguiu na Europa27. Quer dizer, a demarcação territorial conforme os seus interesses também foi preocupação do príncipe regente ao ocupar a Guiana Francesa, que antes de ocupá-la, estende a fronteira de acordo com o Tratado de 1713, conforme foi citado anteriormente.

Ressalta-se também que no sul, Lecor encontra uma região envolvida em guerras no seu interior há algum tempo, debilitada por esta razão, ao contrário do que Manuel Marques depara-se na Guiana Francesa, entretanto, na Banda Oriental há a resistência de uma figura como Artigas, que tinha respaldo popular, um projeto de um país independente na região platina, e que peleja contra a presença luso-brasileira até 1820, ao contrário de Victor Hugues, que assina em janeiro de 1809 a rendição e volta para a França no mês seguinte a capitulação de Caiena.

Entretanto, tanto Artigas, quanto Victor Hugues, são punidos pelos seus fracassos: O primeiro, após a sua derrota, é entregue ao presidente paraguaio Gaspar Rodrigues de Francia, que o confina no Convento de la Merced, saindo meses mais tarde para uma chácara no interior, onde fica a trabalhar a terra com dois escravos;28 já Victor Hugues, julgado pelo regime napoleônico, paga o preço do seu trato com os portugueses com a prisão perpétua.

 

5. O Congresso de Viena e o fim da soberania portuguesa em Caiena

João Severiano Maciel da Costa: governador portugués de Caiena.

Com a queda de Napoleão Bonaparte, começam as discussões diplomáticas em torno da Guiana Francesa. Em 1814, no Tratado de Paris, realizado já no governo de Luís XVIII, esboça-se a possibilidade de Portugal vir a devolver tal região29.

Os gauleses tentam redefinir a fronteira de acordo com o tratado de 1797, entretanto, os portugueses não aceitam tal proposta, levando a questão para o Congresso de Viena (1815), onde a discussão entre os dois países dá-se na delimitação ou não pelo rio Oiapoque. Portugal quer tal rio como fronteira, os franceses querem ultrapassá-lo, a avançar em território que os portugueses entendiam como seu, porém já a fazer concessões no sentido de ocupar uma parcela menor do atual Amapá.

Ainda no Congresso, Portugal tenta condicionar a devolução da Guiana à de Olivença, perdida para a Espanha na Guerra das Laranjas, já que, segundo Silva (1986, p.391) “Deixara de ter qualquer sentido a retenção da longínqua e dificultosa conquista já que, após o retorno à Monarquia, em França, a Guiana não representaria mais, ao olhar da Corte do Rio de Janeiro, um enclave de onde poderiam irradiar, diretamente, as idéias revolucionárias, trajendo em seu bojo virtuais ameaças aos (…) Braganças.”

No entanto, ao final do Congresso, Portugal não consegue a restituição de Olivença, e compromete-se a devolver a Guiana aos franceses, porém sem marcar a data da devolução, conforme demonstrado por Jorge (1999, p.61): “(…) se declarava que a entrega efetuar-se-ia quando as circunstâncias o permitissem, por ser uma convenção particular entre as duas cortes, procedendo-se amigavelmente (…)”

Apesar de ter acordado com a devolução, Portugal consegue que o limite entre o seu domínio americano e o francês de-se pelo Oiapoque, conforme o Tratado de Utrecht de 1713, como pode-se constatar nos artigos CVI e CVII do Ato Geral do Congresso de Viena, extraindo-se a seguir trecho do 107º referente ao Oiapoque como o limite: “(…) S.A.R. le prince régent du Portugal et du Brésil, pour manifester d'une manière incontestable sa considération particulière pour S.M.T.C., s'engage à restituer à Sadite Majesté la Guiane française jusqu'à la rivière d'Oyapock (…) limite que le Portugal a toujours considérée comme celle qui avait été fixée par le traité d'Utrecht.”30

Sobre o acerto realizado na Austria para a devolução da Guiana Francesa e a definição do Oiapoque como fronteira, Lima (1996, p.359) afirma que: “Terá a corte do Rio naturalmente preferido que a questão da fronteira houvesse ficado resolvida, exatamente segundo as suas vistas, no Congresso de Viena, sem mais discussões, dúvidas e sofismas. Obtiveram porém pelo menos os seus plenipotenciários um ponto importantíssimo (…) que era a estipulação da entrega apenas até ao Oiapoque (…)”

O autor ainda observa que é enviado ao Rio de Janeiro, para resolver a restituição, o duque de Luxemburgo, e que mesmo com o acordado em 1815, a França ainda nutre esperanças de chegar ao menos à boca do Amazonas ou de obter maior profundidade territorial, além de que havia o temor em Paris de que o Rio não devolvesse Caiena, nem as propriedades particulares confiscadas ou ocupadas pelos portugueses na Guiana.

Luxemburgo visa resolver logo as pendências com o Rio, além de sair da cidade com a devolução resolvida, entretanto, o governo português está sempre a buscar o retardamento da definição da restituição, pois só a faria quando estivesse certo de que seria realmente o Oiapoque o limite, tendo-o como definitivo, o que a França queria como provisório.

Enquanto ocorrem estas discussões, no ano de 1816, Maciel da Costa, a receber ordens do Rio, devolve os bens dos franceses da Guiana que foram sequestrado pelo fato de não aderirem à dominação portuguesa, e terem ido viver em países inimigos.

Após a delonga, que tem como palco não só a América, mas também a Europa, a entrega de Caiena aos franceses vem a ser resolvida em um tratado celebrado em 28 de agosto de 1817, em Paris, onde “(…) o governo português comprometeu-se a restituir, dentro de três meses, o território da Guiana Francesa até o rio Oiapoque; nele também se determinou a nomeação de uma comissão mista para proceder à fixação definitiva dos seus limites ‘conforme o sentido do artigo 8º do Tratado de Utrecht e as estipulações do Ato do Congresso de Viena.’”31

O governo de Maciel da Costa em Caiena finda-se em 8 de novembro de 181732, após uma dominação portuguesa de oito anos, que teria deixado simpatizantes franceses a lamentarem-se com o fim da mesma, e gerado o seguinte comentário do novo governador francês, Jean-François Carra Saint-Cyr33: “(…) é espantoso (…) que franceses, vendo drapejar as cores nacionais, signo da dominação francesa, vertam lágrimas de saudade pela dominação anterior; faço votos por que, ao término de minha administração, receba demonstrações semelhantes.”34

Uma vez Caiena estando em mãos francesas, os mesmos acabam por agir conforme já esperava a diplomacia lusitana: sempre a postegar a demarcação entre os limites das duas coroas no extremo setentrional da América do Sul.

Segundo Jorge (1999) a indefinição permanece até o final do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, adentrando o Império (1822-1889) e, havendo, já na República, conflitos no extremo norte brasileiro pela região do Contestado, levando, inclusive, em 1895, a invasão francesa do Amapá35.

A questão da Banda Oriental também não termina no período joanino, pois após tornar-se parte do Brasil com o nome de província Cisplatina, a mesma, em 1825, rebela-se contra a dominação brasileira, a tornar-se independente em 1828 com o nome de República Oriental do Uruguai, havendo também o Brasil problemas na definição das fronteiras com o novo país durante o século XIX e a atuação dos diplomatas dos dois países em tal questão.

 

6. Conclusão

Mapa da Guiana Francesa (1763). No detalhe, vê-se a Ilha de Caiena.

Assim sendo, a anexação de Caiena torna-se relevante se entendida dentro de um processo mais amplo, o da questão da política externa joanina, que consiste também na ocupação do território da Banda Oriental e a integração da mesma ao Reino Unido como província Cisplatina em 1821.

As incursões joaninas a essas duas regiões fronteriças aos extremos do Brasil são passíveis de comparação, da mesma forma que o é, por exemplo, a administração de Maciel da Costa em Caiena e a do general Carlos Frederico Lecor em Montevidéu, havendo pontos de interseção – e distanciamento, obviamente – entre os governos desses dois homens designados por D. João para administrar as suas novas conquistas no espaço sul-americano.

No que diz respeito a anexação de Caiena por parte do príncipe regente é válido observar que muito poucas são as informações sobre tal feito tanto na historiografia brasileira quanto na portuguesa, havendo mais dados da conquista joanina em autores mais antigos do país americano, como, por exemplo, Oliveira Lima, Araújo Jorge e Goycochêa, sendo que na do país europeu, em trabalhos como o de Saraiva ou do Dicionário de Torres, as informações encontradas são muito breves.

Até mesmo no trabalho de Sarney Costa, e nas informações disponíveis no sítio da internet do governo do estado do Amapá, ambos de cunho regional, tratam da história da região amazônica, e não aprofundam a ocupação de Caiena de 1809, a abordar com maior enfase questões referentes ao período colonial ou do final do século XIX.

Assim, concluí-se que a história da anexação de Caiena a mando do príncipe regente é algo ainda por escrever, podendo buscar como fonte, por exemplo, as correspondências entre os administradores portugueses da Guiana e o governo do Rio de Janeiro; assim como a de diplomatas, sejam eles do governo português estabelecido no Brasil, da França ou da Inglaterra e os seus respectivos governos; igualmente, se houver, relatos de contemporâneos da anexação, como foi a de Saint-Hilaire sobre a Banda Oriental. A imprensa da época também pode ser utilizada, tanto a do Brasil, quanto a de Portugal, França, Inglaterra e Guiana, para encontrar a repercussão que tal ato e a gerência de Caiena por parte dos portugueses obtiveram nos jornais do início do século XIX; a utilização do acervo da seção de manuscritos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro e os fundos do Arquivo Nacional localizado na mesma cidade, além do acervo do Itamarati, também podem contribuir para o estudo, assim como a ida aos seus correspondentes no Pará, Caiena, Lisboa, Paris e Londres.

 

7. Notas

1 – VAINFAS, Ronaldo. Dicionário do Brasil Colonial (1500 – 1808). Rio de Janeiro: Objetiva, 2000, p. 584.

2 – Op. cit., p. 342.

3 – http://www.guyane.fr.st/

4 – SARNEY, José; COSTA, Pedro. Amapá: a terra onde o Brasil começa. Brasília: Senado Federal, 1999.

5 – VAINFAS, Ronaldo. Dicionário do Brasil Colonial (1500 – 1808). Rio de Janeiro: Objetiva, 2000, p. 227.

6 – Op. cit., p. 56.

7 – http://www.amazonpress.com.br/amapa/dedoc/ap31052001.htm

8 – SARNEY, José; COSTA, Pedro. Amapá: a terra onde o Brasil começa. Brasília: Senado Federal, 1999.

9 – JORGE, A. G. de Araújo. Rio Branco e as fronteiras do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1999.

10 – FERREIRA, Fábio. As incursões franco-espanholas ao território português: 1801-1810”. In: Revista Tema Livre, ed.05, 23 abril 2003. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

11 – Op. cit.

12 – AZEVEDO, Francisca. Entrevista concedida em 10/04/2003. In: Revista Tema Livre, ed.05, 23 abril 2003. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com.

13 – FERREIRA, Fábio. As incursões franco-espanholas ao território português: 1801-1810”. In: Revista Tema Livre, ed.05, 23 abril 2003. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com.

14 – Op. cit.

15 – Dom Rodrigo nasce em 1755 e tem como padrinho o marquês de Pombal. Em 1778, é nomeado diplomata junto à corte da Sardenha e mais tarde, já em Portugal, torna-se ministro do Ultramar. D. Rodrigo ainda foi secretário de Estado da Marinha e Domínios Ultramarinos de 1796 a 1801, presidente do Real Erário de 1801 até 1803, e ministro da Guerra e Negócios Estrangeiros de 1808 a 1812, sendo que recebe o título de conde de Linhares no ano de 1808. Diante da possibilidade da fragmentação do Império Português, D. Rodrigo recorre às novas idéias ilustradas para propor novas soluções, entretanto, devido à mentalidade tradicional existente na sociedade portuguesa de então, ele encontra vários obstáculos. Partidário da Inglaterra e defensor da concepção de um império luso-brasileiro, tem papel atuante na transferência da Corte para o Rio de Janeiro e na assinatura dos tratados de 1810, sendo que a última medida demonstra a opção pelo Brasil como sede do império português. Vem a falecer em 1812 na cidade do Rio de Janeiro. (Vainfas, 2002.)

16 – Para maiores detalhes ver FERREIRA, Fábio. A Presença Luso-Brasileira na Região do Rio da Prata: 1808 – 1822. In: Revista Tema Livre, ed.03, 22 out. 2002. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

17 – SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Apêncice In: MAXWEL, Kenneth. Condicionalismos da independência do Brasil. In: SERRÃO, José; MARQUES, A.H. Oliveira (coord.). Nova História da Expansão Portuguesa, volume VIII. Lisboa: Estampa, 1986, p. 391.

18 – Buenos Aires estava em processo de emancipação frente as Cortes Espanholas

19 – Para maiores detalhes ver FERREIRA, Fábio. A Presença Luso-Brasileira na Região do Rio da Prata: 1808 – 1822. In: Revista Tema Livre, ed.03, 22 out. 2002. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

20 – Op. cit.

21 – Para maiores detalhes do episódio conhecido como Guerra das Laranjas, ver: FERREIRA, Fábio. As incursões franco-espanholas ao território português: 1801-1810”. In: Revista Tema Livre, ed.05, 23 abril 2003. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

22 – SARNEY, José; COSTA, Pedro. Amapá: a terra onde o Brasil começa. Brasília: Senado Federal, 1999.

23 – LIMA, Oliveira. D. João VI no Brasil. Rio de Janeiro: Topbooks, 1996.

24 – Nasce no ano de 1760, em Mariana, Minas Gerais, e a sua formação é de bacharel em leis pela Universidade de Coimbra. Maciel da Costa, em 1821, com a ida de D. João VI para Portugal, acompanha o monarca, porém é impedido pelas cortes de adentrar o país, voltando para o Brasil, onde foi um dos agentes do Império. Esse personagem ainda é senador e ministro, além de receber, primeiramente, o título de visconde e, depois, marquês de Queluz. Possuidor de várias publicações, em uma delas coloca-se a favor da abolição do tráfico negreiro para o Brasil, além de propostas para o fim do comércio desumano. http://www.arqnet.pt/dicionario/queluzm.html

25 – SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Apêncice In: MAXWEL, Kenneth. Condicionalismos da independência do Brasil. In: SERRÃO, José; MARQUES, A.H. Oliveira (coord.). Nova História da Expansão Portuguesa, volume VIII. Lisboa: Estampa, 1986, p. 391.

26 – FERREIRA, Fábio. A Presença Luso-Brasileira na Região do Rio da Prata: 1808 – 1822. In: Revista Tema Livre, ed.03, 22 out. 2002. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

27 – LIMA, Oliveira. D. João VI no Brasil. Rio de Janeiro: Topbooks, 1996.

28 – VAINFAS, Ronaldo. Dicionário do Brasil Imperial (1822 – 1889). Rio de Janeiro: Objetiva, 2002, p. 424.

29 – SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Apêncice In: MAXWEL, Kenneth. Condicionalismos da independência do Brasil. In: SERRÃO, José; MARQUES, A.H. Oliveira (coord.). Nova História da Expansão Portuguesa, volume VIII. Lisboa: Estampa, 1986.

30 – 107 do Congresso de Viena, disponível em: http://www.histoire-empire.org/articles/congres_de_vienne/acte_du_congres_de_vienne_09.htm

31 – JORGE, A. G. de Araújo. Rio Branco e as fronteiras do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1999, p.61.

32 – http://www.worldstatesmen.org/Fr_Guiana.html

33 – http://www.worldstatesmen.org/Fr_Guiana.html

34 – SARNEY, José; COSTA, Pedro. Amapá: a terra onde o Brasil começa. Brasília: Senado Federal, 1999, p.134.

35 – http://www.amapa.gov.br/amapa-historia/historia-inicio.htm

 

8. Bibliografia e Sítios Consultados

ABREU, J. Capistrano de. Capítulos de História Colonial (1500-1800). Brasília: Senado Federal, 1998.

ACEVEDO, Eduardo. Anales Históricos Del Uruguay. Montevideo: Casa A. Barreiro y Ramos, 1933.

AZEVEDO, Francisca Nogueira. Dom Joaquim Xavier Curado e a política bragantina para as províncias platinas (1800 – 1808). In: Topoi. Revista de História. Rio de Janeiro: Programa de Pós-graduação em História Social da UFRJ / 7Letras, set. 2002, n.5.

AZEVEDO, Francisca. Entrevista concedida em 10/04/2003. In: Revista Tema Livre, ed.05, 23 abril 2003. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

CALÓGERAS, J. Pandiá. A Política Exterior do Império. Ed. Fac-similar, v.I. Brasília: Senado Federal, 1998.

CARVALHO, Carlos Delgado de. História Diplomática do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1998.

DICIONÁRIO Histórico, Corográfico, Heráldico, Biográfico, Bibliográfico, Numismático e Artístico. v. III. Portugal: João Romano Torres, 1904-1915. Disponível em: http://www.arqnet.pt/dicionario.html

FELDE, Alberto Zum. Proceso Histórico Del Uruguay. Montevideo: Maximino Garcia, 1919

FERREIRA, Fábio. A Presença Luso-Brasileira na Região do Rio da Prata: 1808 – 1822. In: Revista Tema Livre, ed.03, 22 out. 2002. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

_________ As incursões franco-espanholas ao território português: 1801-1810”. In: Revista Tema Livre, ed.05, 23 abril 2003. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. São Paulo: Editora Nacional, 1977.

GOMES, Flávio dos Santos; QUEIROZ, Jonas Marçal. Entre Fronteiras e Limites: identidades e espaços transacionais naa guiana brasileira – séculos XVIII e XIX. In: Estudos Ibero-Americanos. Porto Alegre: PUCRS, v. XXVIII, número I, 2002.

GOYCOCHÊA, Luís Felipe de Castilhos. A diplomacia de dom João VI em Caiena. Rio de Janeiro: G.T.L., 1963.

JORGE, A. G. de Araújo. Rio Branco e as fronteiras do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1999.

LIMA, Oliveira. D. João VI no Brasil. Rio de Janeiro: Topbooks, 1996.

SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Apêncice In: MAXWEL, Kenneth. Condicionalismos da independência do Brasil. In: SERRÃO, José; MARQUES, A.H. Oliveira (coord.). Nova História da Expansão Portuguesa, volume VIII. Lisboa: Estampa, 1986.

SARAIVA, José Hermano. História de Portugal. Lisboa: Alfa, 1993.

SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem ao Rio Grande do Sul. Brasília: Senado Federal, 2002.

SARNEY, José; COSTA, Pedro. Amapá: a terra onde o Brasil começa. Brasília: Senado Federal, 1999.

VAINFAS, Ronaldo. Dicionário do Brasil Colonial (1500 – 1808). Rio de Janeiro: Objetiva, 2000.

________. Dicionário do Brasil Imperial (1822 – 1889). Rio de Janeiro: Objetiva, 2002.

VICENTE, António Pedro. Do rossilhão às invasões francesas, In: TEIXEIRA, Nuno Severiano. O Poder e a Guerra 1914 – 1918. Lisboa: Editorial Estampa, 1996.

http://www.amapa.gov.br

http://www.amazonpress.com.br

http://www.guyane.fr.st

http://www.histoire-empire.org

http://www.worldstatesmen.org/Fr_Guiana.html

 

Para obter mais informações na Revista Tema Livre relacionadas ao primeiro quartel do século XIX, basta clicar nos ícones abaixo: (Em ordem alfabética)

Entrevista com a prof. dra. Francisca Azevedo. Breves considerações acerca da Província Cisplatina: 1821-1828. As incursões franco-espanholas ao território português: 1801-1810. A Presença Luso-brasileira na Região do Rio da Prata: 1808-1822. Moeda e Crédito no Brasil: breves reflexões sobre o primeiro Banco do Brasil (1808-1829)

E, na seção fotos, a exposição virtual Imagens de Portugal: Palácio de Queluz Conheça outros artigos disponíveis na Revista Tema Livre na seção "Temas".

Entre os dias 22 e 26 de setembro de 2003 realizou-se no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ o evento, coordenado pela professora Dra. Norma Musco Mendes, “Testemunho epigráfico e o processo de romanização na Lusitânia”, onde o prof. Dr. José D’Encarnação, da Universidade de Coimbra, realizou diversas apresentações sobre o tema.

O nosso entrevistado leciona na citada universidade desde 1976, onde doutorou-se na especialidade de Pré-História e Arqueologia, além de ser professor catedrático da mesma e doutor honoris causa pela Universidade de Poitiers (França). Pertencente a diversas agremiações culturais, tanto em Portugal (como, por exemplo, a Associação Cultural de Cascais, que ele é fundador), como no exterior (França, Alemanha e Espanha), o prof. Dr. Encarnação também faz parte do conselho de conceituadas revistas, como a Archivo Español de Arqueología (Madrid), Phoînix (Rio de Janeiro), Veleia (Vitória, País Basco), Espacio, Tiempo y Forma (Madrid), Arqueohispania e Electronic Journal of Mithraic Studies (ambas revistas informáticas). Soma-se ainda que, o historiador, em 1994, foi agraciado com a medalha de mérito municipal de Cascais e a sua biografia consta do livro Personalidades da Costa de Estoril, I vol., Cascais, 1995.

Aproveitando a presença, no Brasil, do prof. Dr. Encarnação, a Revista Tema Livre, no dia 23, entrevista-o. A seguir, o professor discorre sobre a presença romana no território que é atualmente Portugal e os seus vestígios – visíveis até os dias de hoje, como, por exemplo, a cidade de Conimbriga –, além da sua atuação na mídia escrita e falada, e da relação entre internet e história.

Revista Tema Livre – Comente um pouco como se deu a presença romana no território do que é hoje Portugal.

José D’Encarnação – Bem, a Península Ibérica desde muito cedo foi atraída pelos romanos, não só pela sua posição estratégica de ligação entre o Mediterrâneo e o Atlântico, como também pelas riquezas que tinha. Riquezas agrícolas, designadamente a oliveira e a vinha, mas também pelos seus produtos minerais. Os romanos desde cedo sabiam que a Península Ibérica tinha produção de estanho, de cobre, de ouro, tanto que hoje as minas mais importantes do território que é atualmente português foram também exploradas pelos romanos. Portanto, logo após a Segunda Guerra Púnica, os romanos se instalaram na Península e se instalaram no território atualmente português, designadamente no litoral e, depois, foram penetrando pouco a pouco.

RTL – Quais seriam os principais vestígios da presença romana em Portugal?

Encarnação – Os vestígios que todo povo pode deixar quando vive em algum lugar durante muito tempo. Nós temos uma presença desde o século segundo antes de Cristo até o século quarto, quinto, altura das chamadas invasões bárbaras. Temos de todos os períodos, não há dúvida nenhuma, que, embora, as várias camadas arqueológicas, digamos assim, se tenham sobreposto umas as outras, o certo é que nós já encontramos vestígios da época republicana, mas claro, as mais visíveis são as do século quarto. Por exemplo, no sul de Portugal, as grandes vilas, que eram as casas residenciais dos romanos, com os mosaicos, porque, afinal de contas, se diz muitas vezes que o século terceiro foi um século de crise, não há dúvida que foi, porque houve uma certa instabilidade, havia um avanço dos ditos povos bárbaros sobre a fronteira romana, mas isso se fez sentir de modo particular na Península Itálica e, portanto, as pessoas mais importantes da Península Itálica, acabaram por ir, por exemplo, para a Península Ibérica. E nós, de facto, temos a afirmação arqueológica, não só pelas estruturas arquitetônicas mas, inclusivamente, pelos materiais móveis, ou seja, objetos encontrados de cerâmica, moedas e inscrições, que o século terceiro e quarto, designadamente o século quarto, foram períodos de grande desenvolvimento e, portanto, nós lá encontramos de tudo.

Quando eu tive a ocasião de dizer aos estudantes de pós-graduação sobre a grande diferença, se assim se pode falar, entre quem estuda história antiga no Brasil e quem estuda em Portugal é que nós, em Portugal, temos romanizaria ao pé de nós. Quer dizer, eu, por exemplo, escavo uma casa de campo romana que se situa a dez minutos da minha casa, e eu sei que os romanos estiveram ali, viveram ali, que um dia a senhora eventualmente se aborreceu e que deitou fora todas as agulhas, todos os alfinetes de cabelo que tinha, temos os anéis, temos as moedas, enfim, e temos as próprias casas, onde sentimos que eles viviam e as inscrições que eles nos deixaram. Isso é muito interessante de facto.

RTL – A cidade de Conimbriga está sendo estudada pela Universidade de Coimbra. O Sr. pode falar a respeito?

Encarnação – Pois, Conimbriga é sem dúvida nenhuma uma das cidades mais midiáticas, digamos assim, porque é conhecida desde há muito tempo e, portanto, ali também se fizeram além das escavações da década de 40 e 50, que puseram a descoberto lindíssimas casas, com lindíssimos mosaicos e jardins, casas fora das próprias muralhas. Depois, uma campanha luso-francesa de colaboração entre a faculdade de letras de Coimbra e, na altura, o Centre Pierre Paris da Universidade de Bordeaux III, que durante quase uma dezena de anos fizeram campanhas extensivas e intensivas, tendo posto a descoberto todo o seu conjunto monumental desde o fórum, aos vários templos, as grandes termas e etc. Ora, como esses resultados foram amplamente publicados e divulgados em congressos internacionais, não há dúvida de que Conimbriga é hoje uma das cidades mais conhecidas e mais visitadas.

Gostava já agora de dizer que Conimbriga não é Coimbra. Conimbriga fica situada a cerca de 15 km de Coimbra. Coimbra no tempo dos romanos chamava-se Aeminium, que é onde se situa hoje a Universidade. O que aconteceu foi que no século quarto, quando os suevos invadiram aquela zona, os habitantes de Conimbriga saíram da cidade, abandonaram-na, o próprio bispo abandonou a cidade e foi localizar-se junto ao rio Mondego, que é onde hoje é a cidade de Coimbra. E veio com ele o nome, era bispo de Conimbriga e transformou-se em bispo de Coimbra e, daí, que muitas vezes haja esta confusão entre Conimbriga e Coimbra. Não, Conimbriga é uma cidade romana, Coimbra, atual, está localizada sobre as ruínas de Aeminium, que é outra cidade romana, muito perto, portanto.

RTL – Há algum projeto de escavação na atual Coimbra?

Encarnação – Portanto, neste momento, a cidade de Aeminium, tem logicamente aquilo que nós temos que chamar uma arqueologia quase de salvamento, ou seja, não se fazem obras no centro histórico sem que o arqueólogo intervenha em primeiro lugar para dever. Designadamente temos um grande projeto no próprio museu Machado de Castro, que é o antigo Palácio Episcopal, que se situa sobre o antigo fórum romano. E o fórum romano, como a cidade, é em ruínas, se situa sobre um criptopórtico, ou seja, uma espécie de subterrâneo em grandes arcadas. Ora, aí, por exemplo, estão a fazer-se constantemente escavações. Mas, de um modo geral, os nossos antigos estudantes estão aí a acompanhar todas as obras da própria cidade. Relativamente, Conimbriga propriamente dita, neste momento, a cidade estará menos de 1/3 descoberta, mas também não nos interessa descobrir muito mais, na medida em que o que iríamos descobrir seriam casas e mais casas, mais toneladas quase de material e que não teriam com certeza outras informações se não confirmar as já existentes, por conseguinte, mantemos a descoberto a cidade, digamos assim, monumental, porque compreende que quanto mais coisas estiverem a céu aberto, maior é a dificuldade em nós as protegermos, dos liquens, das intempéries, da erosão, e tudo isso. Por conseguinte, não há necessidade de fazermos escavações, embora, na realidade, Conimbriga se mantenha ainda como uma hipótese de campo arqueológico para os estudantes de arqueologia poderem ir treinar e fazer alguma escavação arqueológica.

RTL – Qual o papel que tinha, dentro do Império Romano, o que é hoje Portugal?

Encarnação – Portugal não tinha um papel extraordinariamente importante. Porque o território que é atualmente Portugal fazia parte de uma província chamada a Lusitânia, a norte fazia parte o conventus Bracaraugustanus, fazia parte da Província da Hispania Citerior, enfim, não teve um papel, digamos assim, a nível político importante, nem sequer até a nível administrativo, de certo modo. Situava-se um pouco na periferia do Império, as pessoas gostavam muito de ir lá passear, isso nós sabemos, mas não temos ninguém grandemente importante. No entanto, é interessante verificarmos que não havia jogadores de futebol, como o Pelé ou como o Figo, que nós temos neste momento. Na Lusitânia existiu um dos maiores aurigas, um dos maiores corredores de cavalos do mundo romano, que tem em Roma uma das maiores inscrições encontradas, ele chama-se Caius Appuleius Diocles. Ele era um auriga de origem lusitana, aliais, os cavalos lusitanos tinham muita fama no Império Romano, e foi, tal como hoje os jogadores de futebol, que são requisitados e comprados ora por Botafogo, ora pelo Flamengo, ora por este, ora por aquele, também, assim, ocorreu com os brancos, os azuis, os verdes e os encarnados, portanto, as quatro grandes facções do circo romano foram, digamos assim, apoiadas e foram pedidas por este Caius Appuleius Diocles e a grande inscrição mostra as quantas vezes que ele ganhou essas corridas.

Enfim, provavelmente, o grande interesse da Lusitânia seria esse de uma zona de sossego, de calma, porque foi sempre uma província muito tranqüila. Depois de terem combatido contra Viriato e, designadamente, contra Sertório, e esta guerra com Sertório foi fundamentalmente lutas civis, no âmbito das lutas civis do final da república, a Lusitânia foi sempre uma província pacifica, onde era muito agradável viver com certeza.

RTL – O Sr. pode falar um pouco da resistência de Viriato e do mito em torno desta figura, pois chegam a atribuir-lhe ser o pai da nacionalidade portuguesa, mesmo o estado de Portugal ainda não tendo sido formado, só sendo este constituído muito posteriormente.

Encarnação – É o mito do herói fundador. Quer dizer, não há dúvida nenhuma que cada uma das nações tem que ir buscar as suas raízes, tem que ir buscar a alguém e, neste caso, foi Viriato. Viriato que teve uma importância muito grande como mito quando Portugal estava em riscos de perder a sua independência, quando Portugal necessitava de se afirmar. Designadamente, na altura do Renascimento é que nós estivemos em riscos, e acabamos depois por ser subjugados por Espanha, no tempo dos Felipes. Nessa altura, pois, Viriato foi como que endeusado, tanto Viriato como, sobretudo, Sertório. É curioso que, sendo Sertório alguém que não era português, não era lusitano, digamos assim, mas que foi dar força, foi dar instrução, de certo modo era alguém que motivava a população. E, portanto, Viriato era com certeza um dos chefes dos vários grupos que ofereceram necessariamente uma certa resistência, mas não tanta quanto na realidade isso foi proclamado. De facto, ele não foi exaltado só pelos escritores romanos, que precisavam de enaltecer as façanhas dos próprios generais, como também depois, em épocas de crise, e veja, por exemplo, o Estado Novo português, quando quis enaltecê-lo quando, de certo modo, nós estávamos a perder a identidade. É muito curioso verificar que neste momento há vários livros escritos sobre Viriato que estão a surgir, justamente porque estamos novamente em um período em que, face a uma globalização que pretende tornar tudo igual, temos a mesma moeda, não tarda falamos todos a mesma língua, podemos circular sem fronteiras, precisamos de arranjar a nossa própria identidade, e é muito curioso verificar que justamente agora há todo um conjunto de estudos sobre Viriato e, sobretudo, estudos sobre o mito de Viriato, como é que ele foi criado, é justamente porque neste momento estamos a procura de novos mitos.

RTL – O Sr. pode falar um pouco sobre a sua atividade na imprensa?

Encarnação – A minha atividade na imprensa situa-se naquilo que eu posso considerar uma extensão da Universidade diante da comunidade. Professor Universitário, no meu entender, não deve ser uma pessoa que se fecha na sua torre de marfim e que não dialoga senão com os seus parceiros. Eu sempre fui contrário a isso e, por outro lado, sempre procurei ter uma grande intervenção na história local, no desenvolvimento do patrimônio local, de mostrar as pessoas que de facto há estas raízes, há esta necessidade de criar comunidade. E, por isso, eu tenho neste momento um programa em uma rádio local que se chama “A falar é que a gente se entende” (rádio CSB, 105.4 fm), das 11 ao meio-dia, todos os domingos, é um programa que já tenho há quatorze anos, onde tenho levado pessoas dos mais variados níveis sociais, econômicos, políticos, culturais, e onde eu aprendo muitíssimo, porque há coisas que nós não temos a menor idéia que existe e isso me tem enriquecido muitíssimo. Imagine que um dos últimos programas, que me recordo em especial ter feito, foi sobre a dislexia e a pistorologia que é algo novo, que tem a ver com a nossa postura, a nossa maneira de colocar o corpo. Esse é o programa. Tenho também uma coluna no jornal local, já há 40 anos, e que se chama “notas e comentários”, e que eu faço uma pequenina crônica, que é uma crônica de uma coluna, uma página A4, sobre um acontecimento ou, digamos, uma crônica social em termos mais ou menos de chiste, de brincadeira, de ironia, eu procuro fazer alguma intervenção. E tenho depois uma página inteira em um outro jornal, que é um jornal que tem uma tiragem de 60.000 exemplares, que é distribuído porta a porta gratuitamente e que visa mostrar o patrimônio local, ou seja, é uma apresentação de locais específicos do concelho de Cascais, que tenham alguma coisa para dizer, ou é um museu ou é um pequeno recanto. Por exemplo, visitei recentemente a sacristia de uma igreja que tinha um conjunto de painéis de azulejos em que normalmente as pessoas não reparavam e que tem toda uma história de facto para contar. Isso tem sido muito interessante para mim, porque, de facto, tem feito as pessoas olharem com outros olhos para uma realidade pela qual passavam com freqüência e nem sequer se apercebiam dela, de tal maneira que já foi feito o livro “Cascais e os Seus Cantinhos”: o primeiro volume, que saiu em 2002, tem as crónicas de 1999 e 2000; há a ideia de continuar essa publicação; assim, um segundo volume teria as crónicas de 2001 e 2002.

RTL – Para finalizar, como o Sr. vê a internet como meio de divulgação da história?

Encarnação – Excelente. Eu próprio sou administrador de uma lista chamada “Archport”, que divulga arqueologia portuguesa e, portanto, onde veiculamos noticiários, informações, pedidos de informação, damos notícias do que vai aparecer de novo, acho que é extraordinariamente importante. Precisa, no entanto, de ser utilizada com muito cuidado porque, na realidade, há muita gente, digamos assim, como curiosa, que acaba por copiar daqui e de acolá e a fazer muitas vezes divulgação de textos que não tem nenhum valor. E tem um outro perigo, que é o de os nossos estudantes irem buscar as coisas à internet, sem nenhum espírito crítico, agarrar a elas, fazerem o “print”, como hoje se diz, fazê-las como trabalho próprio para apresentar aos professores. A internet serve para como veiculo de informação para, mas não pode de maneira nenhuma impedir o espírito crítico, o espírito de reflexão. Já temos demasiadas coisas que nos impedem de pensar. Portanto, se a internet for usada como deve ser, é realmente muito importante como transmissão de conhecimentos, como pedido de esclarecimento e, muitas vezes, estou com um determinado problema para resolver, há sempre um colega que diz, olha, vê isto, vê aquilo, eu tenho também, e etc. Neste aspecto é realmente muito importante e, também, de correspondência, a facilidade com que estamos em contacto com outras pessoas. Mas, tem o perigo de ficarmos dependentes, “internetdependentes” se não refletirmos, se não analisarmos, se não usarmos comedidamente.

Fotos da cidade romana de Conimbriga:

Imagens de Portugal: Conimbriga, vestígios de Roma.

Leia outras entrevistas concedidas à Revista Tema Livre

Conheça os artigos disponíveis na Revista Tema Livre, na seção “Temas”

Conheça também os eventos que a Revista Tema Livre realizou a cobertura

Voltar à Edição

A seguir, entrevista que a historiadora Carla Ferretti Santiago concedeu à Revista Tema Livre no dia 29 de julho de 2003, durante o XXII Simpósio Nacional de História. Na entrevista, a historiadora conta da sua experiência na produção de documentários, fala sobre a atuação do profissional da historia em veículos de comunicação, além do uso da televisão e da internet para a divulgação do conhecimento histórico.

Revista Tema Livre – Comente um pouco a sua experiência na TV Universitária.

Carla Ferretti Santiago – A nossa experiência é resultado da parceria do departamento de história da PUC-MG com a TV PUC, e tem o objetivo da produção de documentários de temas históricos para a televisão. Nós temos dois documentários hoje, já há um ano e meio que nós temos produzido para a televisão universitária, um se chama “Coração Informado”, que trata de personagens da história brasileira, especialmente vinculados a Minas Gerais, que tiveram ações de defesa dos direitos humanos, direitos políticos, da defesa da dignidade humana de uma maneira geral. O segundo documentário é uma série de mini documentários da década de vinte e da década de cinqüenta, documentários de um minuto e meio, um minuto aproximadamente, que são inseridos nos intervalos da televisão universitária. Essas duas séries são coordenadas por quatro professores e, em um ano e meio de produção, já envolveram quatorze alunos.

RTL – Qual o papel do profissional da história nesta área em que história e comunicação são integradas?

Santiago – Olha, esses documentários nós fizemos a proposta de parceria com a TV Universitária com dois objetivos. Primeiro, divulgar a história para um público mais amplo e, segundo, aproximar o nosso aluno de um veículo de comunicação no qual o historiador se faz cada vez mais presente. E que nós não temos uma formação, nem pensamos este espaço como espaço de atuação profissional. Além disso, para a elaboração destes documentários os nossos alunos realizam a pesquisa primária, que embasa os documentários, pesquisa de texto, de imagem e de som. Então eles se preparam também como pesquisadores. E, de uma maneira mais resumida, estes documentários estão colocando alunos e professores para refletirem sobre este espaço que é a televisão, para que ele cada vez mais se afirme como espaço no qual a presença do historiador seja cada vez mais significativa.

RTL – Qual a sua opinião sobre estas novos espaços, como a televisão e a internet, por exemplo, para a divulgação da história?

Santiago – Vejo sempre com muita satisfação, acho que quanto mais espaços tiverem para a divulgação do conhecimento histórico, melhor, e que o historiador seja presente nesses espaços. É obvio que nem sempre ele está presente, muita coisa é produzida por profissionais da área de comunicação, do jornalismo, o que não inviabiliza estes espaços como espaços de divulgação. Mesmo estas produções, como produções que estão produzindo uma narrativa sobre o passado com a qual os historiadores têm que dialogar.

RTL – Neste trabalho na TV Universitária, qual a maior dificuldade encontrada?

Santiago – Eu vejo duas dificuldades. A primeira é a de fontes, especialmente imagens, e muito particularmente, imagens em movimento. Filmes. Nós não temos em Belo Horizonte um arquivo de filmes em número significativo, tem um arquivo, mas precário, pouco numeroso os documentos fílmicos, então isso para nós é um grande embaraço. O segundo embaraço é conciliar o ritmo da televisão, o ritmo do jornalista, que é o ritmo acelerado, do instantâneo, do imediato, com o nosso ritmo da pesquisa histórica que exige um tempo um pouquinho mais alentado. Isso, às duras penas o curso, os alunos, os professores envolvidos nos projetos e a televisão universitária, nós estamos adequando os nossos tempos.

Leia outras entrevistas concedidas à Revista Tema Livre

Conheça os artigos disponíveis na Revista Tema Livre, na seção “Temas”

Conheça também os eventos que a Revista Tema Livre realizou a cobertura

Voltar à Edição

 

Primeiro plano, ruínas, possivelmente de lojas. Ao lado destes estabelecimentos, estrada. Ao fundo, aqueduto.
Primeiro plano, ruínas, possivelmente de lojas. Ao lado destes estabelecimentos, estrada. Ao fundo, aqueduto.

Detalhe do aqueduto augustano, que, ao longo de quase toda a sua extensão, mede aproximadamente 3,5 km. O aqueduto foi utilizado por Conimbriga por mais de quatro séculos, tendo sido destruído, acredita-se, pelos suevos. Por baixo desta construção, estrada. A frente, ruína do alveus (banheira) frio.
Detalhe do aqueduto augustano, que, ao longo de quase toda a sua extensão, mede aproximadamente 3,5 km. O aqueduto foi utilizado por Conimbriga por mais de quatro séculos, tendo sido destruído, acredita-se, pelos suevos.  Por baixo desta construção, estrada. A frente, ruína do alveus (banheira) frio.

O sítio arqueológico de Conimbriga, localizado a 15 km de Coimbra, guarda os vestígios da presença romana no território que hoje é Portugal. As ruínas do que foi uma cidade do Império Romano conta com as muralhas de defesa da mesma, aqueduto e diversos mosaicos, além de termas, casas, estradas, fórum e anfiteatro.

Muralha que divide Conimbriga, construída para a defesa da mesma, em virtude dos ataques dos povos taxados de bárbaros pelos romanos.
Muralha que divide Conimbriga, construída para a defesa da mesma, em virtude dos ataques dos povos taxados de bárbaros pelos romanos.
Ruínas de Conímbriga. No primeiro plano, observa-se um de seus famosos mosaicos. Ao fundo, peristilo (pátio rodeado por um pórtico, constituindo o centro do espaço social de uma casa). 

No local das ruínas foram encontrados objetos que datam de até o século IX a.C., que são os indicadores mais antigos de ocupação da região. Atribuí-se que a origem do nome Conimbriga vem do sufixo céltico “briga”, significando cidadela, lugar fortificado. Já “conim” é um elemento mais antigo, aparentemente utilizado por indígenas pré-indo-europeus para designar o lugar, significando o radical eminência rochosa.

Ruínas de Conímbriga com a muralha ao fundo.
Colunas localizadas no sítio arqueológico de Conímbriga.
Colunas localizadas no sítio arqueológico de Conímbriga.

Em 139 a.C., Conimbriga, nas campanhas de Décimo Junio Bruto, cai sob o poder romano, sendo uma das principais cidades da província da Lusitânia. Até o século III d.C., a cidade cresce, recebendo o aqueduto, termas públicas, fórum, lojas, casas; é elevada a municipium (durante o reinado de Vespasiano, 69-79 d.C.); sendo também do terceiro século da era Cristã a construção das habitações atapetadas de mosaico. Entretanto, a crise do Império Romano afeta a cidade na segunda metade deste século, quando a Península Ibérica sofre as primeiras investidas bárbaras.

Detalhe de peristilo. Ao fundo, a direita, trecho da muralha de Conímbriga.
Um dos vários peristilos de Conímbriga.

No contexto destas invasões ocorridas a partir do século III, é erguida, na cidade, uma muralha, que excluí da proteção da fortificação a parte oriental. Entretanto, a construção não impede que os Suevos entrem em 465 na cidade e, em 468, destruam-na parcialmente, tendo muitos dos seus habitantes sido escravizados ou partido deste sítio.

Aspecto da sala das termas.

Ruína da sala das termas destinada a banhos quente e morno.

Por volta de 589 Conimbriga perde o título de sede episcopal para Aeminium, assim como o próprio nome, Conimbriga, que, por corrupção lingüística, transforma-se no vocábulo Coimbra. Os habitantes conimbrigenses restantes fundam, mais ao norte, Condeixa-a-Velha.

Detalhe do sistema de aquecimento da sala das termas.
Aspecto das ruínas de Conímbriga.

O interesse pelas ruínas começa no Renascimento, tendo, D. Manuel, em 1519, demonstrado o seu apreço pelos vestígios romanos. Na segunda metade do século XIX, as primeiras sondagens de vulto são feitas. No século XX, o interesse pelas ruínas não são abandonados e, em 1958, com a criação do Instituto de Arqueologia da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, contribui enormemente para o progresso dos estudos arqueológicos no país.

Peristilo com chão ornamentado com mosaicos. Pelo fato deste lago ser ornado de canteiros ajardinados e jogos de água, ele é único. Observa-se, ainda, que este peristilo encontra-se em um domus, casa particular ocupada por um único proprietário e sua família.
Mosaico com tema cotidiano: caçada ao veado. 

Os materiais achados durante as escavações estão expostos no Museu Monográfico, criado para tal função, a ajudar a reconstituir a vida nesta região, ocupada desde a Idade do Ferro até à época Cristã.

Para mais informações sobre a presença romana em Portugal:

Entrevista com o prof. Dr. José D’Encarnação (Universidade de Coimbra).

Contactos:

Conimbriga, Condeixa-a-Velha
3150-999 Condeixa-a-Nova
PORTUGAL

Tel: + 351 39 941 177

Fax: + 351 39 941 474

Museu Monográfico de Conimbriga

3150 Condeixa-a-Velha

Tel. 239 94 11 77

Bibliografia e sítios consultados:

ENCARNAÇÃO, José. Entrevista concedida em 23/09/2003. In: Revista Tema Livre, ed.07, 23 dezembro 2003. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

GARCIA, José Manuel. História de Portugal: Uma visão global. Lisboa: Editorial Presença, ano.

MATTOSO, José. História de Portugal . Lisboa: Estampa, v.1, 1993.

RUÍNAS DE CONIMBRIGA. Roteiros da Arqueologia Portuguesa. [s/l]: Instituto Português de Museus, v.2, 2002.

http://www.cm-condeixa.pt/cultura/m_conimb.htm
http://www.cm-condeixa.pt/turismo/conimbriga.htm
http://www.conimbriga.pt/index.html
http://www.uc.pt/iauc/historia/historia.html

GALERIAS DE OUTRAS EDIÇÕES

Lisboa – 1ª parte (edição 12)

TN_torrebelemsilhueta12

Concelho de Feira (edição 11)

TN_casteloextgeral11

Porto (edição 10)

TN_ponteporto0210

Barcelos (edição 09)

TN_barcelos0909

Mar português (edição 08)

TN_caboroca0108

Aveiro, a Veneza portuguesa (edição 06)

TN_aveiro406

Palácio de Queluz (edição 05)

TN_embqueluz05

Inauguração da exposição “Imagens de Portugal”

Veja, também, belíssimas fotos do Brasil:

Crepúsculo Niteroiense: 1ª parte

TN_coqueiro04

Crepúsculo Niteroiense: 2ª parte

TN_mac03

Voltar à Edição

Foto do coquetel de lançamento do livro.
Foto do coquetel de lançamento do livro.

“Carlota Joaquina na corte do Brasil”, livro da historiadora da UFRJ Francisca Azevedo, editado pela Civilização Brasileira, teve seu lançamento na Livraria da Travessa, Ipanema, no dia 19 de novembro último.

Buscando um novo olhar sobre a personagem, abandonando as análises que caracterizam-na como vulgar, inculta e adultera, Francisca Azevedo, que teve como fonte de pesquisa 1.453 documentos – como cartas, por exemplo, sendo estas correspondências ativas, passivas e correlatas –, apresenta uma Carlota que é articuladora e líder política, que rompia com as relações tradicionais de gênero da época, porém sem ignorar os aspectos humanos da personagem.

Além da história da própria Carlota Joaquina, paralelamente, o livro trata das relações internacionais da época, que, dentre os seus acontecimentos, há a invasão da Península Ibérica por Napoleão Bonaparte, a transmigração da família real portuguesa de Lisboa para o Rio de Janeiro e o interesse joanino em estender seus domínios até o Rio da Prata.

Assim sendo, a autora, com o seu trabalho, contribui com a investigação histórica, dando uma nova perspectiva de análise à Princesa do Brasil.

livrocarlotaCapa do livro “Carlota Joaquina na corte do Brasil”.
Autor: Francisca L. Nogueira de Azevedo
Editora: Civilização Brasileira
Nº de páginas: 400
Formato: 14x21cm
Preço: R$40,00.

 Leia na integra a entrevista concedida por Francisca Azevedo à Revista Tema Livre, onde a autora fala em primeira mão do seu livro.

– Também veja as fotos do Palácio de Queluz, em Portugal, onde Carlota viveu e morreu.
Conheça artigos referentes ao período/tema disponíveis na Revista Tema Livre:
– Breves considerações acerca da Província Cisplatina: 1821-1828
– As incursões franco-espanholas ao território português: 1801 – 1810
– Moeda e Crédito no Brasil: breves reflexões sobre o primeiro Banco do Brasil (1808-1829)

– A política externa joanina e a anexação de Caiena: 1809-1817.
– A Presença Luso-brasileira na Região do Rio da Prata: 1808-1822.

Voltar à página inicial

 
Popular