Regulamentada a profissão de historiador

Niterói, 18 de agosto de 2020.

Em fevereiro desse ano, após a plenária do Senado Federal aprovar o Projeto de Lei n° 368, de 2009, de autoria do senador Paulo Paim (PT/RS), que regula o exercício da profissão de historiador e estabelece os requisitos para seu exercício, parecia que, após aproximadamente uma década no Congresso Nacional, a demanda da comunidade de historiadores teria fim. Do Senado à sanção presidencial acreditava-se que a regulamentação faria um voo em céu de brigadeiro. Porém, a história não foi bem essa.
No final de abril, o presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), vetou integralmente o projeto, alegando que a regulamentação feria a Constituição Federal, pois essa garante que “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença" e, ainda, restringia “o livre exercício profissional”.  O veto presidencial foi apoiado em pareceres do Ministério da Economia e da Advocacia-Geral da União. 
No entanto, cabia ao legislativo analisar a ação do líder do executivo federal e várias datas foram marcadas para a apreciação. Concomitantemente, inclusive no momento em que o Brasil vivia situação extrema em função da pandemia do novo corona vírus, houve a mobilização de diversos historiadores e da Associação Nacional de História, a ANPUH. Foi, então, pautada para a quarta-feira, 12 de agosto, no Congresso Nacional, a análise do veto presidencial.
As duas casas deram vitória aos historiadores em um placar extremamente favorável: 68 senadores votaram pela regulamentação, tendo sido contra apenas um. Na Câmara, 455 deputados foram favoráveis pela causa dos profissionais da História, ao passo que 26 foram contrários. Com a derrubada do veto, o presidente da República tinha 48h para assinar a regulamentação. Caso optasse por não fazê-lo, a ação recairia no presidente do Congresso Nacional, Davi Alcolumbre (DEM/AP). No entanto, isso não ocorreu. Bolsonaro promulgou a lei que regulamenta o ofício, e essa foi publicada no Diário Oficial da União (DOU) na madrugada de terça-feira, 18 de agosto. 

 

O que muda
Com a lei nº 14.038, de 17 de agosto de 2020, o exercício da profissão de historiador é assegurada aos portadores de diploma de curso superior, mestrado ou doutorado em História, bem como a mestres e doutores que tenham cursado stricto sensu reconhecido pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), que tenha linha de pesquisa dedicada à História. Profissionais diplomados em outras áreas também poderão exercer o ofício, desde que comprovem sua atuação profissional há mais de cinco anos na área de História. Os diplomas emitidos no exterior deverão ser revalidados no Brasil.
Aos historiadores atribui-se o magistério da disciplina de História nas escolas, assessorar avaliações para documentos a serem preservados, elaboração de pareceres, relatórios e laudos sobre temas da História, organização de informações para publicações, eventos e exposições com temática histórica e planejamento, organização e direção de serviços de pesquisa. Para exercer as diversas atividades, os historiadores deverão estar devidamente cadastrados junto a autoridade trabalhista competente.

 

A longa história dessa história
O primeiro projeto de regulamentação surgiu na década de 1960, mais precisamente em 1968, quando o deputado Ewaldo de Almeida Pinto (MDB/SP) apresentou proposta para regulamentar o ofício de Historiógrafo – termo utilizado no texto do parlamentar paulista. O projeto foi arquivado por forças ligadas aos militares na Câmara dos Deputados e, em 1969, o deputado teve seu mandato cassado por Costa e Silva. Demoraria quinze anos para que se voltasse ao parlamento brasileiro o pleito referente à regulamentação.
Em 1983, o jornalista e advogado José Carlos Fonseca (PDS/ES) apresentou o PL 2647, que visava a regulamentação. O projeto de lei tramitou vitoriosamente por várias comissões da Câmara: Comissão de Constituição e Justiça (1984), Comissão de Trabalho e Legislação Social (1985) e Comissão de Educação e Cultura (1985).
Aparentemente, 1986 seria o ano em que o ofício do historiador seria regulamentado, pois o projeto foi aprovado, em primeiro turno, no plenário da Câmara. Seguindo os tramites normais da casa, o projeto voltou à Comissão de Educação e Cultura para ser votado, novamente, no plenário. Tudo indicava que a profissão seria aprovada na votação agendada para o dia 25 de setembro de 1986, porém, houve falta de quórum, que, a seu turno, fez com que o projeto ficasse sem a votação final, resultando no seu arquivamento em 1989.
Dois anos depois, novo projeto foi apresentado à Câmara, tendo, dessa vez, como autor, o deputado Arnaldo Faria de Sá (PRN/SP), que foi responsável por uma gama de projetos de regulamentação de diversas profissões. Em 1993, o relator Edmar Moreira (PRN/MG) deu parecer contrário e os demais parlamentares votaram contra a regulamentação, sendo esse mais um projeto arquivado.
No ano seguinte, Carlos Sant’Anna (PMDB/BA), após dialogar com a Federação do Movimento Estudantil em História (FEMEH), apresentou novo projeto de regulamentação. Como o mandato do deputado baiano encerrou-se em 1995, o projeto foi arquivado, mas, no mesmo ano, voltou a tramitar e teve como relator Agnelo Queiróz (PCdoB/DF), que apresentou parecer favorável. Porém, Sandro Mabel (PMDB/GO) pediu vistas ao processo, devolvendo-o com parecer contrário. Também em 1995, Arnaldo Faria de Sá (PPR/SP), autor do projeto de 1991, apresentou o PL 351/1995, que tinha o mesmo objetivo. No entanto, em 1996, Sandro Mabel pediu vistas ao projeto de Sá. Novamente, Mabel foi contrário à regulamentação. Em 1998, sabia-se que a profissão de historiador não seria regulamentada.
Mesmo diante de uma série de negativas, os projetos pela regulamentação não cessaram. Em 1999, tanto Wilson Santos (PMDB/MT), quanto Laura Carneiro (PFL/RJ), apresentaram projetos. No ano seguinte, Ricardo Berzoini (PT/SP) também apresentou PL à Câmara. Os dois últimos foram apensados ao projeto de Santos, arquivado em 2002. Dois anos depois, Santos apresentou novo projeto favorável à regulamentação, mas, como todos sabemos, o ofício do historiador não foi regulamentado nesse momento.
Em 2006, Jovair Arantes (PTB/GO) apresentou aos deputados o PL 7321/2006, que foi apensado ao projeto de Santos, que, conforme exposto, não vigou. Assim, Arantes conseguiu que o seu projeto fosse desarquivado e separado do de Santos. Para se ter uma ideia das idas e vindas relacionadas à regulamentação do ofício de historiador, depois de 2006, o projeto de Arantes foi arquivado quatro vezes (a última em 2019).
O projeto vitorioso e promulgado nessa semana também teve um longo processo de gestação e parto: em 27 de agosto de 2009, há praticamente 11 anos, o senador Paulo Paim (PT/RS) apresentou proposta com o objetivo de regulamentar a profissão. Em setembro de 2009, Cristóvam Buarque (PDT/DF) tornou-se o relator do projeto, tendo dado o seu parecer favorável. Em 2010, o projeto foi aprovado por unanimidade pela Comissão de Assuntos Sociais do Senado, tendo iniciado uma longa jornada, que culminou na vitória publicada hoje, dia 18 de agosto, no DOU.


Para rever os passos do projeto vitorioso, acesse a seção Notícias da Revista Tema Livre.

 

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