Tradicionalmente, estabelece-se a História do Brasil após o ano de 1500 da era Cristã. No entanto, seria essa a data correta? Em que momento há o Brasil? A nação iniciou-se aquando da chegada de Cabral? A resposta é não. Talvez alguns especulem que o nascimento do Brasil tenha sido anterior à chegada do navegador português, outros, depois. Aos que ficaram com a segunda opção, acertaram. É consenso entre os pesquisadores que dedicam-se à História do Brasil que a criação do Estado-Nacional brasileiro deu-se após 1822, ou seja, começou a ser construído ao menos 322 anos depois das naus de Cabral atracarem em Porto Seguro, quando, o que muitos atribuem ser o Brasil, sequer chamava-se Brasil. 
Então, se não havia o Brasil, o que há de fazer-se com os séculos precursores à construção do Estado Nacional brasileiro? Agir como se eles não tivessem ocorrido? Estudar a História do Brasil a partir de 1822? Como não havia o Brasil, ignorar-se-á, portanto, o período antes de Cabral e o que vai desse personagem ao estabelecimento do Império brasileiro? É claro que não, porém, conhecer alguns aspectos históricos contribuirá para a minimização de alguns possíveis equívocos e afirmações rotundas de que o país já tem quinhentos e vinte e poucos anos.
Pois bem, antes de tudo, pontua-se que, para o sucesso da comunicação entre os indivíduos, faz-se necessária a utilização de palavras, signos e nomenclaturas. Utilizar-se-á, portanto, no presente texto, designações frequentemente associadas ao período pós-Cabral, como América portuguesa, Brasil Colônia ou Colonial para o período entre 1500 e 1822, mas sem perder do horizonte de análise alguns fatores que serão analisados nos próximos parágrafos, que, a seu turno, sustentam a afirmação de que não havia o Brasil como nação, monolítico, nos séculos antes do Império que começou a ser criado nos tempos monárquicos.
Em primeiro lugar, o território que, hoje, forma o Estado Nacional brasileiro passou por cerca de duzentos anos dividido entre Estado do Brasil (aproximadamente do Rio Grande do Sul ao Ceará, tendo sua capital, primeiro, em Salvador e, depois, no Rio de Janeiro) e o Estado do Grão-Pará e Maranhão (com capital, inicialmente, em São Luís e, no século XVIII, em Belém, sendo importante lembrar a vastidão territorial da sua circunscrição, que englobava os atuais estados do Amazonas, Pará, Amapá, Roraima, dentre outros e que, na década de 1770, o marquês de Pombal dividiu-o em dois novos estados, o do Grão-Pará e Rio Negro, com sede em Belém, e o do Maranhão e Piauí, baseado em São Luís). Na primeira metade do século XIX, mesmo que por um período exíguo, durante a Confederação do Equador e a Revolução Farroupilha, mais de um país existiu no que hoje são terras do Brasil.
Verifica-se, então, que ao olhar, em pleno século XXI, para o território da atual República Federativa do Brasil, encontram-se, ao longo da História, várias unidades político-administrativas distintas nos supostos 500 anos do país, podendo, inclusive, pontuar, que ao longo desse vasto período, essas regiões poderiam ter tido destinos antagônicos, que culminariam em uma nação que não abrangeria as terras do Oiapoque ao Chuí. Além disso, por séculos e sem contato com a civilização ocidental, várias tribos indígenas sequer souberam que estavam no Brasil.
Navegando nos mares contra factuais, se D. João não tivesse vindo para o Brasil em 1808, é provável que os domínios portugueses no Novo Mundo tomassem caminhos próprios, como ocorreu na América Espanhola. Se a ocupação francesa da região da Guanabara tivesse vingado, a França Antártica teria tido vida mais longa e não haveria a fundação da cidade do Rio de Janeiro pelos portugueses em 1 de março de 1565. Se os habitantes dessa cidade, no século seguinte, não pegassem em armas contra a ocupação holandesa no Nordeste, quiçá o Recife fosse, atualmente, a capital de um vasto território holandês cravado no Atlântico Sul – talvez independente como o Suriname, talvez ainda vinculado à Europa, como o é a Guiana Francesa. Se, em 1825, para Portugal reconhecer a separação do Brasil, D. Pedro I declinou da possibilidade de aceitar Angola sob o seu cetro, hoje, a nação brasileira poderia ocupar mais de um continente (o americano e o africano), particularidade reservada a poucos países, como a Rússia, o Egito e a Turquia. Igualmente, se no mesmo ano de 1825, não tivesse eclodido a Guerra da Cisplatina, provavelmente o Uruguai não seria uma República Independente e, quem sabe, fosse, hoje, um estado brasileiro, com a fronteira nacional indo até o rio da Prata. Ainda nos anos posteriores a 1822, se a Guerra dos Farrapos ou a Confederação do Equador tivessem vingado, qual seria a configuração do Brasil do século XXI?
Mesmo frente a múltiplas possibilidades completamente distintas entre si e que resultariam, possivelmente, em muitas outras nações, em tantas outras unidades político-administrativas, menos na República Federativa do Brasil, fato é que os caminhos desenhados pelos atores sociais dos últimos quinhentos anos culminou na nação que conhecemos na atualidade.  
Além disso, ao longo do período colonial, inúmeras regiões do Brasil (mesmo que queira-se entendê-lo do Oiapoque ao Chuí) não tinham comunicação entre si. Negociavam e recebiam ordens diretamente de Lisboa e não das capitais estabelecidas na América lusa. Determinadas áreas tinham muito mais vínculos políticos, econômicos e culturais com Luanda ou Benguela do que com outras cidades-porto da América portuguesa. Também existiam partes que estavam mais vinculadas à América Espanhola do que com os centros de poder estabelecidos nos territórios de Portugal no Novo Mundo, como o Rio, Salvador, São Luís ou Belém. De semelhante modo, várias partes que vieram, futuramente, a compor o Estado Nacional brasileiro tinham rivalidades político-econômicas entre si, bem como os seus habitantes não entendiam-se como brasileiros (designação pouco usual para os que viviam na América Lusa. Brasílico ou brasiliense seriam mais acertados para algumas fases do período colonial, apesar dos indivíduos entenderem-se, no âmbito das identidades, por sua região de nascimento, sendo, assim, mais plausível os súditos do rei de Portugal no Novo Mundo terem entendido-se por um bom tempo mais como portugueses fluminenses, portugueses baianos, portugueses pernambucanos, do que como brasileiros do Rio, da Bahia ou de Pernambuco). 
Frente ao já exposto, os processos produtivos da América Lusa eram distintos, com áreas cuja produção estava vinculada à economia internacional, mas, também, com regiões que produziam para abastecimento próprio ou para o comércio entre distintos pontos dos vastos domínios portugueses no território que culminou, posteriormente, no Estado Nacional brasileiro. Se a plantation foi a característica de determinadas regiões e exaustivamente explorada por autores e falas sobre a História do Brasil, não o foi de todas, bem como a escravização de pessoas vindas da África também não deu-se de igual maneira na América Portuguesa. Em vários pontos preponderou a exploração de mão-de-obra africana. Já em outros, não. 
Assim, a partir dessas brevíssimas reflexões e desse grande e complexo mosaico pode-se começar a debater e a buscar entender o Brasil Colonial e o Imperial, sendo importante pontuar que nessa última fase iniciou-se a construção do Estado Nacional brasileiro, bem como o sentimento de uma identidade brasileira junto aos indivíduos que povoavam o Império brasileiro. Frente à necessidade de afirmar-se a nação que estava a construir-se no século XIX, iniciou-se, então, a ideia de que no período colonial estava o embrião do Brasil. Mas, não estava, mesmo que, posteriormente à chegada de Cabral, com a vinda de europeus e africanos, com suas interações sociais entre si e entre os indígenas que por aqui estavam antes de 1500, foi-se construindo ao longo do sul do continente americano uma gama de sociedades, que, a partir de uma multiplicidade de fatores históricos, culminou no Estado Nacional brasileiro que hoje vivemos.

 

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