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Coração de D. Pedro chega ao Brasil

Niterói, 21 de agosto de 2022

Da redação

Imagem do coração de D. Pedro I

Em função dos 200 anos da independência brasileira, o coração do primeiro imperador do Brasil chegará ao país amanhã. A relíquia estava no Porto desde a década de 1830, seguindo o pedido de D. Pedro, que faleceu em Queluz (nas proximidades de Lisboa), em 1834, mas que queria que o seu coração estivesse na cidade situada no norte de Portugal.
Pela fragilidade do material, especialistas criticam o seu translado até o Brasil. Há, por exemplo, o risco do órgão ser dissolvido. Além disso, qualquer descuido envolvendo a temperatura ou a pressurização da aeronave da Força Area Brasileira (FAB) que trará o coração poderá gerar grave avaria.  No entanto, a câmara municipal do Porto votou favoravelmente ao pedido brasileiro, que pediu a vinda do órgão, que chegará a Brasília em voo da FAB amanhã (22/8) e, na terça (23), estará em solenidade no Palácio do Planalto. O coração ficará exposto no Itamaraty e, no dia 8 de setembro, retornará a Portugal.

 

Restos mortais de D. Pedro
Essa não é a primeira vez que os restos mortais do imperador brasileiro e rei português são utilizados em celebrações atreladas à Independência. Em 1972, no sesquicentenário, o governo Médice trouxe parte da ossada de D. Pedro. Os restos mortais foram expostos em várias cidades brasileiras, até serem depositados no Monumento da Independência, em São Paulo. Agora, no bicentenário, o coração ficará apenas em Brasília. 

 

 

Conhecimento e cultura 

Arte da série de lives da revistatemalivre.com

No ano do bicentenário da independência do Brasil, a revistatemalivre.com realiza série sobre o assunto. No canal do YouTube já estão disponíveis 15 entrevistas com pesquisadores de universidades brasileiras e estrangeiras, somando mais de 18h de lives.

 

Confira a programação das próximas semanas (de 22 a 31 de agosto):

 

Segunda, 22 de agosto, às 19h
Convidado: Prof. Dr. Javier Fernández Sebastián (Universidad del País Vasco)
UNA HISTORIA INTELECTUAL Y CONCEPTUAL DE LAS INDEPENDENCIAS

 

Quarta, 24 de agosto, às 19h
Convidada: Prof.ª Dr.ª Ana Paula Medicci (UFBA)
SÃO PAULO E A INDEPENDÊNCIA DO BRASIL.

 

Segunda, 29 de agosto, às 19h
Convidado: Prof. Dr. Fábio Ferreira (UFF)
A INDEPENDÊNCIA DO BRASIL NO URUGUAI: O CASO DO ESTADO CISPLATINO ORIENTAL.

 

Quarta, 31 de agosto, às 19h
Convidado: Prof. Dr. Frederico Lustosa da Costa (UFF)
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL DO TEMPO DA INDEPENDÊNCIA.
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Não perca nenhum episódio. Se inscreva clicando em https://www.youtube.com/revistatemalivre

 

 

 

 

Brasil: 200 anos da Independência

Niterói, 31 de julho de 2022.
Da Redação

 

A série da revistatemalivre.com cresceu e entra em nova fase, com lives duas vezes na semana.

 

Arte da série de lives da revistatemalivre.com

 

“Brasil: 200 anos da Independência”, série de lives da revistatemalivre.com que estreou em maio no YouTube, cresceu e deixará de ocorrer apenas uma vez por semana (às quartas, às 19h). A partir de agosto, nessa nova fase, as entrevistas acontecerão duas vezes na semana, às segundas e quartas, mantendo o horário das 19h.

 

No próximo mês, entre os muitos prismas que o processo de Independência pode ser analisado, as lives tratarão dos impactos da emancipação brasileira de Angola à fronteira Oeste do Brasil, passando por áreas como Goiás, São Paulo, Pará e Uruguai, que, à época, era designado de Estado Cisplatino Oriental. 

 

Além da reverberação do Ipiranga em várias regiões, em agosto serão debatidas a literatura que fazia-se, tanto no Brasil, quanto em Portugal, à época, assim como o perfil da administração pública em torno de 1822. A história conceitual da Independência e a análise da memória e das imagens produzidas sobre esse episódio histórico também ganharão destaque no mês que se inicia-se amanhã.
  

 

Confira a programação de agosto:

 

Segunda, 01 de agosto

Título: "Os impactos da Independência do Brasil em Angola"

Convidado: Prof. Dr. Gilberto da Silva Guizelin (UFPR)

 

 

 

 

Os 200 anos da Independência do Brasil

Niterói, 04 de maio de 2022.
Da Redação.

Como é de conhecimento público, nesse ano, completam-se 200 anos da Independência do Brasil. Depois da realização das séries de entrevistas sobre os bicentenários da criação do Estado Cisplatino Oriental e das emancipações do México e do Peru, que ocorreram ao longo de 2021, a revistatemalivre.com inicia hoje o ciclo dedicado ao Brasil no seu canal do YouTube
O bicentenário brasileiro é oportunidade para agregar pesquisadores de diversas instituições nacionais e estrangeiras para discutirem o complexo processo de independência brasileiro sob vários prismas, abarcando questões econômicas, políticas e culturais, que envolveram diversos atores e grupos sociais de norte a sul do Brasil. Constitui-se em momento de reflexão e análise da sociedade brasileira e sua história.

As conversas ocorrerão, quinzenalmente, no canal da revistatemalivre.com no YouTube às 19h. Para assisti-las, basta clicar aqui

 

 

A estreia
Logo mais, às 19h, "Brasil: 200 anos da Independência" tratará das influências de Napoleão Bonaparte no Brasil da primeira metade do século XIX, além dos mercenários franceses que lutaram ao lado de D. Pedro I, da imigração francesa para o Rio de Janeiro e a influência da França no campo intelectual brasileiro, além de muito mais. O convidado é o historiador francês Patrick Puigmal (Universidad de Los Lagos/Chile).

A próxima conversa ocorrerá no dia 18 de maio, também às 19h, e a convidada é a historiadora norte-americana Kirsten Schultz (Seton Hall University/EUA). O título do bate-papo é “A Versalhes Tropical: a corte portuguesa no Rio e a Independência”. Não deixe de participar.

 

 

Se inscreva no nosso canal para não perder a próxima live. É só clicar no link a seguir: https://www.youtube.com/revistatemalivre?sub_confirmation=1

 

 

 

 

Outros bicentenários

Já estão disponíveis no YouTube todas as lives das séries sobre a Cisplatina, o Peru e o México. Assista clicando em https://www.youtube.com/revistatemalivre?sub_confirmation=1

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Cem anos da morte da princesa Isabel

Ao sancionar em 1888 uma das mais emblemáticas normas brasileiras — a Lei Áurea —, Isabel Cristina Leopoldina Augusta Micaela Gabriela Rafaela Gonzaga de Bourbon e Bragança, popularmente nominada princesa Isabel, "a Redentora", lapidou por definitivo seu nome entre os mais importantes da história nacional. No centenário de sua morte, ocorrida em 14 de novembro de 1921, a personalidade isabelina reflete uma mulher extremamente religiosa (engajada, crente e fiel), espiritualizada, letrada, otimista, autoritária e que buscou o reconhecimento de que estava apta a reinar — o que aconteceu por três vezes ao assumir interinamente o comando do Império, em meio a períodos de grande agitação social e política.

Filha de Dom Pedro II e Teresa Cristina de Bourbon, a princesa imperial, nascida em 1846, no Rio de Janeiro, só se tornou definitivamente a herdeira presuntiva do Império após a morte prematura de seus dois irmãos homens: o primogênito D. Afonso Pedro, falecido aos 2 anos, e D. Pedro Afonso, com pouco mais de 1 ano.

Com o caráter moldado por D. Pedro II para ser sua sucessora, a princesa imperial, assim como seu progenitor, adorava leitura, ciência, química, fotografia.

— Dom Pedro II era um conservador, parecido com seu avô D. João VI, já Dona Isabel era mais parecida com seu avô D. Pedro I, que era dos rompantes. Por ser mulher, era muito tolhida na sociedade em que viveu e na sua época era a única na política — explica o historiador Bruno da Silva Antunes de Cerqueira, coautor da obra Alegrias e Tristezas: estudos sobre a autobiografia de D. Isabel do Brasil, com a historiadora Fátima Argon.

A trajetória da princesa está documentada pelo Arquivo do Senado, em Brasília. Os registros revelam de congratulações a preocupações e apontam que muitos parlamentares não vislumbravam o comando em definitivo do Império nas mãos de uma mulher. 

Diferentes momentos da vida da Princesa Isabel (Imagens: Acervo da Biblioteca Nacional, do Arquivo Nacional e do Museu Imperial de Petrópolis)

Em agosto de 1850, as duas câmaras das Casas parlamentares se reuniram no Paço do Senado para a sessão de reconhecimento da princesa imperial como sucessora de seu pai, Dom Pedro II, no trono e na Coroa do Brasil. Dez anos depois, ao completar 14 anos, ela fez o juramento, diante da Assembleia Geral, como herdeira presuntiva do Império, no qual assegurou “manter a religião católica apostólica romana, observar a constituição política da nação brasileira, e ser obediente às leis, e ao imperador”.

Nos seus 18 anos, a princesa encontrava-se diante dos preparativos para seu casamento, firmado com o príncipe franco-germânico Luís Filipe Maria Fernando Gastão d'Orléans, o Conde d’Eu.

— Pensava-se no Conde d'Eu para minha irmã [princesa Leopoldina] e no Duque de Saxe para mim. Deus e os nossos corações decidiram diferentemente, e a 15 de outubro tinha eu a felicidade de desposar o Conde d'Eu — registrou a princesa Isabel.

A escolha do esposo da herdeira imperial, repudiada por alguns parlamentares, causava uma preocupação redobrada.

— Por ela ser mulher, os senadores e deputados, que eram absolutamente machistas, achavam que o marido é que iria mandar — esclarece o historiador Antunes de Cerqueira.

 

Casamento da princesa Isabel com o Conde d'Eu (Foto: Reprodução/União Monárquica Brasileira)

 

Em maio de 1871, foi aprovada pela Câmara e encaminhada ao Senado a proposta de outorga de consentimento para que o imperador pudesse deixar o país, em viagem à Europa por motivo do estado de saúde da imperatriz.

Tal autorização legal conclamava, na ausência de Dom Pedro II, a governança por parte da princesa imperial, pela primeira vez, como regente.

A manifestação ensejou debates no Plenário do Senado, com a defesa da proposta pelo presidente do Conselho de Ministros (primeiro-ministro), o senador Visconde do Rio-Branco (BA):

— O motivo é muito atendível e imperioso: a saúde de Sua Majestade a Imperatriz. (…) Nós, porém, pensamos que não há razão alguma para recear que uma ausência tão curta do chefe do Estado ponha em perigo a nação brasileira.

O senador J. M. Figueira de Mello (CE) não só defendeu a saída do imperador, como ratificou total e completamente as atribuições de poder moderador e de chefe do Poder Executivo à princesa.

Na contramão, o senador Zacarias de Góes e Vasconcellos (BA) demonstrou preocupação com a viagem, "diante de iminente reforma acerca da questão do estado servil" — que em alguns meses daria origem à Lei do Ventre Livre — e com as atribuições atribuídas no projeto à futura regente imperial.

Também contrário à saída do imperador, o senador Silveira da Motta (GO) foi convicto em propor ao menos uma data-limite para retorno, citando a “incerteza com que a regência continuará a funcionar como realeza temporária”.

Ao assegurar que o chefe do Estado estava sempre pronto a cumprir seus altos deveres, o presidente do Conselho de Ministros mais uma vez ponderou que “para o gabinete não é duvidoso que a regência, no caso de que se trata, compete à herdeira presuntiva da Coroa”.

Assim, em 19 de maio foi outorgado o consentimento ao imperador. No dia seguinte, Dona Isabel — assim chamada por ser alteza — fez seu juramento como regente diante da Assembleia Geral. Foi durante essa primeira regência que a princesa se tornou, aos 25 anos, a primeira senadora do Brasil, título assegurado a ela pela Constituição do Império.

 

Juramento da Princesa Isabel, no interior do Palácio do Conde dos Arcos (Pintura: Victor Meirelles)

O fim da escravidão nos Estados Unidos, em 1865, reforçou o espírito abolicionista no Brasil, onde por longos anos temeu-se a guerra civil em decorrência da procrastinação da abolição.

— Nessa primeira regência Dona Isabel era uma menina. Visconde do Rio-Branco, primeiro-ministro, é que detinha todo o poder. A Lei do Ventre Livre era obra sua, mas é claro que ele dá crédito à Dona Isabel, porque ele era um monarquista contumaz — explica Antunes de Cerqueira.

A par do comando de Rio Branco, a princesa imperial tinha completa noção do que fazia, conhecia o jogo político e sabia quem iria votar a favor ou contra à proposta da primeira lei abolicionista, segundo o historiador.

Muito esperada, a votação do projeto por deputados e senadores foi marcada por conflitos que perpassaram interesses políticos, partidários e escravocratas. 

Apenas dois dias após ter sancionado a Lei do Ventre Livre — que fixou a data de 28 de setembro de 1871 como o marco a partir do qual as mulheres escravizadas dariam à luz crianças livres —, a princesa imperial, grávida, fez sua primeira fala à Assembleia Geral, congratulando-se com os parlamentares pela extinção gradual do elemento servil.

— Esta última reforma marcará uma nova era no progresso moral e material do Brasil. É empresa que exige prudência, perseverantes esforços e o concurso espontâneo de todos os brasileiros. Tenho fé em que seremos bem sucedidos, sem prejuízo da agricultura, nossa principal indústria, porque esse cometimento é a expressão da vontade nacional, inspirada pelos mais elevados preceitos da religião e da política. O governo fará quanto lhe cumpre para a mais pronta e perfeita execução de tão importantes reformas, dedicando-lhes a mais solícita atenção — afirmou a regente.

Pouco tempo depois de Isabel ter encerrado sua primeira regência, o magistrado Sayão Lobato externou em sessão no Senado seus agradecimentos pelo tempo em que atuou como ministro da Justiça durante a primeira governança da princesa. Com Isabel, ele disse ter sido honrado com sua “graciosidade, extrema bondade e continuadas provas de confiança”.

 

harge do periódico 'Semana Ilustrada', em 1871, na sanção da Lei do Ventre Livre (Imagem: Biblioteca Nacional Digital)

 

Do fim da primeira regência até 1876, a princesa Isabel esteve completamente tomada pela vida íntima, assombrada pela dificuldade de gerar herdeiros. O primeiro aborto ocorreu em outubro de 1872, sucedido pela perda de um filho no parto, em 1874. Somente em outubro do ano seguinte nasceu o primeiro herdeiro da princesa, chamado Pedro de Alcântara em homenagem ao avô imperador.

Poucos meses depois, em março de 1876, a princesa imperial foi nomeada com totais poderes regente pela segunda vez, a partir de nova viagem do imperador. A segunda experiência no trono não lhe foi fácil, tornando-se ainda mais pesada com o registro de mais um aborto.

As eleições do final daquele ano foram marcadas por fraudes e violência. Sua extrema ligação com a Igreja a manteve na linha de severas críticas. A princesa também esteve no comando em um difícil período de pós-epidemia de varíola e de vindoura grande seca, que deixaram centenas de milhares de mortos.

Na abertura dos trabalhos legislativos do ano seguinte, a regente abrandou os acontecimentos turbulentos do período eleitoral e tratou do orçamento para o biênio 1877-1878. Aos parlamentares, ela assegurou que o governo procurou reduzir os gastos, mas que seria necessária a decretação de meios que fizessem desaparecer qualquer desequilíbrio entre a receita e a despesa:

— Causas conhecidas explicam o fato de não ter a receita pública atingido o algarismo em que foi calculada. Para segurança do crédito nacional, cumpre não confiar unicamente no aumento natural da renda. As obras de viação férrea e outras votadas exigem despesas a que não pode por si só fazer face a receita ordinária. E porque não fora prudente usar largamente dos recursos do crédito, atenta à nociva influência que os empenhos contraídos exercem sobre o presente e o futuro, é de bom conselho atender somente aos melhoramentos, que não possam ser adiados.

 

Princesa Isabel e seu primogênito, 1876. (Foto: Biblioteca Nacional)

 

Impossibilitada de comparecer à abertura da segunda sessão legislativa, em meados de junho de 1878, coube ao ministro e secretário de Estado dos negócios do Império, Antonio da Costa Pinto e Silva, transmitir aos parlamentares as palavras da regente, que não se esquivou de tratar da forte seca que assolava regiões do país.

— A prolongada falta de chuvas em algumas províncias do Norte e na de S. Pedro do Rio Grande do Sul acarretou sobre elas as provações inerentes a semelhante flagelo. O governo, auxiliado pela caridade particular, tem acudido as populações daqueles pontos do Império com gêneros alimentícios, autorizando ao mesmo tempo os presidentes a despenderem o que for preciso para aliviar os sofrimentos das classes mais necessitadas; e estudará os meios de prevenir, quanto for possível, os graves efeitos desse mal, de que periodicamente são vítimas, com especialidade as províncias do Norte.

Pouco tempo depois, o senador Góes de Vasconcellos, ao criticar a ausência do imperador, renegou afirmativas de que D. Pedro II não faria falta por ter deixado regente em seu lugar.

— Não procede a escusa. A virtuosa princesa, embora tenha, pela Constituição, plenos poderes para governar, é, afinal, simples regente, adstrita à vontade, às prescrições, aos conselhos do chefe ausente; não pode afastar-se daquilo que presuma ser a mente do augusto viajante. Demais a sua saúde não é muito vigorosa, segundo consta dos jornais, que, de vez em quando, anunciam que a princesa acha-se impedida de sair à rua e dedicar-se aos trabalhos de seu elevadíssimo cargo.

O machismo enraizado na época colocava recorrentemente em xeque as competências da princesa imperial. “Apático” era a palavra que definia o governo de Dona Isabel, segundo Góes de Vasconcellos, ao passo “que ela não governava como imperatriz, mas apenas como regente”.

— Ainda, se as circunstâncias do país fossem favoráveis, mas sendo críticas e cheias de dificuldades muito sérias, deverá estar à testa do governo quem ocupa efetivamente o trono, e não sua augusta filha. Ele, o sábio, o mais ilustrado dos monarcas do mundo, esse é quem devia estar no país à frente dos negócios — completou o senador.

Com o fim de sua segunda regência, a princesa voltou-se por completo à vida familiar. Em janeiro de 1878 veio o segundo herdeiro, príncipe D. Luís. Em Paris, em agosto de 1881, nasceu o terceiro filho, D. Antônio.

 

Plenário do Senado em 1888 (Foto: Antônio Luiz Ferreira e Alberto Henschel)

 

Com a partida de D. Pedro II para a Europa por recomendações médicas, aos 40 anos a princesa imperial iniciou a terceira e última regência, em julho de 1887, período tomado pelo crescimento do movimento abolicionista. Com seu apoio, não foram poucos os projetos pelo fim da escravidão apresentados na Câmara e no Senado.

Na presidência do Conselho de Ministros, o Barão de Cotegipe (BA) — líder da bancada escravagista — trabalhou pelo retardo das reformas que culminariam na abolição dos escravizados. O período foi ainda mais conturbado pela insubordinação militar no Exército brasileiro.

Em abril de 1888, a própria princesa imperial comandou, em cerimônia no Palácio de Cristal, a libertação dos últimos escravizados no município de Petrópolis.

— Fez o Gabinete todo e parlamentares subirem a serra para mostrar poder. Ela estava mostrando para aqueles homens o que era capaz de fazer — relata o historiador Antunes de Cerqueira.

Nessa mesma época, em uma manobra inteligente, a regente — certamente já bem mais madura politicamente — destituiu todo o gabinete e nomeou como novo presidente do Conselho dos Ministros o conservador pró-abolição João Alfredo Correia de Oliveira, em um ato que ela mesma nomeou de “golpe”.

Crítico da regente imperial, o liberal senador Saraiva (BA) destacou que a princesa queria que o ministério tivesse um homem da confiança dela, isto é, “um chefe de polícia que a deixasse dormir tranquilamente no seu palácio de Petrópolis”.

O senador Leão Velloso (BA) contestou comentários, dentro e fora do Parlamento, sobre os atos de Sua Alteza.

— No procedimento da Coroa nada se pode notar que não ache apoio nas doutrinas seguidas em outros países, ou não se harmonize perfeitamente com alguns precedentes.

Populares se reúnem em frente ao Paço Imperial no dia da sanção da Lei Áurea

 

Na abertura de sessão legislativa de maio de 1888, além de tratar de questões caras ao Brasil — como segurança pública, estado sanitário do país, educação, renda pública e organização militar —, a regente imperial não deixou de destacar a ânsia pelo fim da escravidão.

— A extinção do elemento servil, pelo influxo do sentimento nacional e das liberalidades particulares, em honra do Brasil, adiantou-se pacificamente de tal modo que é hoje aspiração aclamada por todas as classes, com admiráveis exemplos de abnegação da parte dos proprietários. Quando o próprio interesse privado vem espontaneamente colaborar para que o Brasil se desfaça da infeliz herança, que as necessidades da lavoura haviam mantido.

A princesa conclamou os parlamentares a não hesitarem “em apagar do direito pátrio a única exceção que nele figura em antagonismo com o espírito cristão e liberal das nossas instituições”.

Não demorou e, em 8 de maio, o gabinete de Correia de Oliveira encaminhou à Câmara dos Deputados a proposta de lei para a completa extinção da escravidão no Brasil. Bem recebido pelas duas Casas, o projeto foi aprovado pelos deputados dois dias depois. Quando chegou ao Senado, no dia 11, foi constituída comissão especial para apresentar parecer sobre a proposta.

 

Assinatura da Lei Áurea por Sua Alteza Real Princesa Isabel (Pintura: Victor Meirelles)

 

A urgência com que a matéria foi tratada nas duas Casas legislativas incomodou os escravagistas, que não se conformavam com a perda dos escravizados e de não haver qualquer previsão de ressarcimento aos seus então proprietários.

O senador Paulino de Souza (RJ), ao confessar-se vencido pelo projeto da Lei Áurea, lembrou que em 1885 “achávamos em plena propaganda abolicionista” e que a proposta que os parlamentares iriam votar era “inconstitucional, antieconômica e desumana”.

— Pois bem, é o governo regular do Brasil que, em contraposição àquele governo revolucionário, faz decretar, de um dia para outro, a abolição imediata, pura e simples, sem uma garantia para os proprietários, espoliando-os da propriedade legal, abandonando-os a sua sorte nos termos do nosso interior, entregando-os à ruína, expondo-os às mais temerosas contingências, sem também por outro lado tomar uma providência qualquer a bem daqueles, que voltam em grande parte à miséria e ao extermínio, nos primeiros passos de uma liberdade, de que, não preparados convenientemente, dificilmente saberão usar a seu benefício.

O senador afirmou “iludirem-se” aqueles que acreditavam remover uma grande dificuldade com a lei da abolição do elemento servil.

— Pelo contrário, é agora que recrescem, com a desorganização do trabalho e com a entrada de 700 mil indivíduos não preparados pela educação e pelos hábitos da liberdade anterior para a vida civil, as contingências previstas para a ordem econômica e social.

Com apoio de muitos no Plenário, o senador Dantas (BA) assegurou aos pares que a abolição da escravidão não marcaria para o Brasil uma época de miséria, de sofrimentos, de penúria.

— Uma simples consideração, porque a discussão longa virá depois, bastará para tranquilizar os que se aterrarem com os presságios dos honrados senadores que me precederam: dentro de espaço de 17 anos, 800 mil escravos têm desaparecido do Brasil. Pois bem, senhores, é justamente neste período que se nota maior riqueza no país, grande aumento de trabalho e com ele maior produção, e, como consequência, considerável aumento na renda pública.

As reformas liberais não poderiam representar, na opinião do parlamentar, um perigo ao Brasil, mas seriam “o complemento, o remate, a consequência natural do passo que estamos dando”.

O presidente do Conselho de Ministros, Correia de Oliveira, completou:

— Tem-se ainda apelado para os transtornos que desta proposta hão de provir. Sei bem que não se extirpa do organismo social um cancro secular sem que perturbações se operem. Nunca mais há de abrir-se, porém, a cicatriz desta ferida: e sobre ela se levantará — o patriotismo e o bom senso dos brasileiros o indica — o grande edifício da crescente prosperidade de nossa pátria.

 

 

Carta original da Lei Áurea (Lei Imperial 3.353) assinada pela princesa

 

No domingo de 13 de maio de 1888, apenas três dias após a deliberação do texto abolicionista na Câmara, o Senado aprovou a proposta, sancionada no Paço Imperial poucas horas depois pela regente imperial, aclamada a “Redentora”.

Sem poder agir publicamente pela abolição até janeiro de 1888, quando pôde externar seu abraço à causa já nacionalmente disseminada, a princesa Isabel agia na surdina — como em 1886, quando impediu a destruição do Quilombo do Leblon, portanto dois anos antes da completa abolição da escravidão.

— As pessoas não queriam dizer que a Lei Áurea, fruto de uma luta popular, dos líderes abolicionistas, que eram negros e brancos letrados, também foi uma luta palaciana. Isso ninguém queria reconhecer. Uma das coisas que mais incomodavam era o fato de que Dona Isabel tinha poder como mulher, porque era regente do Império, e ela atuou — expõe o historiador Antunes de Cerqueira.

Os chefes do movimento abolicionista (Joaquim Nabuco, André Rebouças e José do Patrocínio) eram três homens isabelistas, lembra ele:

— Isso tinha alguma significação: indica que eles queriam o terceiro reinado para implementar as reformas de que eles mesmos eram os baluartes. Ora, se o terceiro reinado não veio, como é que eles ou Dona Isabel podem ser culpados pelo pós-abolição? — questiona.

Os escravocratas denominaram a abolição como o “golpe de estado da Lei de 13 de maio”. Antunes de Cerqueira afirma que, ao sancionar a Lei Áurea, a princesa imperial fez algo que seu pai nunca faria. Tal discussão esteve em debate no Senado na época.

O senador Chistiano Ottoni (MG) tomou a palavra para retificar o que chamou de “inexatidões flagrantes”, como apontar Sua Alteza Imperial como a única que poderia decretar a lei de 13 de maio, “visto que seu pai seria incapaz de igual energia”.

— Ora, a verdade histórica é que o nome que há de ser citado no futuro como o primeiro autor da libertação é o do Sr. D. Pedro II. O começo da evolução, a aurora desse movimento, foi a carta escrita em 1866 pelo nosso ministro da Justiça aos sábios franceses prometendo a reforma; e desta carta declarou há dias o Sr. deputado Joaquim Nabuco que possui a minuta por letra do Imperador. Está, pois, a sua iniciativa mais que averiguada.

— Na verdade, os homens tinham asco dela por ser uma mulher com poder, ser a herdeira do trono. Ia ser a imperatriz, estar acima de todos eles, mandar. Eles eram machistas — diz o historiador Antunes de Cerqueira.

 

 

Isabel, o Conde d'Eu e o escritor Machado de Assis na Missa Campal da Abolição da Escravatura, em 17 de maio de 1888 (Foto: Antonio Luiz Ferreira, Coleção de Dom João de Orleans e Bragança/IMS)

 

A despeito de sancionar o ato abolicionista incondicional, a princesa continuava na mira das críticas, em especial da imprensa, muitas vezes agressiva. "Carola" e "retrógrada", por suas práticas religiosas, eram algumas das palavras que constantemente maculavam sua imagem.

Em meio à agitação política e econômica, a regente — favorável ao sufrágio feminino — acompanhava o crescimento de adesões a pedidos, de diferentes direções, para requerer mudanças na forma de governo.

Em setembro de 1888, o Papa Leão XIII concedeu a Rosa de Ouro à princesa Isabel. A honraria era destinada a personalidades católicas de grande destaque e benemerência, e foi outorgada a ela especialmente pela assinatura da Lei Áurea.

Tal fato acirrou ainda mais os debates no Senado, onde os parlamentares discutiram uma possível jura ou manifestação de obediência da regente à Santa Sé.

— Devo declarar que a notícia não é exata: não houve tal juramento — garantiu o presidente do Conselho, senador Correia de Oliveira.

A possibilidade de um futuro governo monárquico em definitivo nas mãos de uma mulher também inflava os debates na Casa.

O senador Soares Brandão (PE) explanou sobre o fato de mulheres oferecerem, em muitas partes do mundo, um reinado mais esplêndido do que os homens.

— Se é certo que elas não têm a grande virtude política de governo, que ordinariamente podem ter os homens (a de perdoar as injúrias); se são mais sensíveis, mais vingativas, mais nervosas, também é certo que têm sobre os homens uma imensa superioridade: não têm ciúmes, não têm invejas, os seus ministros não lhes fazem sombra; podem, pois, gloriar-se com o governo deles.

O retorno de Dom Pedro II ao comando do país, em agosto de 1888, não perpetuou por muito tempo sua governança, sucedida pela Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889.

— A República não foi feita contra a família imperial, mas claramente contra Dona Isabel, em seu terceiro reinado (os republicanos diziam que a abolição foi um confisco de propriedade e queriam indenização), e contra os negros. A República foi uma forma de impedir a politização do movimento abolicionista e ascensão dos negros — defende Antunes de Cerqueira.

Com a notícia da República, em vários lugares do país, como Rio de Janeiro, São Luís, Florianópolis e Cuiabá, os negros fizeram, nos dias subsequentes, rebeliões que terminaram com muitos mortos.  

— Os negros entendiam que Dona Isabel era legítima para reinar, porque ela, na verdade, do ponto de vista político, ameaçou seu próprio trono com a abolição. Eles achavam que mesmo ela sendo mulher, loira, branca e de olho azul, tinha legitimidade. A Guarda Negra da Redentora, que existia no Brasil inteiro, foi assassinada pela República Velha. São heróis anônimos — completa o historiador.

 

 Isabel, o Conde d'Eu e seus netos, na França, década de 1910. (Foto: Arquivo Nacional)

 

Com a República, chegou o exílio da família imperial, que desembarcou em Lisboa em dezembro do mesmo ano. Não tardou e semanas depois a imperatriz Teresa Cristina faleceu na cidade do Porto. A princesa Isabel e a família se mudaram para a França. Dom Pedro II morreu em dezembro de 1891, quando a princesa passou a ser reconhecida pelos monarquistas como a nova imperatriz.

Em 1920, o presidente da República, Epitácio Pessoa, deu fim ao banimento da família imperial. Com a saúde deteriorada, sem poder retornar ao Brasil, a princesa morreu em 14 de novembro de 1921, aos 75 anos, tendo sido inicialmente enterrada na França.

Ao declarar Isabel como “um grande nome da nossa história”, o senador Tobias Barreto (RN) pronunciou-se após sua morte:

— Parece que foi ironia do destino reservar a uma mulher o papel de consumar a grandiosa obra que os nossos homens de Estado durante 66 anos não souberam levar a cabo por si sós; ou então quis o destino que essa mulher constituísse um símbolo de bondade, para ficar na história, representando a forma incruenta pela qual realizamos uma verdadeira revolução, que a outros tinha custado caudais de sangue.

Isabelista, o senador afirmou que a princesa não era possuída da timidez do pai:

 — Quando lhe afrontavam os sentimentos, sabia defendê-los de viseira erguida.

Apesar de, poucos dias depois da morte de Isabel, ter sido apresentado projeto à Câmara dos Deputados para a repatriação de seu corpo, somente em 1953 os restos mortais chegaram, em navio de guerra, ao Brasil. Assim como o Conde d’Eu, ela foi reenterrada em 1971 na Catedral de São Pedro de Alcântara, em Petrópolis, santuário cuja obra foi iniciada pela própria princesa imperial, em 1884.

Está em andamento um pedido à Igreja de processo de beatificação de Isabel, enquanto no Congresso tramitam projetos de lei que sugerem a inserção de seu nome no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria.

— Os 100 anos de morte de Dona Isabel rememoram uma personagem nebulosa, fulcral, querida da população. Ela participou do processo abolicionista, mas isso foi negado e mal interpretado no próprio tempo em que ela viveu. A história dessa personagem explica um Brasil atual e também um Brasil que não veio — conclui Antunes de Cerqueira.

Fonte: Agência Senado

 

 

Saiba mais sobre o 13 de maio assistindo a entrevista a seguir

 

 

 

 

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Há 200 anos, o território que é hoje o Uruguai tornava-se parte do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves

Niterói, 08 de agosto de 2021

No dia 08 de agosto de 1821, portanto, há exatos 200 anos, o Congresso Cisplatino era dissolvido. Sua última ordem foi a de enviar cópias de suas atas ao general português Carlos Frederico Lecor para que o militar as enviasse a D. João VI e às Cortes de Lisboa. Porém, muitos leitores devem estar se perguntando o que foi esse Congresso? Qual a sua relação com o título do texto? Quais informações estavam contidas nas atas?
Para a obtenção das respostas, é necessário recuar a 1816, quando D. João invadiu a Banda Oriental, denominação que o território que é hoje o Uruguai tinha na época. Para conduzir o governo português da área ocupada, foi designado o general Lecor, que a administrou através de coalização com uma série de setores da sociedade local. Com a eclosão, em 1820, do movimento liberal em Portugal, e consequentemente com a drástica mudança nos destinos da política do Reino Unido português, que incluiu o retorno de D. João VI à Europa e o estabelecimento das Cortes Gerais em Lisboa para a elaboração de uma constituição, o recém empoçado ministro dos Negócios Estrangeiros e Guerra, Silvestre Pinheiro Ferreira, quis definir o futuro da ocupação militar no Prata.
Foi ordenado que em Montevidéu se estabelecessem Cortes, no modelo das de Lisboa, para que a sociedade local decidisse o futuro da invasão. Unidos, Lecor e atores locais montaram um jogo de cartas marcadas para que as Cortes de Montevidéu, ou Congresso Cisplatino (nome como as reuniões que se iniciaram em julho de 1821 ficaram conhecidas pela historiografia), decidissem pelo que lhes interessava: a união do que é hoje o Uruguai à monarquia portuguesa – fato histórico que teve o seu bicentenário nesse ano. 
O Congresso Cisplatino iniciou-se em um domingo, no dia 15 de julho de 1821. Três dias depois, os deputados votaram, unanimemente, pela incorporação. No dia 23, por decisão dos congressistas, a antiga Banda Oriental passou a chamar-se Estado Cisplatino Oriental. No dia 31, Lecor aceitou a incorporação em nome de D. João VI. No quinto dia de agosto ocorreu o juramento de incorporação, participando, do ato, Lecor, os congressistas e todas as autoridades e funcionários de Montevidéu. No dia 8 de agosto de 1821, uma quarta-feira, houve a dissolução do Congresso Cisplatino e a ordem para que fossem enviadas a Lecor as suas atas, pois o general deveria mandá-las para Lisboa. Nos documentos, a votação dos deputados, bem como o argumento dos aliados de Lecor, para que o território que é hoje o Uruguai se tornasse parte do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. 
Aparentemente, Lecor e seus atores sociais alcançavam os seus objetivos. Porém, a História é sempre mais complexa e, com 200 anos de vantagem, sabemos que o projeto cisplatino não vingou. O Reino Unido português dividiu-se, o Brasil tornou-se um Império a parte e, em 1825, eclodiu a Guerra da Cisplatina, que resultou na criação da República Oriental do Uruguai.

 

Bicentenário da criação do Estado Cisplatino Oriental
Em razão dos 200 anos da Cisplatina, a Revista Tema Livre aproveitou a oportunidade para debater esse episódio histórico e realizou uma série de lives com historiadores de diversas instituições da Argentina, Brasil, EUA e Uruguai. Assista à série completa no nosso canal do YouTube. Acesse: https://www.youtube.com/revistatemalivre

 

Lista dos episódios
1) Live de abertura: "Los partidarios de la corona española en la Cisplatina"
Convidada:  Prof.ª Dr.ª Ana Ribeiro (Investigadora, actual Vice Ministra de Educación y Cultura de Uruguay)

 


2) “Antes da Cisplatina: Sacramento, Montevidéu e os interesses portugueses no Rio da Prata”
Convidado: Prof. Dr. Fabrício Prado (College of William and Mary)

 


3) "O Congresso Cisplatino: a incorporação de Montevidéu e a sua campanha à monarquia portuguesa"
Convidado: Prof. Dr. Fábio Ferreira (Universidade Federal Fluminense – UFF)

 


4) Panfletos, jornais e a linguagem política na Cisplatina.
Convidado: Prof. Dr. Murillo Dias Winter (USP/FAPESP)

 


5) Live de enceramento: "El ciclo revolucionario en Iberoamérica. El Río de la Plata y Brasil en el escenario Atlántico"
Convidada: Prof.ª Dr.ª Marcela Ternavasio (Instituto de Estudios Críticos en Humanidades/Universidad Nacional de Rosario/CONICET)

 


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Extra, extra: parlamento derruba planos de D. Pedro I de restringir a liberdade de imprensa

D. Pedro I vivia em guerra com os jornais que criticavam o seu governo. Das 12 ocasiões em que discursou no Parlamento, em duas o imperador cobrou dos senadores e deputados uma lei que reduzisse a liberdade de imprensa e lhe permitisse punir e calar as “folhas” oposicionistas.

— O abuso da liberdade de imprensa, que infelizmente se tem propagado com notório escândalo por todo o Império, reclama a mais séria atenção da assembleia. É urgente reprimir um mal que não pode deixar em breve de trazer após de si resultados fatais — afirmou D. Pedro I em 1829.

O imperador pedia a aprovação de um projeto de lei restritivo que havia sido apresentado em 1827, mas vinha sendo levado em banho-maria pelo Parlamento. Diante da cobrança imperial, os parlamentares se viram obrigados a desengavetar essa proposta de Lei de Imprensa.

Documentos históricos hoje guardados no Arquivo do Senado, em Brasília, mostram que o projeto rachou os senadores. Para os governistas, a liberdade desfrutada pelos jornais estava mais para libertinagem e punha em risco a existência do Império recém-fundado (independente em 1822) e ainda não consolidado. Para os senadores oposicionistas, ao contrário, a imprensa livre era um dos requisitos para a sobrevivência da nação.

No fim, a oposição conseguiu barrar o ímpeto autoritário de D. Pedro I. A Lei de Imprensa de 1830 — a primeira do tipo aprovada pelo Parlamento brasileiro — concedeu aos jornais muito mais autonomia do que desejava o monarca.

 

 

Trecho do discurso pronunciado por D. Pedro I no Parlamento em 1830: desejo de amordaçar a imprensa (imagem: Falas do Trono/Biblioteca do Senado)

 

No Senado, a base governista tentou até o fim evitar a derrota do imperador.

— É lícito a cada um mostrar a sua opinião, mas é do nosso dever sustentar este governo e prevenir revoluções. Portanto, devemos castigar a quem atacar — argumentou o senador Carneiro de Campos (BA).

— O governo da Inglaterra é forte e justiceiro — discursou o senador Visconde de Cayru (BA), referindo-se ao grande modelo de Monarquia da época. — Quando há abuso da imprensa, o escritor é punido com pesada multa. Conforme a gravidade do caso, até é desterrado para a Nova Holanda [Austrália], sendo o transporte marítimo a ferros no porão do navio.

Para Cayru e Carneiro de Campos, jornais tendenciosos envenenavam a opinião pública e até poderiam persuadir os cidadãos a pegar em armas contra o governo, levando à dissolução do Império. Os autores de “folhas incendiárias”, portanto, deveriam ser levados ao banco dos réus e exemplarmente castigados.

Os senadores oposicionistas, por sua vez, argumentavam que os jornais não tinham tal poder e tão somente refletiam — e não criavam — a opinião pública. De acordo com esses parlamentares, a imprensa deveria ser o mais livre possível para que o monarca pudesse conhecer os verdadeiros anseios dos súditos e, assim, melhor governar o Brasil.

— A liberdade de imprensa é o esteio e o paládio do governo monárquico constitucional representativo. Sem ela, o governo não pode progredir — afirmou o senador Marquês de Caravelas (BA).

— A liberdade de imprensa é o veículo da felicidade de toda a sociedade, porque daqui é que vêm as luzes a todo o Império — acrescentou o senador Marquês de Queluz (PB). — Havemos nós de pôr uma mordaça ao cidadão? Será justo proibir-se-lhe que fale do governo, conhecendo qualquer defeito, quando das suas reflexões podem resultar melhoramentos? Eu quereria que a lei não punisse o escritor filósofo.

 

 

Jornal Astrea faz crítica ao autoritarismo de D. Pedro I sem citar o nome do imperador (imagem: Biblioteca Nacional Digital)

 

As tendências despóticas de D. Pedro I já eram explícitas. A sua medida mais rumorosa foi o fechamento arbitrário da Assembleia Constituinte em 1823. O imperador ficou irritado com os termos da Constituição em elaboração, que lhe dava menos poderes do que ele desejava. No ano seguinte, impôs uma Constituição ao seu gosto.

Mesmo com a Constituição de 1824 em pleno vigor, D. Pedro I adiou a convocação do Senado e da Câmara o máximo que pôde. As duas Casas do Parlamento só começariam a funcionar em 1826. Nesse interregno de dois anos, ele pôde comandar o país livremente, sem precisar dividir o governo com o Poder Legislativo.

No vácuo parlamentar, D. Pedro I assinou com Portugal o tratado de reconhecimento da Independência, que previa uma pesada indenização a ser paga pelos brasileiros. Ele também entrou na malfadada Guerra da Cisplatina, ao fim da qual o atual Uruguai conseguiu se libertar do Brasil. Ambos os episódios abalaram profundamente as finanças públicas, o custo de vida, o orgulho nacional e a confiança da população no soberano.

Mesmo quando o Parlamento se formou, o imperador relutou a repartir o poder. Ao escolher os ministros, por exemplo, ele recorria a pessoas do seu círculo de relações, e não a deputados da maioria parlamentar. As elites reagiram escrevendo na imprensa e votando na Câmara contra o monarca.

No início, o Senado não foi palco dessa reação pelo fato de ser naturalmente governista. Enquanto os deputados eram eleitos no voto, os senadores vitalícios eram escolhidos pelo próprio D. Pedro I a partir de uma lista tríplice. Ele, claro, só selecionava gente de sua confiança.

Sem assinar os textos, deputados recorriam aos jornais para disseminar as críticas ao monarca que não ousavam pronunciar da tribuna da Câmara. As leis da época permitiam o anonimato na imprensa.

Como a Constituição estabelecia que a pessoa do imperador era “inviolável e sagrada”, os ataques por texto se davam de forma camuflada. O expediente mais comum era chamá-lo de “tirano”, “déspota” e “absolutista” sem citar o seu nome. Por vezes, a referência direta era a reis de outras nações e outros tempos, como o francês Luís XIV. O contexto, porém, deixava claro que o alvo era D. Pedro I. Os jornais mais atrevidos recorriam à palavra “Poder” — anagrama de “Pedro”.

A imprensa oposicionista também alertava para o risco de o monarca tentar reunificar o Brasil a Portugal e rebaixar o novo Império à velha condição subalterna de Colônia. A hipótese não era de todo fantasiosa. Diante da morte de D. João VI em Lisboa em 1826, D. Pedro I havia despachado sua filha mais velha, D. Maria da Glória, para assumir o trono português, o que deixava os interesses das duas Coroas perigosamente embaralhados.

 

 

Slogan indica posicionamento do jornal Astrea contrário ao governo de D. Pedro I (imagem: Biblioteca Nacional Digital)

 

Nas discussões da Lei de Imprensa de 1830, os senadores governistas sugeriram a punição de quem escrevesse contra o monarca inclusive ataques dissimulados. O Visconde de Cayru discursou:

— Seria nula e irrisória a lei se unicamente punisse os ataques diretos. Só loucos rematados ou pessoas com tédio à vida poderiam publicar impressos em que diretamente afirmassem que se pode desobedecer ao chefe da nação. A esse respeito, os arteiros e temerários só inculcam malignas ironias, alegorias, epigramas, parábolas e romances, que são ainda de maior perigo, espalhando-se pelo vulgo. Muitas vezes, tais ataques indiretos são tão pungentes e evidentes que parecem apontar com o dedo os objetos contra os quais os mal-intencionados dirigem os seu tiros, ainda que os não nomeiem.

Outro ponto defendido pelo apoiadores de uma Lei de Imprensa dura foi a inclusão dos livros entre os escritos passíveis de processo judicial. Em reação, os adversários argumentaram que essa ideia não fazia sentido porque a população do Império era majoritariamente analfabeta — segundo o Censo de 1872, o primeiro do Brasil, não sabiam ler e escrever por volta de 80% das pessoas livres; entre os escravizados, o índice era de 99%.

— O livro que tivesse para cima de 100 páginas, este poderia circular. O povo não o lê nem quer que se lhe leia um livro assim. Lê folhas avulsas, e não livros, mormente se são dos que exigem mais aturada reflexão. Portanto, o livro pode muito bem passar, porque à liberdade de imprensa deve dar-se toda a extensão — disse o Marquês de Caravelas.

Apropriando-se justamente do argumento do analfabetismo, os governistas apresentaram outra ideia para tentar calar os adversários de D. Pedro I. Eles pediram que a futura Lei de Imprensa punisse também os desenhos. O senador Saturnino (MT) discursou:

— Quem duvida que pela estamparia se pode fazer, e de fato se tem feito, uso da poderosa arma do ridículo para abater, desacreditar e ainda transtornar os atos do governo dos quais muitas vezes pode depender a segurança do Estado?

Recorrendo a eufemismos, ele ainda tocou na delicada questão das gravuras pornográficas:

— Quem também duvida que a estamparia fornece o meio de espalhar pinturas indecentes, que corrompem a moral pública, principalmente na mocidade pouco acautelada, e que pela vulgarização de tais estampas se excitam paixões das quais podem resultar grandes males à sociedade?

 

 

Charge francesa trata da briga de D. Pedro I com o irmão D. Miguel pelo trono português: imperador jamais permitiria tal caricatura na imprensa brasileira (imagem: Honoré Daumier)

 

Um dos argumentos mais recorrentes dos aliados de D. Pedro I no Senado foi a Revolução Francesa, de 1789, marcada tanto pela convulsão social quanto pelo guilhotinamento do rei e pela derrubada do absolutismo monárquico. Apoiados nesse episódio, os senadores governistas sugeriram que a Lei de Imprensa punisse não só a palavra escrita, mas também a falada. Cayru continuou:

— O abuso nas palavras é a maior arma dos traidores. A hórrida prova se viu na Revolução da França tanto pela devassidão dos impressos malignos como pela verbal propagação de doutrinas subversivas em clubes, corpos de guarda, sociedades e até pelas inflamatórias pregações dos saltimbancos. Guardemo-nos dos horrores dos que, com gritarias, açulavam [incitavam] a plebe na França a enforcar nas lanternas das ruas, apelidando “aristocratas”, as pessoas mais distintas por seus títulos e serviços à nação. Para que fazermos ilusão, se este mesmo mal está entre nós e sobre nós?

Para os senadores da oposição, esse discurso do medo era balela.

— Não tem paridade o exemplo. Será o mesmo entre nós, uma nação pacífica, que uma nação revoltosa que não conhece lei, mas só o impulso do seu delírio em fermentação? — rebateu o senador Borges (PE). — Digo que, em tal caso [sendo as falas enquadradas na Lei de Imprensa], eu ficarei tremendo e não falarei mais, porque de minhas simples palavras se pode interpretar mal. Eu figuro um exemplo: se eu estiver fazendo um elogio a um ministro e der uma risada sardônica, será delito?

A imprensa no Primeiro Reinado era muito diferente da imprensa de hoje. Os jornais não noticiavam os acontecimentos, mas defendiam causas. A historiadora Tassia Toffoli Nunes, autora de uma dissertação de mestrado na Universidade de São Paulo (USP) sobre a liberdade de imprensa naquele tempo, explica:

— Os jornais foram espaços que as elites criaram para expor suas ideias políticas. Certas publicações faziam a defesa do governo; outras, a crítica. Para usar uma expressão da atualidade, o que se dava por meio da imprensa era uma guerra de narrativas. Sendo uma guerra, muito do que se publicava, claro, não era verdade. E não existiam jornais grandes, consolidados, profissionais. Eles normalmente rodavam algumas edições e desapareciam, sendo logo substituídos por novos títulos.

 

 

Em artigo, jornal Astrea pede a aprovação de uma lei que garanta a liberdade de imprensa (imagem: Biblioteca Nacional Digital)

 

D. Pedro I se preocupava com os jornais oposicionistas porque sabia que, mesmo a população sendo majoritariamente iletrada, a imprensa tinha, sim, influência sobre a sociedade. Foi por essa razão que, durante os três séculos do período colonial, Portugal jamais autorizou que se instalassem tipografias ou circulassem jornais no Brasil. A imprensa só foi permitida em 1808, quando D. João VI transferiu a sede do governo português de Lisboa para o Rio de Janeiro. Jornais e panfletos, de fato, acabaram sendo importantes na disseminação das ideias que levaram à Independência.

Ciente dessa influência, o soberano adotou a estratégia de apoiar jornais governistas que se contrapusessem às “folhas incendiárias”. Na Assembleia Constituinte de 1823, o deputado Carneiro da Cunha (PB) acusou D. Pedro I de pedir aos presidentes (governadores) das províncias que assinassem e distribuíssem nas repartições públicas o jornal O Regulador Brasileiro, escancaradamente pró-imperador.

Numa das edições, o jornal procurou criminalizar o mundo da política afirmando que, para o bem do Brasil, o Parlamento a ser criado pela Constituição não deveria ser autônomo, mas, sim, obediente ao monarca, uma vez que este seria o único capaz de fazer frente aos “abusos” dos legisladores.

Em 1829, o senador Borges disse que, a mando do governo, dois jornais publicavam fake news contra os parlamentares da oposição:

— Toda esta cidade [Rio de Janeiro] sabe como têm sido tratados os membros do Corpo Legislativo. E não vimos essa Gazeta do Brasil, que não teve outra tarefa mais que injuriá-los? E, se ela acabou, não vão aparecendo já certas alegorias nessa outra gazeta intitulada O Analista, que coincide com a primeira, porque admite injúrias muito palpáveis, apesar de se não publicarem os nomes das pessoas a quem são dirigidas?

Com frequência, o próprio D. Pedro I saía em defesa de seu governo nos jornais e assinava artigos disfarçado sob pseudônimos como Ultra Brasileiro, Constitucional Puro, Inimigo dos Marotos e Piolho Viajante.

Quando estava menos propenso aos argumentos, porém, ele podia partir para a violência. É conhecido o episódio em que seu braço-direito e ministro José Bonifácio de Andrada e Silva arbitrariamente mandou fechar jornais adversários no Rio de Janeiro. Episódio nebuloso foi o atentado contra o jornalista Luís Augusto May, do jornal oposicionista A Malagueta. May foi atacado em casa por homens encapuzados e por pouco não foi assassinado. A suspeita recaiu sobre Bonifácio.

 

 

Jornal governista O Regulador Brasileiro pede mais poderes para D. Pedro I e menos poderes para o Parlamento (imagem: Biblioteca Nacional Digital)

 

De acordo com o historiador Antonio Barbosa, professor aposentado da Universidade de Brasília (UnB), a tendência despótica do imperador é explicada pelo momento histórico mundial em que ele viveu:

— No caso de D. Pedro I, o autoritarismo e os embates constantes com o Parlamento e a imprensa não podem ser interpretados como falha de caráter. Ele foi criado e educado para ser um monarca absolutista, como haviam sido seu pai, sua avó e todos os seus antepassados em Portugal. Quando chegou a sua vez de assumir o trono, contudo, a história acabava de virar a página, saindo do tempo do absolutismo, em que o rei governa em nome de Deus e tem poderes ilimitados, e entrando no tempo do liberalismo, em que o rei precisa seguir a Constituição e negociar com o Parlamento. O grande marco mundial dessa mudança foi a Revolução Francesa. D. Pedro I não soube lidar com a mudança dos ventos da história.

Barbosa acrescenta que o autoritarismo do primeiro imperador do Brasil também se explica pelo contexto nacional:

— Em 1822, existiam vários projetos de Brasil que disputavam a hegemonia. O plano de D. Pedro I, em que o país independente seria uma Monarquia, não era o único. Houve grupos que lutaram para que o país se transformasse numa República e grupos que se mobilizaram para que o Brasil continuasse fazendo parte de Portugal. Para fazer o seu projeto prevalecer, D. Pedro I entendeu que precisava agir com mão de ferro.

 

 

Embora educado para ser absolutista como D. João VI, D. Pedro I foi obrigado a dividir o poder com o Parlamento (imagem: Debret/The New York Public Library)

 

Diante da resistência de D. Pedro I a aceitar a partilha do poder característica dos governos constitucionais, até mesmo o Senado, aliado natural do imperador, no fim da década de 1820 mudou de lado, juntou-se à Câmara e tornou-se adversário. Foi assim que a Lei de Imprensa de 1830 saiu do Parlamento diferente da desejada pelo monarca.

Apesar de prever até nove anos de prisão para quem cometesse abusos em jornais, livros, desenhos e discursos, inclusive críticas indiretas ao imperador, a nova lei estabeleceu que os réus seriam julgados por tribunais do júri — isto é, por cidadãos comuns, e não por juízes. Isso, na prática, acabou por anular todo o rigor contido na letra da lei. Ao contrário dos juízes, os cidadãos comuns normalmente estavam afastados das brigas políticas e costumavam absolver os jornalistas processados.

A historiadora Tassia Toffoli Nunes diz:

— Pouco depois da aprovação da lei, houve juízes e professores de direito que a criticaram a avaliando que ela levava à impunidade dos redatores. Isso quer dizer que o Parlamento conseguiu fazer frente à tendência absolutista e arbitrária de D. Pedro I e favoreceu a liberdade de imprensa.

Ela chama a atenção para o fato de a censura prévia das publicações não ter sido aventada em momento algum das discussões no Parlamento:

— Nem mesmo os senadores e deputados mais conservadores do Primeiro Reinado chegaram a propor a censura prévia. Esse tipo de abuso só seria colocado em prática no Brasil muito tempo mais tarde, no Estado Novo [1937-1945] e na ditadura militar [1964-1985]. Nesses dois períodos ditatoriais da República, regredimos a uma prática arbitrária característica dos tempos da Colônia.

Logo após a aprovação da Lei de Imprensa de 1830, o jornalista Líbero Badaró foi assassinado em São Paulo. Nas páginas de seu jornal, O Observador Constitucional, Badaró não poupava D. Pedro I. Embora não se tenha atestado o envolvimento do monarca, o crime comoveu a opinião pública e contribuiu para minar ainda mais o governo. Meses depois, em 1831, o imperador viu-se forçado a abdicar do trono.

A partir de 1830 e até o fim do Império, a imprensa brasileira foi, na prática, livre. O oposto de seu pai, D. Pedro II jamais se incomodou com as críticas publicadas. Foram frequentes as charges que o retrataram em situações ridículas. Um dos apelidos que os jornais adversários lhe deram foi Pedro Banana. Até mesmo fake news contra ele circularam sem sofrer repressão.

 

 

Embora jornais o ridicularizassem, D. Pedro II não perseguia a imprensa (imagem: Biblioteca Nacional Digital)

 

Numa carta à princesa Isabel, D. Pedro II explicou:

“Entendo que se deve permitir toda a liberdade nestas manifestações [da imprensa] quando não se dê perturbação da tranquilidade pública, pois as doutrinas exprimidas nessas manifestações pacíficas se combatem por meios semelhantes, menos no excesso. Os ataques ao imperador, quando ele tem consciência de haver procurado proceder bem, não devem ser considerados pessoais, mas apenas manejo ou desabafo partidário”.

Reportagem e edição: Ricardo Westin

Pesquisa histórica: Arquivo do Senado

Edição de multimídia: Bernardo Ururahy

Edição de fotografia: Pillar Pedreira

Montagem da Capa: Aguinaldo Abreu

Fonte: Agência Senado

 

 

SAIBA MAIS – Assista à conversa entre os Profs. Drs. Fábio Ferreira e Isabel Lustosa intitulada "O nascimento da imprensa no Brasil: entre D. João VI e D. Pedro I"

 

 

 

 

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Uma outra Carlota: evento realizado na Biblioteca Nacional apresenta novo perfil de Carlota Joaquina, fruto de recentes pesquisas desenvolvidas no âmbito das universidades brasileiras.

Niterói, 19 de setembro de 2013. 

 


A Biblioteca Nacional teve como convidados, na última terça-feira (17) , para o ciclo de debates "Biblioteca Fazendo História", os historiadores Francisca Azevedo (UFRJ) e Fábio Ferreira (UFF). O evento ocorreu no auditório Machado de Assis e teve como tema "Carlota Joaquina e as conspirações na corte". O debate, mediado por Marcello Scarrone, durou quase duas horas e foi transmitido, ao vivo, através do Instituto Embratel. 

 

À esquerda, a Prof.ª Dr.ª Francisca Azevedo (UFRJ). À direita, o Prof. Dr. Fábio Ferreira (UFF). Ao centro, Marcello Scarrone, mediador do debate.

À esquerda, a Prof.ª Dr.ª Francisca Azevedo (UFRJ). À direita, o Prof. Dr. Fábio Ferreira (UFF). Ao centro, Marcello Scarrone, mediador do debate.


Na ocasião, a Prof.ª Dr.ª Francisca Azevedo mostrou ao público o porquê do tratamento caricaturarizado de Carlota Joaquina. A historiadora apontou que este perfil deve-se, basicamente, a dois fatores. O primeiro, a questões de gênero, pois os contemporâneos da princesa do Brasil e da Rainha de Portugal realizaram relatos depreciativos pelo fato da personagem não enquadrar-se no papel que esperava-se de uma mulher da época. Carlota intervinha em situações e arranjos políticos reservados aos homens. Era decidida e afrontava-os. "Um dos relatos é o de madame Junot, extremamente preconceituoso em relação às sociedades ibéricas e, assim, ela foi implacável com Dona Carlota. Ela queria que Carlota fosse tal qual uma aristocrata francesa" contou Francisca Azevedo aos participantes do debate e complementou "Oliveira Lima, um dos maiores escritores sobre o período joanino, absorveu as ideias de madame Junot para reconstituir a imagem de Carlota Joaquina." 


Outra razão mencionada por Francisca Azevedo foi a historiografia liberal e a republicana. Inicialmente, Carlota Joaquina tinha a simpatia dos liberais de Portugal, pois sempre desejou abandonar o Brasil e retornar à península ibérica. No entanto, uma vez de volta à Europa, frente ao controle que os liberais tinham de Portugal, a Rainha consorte indispôs-se com este grupo político. Rejeitou assinar a carta constitucional, bem como, posteriormente, apoiou as pretensões absolutistas de D. Miguel. Além de não emoldurar-se no papel social dado às mulheres da época, Carlota Joaquina mostrava-se favorável ao absolutismo. Quando intelectuais liberais debruçaram-se para escrever suas versões da História de Portugal e do Brasil trataram Carlota Joaquina depreciativamente. 

 

No evento, Francisca Azevedo analisou o cartaz do filme “Carlota Joaquina, Princesa do Brasil” (Brasil, 1995), de Carla Camurati. Segundo a historiadora, a imagem reflete o imaginário popular sobre a personagem: luxuria e arrogância.

No evento, Francisca Azevedo analisou o cartaz do filme “Carlota Joaquina, Princesa do Brasil” (Brasil, 1995), de Carla Camurati. Segundo a historiadora, a imagem reflete o imaginário popular sobre a personagem: luxuria e arrogância.

 

Em sua fala, o Prof. Dr. Fábio Ferreira apontou as pretensões de Carlota Joaquina de assumir a regência da Espanha, uma vez que seus familiares estavam aprisionados na França por Napoleão Bonaparte. Narrou que Carlota Joaquina articulou com importantes lideranças políticas da Península e das Américas, a mencionar o portenho Manuel Belgrano como um dos exemplos. Fabio Ferreira mostrou que frente aos benefícios que o Rio de Janeiro recebeu com a presença de D. João, cidades como a do México e Buenos Aires tentaram levar Carlota Joaquina para comandar o Império espanhol a partir dos seus respectivos territórios. O historiador mostrou o perfil de articuladora política da esposa de D. João, bem como dados empíricos que mostram que Carlota destoava das mulheres de então. 


O pesquisador ainda levou ao público que, por diversos momentos, Carlota Joaquina quase alcançou o poder político. Primeiramente, pelos diversos abortos de sua mãe, que não dava descendência varonil à casa de Bourbon havia a expectativa de Carlota Joaquina ser, futuramente, a rainha da Espanha. Porém, quando Carlota tinha praticamente 10 anos, nasceu o primeiro varão dos Bourbon, o futuro Fernando VII, malogrando a possibilidade da então infanta espanhola de vir a chegar ao trono. Prosseguindo, o historiador Fábio Ferreira contou que, por pouco, na conspiração do Alfeite (1806), Carlota Joaquina não tornou-se regente de Portugal, no lugar de D. João. Também, por um triz, na ocasião do aprisionamento de sua família de origem, Carlota Joaquina não foi regente da Espanha. Por fim, por bem pouco, o projeto carlotista não vingou no Prata. Em tom de brincadeira, Fábio verbalizou que "Me dá a impressão que Carlota era azarada! Inúmeras vezes ela flerta com o poder político, quase o alcança, mas, por diversas circunstâncias, ela nunca o alcança." 

 

"A Espanha revogou a lei sálica (que impedia que mulheres chegassem ao tronol) em função de Carlota Joaquina, para que existisse a possibilidade dela vir a torna-se, futuramente, rainha espanhola. Mas, com o nascimento de seu irmão Fernando (1784), anulava-se, ao menos neste momento, a possibilidade de Carlota Joaquina governar a Espanha." disse o historiador Fábio Ferreira.

 

Uma questão levantada pelo público presente foi relativa à possibilidade de Carlota Joaquina ter tido vários amantes. "Se a D. Carlota teve ou não teve, não posso dizer! Pesquisei em arquivos do Brasil, da Argentina e da Espanha e não encontrei documentos que comprovem. Se ela tinha, ela fez tudo muito bem feito, de maneira que não deixasse provas!" disse Francisca Azevedo. Por outro lado, o historiador Fábio Ferreira expôs que "Praticamente ninguém se lembra que D. João chegou a ter uma filha com uma de suas amantes". 


Em tom de um leve bate-papo e em função de recentes pesquisas científicas desenvolvidas no âmbito das universidades brasileiras, o evento trouxe ao público uma Carlota Joaquina diferente da representada por séculos, seja por boa parte da historiografia em língua portuguesa, seja por parte de produções que alcançaram a TV e o cinema brasileiros, que acabaram por enveredar pela abordagem do personagem histórico pelo viés caricatural e depreciativo. Os historiadores Fábio Ferreira e Francisca Azevedo foram categóricos ao afirmar que a Carlota Joaquina que emerge das pesquisas acadêmicas é muito mais interessante e complexa do que a caricatura que é conhecida pela maioria da população. 

 


Representações de Carlota Joaquina nas telas da TV e do cinema nos últimos 30 anos. 

 

A Marquesa de Santos (Rede Manchete, 1984)

 

Personagem forte para uma grande atriz: Bibi Ferreira interpreta Carlota Joaquina na minissérie baseada no livro de Paulo Setúbal e adaptada por Carlos Heitor Cony e Wilson Aguiar Filho.

Personagem forte para uma grande atriz: Bibi Ferreira interpreta Carlota Joaquina na minissérie baseada no livro de Paulo Setúbal e adaptada por Carlos Heitor Cony e Wilson Aguiar Filho.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Dona Beija (Rede Manchete, 1986) 

 

Carlota Joaquina (Xuxa Lopes): austera e sensual na trama baseada no romance do mineiro Agripa Vasconcelos e adaptada para a TV por Wilson Aguiar Filho com direção de Herval Rossano e David Grinberg.

Agripa Vasconcelos e adaptada para a TV por Wilson Aguiar Filho com direção de Herval Rossano e David Grinberg.

 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Carlota Joaquina, princesa do Brasil (Brasil, 1995)

 

Na sátira cinematográfica de Carla Camurati é a vez de Marieta Severo interpretar Carlota Joaquina.

Na sátira cinematográfica de Carla Camurati é a vez de Marieta Severo interpretar Carlota Joaquina.


 

 

 

O Quinto dos Infernos (Rede Globo, 2002) 

 

Carlota Joaquina volta às telas em mais uma comédia com tons caricaturais. Desta vez, Betty Lago é quem dá vida à princesa do Brasil. A minissérie foi escrita por escrita por Carlos Lombardi, Margareth Boury e Tiago Santiago, com direção geral de Wolf Maya.

A minissérie foi escrita por escrita por Carlos Lombardi, Margareth Boury e Tiago Santiago, com direção geral de Wolf Maya.

 

Para saber mais sobre Carlota Joaquina no acervo da Revista Tema Livre: 

Entrevista com a Prof.ª Dr.ª Francisca Azevedo 

– Artigo do historiador Fábio Ferreira sobre Carlota Joaquina e o Prata:
"A Presença Luso-brasileira na Região do Rio da Prata: 1808-1822" 

Lançamento do livro "Carlota Joaquina na corte do Brasil" 

Exposição sobre os 200 anos da chegada da corte ao Brasil: "Um Novo Mundo, Um Novo Império: A Corte Portuguesa no Brasil" 

– Veja fotos do Palácio de Queluz, onde Carlota Joaquina passou parte de sua vida em Portugal. 

Paço Imperial: matéria sobre o centro político do Império português no período joanino 

 

 

 

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Uma análise do discurso dos deputados orientais no Congresso Cisplatino

Por Fábio Ferreira

Fatos precursores à instalação do Congresso Cisplatino

Com o processo de emancipação do Vice Reino do Rio da Prata, o território que hoje corresponde à República do Uruguai, designada à época como Banda Oriental, mergulhou em uma árdua guerra civil, que levou à destruição de sua economia e à instabilidade política. A partir de 1811, quando José Gervásio Artigas rompeu com a Espanha e iniciaram-se os conflitos armados em solo oriental, Montevidéu foi controlada, no curto período de seis anos, por governos submetidos aos espanhóis, aos portenhos, às forças revolucionárias de Artigas e aos portugueses.
No que refere-se à presença lusa na Banda Oriental, observa-se que D. João organizou duas expedições militares para conquistar este território. A primeira ocorreu em 1811, no entanto, por pressões da Inglaterra e pela oposição de segmentos locais, o príncipe regente retirou, em 1812, suas forças do Prata. Porém, em 1815, D. João iniciou a organização de nova expedição para conquistar a antiga área de dominação espanhola. Para liderar a segunda invasão foi escolhido o general português Carlos Frederico Lecor, veterano das guerras napoleônicas. Lecor ocupou pacificamente Montevidéu em 20 de janeiro de 1817, após negociações com o Cabildo da cidade.
Uma vez no poder, o general continuou negociando e compondo politicamente com elementos da sociedade oriental, além de agir no sentido de enraizar a presença portuguesa na região. Como exemplo, durante a gestão lusa houve a concessão de títulos, condecorações e promoções na administração pública a segmentos da sociedade oriental, bem como vários casamentos de militares das forças joaninas com mulheres orientais, sendo que o próprio Lecor casou-se com Rosa Maria Josefa Herrera de Basavilbaso, em 1818. Neste mesmo ano, o general tornou-se, pelas mãos de D. João VI, Barão da Laguna.
Sobre a adesão dos orientais, Lecor trouxe para a sua órbita figuras locais de projeção, sendo que, muitos deles, anteriormente, foram coligados aos espanhóis, aos artiguistas e, futuramente, com a independência do Uruguai, permaneceram em posições de destaque na recém-nascida república. Mesmo com as diversas mudanças na conjuntura platina, vários elementos orientais conseguiram estar sempre atuando com relativa significância no jogo político local, ainda que a Banda Oriental fosse controlada por forças tão díspares, como, por exemplo, as de Artigas e as de Lecor.
Dos orientais aliançados ao general português e que tiveram destaque em outros momentos da história oriental, como o Congresso Cisplatino, podem ser citados Fructuoso Rivera, líder de milícias no interior da província e, a partir de 1830, presidente do Uruguai; o padre Dámaso Antonio Larrañaga, que compunha o Cabildo que negociou a entrada de Lecor em Montevidéu, além de ter sido eleito senador para representar a Cisplatina no Rio de Janeiro; Francisco Llambí, jurisconsulto e cabildante em 1817 e, após a independência oriental, ministro da república; o fazendeiro Tomás García de Zúñiga, que pelas mãos do Império do Brasil tornou-se Barão de la Calera; Juan José Durán, membro do Cabildo de 1817; e Jerónimo Pio Bianqui, igualmente cabildante à época da ocupação.
Em 1821, a continuidade da ocupação lusa das terras orientais encontrou-se ameaçada. A Revolução Liberal do Porto – que teve, também, adeptos nos domínios americanos dos Bragança, inclusive em Montevidéu, através de tropas de Lecor – alçou ao cargo de ministro dos Negócios Estrangeiros e Guerra Silvestre Pinheiro Ferreira, opositor à permanência portuguesa no Prata. Por esta razão, em um dos seus últimos atos no Rio de Janeiro, em 16 de abril de 1821, dez dias antes de retornar definitivamente a Portugal, o monarca ordenou que Lecor realizasse em Montevidéu um congresso inspirado nas Cortes de Lisboa para que a sociedade local decidisse o seu futuro.
Como os interesses de Lecor e dos seus aliados eram pela permanência dos portugueses na região platina, agiram, o general e o estancieiro Juan José Durán, chefe político da província à época, no sentido de que o referido congresso votasse pela incorporação da Banda Oriental ao cetro joanino.
No que refere-se ao contexto oriental, a ordem para a realização do Congresso foi expedida depois de vários anos de conflitos armados que devastaram a Banda Oriental, destruição esta que foi registrada por vários contemporâneos à ocupação de Lecor, como, por exemplo, Saint-Hilaire , Emeric Essex Vidal e Breckenridge . Assim, à época da designação do Congresso, a sociedade oriental vivia relativa paz, conseguindo, inclusive, alguma recuperação econômica e, além disto, interessava a orientais ligados ao setor produtivo a união à Coroa lusa, por esta acenar com perspectivas como a da realização de transações comerciais com os seus vastos domínios, fatores que fortaleciam politicamente o projeto da incorporação ao Reino Unido português.
Deste modo, diante do exposto, qual o posicionamento dos congressistas frente à missão de decidir (ou legitimar o já acertado nos bastidores políticos) o futuro oriental? Seguir com a Casa de Bragança ou abandoná-la? Qual a argumentação escolhida pelos deputados para legitimarem suas escolhas? Enfim, uma multiplicidade de questionamentos podem ser feitos em relação ao Congresso Cisplatino e, no item a seguir, serão demonstrados e analisados alguns deles.

O Congresso Cisplatino e a atuação dos parlamentares orientais

Para a reconstituição das reuniões do Congresso Cisplatino utiliza-se como fonte no presente artigo as suas atas, que encontram-se em Montevidéu, no Archivo General de la Nación. O conjunto documental é manuscrito em espanhol, composto de oitenta páginas, onde estão distribuídas as suas dezenove atas. Além disto, estes documentos apresentam as listagens e assinaturas dos deputados que estiveram presentes nas sessões, os seus discursos, as propostas e votações em questão, que perpassam da mesa diretiva até a decisão pela incorporação ao Reino Unido português, dentre outros elementos.
Sobre as amplas possibilidades analíticas que este conjunto documental oferece, o contato do historiador com a ata de cada sessão fornece-lhe valiosos dados acerca de vários aspectos da sociedade oriental de então. Como exemplo, através das atas identifica-se a boa aceitação que a ocupação portuguesa tinha junto a uma parcela dos segmentos dominantes da sociedade oriental. Igualmente, verifica-se a exclusão das camadas populares do congresso, o temor dos congressistas de que surgisse no território oriental uma nova liderança revolucionária como a de Artigas, além de uma série de aspectos políticos, econômicos e sociais da época.
Expostas as questões acima, as atas demonstram que o Congresso iniciou-se no dia 15 de julho de 1821, contando com doze deputados, e não dezoito conforme estipulado inicialmente. Como congressistas, estiveram na seção de abertura
Juan José Durán, Diputado por parte de esta Capital [Montevidéu], Presidente en esta Junta, como Gefe político de la Província: el Sor. Cura y Vicario D.or D. Dámaso Antonio Larrañaga, y el Sor. D. Tomás Garcia de Zúñiga también Diputados por esta Ciudad, así como su Síndico procurador general D. Gerónimo Pío Bianqui – el Sor. D. Fructuoso Rivera, y el Sor D.or D. Francisco Llambí, Diputado por el vecindario de extramuros – el Sor D. Luis Pérez, Diputado por el Departamento de S. José – el Sor D. José Alagón, Diputado por el de la Colonia del Sacramento – el Sor D. Romualdo Gimeno, diputado p.r el de Maldonado el Sor D. Loreto de Gomenzoro, Diputado por Mercedes como su Alcalde territorial: el Sor D. Vizente Gallegos, que lo es de Soriano y D. Manuel Lagos, del Cerro-Largo […]
Posteriormente, outros deputados apresentaram-se: no dia 16, Mateo Visillac, representante de Colônia do Sacramento e, no dia 18, Alejandro Chucarro, deputado pela vila de Guadalupe, Salvador García, síndico suplente da mesma localidade, Manuel Antonio Silva, síndico de Maldonado e Romualdo Gimeno, também deputado por Maldonado.
Mesmo com o atraso desses congressistas, elegeu-se a mesa diretiva a 15 de julho. Como presidente foi eleito Durán, como vice-presidente, Larrañaga, e como secretário, Llambí. Assim, os primeiros aliados que Lecor conquistou na Banda Oriental estiveram no comando do Congresso.
No segundo dia, a ameaça bélica que circundava os orientais já se fez presente através da seguinte mensagem que Lecor enviou aos congressistas, e que consta da ata da reunião do referido dia:
Señores del Muy Honorable Congreso extraordinario de esta Provincia= S.M. El Rey del reyno unido de Portugal, Brasil y Algarbes, ha tomado en consideración las repetidas instancias, que han elevado á su real Presencia, Autoridades muy respetables de esta Provincia, solicitando su incorporación á la Monarquía Portuguesa, como el único recurso que en medio de tan funestas circuntancias, puede salvar el País de los males de la guerra y de los horrores de la Anarquía. – Y deseando S.M. proceder en un asunto tan delicado con la circunspección q.e corresponde á la Dignidad de su Augusta persona, á la liberalidad, de sus principios, y al decoro de la Nación Portuguesa, ha determinado en la sabiduría de sus Consejos, que esta Provincia, representada en el Congreso extraordinario de sus Diputados, delibere y sancione en este negocio, con plena y absoluta libertad, lo que crea más útil y conveniente á la felicidad y verdaderos intereses de los pueblos que la constituyen. – Si el Muy Honorable Congreso tubiere á bien decretar la incorporación a la Monarquía Portuguesa, Yo me hallo autorizado por el Rey p.a continuar en el mando y sostener con el Ejército el órden interior y la seguridad exterior bajo el imperio de las Leyes. Pero si el Muy Honorable Congreso estimase más ventajoso á la felicidad de los pueblos incorporar la Provincia á otros estados ó librar sus destinos á la formación de un Gob.o independiente, solo espero sus decisiones para prepararme á la evacuación de este territorio en paz y amistad conforme á las órdenes Soberanas – La grandeza del asunto me excusa recomendarlo á la Sabiduría del Muy Honorable Congreso: todos esperan que la felicidad de la Provincia será la guía de sus acuerdos en tan difiiles circunstancias = Montevideo y julio diez y seis de mil ochocientos veinteuno = A los S.S. de Muy Honorable Congreso de esta Provincia = Barón de la Laguna [Lecor]=

Na mensagem de Lecor verifica-se a afirmação do general sobre a existência de autoridades locais que anelavam a união com a monarquia portuguesa, a vincular, ainda, em sua escrita, este desejo à manutenção da ordem e à salvação do território oriental. Associava-se, então, a manutenção da paz à permanência dos portugueses na região, estando o temor à possibilidade do retorno aos conflitos bélicos presente em diversas reuniões do Congresso.
Na sessão do dia 18 foi colocada em discussão pelo presidente, Juan José Durán, a questão da incorporação propriamente dita:
[…] se propuso por el Sor Presidente, como el punto principal p.a que había sido reunido este Congreso – si segun el presente estado de las circunstancias del Pais, convendría la incorporacion de esta Provincia á la Monarquía Portuguesa, y sobre que bases o condiciones; ó si por el contrario le sería más ventajoso constituirse independiente ó unirse á cualquiera otro Gobierno, evacuando el territorio las tropas de S.M.F.
O contato com as atas permite ao pesquisador identificar que Bianqui, Llambí e Larrañaga foram os únicos deputados que discursaram, sendo favoráveis à anexação à coroa bragantina, expondo os seus argumentos sempre fazendo menção à guerra. Neste conjunto documental podemos verificar que em sua fala Bianqui afirmou que transformar a província em um Estado era, no âmbito político, impossível. O deputado acrescentou que para sustentar a independência necessitavam-se de meios, no entanto, o território oriental não possuía população nem recursos para que fosse governado pacificamente. Os orientais não teriam como impedir uma guerra civil, nem ataques externos, nem como conquistar o respeito das outras nações, além de que haveria a emigração dos capitalistas, voltando, assim, a Banda Oriental, a ser o “teatro da anarquia” e “a presa de um ambicioso atrevido”.
Observa-se que Bianqui utilizou o temor existente no imaginário oriental do retorno aos conflitos em sua argumentação, pois se este medo não fosse presente, não haveria razão do congressista ter enfatizado a possibilidade do retorno ao “caos”, nem mencionaria a possibilidade do surgimento de “um ambicioso atrevido”, aludindo, provavelmente, a um possível aparecimento de alguma outra liderança revolucionária como a de Artigas. A ameaça bélica, independentemente de existir ou não, independente do congressista acreditar nela ou não, estava a ser trabalhada intencionalmente em seu discurso no Congresso Cisplatino, afinal as cicatrizes dos conflitos armados da década anterior permaneciam abertas e o território oriental continuava circundado por uma gama de províncias que ainda viviam os horrores das guerras desencadeadas desde a Revolução de Maio.
Bianqui, ao anular a possibilidade da Banda Oriental em constituir-se estado autônomo, apontava, em seguida, a necessidade de incorporar-se a outro estado, excluindo Buenos Aires e Entre Rios em função de seus respectivos conflitos internos. A Espanha também foi descartada, pois segundo o deputado oriental, os pueblos já haviam votado contra ela e que Madri foi incapaz de manter a paz na província. Deste modo, para o congressista, não havia outra opção que não fosse a incorporação à monarquia portuguesa sob uma constituição liberal. Com a manutenção do poder luso, dizia o deputado, impossibilitar-se-ia a anarquia, o setor produtivo continuaria as suas atividades, sendo, assim, restituídos os anos de prejuízos, e os “arruaceiros” teriam que dedicar-se ao trabalho ou então sofrer com o rigor das leis.
As atas também mostram ao pesquisador que, em seguida, Llambí discursou. Ele alertou sobre a alta probabilidade de que com a saída das tropas de Lecor o território oriental viesse a sofrer novas invasões ou, então, mergulharia em uma guerra civil. Sem entrar no mérito se a análise deste parlamentar foi ou não exagerada, ela insere-se perfeitamente no contexto social da Banda Oriental. Por exemplo, mesmo não estando, no momento do Congresso, em armas contra Lecor e os seus aliados, o governo de coalização luso-oriental não poderia confiar totalmente em elementos como Juan António Lavalleja e a família Oribe – apesar de terem existido diálogos e aproximações, ao longo da gestão do general, entre estes diversos atores políticos, não se pode ignorar que os Oribe e Lavalleja iniciaram, em 1825, uma guerra civil contra Lecor e o seu grupo político. Além disto, em relação ao âmbito externo à província, o contato com uma gama de documentos da administração Lecor mostram que os governos limítrofes tinham o interesse de controlar a Banda Oriental e chegaram a elaborar projetos para ocupá-la.
Seguindo com a fala de Llambí, este retomou, corroborando com Bianqui, os conflitos que a Banda Oriental sofreu nos anos anteriores, a afirmar, inclusive, que mais da metade da população foi dizimada, bem como as suas riquezas, e que os orientais perderam o pouco armamento que tinham. Supondo eventuais exageros, inclusive para justificar o seu voto e legitimar a permanência lusa, identifica-se, mais uma vez, a ida aos anos de guerra, traumatizantes e sempre associados a uma gigantesca destruição – o que, por outro lado, não é contrário a outras fontes, como os supracitados relatos dos viajantes da época. Igualmente, detecta-se a ideia de que estes anos foram tão devastadores que a Banda Oriental ainda carregava os pesados danos destes conflitos que duraram praticamente uma década. Portanto, ao desenvolver a sua argumentação neste sentido, provavelmente o parlamentar o fazia por haver público receptor, “terreno fértil” para suas ideias, e que provavelmente não haveria quem se lhe opusesse (ou se o houvesse seria facilmente rebatido).
Llambí também apontou a devastação que a província encontrava-se e utilizou-se desta situação para argumentar a incapacidade desta tornar-se independente, e retomou a questão da estabilidade, já levantada no Congresso: “[…] Un Gobierno independiente pues entre nosotros, sería tan insubsistente, como lo es, el del que no puede ni tiene medios necesarios para sentar las primeras bases de su estabilidad.”
A possibilidade da incorporação a outros estados também foi abordada por Llambí. O congressista listou a Espanha, Buenos Aires, Entre Rios e o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. Castela foi descartada por razões como a distância, a sua impossibilidade de resolver as mazelas orientais e, ainda, porque levaria a conflitos armados no interior da província entre seus partidários e seus antagonistas. As guerras em que Buenos Aires e Entre Rios estavam envolvidas impossibilitavam, nas palavras de Llambí, a união da Banda Oriental a estes estados. Assim, o deputado expunha que “A cualquier parte que vuelvo la vista me veo amenazado de los efectos de esta [a guerra]; y si à todos se les presenta con el horroroso aspecto que á mí, ningún mal deberémos temer tanto como él.”
Llambi ainda afirmou que, de fato, a Banda Oriental estava em poder das tropas portuguesas, o que não se podia evitar, e que qualquer resolução dos orientais, por melhor que fosse, podia ser destruída por alguém que pudesse agrupar um pequeno número de combatentes. O aventurar-se nestas contingências seria uma imprudência que os congressistas teriam que responder eternamente aos pueblos.
Identifica-se no discurso de Llambí uma forte dose de pragmatismo ao destacar a fragilidade da província para sustentar-se independente. Se Llambí acreditava em sua argumentação, ou se a mesma foi um meio de justificar o seu voto e de congregar partidários em torno da opção acordada com Lecor, ou simplesmente uma mera encenação, não é o objetivo do presente artigo. Importante é detectar a constante utilização do temor do retorno aos conflitos armados e que o discurso do deputado é um meio para o historiador identificar que a sociedade oriental à época tinha o seu imaginário temeroso no que refere-se às guerras em seu território.
Após a fala de Llambí, conforme constata-se nas atas, Larrañaga foi o deputado que discursou, demonstrando uma posição pragmática e o rechaço em relação à guerra, revelando também uma espécie de trauma no que refere-se aos conflitos armados. Larrañaga afirmou que os orientais encontravam-se, desde 1814, abandonados pela Espanha. Buenos Aires e as demais províncias platinas fizeram o mesmo, deixando a Banda Oriental sozinha em uma guerra muito superior às suas forças e, por esta razão, o religioso anulou qualquer ligação do território com as províncias limítrofes e com a Madri. Assim, detecta-se que a questão dos conflitos bélicos estava presente na argumentação de mais um dos congressistas.
Outro ponto a se observar é que Larrañaga afirmou que após dez anos de revolução, a província estava distante do ponto de partida e que o dever dos congressistas era conservar o que restou do seu aniquilamento e, caso o conseguissem, seriam, então, verdadeiros patriotas. Pragmaticamente, Larrañaga conclamou os deputados a afastarem a guerra e a desfrutarem da paz e da tranquilidade através da união da província à monarquia portuguesa. No entanto, esta união seria sob determinadas condições: o padre defendeu a autonomia da Banda Oriental, propondo que esta fosse considerada como um estado separado, conservando-se, por exemplo, as suas leis e autoridades no conjunto do Império português.
Da mesma forma que os outros deputados, o contato com a ata da sessão que discutiu a anexação permite afirmar que Larrañaga utilizava a possibilidade do retorno à guerra como legitimadora da opção pela permanência dos portugueses na Banda Oriental e, depois do seu discurso, acordava-se a incorporação do território oriental ao Reino Unido português:
Entónces por una aclamacion general los S.S. Diputados dijeron: Este es el único medio de salvar la Provincia; y en el presente estado à ninguno pueden ocultàrse las ventajas que se seguiran de la Incorporac.n bajo condiciones que aseguren la libertad civil […] En este estado, declaràndose suficientemente discutido el punto, acordaron la necesidad de incorporar esta Provincia, al Reyno Unido de Portugal, Brasil y Algarbes, Constitucional, y bajo la precisa circuntancia de que sean admitidas las condiciones que se propondrán y acordarán por el mismo Congreso en sus ulteriores sesiones, como bases principales y esenciales de este acto […]
Assim, no dia 18 de julho de 1821, os congressistas votaram, unanimemente, pela incorporação de Montevidéu e sua campanha ao Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves.
Sucintamente, menciona-se que o conjunto das atas também mostra que, no dia 23, denominou-se a província recém anexada de Estado Cisplatino Oriental, e que nesta data decidiu-se que os cisplatinos teriam representação no Congresso Nacional em Lisboa. No dia 31, segundo a documentação, Lecor aceitou a anexação em nome de D. João VI, sendo que no quinto dia de agosto ocorreu o juramento da mesma, comparecendo Lecor, os congressistas, e todas as autoridades e funcionários de Montevidéu. No dia 8 houve a dissolução do Congresso e suas últimas ordens foram no sentido de enviar cópia das atas a Lecor, para informar ao rei e as cortes de Lisboa dos acontecimentos platinos.
Era mantida, assim, a estrutura de poder iniciada em 1817, aquando da ocupação de Montevidéu por Lecor, porém, a partir de 1821, legitimada não pelo Cabildo, organismo político-administrativo de âmbito municipal, mas por um Congresso representante de toda a província, que, a seu turno, encaixava-se nos moldes liberais, doutrina em voga e ascensão nos quadros do Império bragantino, que vivia a lenta agonia do Antigo Regime português.

Conclusão

Deste modo, conclui-se que o temor em relação ao retorno à guerra foi utilizado pelos congressistas para defenderem a incorporação à monarquia portuguesa e para legitimar a permanência da ocupação liderada por Lecor, sendo as atas importantes fontes para reconstituir o discurso dos deputados, seus argumentos para a criação do Estado Cisplatino Oriental e para analisar o temor existente na sociedade local no que refere-se à possibilidade do retorno aos conflitos bélicos.
Provavelmente, inseridos com sucesso na coalização luso-oriental, os deputados orientais utilizaram no Congresso a argumentação do retorno aos conflitos bélicos pelos seus interesses pessoais (e dos grupamentos que eles estavam vinculados) em incorporar a Banda Oriental à monarquia portuguesa. Bianqui, Llambi e Larrañaga empregaram argumentos plausíveis para respaldarem seus discursos, pois estavam inseridos em uma sociedade duramente marcada pelos anos de conflitos e com seu imaginário temeroso no que referia-se ao retorno das guerras. Além disto, não se pode ignorar que a ameaça bélica era um risco eminente não só para a Banda Oriental, mas para toda a região do Prata, visto os combates militares que as províncias limítrofes estavam mergulhadas, ratificando o quão plausível era a argumentação dos congressistas.
Assim, o discurso enfatizando as antagônicas e concretas possibilidades de guerra e de paz que desenhavam-se diante dos orientais, associadas à concreta recuperação do setor produtivo durante a ocupação lusa foi, sem dúvida, altamente persuasivo e influenciador da anexação à coroa portuguesa, em especial em um contexto social em que a população sofreu por longos anos em virtude de questões bélicas e da destruição da província.
Outro ponto é que mesmo que a participação popular tenha sido vedada no Congresso, sendo este constituído por membros dos segmentos dominantes, provavelmente, o que foi discutido em suas reuniões teve repercussão junto à sociedade oriental, criando, portanto, junto à população oriental argumentos favoráveis à atitude dos congressistas de anexarem o território oriental à monarquia portuguesa. Com os discursos dos deputados ecoando pela Banda Oriental, é provável que estes agregariam partidários e defensores de suas ações por eles terem sido importantes agentes que afastaram a guerra da traumatizada e exaurida província.
Sendo assim, a manutenção do poder português acenava ser, ao menos nos idos de 1821, a solução mais conciliatória e a menos conflituosa para a sociedade oriental e para os grupamentos locais mais destacados, representados no Congresso Cisplatino e partícipes da coalizão luso-oriental. No entanto, a opção dos orientais pela incorporação ao Reino Unido português não os livrou de novas guerras. Com a independência do Brasil, a pública adesão de Lecor ao Império e a fidelidade de parte de suas tropas a Lisboa fez com que conflitos bélicos fossem novamente estabelecidos em terras orientais, tendo, por fim, a situação oriental agravado-se após 1825, quando eclodiu a Guerra da Cisplatina.
Finalizando, o Congresso Cisplatino veio a mudar o destino oriental, pois uniu legalmente este território à Coroa de Bragança, oficializando, portanto, a ocupação lusa. Ademais, interferiu na geopolítica platina, mantendo territorialmente Portugal e, depois, o Brasil, no Prata, diretamente vinculados aos assuntos desta região, tendo que lidar com as constantes oposições e mudanças políticas características das províncias limítrofes à época. Agrega-se ainda que o resultado do Congresso, que levou à permanência de portugueses e brasileiros no território oriental, foi fato crucial para a eclosão da Guerra da Cisplatina, logo para a criação da República Oriental do Uruguai tal como os fatos se desencadearam no reinado de D. Pedro I.

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PIMENTA, João Paulo G. Estado e nação no fim dos Impérios Ibéricos no Prata (1808-1828). São Paulo: Hucitec; Fapesp, 2002.

RELA, Walter. Uruguay cronologia histórica anotada: dominación luso-brasilenã (1817- 1828). Montevidéo: Alfar, 1999.

RIBEIRO, Ana. Montevideo, la malbienquerida. Montevideo: Ediciones de la Plaza, 2000.

SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem ao Rio Grande do Sul. Brasília: Senado Federal, 2002.

 

 

 

 

Conheça outros artigos acadêmicos disponíveis na Revista Tema Livre.

 

Leia entrevistas com historiadores de diversas instituições do Brasil e do exterior clicando aqui.

 

 

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Tema Livre Especial: Paço Imperial

Bicentenário da chegada da Corte portuguesa ao Brasil

O Rio de Janeiro e D. João VI, Rei de Portugal, Brasil e Algarves.

Imagem do Paço Imperial e da Praça XV feita por Jean-Baptiste Debret.

Imagem do Paço Imperial e da Praça XV feita por Jean-Baptiste Debret.

 

Em função dos 200 anos da chegada da família real portuguesa ao Brasil, que serão comemorados no próximo ano, 2008, a Revista Tema Livre inicia nesta edição, a de número 12, referente a abril de 2007, uma série de matérias que mostram os vestígios da época de D. João VI no atual Rio de Janeiro. A primeira matéria é sobre o Paço Imperial, edifício em estilo colonial, que ocupa uma área de 3.113 m², e é situado na Praça XV de Novembro, no centro da cidade, que, no período joanino, foi a sede administrativa da monarquia portuguesa.

 

Parte frontal do Paço Imperial visto a partir da Praça XV de Novembro.

Parte frontal do Paço Imperial visto a partir da Praça XV de Novembro.

 

Primeiramente, é importante ressaltar que o então príncipe regente D. João e a sua família partiram de Portugal em direção ao Brasil em novembro de 1807, em virtude da incursão militar que Napoleão Bonaparte realizava ao território peninsular. Em março de 1808, D. João estabeleceu-se no Rio de Janeiro. Uma vez esta cidade sendo a sede do governo bragantino, era a partir do Paço que administrava-se o Brasil, Portugal, os domínios lusos na África e na Ásia, bem como o atual Uruguai, transformado, em 1821, em Estado Cisplatino Oriental, como parte da monarquia portuguesa.

 

Lado esquerdo do Paço Imperial e trecho da Praça XV de Novembro.

Lado esquerdo do Paço Imperial e trecho da Praça XV de Novembro.

 

D. João permaneceu por 13 anos no Rio de Janeiro, até abril de 1821, quando retornou a Lisboa, e deixando no Novo Mundo o herdeiro de sua coroa, o príncipe D. Pedro, que proclama a Independência do Brasil no ano seguinte, tornando-se o primeiro imperador brasileiro.

 

Vista da lateral direita do Paço Imperial e a rua da Assembléia. Ao fundo, a rua Primeiro de Março, antiga Rua Direita.

Vista da lateral direita do Paço Imperial e a rua da Assembléia. Ao fundo, a rua Primeiro de Março, antiga Rua Direita.

 

Além disto, aponta-se que no período em que D. João esteve no Brasil, mais especificamente em 1818, ele foi aclamado rei, sob o título de D. João VI. Observa-se que este foi o único monarca de uma Casa Real européia a receber sua coroa na América e, do mesmo modo, o Rio de Janeiro foi a única cidade da América que foi palco da aclamação de um rei europeu. Também foi obra do governo de D. João, durante a estada da família real na porção americana de seus domínios, a criação do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves.

 

Lado esquerdo do Paço Imperial e a Praça XV.

Lado esquerdo do Paço Imperial e a Praça XV.

 

Sobre o prédio onde hoje encontra-se o denominado Paço Imperial, observa-se que ele já foi a Casa dos Contos ou da Moeda e, em 1743, iniciaram-se as obras do engenheiro José Fernandes Alpoim, estabelecendo neste sítio a Casa dos Governadores. Em 1763, com a transferência da sede do governo do Estado do Brasil de Salvador para o Rio de Janeiro, o prédio tornou-se o Palácio dos Vice-Reis e, a partir de 1808, Paço Real.

 

Fundos do Paço Imperial. Á direita do leitor, a Rua Primeiro de Março, antiga Rua Direita.

Fundos do Paço Imperial. Á direita do leitor, a Rua Primeiro de Março, antiga Rua Direita.

 

Ainda no que refere-se ao espaço onde o Paço situa-se, ele reproduzia as características de diversas praças do Império português, seja na Europa, seja no Ultramar, guardando uma série de semelhanças com o Terreiro do Paço, em Lisboa. Estava nesta área do Rio de Janeiro uma série de atividades vinculadas ao comércio e ao poder régio.

 

Interior do Paço Imperial.

Interior do Paço Imperial.

 

A praça, ainda hoje, abriga o chafariz de D. Maria I, obra do mestre Valentim da Fonseca e Silva, datada da segunda metade do século XVIII. Onde encontra-se o chafariz desembarcavam os navios oriundos de diversas partes do Império português. Hoje, o atracadouro do antigo porto está em uma das áreas aterradas da Baía de Guanabara. Mencionando a questão dos aterros, se estes não tivessem ocorrido, o mar chegaria bem próximo à atual Primeiro de Março (rua situada nos fundos do Paço Imperial)

 

Arquitetura colonial portuguesa em pleno centro do Rio.

Arquitetura colonial portuguesa em pleno centro do Rio.

 

Retornando ao período de D. João, com a chegada da monarquia bragantina ao Brasil, o prédio sofreu novas reformas, ganhando o seu terceiro pavimento, voltado para o mar. Além de sede do governo e palco de audiências reais, o paço foi o centro dos eventos relacionados à aclamação do então príncipe regente D. João como D. João VI, Rei de Portugal, Brasil e Algarves e, ainda, à recepção de D. Leopoldina da Áustria para o seu casamento com o herdeiro da Coroa portuguesa, o então príncipe D. Pedro.

 

Uma das entradas laterais do Paço.

Uma das entradas laterais do Paço.

 

Além disto, o Paço esteve vinculado a diversos momentos relevantes à história do Brasil e do Império português. Após a partida de D. João VI do Brasil, foi no Paço que aconteceram as articulações políticas entorno do príncipe D. Pedro e o Dia do Fico, que precederam à Independência do Brasil.

 

Pátio Interno do Paço.

Pátio Interno do Paço.

 

Com a separação do Brasil de Portugal, o Paço ganhou a designação de Imperial, que é a utilizada nos tempos atuais. Durante o Império, foi a partir do Paço que os imperadores administraram o Brasil. O prédio também foi palco dos festejos envolvendo as respectivas coroações de D. Pedro I, em 1822, e de D. Pedro II, em 1840. Em 1888, a Lei Áurea, que pos fim à escravidão no Brasil, foi assinada pela princesa Isabel de Orleans e Bragança no Paço Imperial.

 

Chafariz D. Maria I e o Paço Imperial ao fundo.

Chafariz D. Maria I e o Paço Imperial ao fundo.

 

Uma vez proclamada a República, em 15 de novembro de 1889, D. Pedro II e sua família abandonaram o prédio e partiram para o exílio na França. O local que era o centro de decisões da época da monarquia passou a ser sede dos Correios e Telégrafos, sofrendo uma série de intervenções para abrigar a repartição. É válido compreender que a República não queria vincular os seus pontos de poder com os antigos lugares monárquicos. Assim, o Paço foi rejeitado para ser a sede de ministérios e diversos palácios de antigos titulares do Império foram comprados pelo novo governo republicano para os seus ministérios.

 

Chafariz D. Maria I e o prédio da Bolsa de Valores do Rio. À direita, escada rolante que vai para o Mergulhão da Praça XV. Na foto, pode-se perceber claramente o quando a área foi aterrada.

Chafariz D. Maria I e o prédio da Bolsa de Valores do Rio. À direita, escada rolante que vai para o Mergulhão da Praça XV. Na foto, pode-se perceber claramente o quando a área foi aterrada.

 

No que tange às mudanças de nomenclaturas em função do regime político, é importante saber que o espaço onde o prédio situa-se é, desde 1890, designado Praça XV de Novembro, data que refere-se à Proclamação da República. Assim, o antigo centro da monarquia ganhava o nome da data comemorativa ao estabelecimento do regime republicano no país. A atual Praça XV já foi chamada de Largo do Carmo, Campo do Carmo, Terreiro da Polé e várzea da Senhora do Ó.

 

Paço Imperial visto a partir da Praça XV. À esquerda, Palácio Tiradentes, onde funcionou o parlamento brasileiro e, atualmente, o legislativo fluminense.

Paço Imperial visto a partir da Praça XV. À esquerda, Palácio Tiradentes, onde funcionou o parlamento brasileiro e, atualmente, o legislativo fluminense.

 

Quase 50 anos depois, mais especificamente em 1937, durante o governo de Getúlio Vargas, é criada a Secretária do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), atual Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). No ano seguinte, em 1938, o atual Paço Imperial foi tombado.

 

Parte frontal do Paço.

Parte frontal do Paço.

 

Uma outra data importante para o Paço foi o ano de 1982, quando iniciaram-se as obras para a sua restauração, que retomaram o seu aspecto externo ao da época do Reino Unido português. Em 1985, o Paço tornou-se um centro cultural ligado ao IPHAN e à Secretaria de Patrimônio, Museus e Artes Plásticas, Ministério da Cultura. Também foi na década de 1980 que o prédio voltou a receber a sua designação da época da monarquia: Paço Imperial. Em 1991, foi criada a Associação dos Amigos do Paço Imperial.

 

Lateral direita do Paço, rua da Assembléia e, ao fundo, a rua 1º de Março.

Lateral direita do Paço, rua da Assembléia e, ao fundo, a rua 1º de Março.

 

Atualmente, 22 anos depois da criação do centro cultural, o Paço mantém esta função, abrigando exposições de arte contemporânea, concertos musicais, peças de teatro, seminários, conferências, cinema e biblioteca. Neste período, o Paço recebeu quase 2 milhões de visitantes.

 

Lateral do Paço Imperial à noite. Ao fundo, a Praça XV de Novembro.

Lateral do Paço Imperial à noite. Ao fundo, a Praça XV de Novembro.

 

Assim, o Paço Imperial é um ponto extremamente importante para a cultura e a história do Rio de Janeiro, bem como para a do Brasil e a de Portugal, rememorado, também, o periodo em que D. João VI, Rei de Portugal, Brasil e Algarves estava instalado na cidade. Além disto, o Paço Imperial compõe uma região da cidade do Rio com uma série de outros edifícios relevantes, como o Palácio Tiradentes, o Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), a Casa França-Brasil, dentre outros. No entanto, estes sítios são uma outra história.

 

Endereço: Praça XV de Novembro, 48, Centro, Rio de Janeiro – RJ.
Cep: 20010-010
Tel: +55 21 2533-4491 /2533-7762/ Fax: 2533 4359

Funcionamento: Terça a Domingo, das 12h às 18h.
Entrada Franca.

 

Sítios consultados

http://www.arquimuseus.fau.ufrj.br/

http://www.iphan.gov.br

http://www.pacoimperial.com.br/

 

 

Bibliografia

 

BICALHO, Maria Fernanda. A cidade e o Império: O Rio de Janeiro no século XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

 

CAVALCANTI, Nireu. O Rio de Janeiro setecentista: A vida e a construção da cidade da invasão francesa até a chegada da corte. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004.

 

FERREIRA, Fábio. As incursões franco-espanholas ao território português: 1801-1810. In: Revista Tema Livre, ed.05, 23 abril 2003. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

 

ROBBA, Fábio; MACEDO, Silvio Soares. Praças Brasileiras. São Paulo: Edusp / Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2003.

 

SANTOS, Afonso Carlos Marques dos. Entre o mar e a montanha: a herança colonial portuguesa projetada para o Rio atual. In: LESSA, Carlos (org.) Os Lusíadas na aventura do Rio Moderno. Rio de Janeiro: Record, 2002.

 

SANTOS, Paulo F. Formação de Cidades no Brasil Colonial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2001.

Moeda e Crédito no Brasil: breves reflexões sobre o primeiro Banco do Brasil (1808-1829)

Artigo dos Profs. Drs. Elisa Müller e Fernando Carlos Cerqueira Lima (Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro – Brasil)

Resumo: O artigo analisa a trajetória do primeiro Banco do Brasil (1808-1829) a partir de fontes primárias e secundárias com o objetivo de mostrar o impacto da organização do Banco, tanto no que diz respeito à composição do meio circulante nacional quanto à clássica função de prestamista. A título de conclusão são discutidas as razões que levaram ao encerramento das atividades do Banco do Brasil e apresentados os principais argumentos econômicos pró e a favor desta liquidação.

O início das operações do primeiro Banco do Brasil, em 1809, pode ser considerado um marco fundamental na história monetária do Brasil e de Portugal, tanto por ter sido a primeira instituição bancária portuguesa quanto pelo fato de representar uma significativa mudança no meio circulante do Brasil através da emissão de notas bancárias. Até então, as funções de meio de troca e de pagamentos haviam sido cumpridas exclusivamente por moedas mercadorias – a exemplo do açúcar e do algodão – e por moedas metálicas originárias de Portugal e de outras partes do mundo, ou cunhadas na Colônia. A cunhagem de moedas na Colônia disseminou-se através da instalação, em Salvador, na Bahia, da Casa da Moeda em fins do século XVII. No entanto, é interessante observar que a prática de cunhagem no interior da Colônia não eliminou, no Brasil, as trocas realizadas por intermédio de moedas estrangeiras. No extremo norte , por exemplo, continuavam sendo usadas no comercio moedas mexicanas e peruanas e no extremo sul, na área onde atualmente se localiza o atual estado do Rio Grande do Sul, circulavam indistintamente moedas brasileiras e dos países vizinhos1. Pode-se dizer que a flexibilidade foi um traço característico do meio circulante brasileiro no período colonial , uma vez que em um mercado interno ainda em formação, instrumentos de troca alternativos substituiram as tradicionais moedas metálicas. A escassez de moedas metálicas na Colônia pode ser creditada à cobrança de impostos, ao esgotamento das minas brasileiras e aos constantes déficts da balança comercial. Além disso grande parte das moedas cunhadas no Brasil e em Portugal era desviada para a Inglaterra "onde dobrões portugueses circulavam como moeda nacional2.

Segundo Melo Franco na ocasião em que o Banco do Brasil foi criado calcula-se que a soma dos valores das moedas em circulação atingia 10 mil contos de réis – dois terços dos quais eram de ouro. Esses números contrastam com o volume de moedas cunhadas na Casa da Moeda do Rio de Janeiro, no período de 1703 a 1809, que atingiu o valor total aproximado de 200 mil contos de réis3.

É praticamente consensual entre os historiadores a opinião de que o interesse do governo Português em criar o Banco do Brasil deveu-se a impossibilidade de financiar os gastos públicos – elevados quando da transferência da Corte para o Rio de Janeiro em janeiro de 1808 – através apenas da cobrança de tributos. A transformação do Rio de Janeiro em sede do Reino Português, a abertura dos portos às nações amigas e o fim das restrições impostas às manufaturas brasileiras aumentaram ainda mais a demanda por moeda a qual era incapaz de ser suprida a partir do estoque preexistente, já que a sua oferta era sabidamente muito pouco elástica. Restavam ao governo português duas alternativas para aumentar a liquidez do sistema e financiar os gastos. Uma seria promover um "levantamento" do valor de face da moeda; tal artifício freqüentemente utilizado nos séculos XVI e XVII possibilitaria um aumento nominal do estoque de moeda, mas seu custo político era elevado já que, na prática, esta medida depreciava o poder de compra da moeda4.

Outra alternativa, menos problemática, seria a emissão de moeda papel ( ou papel-moeda) através da criação de um banco emissor capaz de atender as necessidades de gastos do governo. Segundo Pelaez e Suzigan5 esta solução teria sido apresentada por D.Rodrigo de Souza Coutinho a D.João VI durante a viagem da Corte Portuguesa da Europa para o Brasil. Como é sabido a recomendação feita por D. Rodrigo de Souza Coutinho não era nova, pois segundo Peres6, desde o século XVII eram feitas sugestões aos reis portugueses para que criassem instituições bancárias no país7.

A proposta mais antiga ,segundo o autor, consta na obra do mercador português Duarte Gomes Solis intitulada " Discursos sobre los comércios de las Índias", publicada em 1622. Uma outra recomendação ao Rei de Portugal para estabelecer bancos está documentada nas "Razões apontadas a El-Rei D.João IV a favor dos cristãos-novos, para se lhes haver de perdoar a confiscação de seus bens que entrassem no comercio deste reino " escrita, em 1646, pelo padre Antonio Vieira8. A principal razão para o insucesso dessas propostas talvez decorra da opção do governo português de atribuir às Companhias de Comércio algumas funções normalmente desempenhadas por bancos. A resistência do Estado português em relação à organização de instituições bancárias persistiu até o início do século XIX. Antes dessa data até mesmo a proposta de organizar o Banco Nacional Brigantino apresentada , em 1797, por D.Rodrigo de Souza Coutinho, na época ministro da Marinha, foi recusada pelo rei de Portugal9. Ao que parece, o projeto de criação do Banco Nacional Brigantino -destinado também a sanear o meio circulante e a prover o Estado de recursos extra-fiscais- se aproxima , em muito, do Banco do Brasil, instituído por D. João VI através da assinatura do Álvara de 12 de Outubro de 1808.

As marchas e contramarchas em relação a organização de bancos em Portugal sugerem que naquele país e em suas colônias as atividades bancárias eram desempenhadas por prestamistas individuais, comerciantes e outros agentes que atendiam ,fundamentalmente, às necessidades de fornecimento de crédito à iniciativa privada. Ao que parece, antes da chegada da família Real ao Brasil os gastos públicos ainda não justificavam a criação de um banco emissor. Nesse aspecto a política de financiamento dos gastos públicos portugueses parece ter sido mais ortodoxa do que a de outros países, que a exemplo da Inglaterra e dos EUA , não hesitaram em recorrer à emissão de papel-moeda quando necessitavam de recursos para financiarem, por exemplo, as guerras. No caso de Portugal, o Alvará de outubro de 1808, deixava claro que a organização de um banco emissor justificava-se pela necessidade de financiar as altas despesas governamentais. Como afirma Melo Franco (1948), o interesse de Portugal em um banco estatal se explicava muito mais por uma necessidade financeira do que econômica. Daí o fato de ter sido concebido como um banco emissor, vinculado à Coroa.

O Banco do Brasil, previsto para funcionar como uma sociedade acionária , foi autorizado a atuar por um prazo de vinte anos, findos os quais poderia ser dissolvido ou permanecer em operação, de acordo com a autorização do rei10. Com fundo de capital de mil e duzentos contos de réis, divididos em mil e duzentas ações de um conto de réis cada uma, o Banco poderia entrar em funcionamento assim que fossem vendidas as primeiras cem ações. As principais operações do Banco definidas em seus estatutos eram: descontar letras de cambio, ser depositário de prata, ouro, diamante, ou dinheiro; emitir letras ou bilhetes pagáveis ao portador à vista e ter o monopólio na comissão da venda de diamantes, pau-brasil, marfim e urzella11.

Do ponto de vista da administração, o estatuto previu a formação de uma Assembléia Geral composta dos quarenta maiores acionistas os quais deveriam ser portugueses. A indicação da primeira diretoria do Banco ficaria a cargo do Príncipe Regente e as demais seriam nomeadas pela Assembléia geral e confirmadas por Diploma Régio.

Em uma economia escravista-exportadora, não era fácil vender as ações do Banco do Brasil. Além da desconfiança do público, os capitais eram aplicados preferencialmente nos negócios ligados à agricultura de exportação. Apesar do empenho da Coroa, foram necessários 14 meses para que fossem subscritas as 100 ações (capital mínimo) para início das atividades do Banco, o que só ocorreu em dezembro de 180912. A venda de ações do Banco do Brasil permitiu a alguns moradores do Rio de Janeiro uma rápida ascensão social. Em troca da compra de ações, a Coroa distribuía Comendas da Ordem de Cristo, títulos do Conselho de Fidalgos da Casa Real e nomeações para cargos de deputado da Real Junta do Comércio13.

Têm sido aventados dois fatores para explicar as dificuldades iniciais para a subscrição das ações do Banco do Brasil. O primeiro apoia-se no argumento de que a moeda metálica era escassa. Nesse sentido, a iliquidez das formas correntes de riqueza explicitadas nos testamentos – terras e escravos – impediria aos possíveis interessados subscreverem as ações do Banco.

A outra explicação aponta para o desinteresse dos grandes comerciantes portugueses em aderir a este novo empreendimento. Antes de mais nada. Seria preciso considerar o fato de que o Banco era um negócio desconhecido, enquanto as atividades ligadas ao grande comercio transatlântico eram extremamente atraentes pela sua rentabilidade, embora esta por vezes se mostrasse arriscada. Outro ponto a considerar é a hipótese de a ausência de numerário dentre os bens arrolados em testamentos espelhar o temor em relação a um possível confisco pelas autoridades, o que aconteceria caso a riqueza estivesse sob a forma monetária. Esta tese seria reforçada pelo fato de que, tão logo foi suspensa a proibição de abertura de empresas foram criadas quatro companhias de seguro, das quais eram acionistas alguns dos maiores comerciantes do Rio de Janeiro e que cujo capital integralizado atingiu, em 1815, a soma de 2.000 contos de réis 14, enquanto que, naquele mesmo ano, o capital do Banco do Brasil atingia apenas 581 contos de réis15

O Banco abriu suas portas em uma casa localizada na Rua Direita. Em 1815 ganhou uma nova sede ocupando a casa onde funcionara o Erário Real e que, segundo Pizarro, era então a terceira construção mais importante do Rio de Janeiro da época16. Desde que entrou em operação o Banco do Brasil cumpriu a função estatutária de emitir bilhetes ao portador. De 1810 a 1828 foram emitidos um total de 28.866.450$000 réis, sendo que destes entraram em circulação, no Rio de Janeiro, notas do Banco em um total de 26.232.450$ réis. Em outras palavras, cerca de 90% da moeda-papel emitida pelo Banco do Brasil foi destinada à praça do Rio de Janeiro17.

Em 1813 começaram a ser atenuadas as dificuldades de venda das ações, graças ao aumento dos dividendos das ações e às vantagens oferecidas aos acionistas mencionadas acima. Em 1816 o Banco do Brasil tornou-se lucrativo para seus acionistas, ainda que se possa questionar a origem desse lucro. Suas ações renderam, entre 1815 e 1827, aproximadamente 14,4% ao ano, onerando o erário e forçando a Coroa a recorrer a novas emissões18. Ser acionista do Banco do Brasil havia se tornado, portanto, se uma opção de investimento atraente, com boas perspectivas de rentabilidade, além de contribuir para diversificar a carteira de aplicações. Em resumo, pode-se dizer que as razões que levaram ao aumento da subscrição das ações do Banco do Brasil foram econômicas – a compra de ações era um bom investimento – e culturais – tornar-se acionista do Banco do Brasil agradava ao Imperador e era um meio eficaz de ascensão à nobreza.

Entre 1814 e 1820, as emissões de moeda papel elevaram-se fortemente, a um tempo que não houve resgates. Nesse período, os bilhetes em circulação aumentaram de 1.042 mil para 8.070 mil contos, sendo que, em 1820, os depósitos metálicos somavam apenas 1.315 contos19. Em 1821 o balanço das operações do Banco do Brasil revelou seu estado de quase falência, e um saldo devedor de 6.016 contos de réis20. A situação foi agravada quando, ao voltar para Portugal, D. João VI retirou jóias e metais preciosos dos cofres do estabelecimento. Já sem lastro, o Banco prosseguiu ao longo dos anos de 1820 a política de emissões subordinadas às exigências impostas pelo financiamento dos gastos públicos.

Em maio de 1826 com a abertura de 1829, com a reabertura do Parlamento, teve início o debate sobre a atuação do Banco do Brasil. Dois tipos de problemas eram apresentados pelos opositores de D. Pedro I, confundidos com opositores do Banco: o volume excessivo de emissões e os desmandos dos diretores, acusados, muitas vezes não sem razão, de todo o tipo de prevaricação.

O primeiro problema decorria do fato de que havia se desenvolvido um consenso de que tanto o desaparecimento de circulação das moedas metálicas (Lei de Gresham)21 como as constantes desvalorizações cambiais que então se registravam eram causadas pelas emissões de papel-moeda, ou pelo menos pelo "excesso" de emissões22. Em uma economia extremamente dependente de importações, qualquer desvalorização era sentida como sendo inflação.

Tal problema poderia ser equacionado sem necessariamente implicar na dissolução do Banco e, de fato, foram proibidas novas emissões a partir de 1828. Além disso, já havia promessas de resgate gradual das notas em circulação, estando em discussão apenas as formas adequadas de financiamento – como os aumentos de impostos, vendas de propriedades públicas e eclesiásticas, etc23.

Por sua vez, a questão das atitudes irregulares adotadas pelos diretores do Banco do Brasil, e cujos detalhes eram revelados à opinião pública, foi agravada pelo fato de o Banco haver pago, em 1828, dividendos recordes equivalentes a quase 20% do seu capital.

Melo Franco24 lista os principais argumentos apresentados pela direção do Banco do Brasil para se defender da acusação de emitir indevidamente: em primeiro lugar, o aumento das notas em circulação não seria a causa da queda da taxa de câmbio, o que aliás continuava a ocorrer em 1829 apesar dos recolhimentos já efetuados; argumentavam ainda os dirigentes do Banco que os empréstimos ao governo eram feitos por exigência deste e que também o Parlamento era responsável pelo financiamento dos déficits governamentais; e, finalmente, que o Banco do Brasil havia desempenhado um papel de relevo na causa da Independência, principalmente no Recife e no sul do País25.

Não obstante, a oposição à renovação da licença para o funcionamento do Banco continuou a crescer no Parlamento e, em 23 de setembro de 1829 foi decidido que sua extinção se daria em 11 de dezembro daquele ano, quando a instituição completaria 20 anos de existência26.

As notas do Banco foram sendo posteriormente substituídas por cédulas inconversíveis emitidas pelo Tesouro. No início da década de 1830, o saldo de meios de pagamento em circulação atingia cerca de 40 mil contos, dos quais aproximadamente 20 mil eram notas, l8 mil eram moedas de cobre (bilhões)27, portanto, o total de moeda metálica de ouro e de prata não chegava a 2 mil contos28. Se esses dados e os referentes aos do início do século mencionados anteriormente estiverem corretos, a oferta de moeda teria aumentado, portanto, quatro vezes, tendo sido modificada radicalmente sua composição, antes predominantemente metálica. Infelizmente não foi possível obter informações relativas à inflação naquele período, apenas indicativos de que havia um clima inflacionário, certamente motivado pela depreciação da taxa de câmbio, que se acentuou na década de 1820.

Por fim, é importante notar que o fechamento do Banco do Brasil não implicou em qualquer abalo na estrutura de crédito direcionado ao setor privado, que permaneceu todo o tempo inalterada em relação ao período anterior ao aparecimento do Banco. Como já foi visto, era reduzida a atividade do Banco no desconto de letras privadas. Esta poderia ser apontada, inclusive, como uma das razões para o fato de o Banco do Brasil Ter tido, por ocasião da discussão sobre o seu eventual destino, pouco apoio político e uma mídia francamente desfavorável.

Notas

1 – Ver LEVY, Maria Bárbara, ANDRADE, Ana Maria Ribeiro de (1985).Fundamentos do Sistema Bancário no Brasil: 1834-1860. São Paulo, Estudos Econômicos, 15(número especial):18

2 – ver AGUIAR, Pinto de (1960). Bancos no Brasil Colonial. Salvador. Livraria Progresso. P13.

3 – MELO FRANCO, Afonso Arinos (1948).História do Banco do Brasil( Primeira Fase 1808-1835). São Paulo: Instituto de Economia da Associação Comercial. p 9.

4 – Para maiores informações sobre tal prática ver LEVY, Maria Bárbara (1983). Elementos para o Estudo da Circulação da Moeda na Economia Colonial. São Paulo. Estudos Econômicos 13(Especial): 825-840

5 – PELÁEZ, Carlos Manuel e SUZIGAN, Wilson. (1981). História Monetária do Brasil. Brasília : Editora da UNB. Cap. 1

6 – PERES, Damião Antonio(1971) História do Banco de Portugal 1821-1846 volume 1. Lisboa. Editora do Banco Português. P.33

7 – Alguns desses projetos pioneiros de constituição de instituições bancárias em Portugal podem ser encontrados no Arquivo Histórico do Banco de Portugal, em Lisboa.

8 – idem

9 – COUTINHO, D.Rodrigo de Souza Textos Políticos, Econômicos e Financeiro (1783-1811) Lisboa: Banco de Portugal, 1993, Tomo II, pp 110-119 apud CARDOSO, José Luis. Novos Elementos para a História Bancária de Portugal Projectos de Banco, 1801-1803. Cadernos de História Econômica.n 6. Lisboa: Banco de Portugal

10 – Estatutos do Banco do Brasil de 1808, parágrafo 2

11 – Até as comissões decorrentes do monopólio da venda de diamantes, pau-brasil, e urzela eram arrematadas pelo Real Erário. Ver MELLO, Franco, op.cit.32

12 – SOUZA, Inglês de (1924). A Anarchia monetárias e suas conseqüências. São Paulo. Monteiro Lobato Editoresp.39

13 – MARTINHO, Lenira Menezes & GORENSTEIN, Riva (1992). Negociantes e caixeiros na sociedade da independência. Rio de Janeiro: Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. Coleção Biblioteca Carioca. Volume 24p.148

14 – Ver CALDEIRA, Jorge (1999) A Nação Mercantilista – Ensaio sobre o Brasil. São Paulo: Editora 34 p.339

15 – Ver CALÓGERAS, Pandiá (1960). A Política Monetária do Brasil São Paulo : Companhia Editora Nacional. P. 37

16 – PIZARRO, José de Souza Azevedo. Memórias Históricas do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. Instituto Nacional do Livro. 1945

17 – FRANCO, Bernardo de Souza(1984). Os Bancos do Brasil. Brasília: UNB.p.17

18 – idem: 44

19 – ANDRADA, Antonio Carlos Ribeiro de (1923). Bancos de emissão no Brasil. Rio de Janeiro :Livraria Leite Ribeiro. p.11

20 – PELÁEZ, Carlos Manuel e SUZIGAN, Wilson (1981). História Monetária do Brasil. Brasília : Editora da UNB. p.12

21 – As moedas de ouro e de prata não circulavam mais no Rio de Janeiro no final da década de 1810. A idéia de que a moeda má expulsa a moeda boa" já era amplamente divulgada no Brasil. Tal fenômeno não aconteceu só no Rio de Janeiro. Ao estudar a história monetária americana, Galbraith mostra que o fumo e o papel- moeda emitido por diversas colônias substituíram as moedas metálicas. VER GALBRAITH, J.K.(1977) A moeda de onde veio para onde foi . São Paulo. Editora Pioneira. Capítulo 5

22 – Ver ANDRADA, Antônio C. Ribeiro (1923). Bancos de Emissão no Brasil. Rio de Janeiro. Livraria Leite Ribeiro. Mais recentemente, tem sido contestada essa relação entre emissão de papel-moeda e taxa de câmbio no Brasil naquele período, com os déficits na balança comercial sendo apontados como o principal fator responsável pelas desvalorizações cambiais. Ver a respeito SOUTO, L.R. Vieira ( 1925). O Papel-Moeda e o Câmbio. Paris: Imprimeire de Vaugirard. E LEVY, Maria Bárbara e Andrade, Ana Maria Ribeiro de (1980). A Gestão Monetária na Formação do Estado Nacional. Revista Brasileira de Mercado de Capitais. Volume 6

23 – Eventualmente nenhuma dessas propostas foi aprovada, e as notas do Banco do Brasil acabaram por ser resgatadas pela emissão de notas do Tesouro inconversíveis.

24 – MELO FRANCO, op.cit:259

25 – Diversos autores que, posteriormente, criticaram a decisão de fechar o primeiro Banco do Brasil – "o mais grave erro financeiro do Primeiro Reinado" no entender de CALÓGERAS, 1960, – apresentam um dado revelador, extraído dos trabalhos da Comissão nomeada pela Câmara para proceder à liquidação do Banco: o valor de notas em circulação (19.017 contos) não era significativamente superior ao da dívida do Tesouro para com o Banco (18.301 contos)

26 – Vale realçar o caráter político deste ataque ao Banco do Brasil, na época aguçado particularmente pela repulsa popular à guerra na Província Cisplatina que vinha sendo pelo menos em parte financiada pelas emissões do Banco.

27 – A partir de 1827, o Tesouro passou a emitir notas. Parte dessas emissões tinha o propósito de resgatar moedas de cobre. Por essa razão, o total de papel-moeda emitido alcançou cerca de 35 mil contos em 1835.

28 – Ver ORTIGÃO, Ramalho (1916). "A Circulação " Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Tomo Especial. Parte IV.

Prof. Dr. João Paulo Pimenta (USP)

Entrevista com o historiador João Paulo Pimenta

 

Professor da USP e doutor por esta mesma instituição, João Paulo Pimenta tem realizado, ao longo de sua trajetória acadêmica, pesquisas e publicações envolvendo o Brasil e a América Espanhola no século XIX. Deste modo, a Revista Tema Livre apresenta ao seu público a entrevista realizada, por e-mail, com o historiador da USP, onde são tratados assuntos concernentes às independências latino-americanas e à formação do Estado Nacional na América Latina. Igualmente, na entrevista, são abordadas questões concernentes à historiografia do Brasil, da Argentina e do Uruguai, assim como ao ocaso dos Impérios Ibéricos no Prata e à província Cisplatina.

Revista Tema Livre – Primeiramente, o Sr. trabalhou, tanto no seu mestrado, quanto no seu doutorado, com questões envolvendo o Brasil e a América Espanhola no primeiro quarto do século XIX. Deste modo, perguntamos-lhe como surgiu este interesse?

João Paulo Pimenta – Por um lado, esse interesse surgiu da constatação de que as diferentes historiografias a respeito da independência e da formação do Estado nacional brasileiro sempre tocaram, "de raspão", no tema dos impactos causados pela política hispano-americana naqueles dois movimentos, sem que isso conduzisse a análises pormenorizadas. Claro que, até hoje, nenhum historiador pôde negar que, nas primeiras décadas do século XIX, as trajetórias históricas da América portuguesa e da América espanhola se cruzaram, e alguns esboços de quando, onde, como e porquê isso se deu chegaram a ser feitos. Sendo esse um topos obrigatório da realidade geral que eu pretendia estudar, pareceu-me que o seu aprofundamento analítico indicava para uma importante demanda de pesquisa, e fornecia um excelente pretexto para a problematização de temas muito relevantes.

Por outro lado, não há como negar que vivemos, nesta primeira década de século XXI, um momento ainda propício a inquietações intelectuais que, conscientemente ou não, contribuam para um arrefecimento das fronteiras nacionais, inclusive no plano da investigação histórica especializada. Avaliando retrospectivamente o que tenho feito, reconheço que minha obra expressa bem uma tendência a problematizar a história contra a circunscrição nacional de temas, a diálogos críticos com variadas tradições intelectuais nacionais, e ao tratamento de fontes primárias de diferentes procedências espaciais. Creio que de tais investigações resulta, no entanto, mais do que uma necessária crítica a distorções nacionalistas ou nacionalizantes impostas à História, simplesmente uma história "em seus devidos lugares"; isto é, um olhar global e totalizador sobre os processos de independência da América ibérica e a presença, neles, da questão das identidades coletivas. O que não deixa de ser uma forma de olhar típica da realidade atual.

RTL – Além disto, o Sr. pode nos contar, sucintamente, sobre a influência dos processos de independência e de formação dos Estados Nacionais da América Espanhola no Brasil?

Pimenta – Se minhas investigações partiram justamente da constatação de um consenso historiográfico em torno do reconhecimento de que houve impactos nada desprezíveis de uma realidade sobre a outra, até o momento elas conduziram a duas conclusões gerais diretamente derivadas dessa constatação, e articuladas entre si: em primeiro lugar, a historiografia não estava errada ao destacar tais impactos, pois de fato um espectro significativo de determinações provenientes da política hispano-americana a partir da crise de 1808 foi sendo absorvido no mundo luso-americano (nesse ponto, minhas pesquisas não se voltam contra a tradição; pelo contrário, dão continuidade a ela); em segundo lugar – e aí sim ao revés do que afirmava a maioria esmagadora das obras que tocaram na questão – esse espectro não é redutível aos exemplos "negativos", pelos quais a América espanhola "ensinou" a América portuguesa a evitar fenômenos que aquela começou a conhecer antes que esta, e que nos termos da época podiam ser referidos como "exemplos sangrentos" de "desordem", "destruição", "anarquia", "guerra civil", etc. Também houve, sobretudo nos anos que imediatamente envolvem a independência do Brasil, exemplos "positivos", pelos quais a América espanhola pôde se converter em exemplo benéfico de viabilização de um mundo sem metrópoles.

Trata-se, desse modo, de fenômeno complexo e multifacetado. Essa complexidade, por fim, só pode ser devidamente compreendida quando relacionada a elementos de política externa dos governos americanos e europeus da época, a rotas comerciais, a fluxos humanos e de livros, jornais, informações, boatos e idéias. O resultado dessa dinâmica interação entre Brasil e América espanhola no começo do século XIX – e que não se limita, obviamente, ao desfecho da crise dos impérios ibéricos, mas diz respeito ao movimento em si – chamei de "experiência hispano-americana", reelaborando uma categoria analítica bem construída por Reinhardt Koselleck.

RTL – E qual foi a repercussão da Independência do Brasil na América Espanhola?

Pimenta – Eis uma questão fundamental, cuja resposta satisfatória ainda nos escapa quase que totalmente. Em minha dissertação de mestrado, finalizada em 1997 e posteriormente publicada em livro, levantei alguns elementos em torno dos conflitos políticos e identitários posicionados na intersecção da bem-sucedida construção de um Brasil monárquico com as fracassadas tentativas de construção de um governo central em Buenos Aires e que agregasse a maioria dos territórios do antigo Vice-Reino do Rio da Prata; mas foram apenas alguns elementos, já que esta não era a questão central daquele trabalho. Mais recentemente, escrevi alguma coisa e comecei a orientar trabalhos de estudantes de graduação e pós-graduação voltados diretamente a espaços como a Venezuela, o México e o Peru, além, claro, do mesmo Rio da Prata, onde sem sombra de dúvida a política luso-americana exerceu maior impacto do que em qualquer outra parte. Se da análise de uma "experiência luso-americana" resultou uma contribuição historiográfica satisfatória, as muitas "experiências luso-americanas" presentes no mundo hispânico ainda aguardam o empenho dos historiadores. Mas não tenho dúvida que tais "experiências" existiram e foram significativas.

RTL – Especificamente sobre o espaço platino, que o Sr. trabalhou em seu livro "Estado e nação no fim dos impérios ibéricos no Prata (1808-1828)", fale-nos, resumidamente, sobre o ocaso desses impérios nesta região da América.

Pimenta – Ele só pode ser compreendido de modo abrangente e total; portanto, avaliando-se e integrando-se os resultados da pesquisa especializada voltada para cada um dos espaços específicos que à época compunham as unidades políticas, econômicas, sociais e culturais em contato. Não se trata, apenas, de Brasil e Rio da Prata, mas também dos muitos "Brasis" e "Rios da Prata" existentes. E a região vulgarmente chamada de banda oriental representa, nessa direção, uma síntese de muitos vetores e determinações históricas. Essa é uma forma de analisar as coisas que vai muito além de noções tradicionais (mas nem por isso desprovidas de utilidade para outros estudos) como "fronteira", ou de métodos (por ventura igualmente válidos) de "comparações" ou "conexões". Trata-se, simplesmente, de respeitar a abrangência do fenômeno a ser estudado – a crise e dissolução dos impérios ibéricos na América.

O que, nas primeiras décadas do século XIX, integrava aqueles espaços em uma mesma unidade histórica? Longevos contatos fronteiriços, disputas territoriais, guerras, relações diplomáticas e complexos produtivos compartilhados; mas também – e aí me refiro especificamente à conjuntura inaugurada com as guerras napoleônicas na Europa – a possibilidade real de quebra da unidade dinástica em Portugal e Espanha, de desintegração dos seus respectivos domínios americanos, de inserção destes no novo desenho político-econômico mundial, de ampliação dos espaços de crítica política, da crescente complexidade dos próprios meios de atuação política, etc. Em suma: a partir de 1808 a unidade das Américas espanhola e portuguesa enfrentava uma mesma situação de fundo, ainda que para tanto mobilizassem esforços que, de parte a parte, encontrariam soluções diferenciadas e específicas. Talvez isso possa ser visto como a defesa de uma compreensão do contexto americano da época de modo menos fragmentado e isolado do que de costume, sem implicar, evidentemente, o abandono da investigação específica – apenas a sua re-significação de acordo com uma unidade histórica mais ampla.

RTL – Fale-nos também sobre o mito das origens nas historiografias do Brasil, da Argentina e do Uruguai, bem como a crítica a esta produção historiográfica.

Pimenta – Aprendemos, todos nós, a fazer História de acordo com premissas estabelecidas no século XIX, e segundo as quais os significados das realidades passadas só podem ser devidamente compreendidos como singulares, únicos, jamais repetíveis. Ora, no caso das historiografias ibero-americanas, tais premissas se conjugam com o advento das narrativas nacionais, que elevaram a nação à condição de sujeito máximo da história, devidamente destacado das demais ao seu redor. Muito embora muitas e profundas renovações historiográficas tenham sido observadas em diferentes países, inclusive com a crítica direta às presunções fundadoras atribuídas a determinados acontecimentos por representantes das historiografias nacionais, ainda carregamos muito fortemente as implicações decorrentes dos limites impostos por aquela concepção histórica. Sem que sejamos nacionalistas stritu sensu, a tendência é fazermos uma história de países, ou pelo menos hipertrofiada em temas que não costumam transcender as fronteiras nacionais da historiografia onde eles foram concebidos.

No que me toca mais diretamente, não pretendi fazer dessa crítica (ademais já realizada por grandes autores como Carlos Real de Azúa, José Carlos Chiaramonte e François-Xavier Guerra) o escopo principal de meu trabalho, apenas o seu pretexto inicial. Acredito que toda operação intelectual de desmanche de outras concepções modelares deve oferecer como alternativa algo equivalente, e que, nesse caso, envolve o empenho em olhar para além de um movimento de independência, ou de um tempo-espaço específico. Deve-se atribuir sentido ao que é (obviamente) específico por aquilo que ele possui de típico, em meio ao cenário americano mais amplo. Mas isso é muito difícil, já que tal empenho pressupõe justamente um bom domínio das historiografias nacionais que, de algum modo, tocaram na questão geral.

RTL – No que refere-se à Cisplatina, o Sr. pode nos falar sobre a produção periódica realizada em Montevidéu. Perguntamos-lhe, assim, sobre a influência e o peso político desses jornais, se eles podem ser considerados como brasileiros e, ainda, quem eram seus editores?

Pimenta – O pouco que sei a respeito dessa obliterada produção periódica publiquei em alguns pequenos artigos, e que são, no meu entender, muito mais um indicativo de uma demanda de pesquisa fundamental do que a resolução de um problema histórico que está apenas esboçado. O periodismo surge na banda oriental com as invasões inglesas de 1806 e 1807, adquire forte sentido político já com a formação da junta revolucionária de Buenos Aires em 1810 e doravante representa um mecanismo de luta política imprescindível para os muitos e diversificados agentes atuantes naquele cenário. Conforme afirmei acima, a região é uma síntese de muitos vetores e determinações históricas que aproximam as Américas espanhola e portuguesa, o que está sobejamente espelhado nessa produção impressa.

Mais especificamente, quando o grupo de Carlos Frederico Lecor cria a "província Cisplatina", em 1821, pretendendo mantê-la como uma parte do Reino do Brasil, é na imprensa periódica que ensaios políticos importantíssimos são feitos: periódicos são criados e fechados, editores subsidiados e perseguidos, e manifestações de descontentamento cada vez mais abertas em relação à própria política portuguesa encontram espaço de publicização, mostrando contradições do sistema. Trata-se, evidentemente, de uma imprensa portuguesa diretamente vinculada ao Brasil, mas isso não parece ter sido suficiente para valorizá-la historiograficamente enquanto tal; já na historiografia uruguaia, o período vulgarmente conhecido como de "dominación luso-brasileña" tampouco goza de grande prestígio entre os estudiosos. Se estou correto nesse diagnóstico, nos dois casos ainda percebemos efeitos nocivos da persistência de concepções estritamente nacionais da história das independências. Mas sou otimista em relação à reversão desse quadro, inclusive ao constatar um aumento significativo nos estudos brasileiros e uruguaios a respeito da banda oriental. A agenda continua aberta.

RTL – Por fim, abandonando o Prata e partindo para outras áreas da América Espanhola que fazem fronteira com o Brasil, o Sr. pode falar um pouco sobre as relações políticas e diplomáticas brasileiras com países como o Paraguai, a Bolívia e a Venezuela no período trabalhado em sua tese de doutorado?

Pimenta – As relações diplomáticas de fato entre esses países só serão organizadas algum tempo após suas respectivas independências, isto é ao longo das décadas de 1820 e 1830, o que vem também merecendo atenção de estudiosos, principalmente os voltados à história política das relações internacionais. No entanto, durante os anos anteriores, existiram várias formas de relacionamento entre autoridades políticas atuantes nessas regiões, e que infelizmente ainda nos são pouco conhecidas. Há que se pesquisar documentação de províncias fronteiriças, há que se entender os pontos de contato dos "brasis" não somente pela bem-conhecida fronteira do Rio Grande, mas também as de São Paulo, Mato Grosso, Rio Negro e Pará com o Alto Peru, o Peru, a Nova Granada, a Venezuela e o Caribe. Novamente, nessas lacunas nos vemos às voltas com mazelas das fronteiras historiográficas nacionais. Mas já estou ficando repetitivo: reafirmo que sou otimista em relação ao preenchimento dessas lacunas em um futuro próximo, pois cada vez mais historiadores de diferentes países, voltados às independências americanas, buscam a integração de suas pesquisas. Afinal, vivemos no século XXI…

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Secuestros y tráfico de esclavos en la frontera uruguaya: Estudio de casos posteriores a 1850

 

Artigo de Eduardo R. Palermo
Docente, Historiador. Mestre em História pela UPF – Passo Fundo, RS

Director del Centro de documentación histórica del Río de la Plata-Rivera- Uruguay

 

 

"Anteayer fue conducido a la cárcel de esta villa un pardo brasilero de nombre Sergio, peón contratado al estilo del Imperio, es decir para pagar su libertad, del estanciero Fermiano Cardozo. A propósito del contrato de ese peón, se nos viene a la mente la idea de cuando desaparecerá de nuestros protocolos internacionales ese infamante tratado que nos obliga a devolver los esclavos al Brasil, sino también admitir esos contratos en que aquellos infelices se obligan servir un largo número de años bajo el falso nombre de peones por un mísero salario que deben dejar en manos del señor para amortizar la cantidad en que se ha convenido la manumisión".1

Esta nota aparece publicada en un periódico de la villa de San Fructuoso de Tacuarembó, a escasos 100 kilómetros de la frontera uruguayo – brasilera en octubre de 1880. Por si sola derriba las afirmaciones en cuanto a la inexistencia de esclavos en territorio oriental con posterioridad a 1852. El caso es que en las zonas rurales y en menor grado en las villas y poblaciones cercanas a la frontera el fenómeno de la utilización de mano de obra servil, trabajadores esclavizados, continuaba existiendo en contraposición a las leyes uruguayas y a las afirmaciones de sus gobernantes.

Esto requiere algunas explicaciones previas. Los territorios fronterizos con Brasil estaban poblados mayoritariamente por propietarios de ese origen, desde 1821 en forma masiva, dada la práctica de repartos de tierras realizadas por el General Carlos Federico Lecor y seguida por Fructuoso Rivera durante los primeros años de la década de 1830. Durante la Revolución Farroupilha (1835-1845) muchos estancieros se refugiaron en los campos fronterizos uruguayos, adquiriendo nuevas estancias, trasladándose con sus ganados y esclavos.

En el período 1843-1851 todo el territorio uruguayo, excepto Montevideo, quedo bajo la dominación del Gobierno del Cerrito encabezado por Manuel Oribe, su política de prohibir la exportación de ganado en pie al Brasil (1848), el combate al contrabando de haciendas y la declaración efectiva de la abolición de la esclavitud en 1846, promovieron la reacción de muchos hacendados riograndenses sintiéndose afectados en sus intereses económicos, reclamando ante el gobierno Imperial acciones concretas.

Paralelamente desde 1846 se activó desde territorio riograndense la fuga de cautivos dada su consideración de libres en territorio oriental, no obstante, la mayoría de los trabajadores esclavizados "fujões" eran incorporados al ejército de línea y luego de un período de actuación, en principio de 5 años, se los consideraba libres.

Probablemente esas situaciones promovieron la intervención imperial en el Plata, conjuntamente con sus planes estratégicos de controlar el crecimiento del poder de Juan Manuel de Rosas y evitar una eventual guerra en gran escala. Su participación definió la victoria del Partido Colorado asediado en Montevideo desde 1843 y la posterior derrota de Rosas a manos de su antiguo aliado Urquiza. El enfrentamiento uruguayo culmina con la firma de los Tratados de 1851, impulsados en Río de Janeiro por el representante oriental Andrés Lamas. Los cinco tratados: Límites, Comercio y navegación, Alianza, Prestación de socorros y Extradición, representaron la conjunción de los intereses del Imperio con el de los estancieros riograndenses que desde 1850 reclamaban por las medidas adoptadas por Oribe.

Estos tratados acabaron creando las condiciones legales para que los hacendados riograndenses continuasen utilizando la región al norte del Río Negro como invernada de ganados destinados a los saladeros de Bagé, Pelotas y Jaguarao. Las excelentes pasturas y los precios accesibles de las tierras sumados a las garantías legales ahora respaldadas por el gobierno Imperial constituyeron un fuerte argumento para el retorno masivo de hacendados riograndenses. Las estancias en sus manos sumaban más de 1600 leguas cuadradas, es decir 4 millones de hectáreas, con una población estimada en 1 millón de bovinos.

El propio Lamas, creador de este afrentoso conjunto de tratados se lamentará de su creación reiteradas veces,

"los criadores riograndenses monopolizando el terreno sobre las líneas fronterizas monopolizan el ganado para alimentar los saladeros de su provincia, no solo por el hecho de la ocupación de la tierra, sino por los gastos, embarazos y trasbordos que con violación de los tratados se ha agobiado a los productos de los saladeros orientales. A estos establecimientos los han herido de muerte, los han arruinado, los extinguirán del todo si el presente estado de cosas no se modifica sustancialmente. Una extensa zona del territorio oriental fronterizo está convertida, exclusivamente, en criadero de ganado, de materia prima, para alimentar los saladeros riograndenses".2

Los números reflejan con claridad estas opiniones, en 1850-51 se exportaron 619 mil arrobas de charque, en 1851-52, 256 mil, en 1852-53 disminuyó a 231 mil y al año siguiente cayó aún más, 212 mil arrobas. La creciente industria saladeril oriental que unos años antes había crecido he incorporado tecnología estaba quebrada, condenada a muerte. En 1854-55 las exportaciones bajaron a 126 mil arrobas.3

En contrasentido las existencias de ganado de cría introducido desde RGS por propietarios brasileños a Uruguay superaba el medio millón de cabezas. Para el mismo período analizado, la exportación de charque de Río Grande se mantuvo en cifras muy importantes: 1851-1 millón 900 mil arrobas, en 1852 – 1 millón 493 mil arrobas, en 1853 – 1 millón 755 mil arrobas, en 1854 – 1 millón 400 mil arrobas.4 En otras palabras en 1851, mientras Río Grande exportaba 22 mil toneladas de charque, el Uruguay exportaba 7200 toneladas, en 1854 Río Grande exportaba 16 mil toneladas y nuestro país apenas 2400 toneladas. Este fue el efecto inmediato y devastador del tratado comercial.

Como corolario se firmó el Tratado de Extradición, el cuál esencialmente apuntaba a la recuperación de los esclavos refugiados en territorio oriental, lo cuál constituía una clara ilegalidad. Esto permitío la continuidad del fenómeno esclavista desde Río Grande hacia la región Norte especialmente, siendo una extensión de la producción ganadera y de la cría de ganados la reproducción de esclavos para luego ser vendidos en territorio brasileño, especialmente en Pelotas.

El bajo valor de las tierras, estimulo a los aventureros a convertirse en el Uruguay, en terratenientes por poco dinero. En estas tierras casi desiertas, se instalaron los nuevos propietarios con sus familias y sus esclavos. Los brasileños emigrados continuaban considerándose súbditos del Imperio e ignorando la legislación uruguaya, trasladando una esclavitud apenas disfrazada. En 1857, "estimava-se que os riograndenses possuíssem cerca de 30% do território oriental. Em meados do séc. XIX, o Uruguai estava convertido num imenso campo de engorda de gado para a indústria de charque brasileira. Convertido em invernada dos estancieiros riograndenses que necessitavam cada vez de mais terras, tendo em vista sua exploração extensiva, a fronteira norte da República Oriental, transformara-se em um apêndice econômico do Império." A tal punto llegó la situación que el Senador de São Paulo, Silva Ferraz, afirmará em 1859: "ao passar para o outro lado do Jaguarão senhores, o traje, o idioma, os costumes, as moedas, pesos e medidas, tudo, até a terra é brasileiro".5

Un censo de los propietarios brasileros en la frontera ordenado en 1850 por el gobierno imperial reveló la dimensión de la situación: frontera del Chuy, 35 hacendados con 342 leguas cuadradas, 154 propietarios en Cerro Largo y Treinta y Tres, en el distrito de Cerros Blancos 87 estancieros con 331 leguas, en Arapey grande y chico, cuchilla de Haedo y Cuareim 281 propietarios.6 La lista general de propietarios brasileros en la frontera revela la existencia de 1181 propietarios que sumaba 3403 leguas de campo, es decir 8 millones y medio de hectáreas pobladas que alimentaban los saladeros fronterizos. "En la hora actual, el Brasil, después de continuados y pacientes esfuerzos domina con sus súbditos, que son propietarios del suelo, casi todo el Norte de la República: en toda esa zona hasta el idioma nacional se ha perdido ya, puesto que es el portugués el que se habla con más generalidad." José Pedro Varela.7

El análisis de los datos estadísticos de 1880 en los departamentos de la frontera, Salto (incluye Artigas), Tacuarembó (incluye Rivera) y Cerro Largo (incluye Treinta y Tres) permiten afirmar que los propietarios extranjeros superan en número y valor de capitales a los nacionales. Dentro de ese sector los brasileños son los más numerosos con valores muy cercanos a los 26 millones de pesos. Adicionalmente en estos departamentos ocurre una alta concentración de los capitales norteños, ya que esa cifra representa el 70,15 % del total de los capitales brasileros en el país en ese año.

La frontera Norte, abrasilerada y comprometida por sinnúmeros de problemas entre los cuáles se destacan: la extranjerización de la tierra, el contrabando, la persistencia de formas semi serviles y aún serviles de trabajo, un alto índice de delincuencia y la permanente fricción entre las autoridades a resultas de los permanentes reclamos de los hacendados brasileros, dueños de la tierra, a lo que debemos sumar las profundas vinculaciones y alianzas políticas entre caudillos y partidos a ambos lados de la frontera, representaba uno de los principales obstáculos para crear la "unidad nacional" o más bien para consolidar el poder centralista del grupo agro exportador montevideano.

Este problema no puede ser situado en exclusiva en los propietarios brasileros, sino en la falta de poder real del Estado Oriental para hacer valer sus leyes y prerrogativas en su propio territorio.

LA PERMANENCIA DE FORMAS ESCLAVISTA

Andrés Lamas, promotor intelectual de los Tratados de 1851, en nota a Silva Paranhos, en Río de Janeiro, afirmaba en 1856 que los hacendados traen esclavos a territorio Oriental bajo contratos que a veces se extienden por 30 años, con ello convierten al esclavizado en colono y cuando conviene lo llevan al otro lado de la frontera, haciéndose costumbre que se los bautizara allí para que nazcan esclavos.

"Varios brasileros de los que ocupan la mejor parte del territorio oriental fronterizo han introducido notable número de personas de color para el servicio y manejo de sus establecimientos. Estas desgraciadas personas de color entran en la calidad ostensible de personas libres, ligadas al servicio del introductor por contratos de locación de servicios….En el momento en que por cualquier circunstancia le conviene al poseedor de la persona de color, le hace trasponer la frontera y transpuesta cae el mentiroso y audaz disfraz con que se ha burlado las leyes de la República y la desamparada víctima vuelve a asumir su pública condición de esclavos. Las infelices personas de color que se introducen en la República, a la sombra de fraudulentos contratos…no solo son tratados como esclavos…sino que sufren allí, en aquel territorio en que nadie puede ser esclavo, la última y peor desgracia de la esclavitud, la de que la madre se vea arrebatar el fruto de sus entrañas para que la marca del cautiverio destruya en el la condición de hombre…los hijos de las personas de color introducidas…son traídos al Río Grande y allí bautizados como nacidos de vientre esclavo. Muchas veces ni aun traídas son las míseras criaturas, las sustituyen por otras en las pilas bautismales o no las sustituyen siquiera y obtienen una falsa fé de bautismo.De esta manera en algunos establecimientos del Estado Oriental no solo existe de hecho la esclavitud sino que al lado del criadero de vacas se establece un pequeño criadero de esclavos".8

En las estancias ubicadas en los departamentos fronterizos, particularmente en Cerro Largo y en Tacuarembó donde predominaba el brasileño, la mano de obra podía considerarse esclava. Podía catalogarse de esclavitud encubierta bajo el genérico y amplio nombre de "contratos de trabajo" de 15 a 30 años de plazo.9

El cronista de un diario montevideano (1852) en viaje por los departamentos de la frontera comenta: "Entre varias cosas que han llamado mi atención me he fijado con especialidad en la desventaja en que se encuentran nuestros compatriotas dedicados a la cría de ganado, respecto de los hacendados Brasileros en la República. Mientras que uno de nuestros estancieros se ve obligado a pagar 10 o 12 pesos mensuales por el salario de un peón, los Brasileros tienen ese peón por el insignificante de 5 pesos; pues que traen sus negros contratados desde el Brasil, donde aprovechándose del ascendiente de amos, obligan a los infelices esclavos a celebrar un contrato en que carecen absolutamente de libertad".10

En los archivos de la curia en Tacuarembó ubicamos partidas de bautismo de 7 cautivos adultos procedentes de África, realizadas en 1850 y en agosto de 1852.11

La presencia de esclavizados aún figura en los bautismos de Tacuarembó en años posteriores y suponemos se extiende en el tiempo aunque la denominación de esclavo se sustituye por "moreno africano" o "negro", en 1866 encontramos el bautismo de Casimira, no dice que sus padres sean esclavizados, pero en el margen del acta el cura asentó, "Casimira, la esclava de Bálsamo".12

En el caso de la parroquia de San Eugenio del Cuareim (Artigas), predominan los bautismos y matrimonios de indígenas, prácticamente la palabra esclavo no se utiliza, en general se los denomina "negros", "morenos" o "africanos", luego "mulatos" o "pardos".

Interesa destacar que en 1860 se registra el matrimonio de José, 60 años, natural de la costa de África con Rita, afrodescendiente brasileña de 50 años, "ambos esclavos de Feliciano da Costa". Al margen el cura dispuso además "negros pobres". Este es uno de los pocos casos en que figura la palabra esclavo, los curas evidentemente no hacían uso de este término habida cuenta que legalmente desde 1846 no existía más la esclavitud, no obstante, cada tanto la fuerza de la costumbre permitía que emergiera la realidad.

Esa realidad social de la frontera contaba con el reconocimiento del parlamento, en la sesión del 26 de marzo de 1860, el diputado Vázquez Sagastume declaraba ilegales los contratos celebrados en el Brasil entre patrones y peones, sosteniendo: "informes que debo juzgar como muy exactos han hecho llenar a mi conocimiento, y es casi del dominio público, que la ciudadanía oriental se está extinguiendo en el Norte del Río Negro; que contra lo expreso de la Constitución de la República y lo establecido por la liberalidad de nuestras Leyes, la esclavatura es un hecho en algunas partes: que la mayor parte de los estableci-mientos de campo situados al Norte del Río Negro están servidos por brasileros; unos como esclavos, y otros esclavos con el nombre de peones, que vienen del Brasil por contratos que hacen registrar en alguna Oficina Pública. En esa localidad tan importante de la República, puede decirse que ya no hay Estado Oriental: los usos, costumbres, el idioma, el modo de ser, todo es brasilero: puede decirse, como continuación del Río Grande del Sud".13

En 1872 el Jefe Político de Tacuarembó recuerda a los comisarios de las diversas seccionales que "se prohíbe la entrega de esclavos fugados del Brasil" razón para creer que está era una práctica que se continuaba en el tiempo, y luego aconseja: "para evitar la costumbre inmoral de llevar negros libres de este Estado a esclavizarlos en el Brasil, se ordena a los comisarios de frontera apersonarse a los transeúntes que vayan acompañados de tales negros a fin de averiguar si lo hacen de libre y espontánea voluntad"14

Ese mismo año (1872) el Maestro director de la Escuela de varones de Rivera y secretario de la Junta Económica y Administrativa solicitaba por escrito al Jefe Político local la devolución de una cautiva fugada de Livramento ya que su amo era el Teniente Dinarte Correa un influyente militar, esto para evitar molestias y mantener las normas de buena convivencia entre las dos poblaciones. La esclava fue devuelta a su amo en la línea divisoria acompañada por un guardia civil.15

El diario El Siglo de Montevideo manifiesta en octubre de 1877, que en Tacuarembó fue comprada la libertad de esclavizados fugitivos del Brasil que desde hacia algún tiempo permanecían detenidos por la justicia a solicitud de su propietario, Desiderio Antúnez Maciel, estos eran Adán Martínez y Pedro Piriz. Cabe decir que Desiderio tenía sus campos en la zona de Vichadero, departamento de Rivera y él y varios familiares fueron denunciados por tener criaderos de cautivos en sus estancias.16

LOS CONTRATOS DE PEONAJE (1850-1860)

Resulta interesante profundizar aspectos de lo que estamos relatando con el análisis de los contratos de peonaje correspondientes al departamento de Cerro Largo. Estos contratos estipulados por ley son sin dudas una prolongación disfrazada de la esclavitud. No tenemos por que dudar de la voluntad positiva del legislador, pero queda claro que la frontera tiene sus propias normas de funcionamiento y las autoridades locales rara vez verificaron la información disponible y no se sorprendieron ante algunos contratos claramente vergonzosos como el de niños menores de 4 años por ejemplo.

Este documento se compone de 183 contratos realizados entre 1850 y 1860, 65 % de estos se concentran entre 1853 y 1856, la edad promedio es 25 años, los extremos etáreos son 66 años y 2 años, existe una marcada masculinización de los contratos, solo el 28 % son mujeres, su edad promedio es de 22 años, 25 % de los contratos femeninos figuran sin edad pero podemos inferir por los montos de los mismos que su edad es la del promedio o menor, el valor promedio es de $ 697.17

A los efectos de hacer inteligible el análisis del documento, hemos agrupado los datos siguiendo el criterio de establecer una escala de edades (de 1 a 9 años, de 10 a 17, de 18 a 24, de 25 a 29 y de 30 a 49 años), la duración promedio de los contratos y el monto estipulado de los mismos, con lo cuál lo resumimos en los siguientes aspectos:

– La mayoría de los contratos son de individuos en plenitud de su fuerza laboral (18 a 49 años) que representan el 64,5 % del total, mientras que púberes y adolescentes representan el 13 %. Un 18 % de los contratos figuran sin edad, pero podemos inferir que son individuos mayores de 18 años de acuerdo a los montos que se fijan.

– El promedio general de duración de los contratos fue de 17 años, el valor promedio de los mismos fue de 687 patacones, pero debemos señalar que estos promedios varían según los sectores etáreos:

De los 32 contratos sin determinar edad, los datos que se desprenden son: duración promedio de los contratos – 17 años y monto promedio 668 patacones. Entre los contratados figuran niños de 2, 3, 4 y 6 años, con plazos de 20 a 22 años de extensión, valorados en 1000 patacones, en cuanto a la finalización de los mismos los casos extremos se sitúan entre 1895 y 1900. En cuanto a los sexos, 29,5 % son mujeres, marcando así un claro predominio del sexo masculino.

Lamentablemente aún no sabemos si estos contratos fueron cumplidos en su totalidad, parece poco probable que la validez de los mismos se sustentara ante la justicia y pensamos se hayan extinguido con el cambio de residencia o la muerte del contratante.

A modo de ejemplo transcribimos uno de los contratos, correspondiente a un propietario riograndense con campos en Vichadero, actual departamento de Rivera: "Bagé 25 de Noviembre de 1852: Digo eu João Borges, que entre os meus bens que possuo livres desempedidos ha bem assim hum escravo crioulo de nome Jose, de idade de vinte annos, profissão campeiro com o qual tenho contratado darlhe sua liberdade como esta o face para que delha gose desde ja como se livre nasceu, este faso pela quantia de quinhentos patacões em prata en que foi judicialmente avaliado, ficando o mesmo obrigado a satisfaserme esta quantia de 500 patacões no prazo de dez annos a contar de hoje em servisos pessoais por ele prestados como peão de fazenda que posuo no Estado Oriental do Uruguai em lugar denominado Vigiadeiro a razão de cinqüenta patacões annuais, obrigandome a darlhe vestiario e comida a minha conta. E pelo mencionado crioulo Jose foi dito que aseitava a liberdade que lhe foi conferida com as condições assinadas e que também se obriga a não abandonar o serviço que seu Patrão em quanto não ouver satisfeito pela forma que fica declarada a importância por que foi liberto, e que no caso de abandono de serviço se seguira huma multa de cem patacões alem da constituição imediata da quantia correspondente ao tempo que faltar para o completo do prazo estipulado. Para firmeza e segurança de todo empedido de pessoa o presente em duplicata para serem entregues a cada hum dos interessados que abaixo assignao, a saber arrogo do crioulo Jose por não saber escrever o faz Francisco Jose Ferrerira Camlay na presença das duas testemunhas abaixo firmadas. Villa de Bage, 24 de novembro de 1852."18

De la lectura de este contrato se desprende que la relación entre el plazo y el monto del mismo es abusivo, 50 patacones por año, vale decir $ 4,16 por mes, casi un tercio del salario de un peón libre, o el equivalente a una vaca por mes. En 1859 el departamento de Tacuarembó registraba más de un millón de cabezas bovinas y en comparación, los salarios que se pagaban a los peones camperos en el Uruguay oscilaban entre 10 y 12 pesos mensuales.19

Estos contratos de peonaje fueron discutidos y condenados en el parlamento uruguayo por representar una forma encubierta de esclavitud. El presidente Bernardo Berro, denunció la cláusula del tratado de Comercio y prohibió la celebración de contratos de trabajo por más de 6 años. El 11 de noviembre de 1861, el Ministro de Gobierno Enrique de Arrascaeta envió a los jefes políticos de los departamentos fronterizos una orden por la cual: "No procederá V. S. a registrar contrato alguno por servicio personal con colonos de color introducidos del Brasil, sin serle antes presentada por el colono la carta de libertad que justifique su condición de hombre libre. Los peones deberán ser traídos a la presencia de V. S. y les hará saber que en la República no hay esclavos, y que ellos como los demás habitantes son completamente libres sin otra obligación para con su patrón que las que se imponen por el contrato. Los contratos entre los patrones y los peones de color no podrán exceder del plazo de 6 años".20

El proyecto de ley fue tratado en Comisión de Legislación y sufrió modificaciones, aunque finalmente no fue aprobado. Es interesante notar que ante la constatación de las denuncias de esclavitud disfrazada y de pérdida de soberanía en la zona de frontera, "al Norte del Río Negro, puede decirse que no hay Estado Oriental, los usos, las costumbres, el idioma, el modo de ser, todo es brasilero" decía Vázquez Sagastume, las modificaciones propuestas fueron reducir el plazo de los contratos a 10 años y "2ª) Que el salario por el servicio personal a que se refieran no sea menor de ocho pesos mensuales"21. Observamos que esta modificación representa un aumento del 100 % en el salario de los contratos de peonaje para el caso citado anteriormente.

Parece claro que la vigencia de los derechos personales asegurados por la ley de abolición de 1846, que involucraba a toda persona sometida a esclavitud en territorio nacional, no era tomada en cuenta por los legisladores. El problema radicaba en la frontera y el Estado Oriental carecía de una política de fronteras, pero además las vinculaciones políticas entre Estado Imperial y fuerzas políticas orientales triunfantes en la Guerra Grande (Divisa Colorada) operaban como justificativa en algunos sectores para no afectar los intereses de los propietarios brasileros.

El presidente Berro en 1862, en el marco de la desbrasilerización de la frontera, decreta la nulidad de los contratos de peonaje, limita a 6 años los existentes y prohíbe en lo sucesivo admitir nuevos contratos. Junto a la denuncia del Tratado de Comercio de 1851 este aspecto terminó provocando la airada protesta de los hacendados fronterizos y promovió la reacción armada del General Venancio Flores (Colorado) quien aprovecha los resentimientos de los hacendados para derrocar al gobierno.

Los sucesos políticos de 1863-1865 y las vinculaciones del gobierno uruguayo de Flores con los países vecinos en la guerra del Paraguay y subsecuentes procesos revolucionarios internos hicieron que las medidas anteriores tuvieran una aplicación incierta, especialmente en la región de frontera donde el tema estaba más difundido. El triunfo de Flores en la guerra civil determinó la anulación de las medidas de Berro y un retorno al status quo anterior en relación a estos temas.

Adicionalmente es importante remarcar que a partir de los Tratados de 1851 la Justicia oriental se enfrentó a un problema de difícil resolución, decidir en que casos los esclavos huídos de Brasil y reclamados por sus amos o por la Cancillería Imperial podría ser devueltos. Si bien este tema no es el central de nuestra exposición, del estudio de dichos expedientes hemos obtenidos datos valiosos sobre las complejas relaciones políticas tanto en la frontera como a nivel de los poderes políticos. La documentación es muy numerosa y sumada a la vinculada a los robos y secuestros nos permiten tener una visión de conjunto de la situación vivida entre 1852 y 1880 en los territorios fronterizos.

SECUESTROS Y TRAFICO SUBREGIONAL

En julio de 1854 el representante diplomático oriental en Río de Janeiro, Andrés Lamas, dirige una nota de reclamo al gobierno Imperial por el secuestro de 9 personas negras en Tacuarembó, el hecho ocurrió: "en la noche del 14 de abril ppdo., una gavilla compuesta de once hombres capitaneados por el brasilero Fermiano José de Mello asaltó diversas casas en las inmediaciones de aquella villa y arrebató de ellas a varias personas de color con el objeto presumido de reducirlas a esclavitud en el territorio brasilero para donde las condujo".22

Esa "gavilla" compuesta de 11 hombres entre quienes se reconoció además a "Emilio, hijo de la viuda Brígida que vive sobre la costa del Tacuarembó chico (por lo tanto vecino del pueblo) y a un indio a quien nombran Yuca Tatú", secuestró a: Antonio Tavares, negro libre desde 1836, "propietario de una chacra, donde vivía y desde donde fue secuestrado, intentó resistir el ataque y fue herido en la cabeza con un golpe de sable", Manuel, negro libre desde 1845, Juana, negra libre desde 1845, los negros Antonio y José, el negro Evaristo Borrego que servia en la infantería de Tacuarembó, dos negras de nombre Juana y Laureana, Antonio Piñeiro y su mujer María los cuales fueron liberados por su avanzada edad 70 y 60 años respectivamente. La denuncia del secuestro fue registrada ante el Delegado de Policía de Bagé hacia donde se habría dirigido el grupo.

Hemos estudiado al menos 30 expedientes completos, que representan el 50 % de las denuncias y de las cuáles han permanecido registros, ya que en muchos casos el expediente sustanciado no existe en los archivos consultados sino solamente la carátula del mismo, lo que nos permite pensar que la cifra podría elevarse sustancialmente. De este estudio que complementamos con datos provenientes de otras fuentes documentales podemos inducir que el secuestro de ciudadanos orientales, afrodescendientes libres y de esclavos huidos del territorio de Brasil fue una práctica constante en la frontera oriental complementada con otras estrategias también denunciadas como el bautismo en ciudades riograndenses de niños nacidos en territorio oriental, hijos de esclavos en su mayoría, para mantener así su condición de tal.

En noviembre 1854 Lamas denuncia a un hacendado fronterizo y al cura de Santa Ana do Livramento por "haber sido raptadas 5 criaturas nacidas de vientre libre en el Estado Oriental y bautizadas como esclavas" en dicha villa el 4 de agosto de 1854. El Capitán Chagas, brasilero, propietario de estancias y esclavos de este lado de la frontera, hizo que el padre Joaquín Ferreira los bautizara en su casa y luego se trasladaron a Livramento donde se realizó el registro correspondiente en el libro parroquial, con lo cuál pasaron a condición de esclavos. El Presidente de la Provincia de RGS, condena el acto y reconoce: "proceder com todo o rigor da Lei, não só contra aqueles indivíduos que fossem ao Estado Oriental raptar gente de cor, para os introduzir nesta Província como escravos, mas também contra os que roubassem crianças de ventre livre para nas freguesias da fronteira os batizarem como cativos e bem assim contra os padres que ministrassem esse sacramento".23 24

Estas situaciones ocurren especialmente a partir de 1852, concomitantes con el fin del tráfico esclavista transatlántico y que acarreará una fuerte demanda de mano de obra servil y el consecuente tráfico ilegal, tanto para los saladeros fronterizos en Río Grande del Sur como para el desarrollo de la cafeicultura en Río de Janeiro y San Pablo.

Maestri25 indica con respecto a la dotación de esclavos de Pelotas durante la Revolución Farroupilha, que la misma cayó a poco menos de 31 mil hacia 1846, una disminución de 9 mil esclavos que sin dudas afectó el potencial productivo de la zona. Culminada la guerra se realizan compras masivas a tal punto que en 1858 el número de "cativos" alcanza los 72 mil, buena parte de los mismos adquiridos en el marco del tráfico ilegal. "Nos anos 1845-52 enquanto se extenguia a escravidao no Uruguay, o contrabando de cativos de criadores sulinos e uruguayos, desde os departamentos setentrionais daquele pais, para o Rio Grande do Sul contribui certamente para a a elevaçao da populaçao cativa sul riograndense".

Este número elevado de esclavizados permitió la singularidad de que esta Provincia "tornou-se, possivelmente, importante exportador de cativos". Este autor sostiene que si después de 1850, Rio Grande do Sul, exportó esclavos y paralelamente se mantuvo el crecimiento de dicha población hasta 1880, "restaria a única hipótese de a expansão pelo crescimento natural…acrecida…pelo contrabando de cativos afro-uruguaios, ou homens livres uruguaios de origem africana".

Efectivamente muchas de las denuncias permiten comprobar las afirmaciones de Maestri a la vez que rastrear los caminos del tráfico subregional y el destino de los infelices secuestrados que culminan en Río de Janeiro o en lugares más lejanos.

En agosto de 1866 solicita el apoyo de la Legación Oriental en Río, el afrodescendiente Matías Correa, declarando que "fue esclavo del brasilero Juan Correa y trabajaba en la estancia de la costa de San Luis propiedad de dicho Correa y hoy de sus herederos. Quedó libre después de 1842, y aunque trabajo como peón en la dicha estancia algún tiempo mas, vino después como libre que era a trabajar por su cuenta en la villa de Rocha. En esa villa se casó con Donata Barrios, liberta…Vivía en un rancho… De allí fue tomado con otro compañero llamado Juan Correa por los años de 1856 o 1857… y a pesar de sus reclamaciones y de las suplicas… los condujeron a la frontera del Chuy y de alli al Río Grande donde los entregaron a Manuel Correa, hijo de su antiguo amo, quien lo recibió y los trato como esclavos. Como esclavos el dicho Correa los mando vender a Río de Janeiro, donde sin embargo de haber declarado siempre que era libre fue vendido como esclavo y ha vivido y se encuentra en esclavitud."26

En la medida que las denuncias alcanzaban un grado importante de detalles los traficantes con el auxilio de las autoridades políticas y policiales locales obtenían documentos, reputados como falsos por la representación diplomática oriental, con la cual trasladaban "su mercancía" a otras regiones. Tal es el caso de "la negra Gregoria, oriental, libre, de 14 años, vendida como esclava en Río Grande y de allí enviada a Río de Janeiro con el nombre de María Tomasa". Según la denuncia "el 17 de setiembre de 1857 a las 2 y media de la mañana Gregoria fue secuestrada de su casa por el capitán Joaquin Jose Mollina, llevada a Jaguarão y de allí a Rio Grande donde la vendió como su esclava" y se la remitió a Río de Janeiro con el nombre de Maria Tomasa. Se solicita su captura allí, ocurrido esto, la justicia ordena que sea devuelta a su amo por ser esclava y su propietario exhibir los documentos correspondientes. El gobierno Brasilero responde que a instancia de la información que poseen, Maria Tomasa no es oriental y es esclava.27 28

El gobierno Imperial no podía ser omiso ante el número elevado de denuncias que le hacia llegar la cancillería, no obstante las demoras en las respuestas, finalmente se terminaba reconociendo la existencia de tales hechos delictivos.

"Estatística relativa ao decennio de 1ero de Janeiro de 1857 ao ultimo de Dezembro de 1866 das pessoas livres que foram arrebatadas do Estado Oriental e reduzidas a injusto cautiverio no território desta Província".
Sigue la lista de personas:
 
    Nombres Naturalidade Residencia
Leonor, preta e seus filhos María e Honorato Estado Oriental Alegrete
 Adao, preto  Estado Oriental  Pelotas
 Francisca, preta e seus tres filhos  Estado Oriental  Pelotas
 Liborio, pardo  Estado Oriental  Pelotas
 Valerio, pardo  Estado Oriental  Pelotas
 Faustino Rodríguez, pardo  Estado Oriental  Pelotas
 Francisco, pardo  Estado Oriental  Pelotas
 Jose Maria, preto  Estado Oriental  Pelotas
 Hilario, pardo  Estado Oriental  Conceiçao do Arroio
 Claudina, parda  Estado Oriental  Bage
 Rosaura, preta e seus tres filhos  Estado Oriental  Bage
 Reina Rodríguez e seu filho Pancho  Estado Oriental  Sao Leopoldo29

 

Varios documentos como el antes citado se repiten en años posteriores y van confirmando la existencia de una persistente acción de secuestros y ventas ilegales de personas, los números en los registros son de algunas decenas, pero ello permite suponer que se elevaría a cientos los casos totales, ya que solamente aquellos denunciados o reconocidos por las autoridades diplomáticas o provinciales llegaron hasta nosotros.

Las denuncias también nos permites reconstruir la secuencia de los "negocios de tráfico con carne humana". El caso del afrodescendiente Juan Vicente es indicativo de este procedimiento. Nacido en Cerro Largo de vientre libre, sirvió como soldado en el ejercito oriental al mando del capitán Zoilo Gutierrez, hallándose como policía en Mansavillagra fue capturado por una partida del ejercito brasilero que evacuaba el territorio nacional en 1852 y conducido por el capitán Oroño a una casa situada a 5 leguas de Jaguarao. En esta casa lo tuvieron con grillos algunos meses obligándolo por medio de frecuentes castigos a aprender portugués, lo que nunca lograron completamente por que lo resistió .Después lo llevaron a Pelotas donde no pudieron venderlo por que era notoriamente oriental, de allí lo trasladaron a Río Grande donde obtuvieron un pasaporte de esclavo con el cual lo trasladaron a Río de Janeiro y lo pusieron a la venta en la Rua da Quitanda. En esa circunstancia y junto a otros cautivos allí depositados la policía realizo un allanamiento y se exigió que presentaran los pasaportes, lo cual no quiso cumplir el dueño de Juan Vicente y lo escondió en el almacén de tabacos de la Rua de San Pedro, vuelto luego al lugar la venta se demoró por que para sacarlo de Río debía pasar por la inspección policial. Finalmente fue vendido a Joao José Riveiro Silva quien lo llevó a su chacra no Caminho Velho do Botafogo, de donde se fugo para refugiarse en la Legación Oriental. El procedimiento de secuestro y su legalización como esclavizado lo cumplió haciendo el circuito Jaguarão, Pelotas, Río Grande y Río de Janeiro.30

Este trayecto se repite muchas veces en las denuncias, del territorio oriental a Bagé, Alegrete, Jaguarão, Camaqua y otras poblaciones para luego ser trasladados en algún momento a Pelotas donde eran negociados.

La cancillería denuncia el secuestro, en la noche del 20 de abril de 1858 de una afrodescendiente oriental, Emilia de 20 a 30 años con sus dos hijos menores siendo trasladados al Jaguarão. Allí el principal responsable de estos crímenes es un anciano de nombre Terra que la vendió como esclavizada por 600 patacones. Este tráfico era común y reconocido públicamente en Jaguarão. Denunciado el hecho ante la policía de aquel lugar Emilia desapareció enseguida, siendo vendida en Pelotas y de allí trasladada a Río Grande y luego a Río de Janeiro "este nuevo crimen de los traficantes de carne humana y esta nueva tolerancia con que las autoridades alientan este odioso tráfico en la Provincia de Río Grande del Sur….es intolerable por las autoridades de la República Oriental"31

El Cónsul oriental en Pelotas denuncia la esclavización de Petrona, afro-oriental libre y su hijo por Federico de Freitas. Días después de la denuncia, la misma y su hijo desaparecen. "Petrona fue llevada a la ciudad de RG en el vapor Especulación, allí fue depositada ocultamente en el almacén de Fco. Manuel Barboza, …de allí fue sacada de noche y embarcada en el patacho Cyro, que la llevó a bordo de bergantín Ligeiro que estaba a salir para este puerto de Río de Janeiro y en el que quedó embarcada clandestinamente". Denunciada esta situación ante el jefe de policía de Río Grande este ordena el rescate de Petrona y su hijo. Pero el jefe de policía de Pelotas, Alejandro Viera da Cunha en vez de detener al traficante cuando se realiza la denuncia, le expidió un pasaporte para embarcarla como esclava hacia Río de Janeiro "que esta siendo el lugar en que se obtiene mayor provecho y seguridad para el fruto maldito de esos nefandos crímenes. Ved ahí un ejemplo nuevo del espíritu, por regla general inspira a las autoridades locales en las reclamaciones sobre personas de color".32

Petrona finalmente será embarcada a Río de Janeiro, pues el documento expedido en Pelotas por el Jefe de Policía la hace figurar con otro nombre. Este será un recurso frecuente para legalizar los secuestros.

El apoyo de las autoridades brasileras era explícito y con pretendidos fundamentos legales, así ocurrió en el caso de Joaquín, quien solicita protección del vicecónsul oriental allí aduciendo que es oriental y libre, para lo cual presentó 3 testigos. El subdelegado de Pelotas desconoció este procedimiento basado en el artículo 75, numeral 2 del código de proceso criminal que dice "no se admite denuncia del esclavo contra su señor".33

En algunos casos las propias autoridades estaban involucradas en la compra – venta de los secuestrados. Son varios los casos donde los secuestradores y negociantes son autoridades policiales o militares. Tal es el caso denunciado el 13 de enero de 1857 fue asaltada la casa de Justo Costa en el arroyo Monzón por dos brasileros secuestraron a José Rodríguez empleado de Costa y se lo llevaron amarrado, en el camino asaltaron otra casa y se llevaron otro negro a la frontera del Jaguarão. El segundo secuestrado fue entregado en dicho lugar a Luis de Farías Santos quien le pago 12 onzas de oro. José Rodríguez fue vendido a Jerónimo Viera Costa, delegado de policía de Jaguarão. "Este Sr. Delegado de policía, que a lo que parece negocia con carne humana, lo vendió a la ciudad de Río Grande consignado al comerciante portugués Joao Agostinho da Silva, el cual lo embarcó hacia Río de Janeiro." En Jaguarão existe 1 hombre llamado Manoca Diogo, "que estaba tomando a comisión el robo de negros en el Estado oriental mediante porcentaje". Con fecha 19 de mayo de 1857 se le contesta a Lamas que fueron citados los negociantes de esclavos Cordeiro, Baptista, Antonio da Rocha e Souza y Tinoco Medeiros con quienes no pudo aclararse nada sobre el esclavo vendido ya que no se poseían señas ni ficha de esa persona. Lamas responde que Viera da Costa lo compro el 17 de enero de 1858 en Jaguarao, lo embarco el 18 en el vapor especulación para Río Grande y días después fue enviado a Río de Janeiro.34

Los detalles de cómo se realizaron los negocios revelan que los mismos era llevados adelante sin mayores discreciones, en verdad se trataba de una comercialización legal en territorio brasileño. Para la cancillería oriental y los viceconsulados no era tarea simple llevar adelante las denuncias, en muchos casos las mismas carecen de señas particulares de los afectados, pero en compensación hay lujos de detalles sobre la forma y características del transporte y venta de los afrodescendientes. Estos detalles permitieron que algunas de las denuncias no pudieran ser dejadas de lado y fueron efectivamente reconocidas como secuestros reales y comercio ilegal.

La existencia legal de los contratos de trabajo en territorio oriental, más allá de las condenaciones políticas, dificultaba los reclamos sobre el tráfico de esclavos. Aún en 1866, Lamas afirmaba: "los hombres de color introducidos en territorio oriental para el servicio de los establecimientos que posee los brasileros en este territorio son considerados esclavos en RGS, aún en los casos en que fueron introducidos por medio de contratos registrados en los vice consulados de la republica y que en consecuencia, desde que los dichos hombres de color vuelven a ser traídos a la provincia de RGS, lo que se verifica sin dificultad, vuelven a su anterior condición de esclavos y siendo tratados como tal se venden, se compran e incluyen como cosa en los inventarios y particiones de herencias".35

Especialmente en los departamentos fronterizos las relaciones políticas y el poder económico de los hacendados riograndeses hacían que las autoridades locales no adoptaran las medidas ajustadas a la legislación vigente. Por otra parte la realidad social de la época marcaba una clara diferencia entre los aspectos jurídicos y la aplicación de las órdenes emanadas desde el Gobierno nacional, órdenes que muchas veces demostraban una ambigüedad tal que ambientaba la interpretación más o menos libre de las leyes por los poderes locales. Tal es el caso del Jefe Político de Cerro Largo en 1853, quién constata que: "existen en algunas estancias de Brasileros porción de esclavos introducidos furtivamente, en el territorio de la República que en virtud del tenor espreso de la circular espedida por orden del Gobierno Imperial publicada por la presidencia del Rio Grande fecha 7 de Agosto de 1852 y comunicada a esta Jefatura en 15 de Octubre del mismo por el ministerio de V.E deben quedar manumitido dichos esclavos según el espíritu de nuestras leyes y la prevención espresa del Gobierno Imperial a sus súbditos. Considero de mi deber dar este paso y llevar a efecto la manumisión de estos siervos pero reflexionando sobre el estado de nuestra política con el Imperio por la suspensión de el deslinde del territorio, y deseoso de no crear embarazo al Gobierno pido una resolución que me sirva de regla en este caso".36

La respuesta del Ministerio de Gobierno establece, "Contéstese con la instrucción acordada". Cuál era dicha instrucción, "respecto de los contratos con que son introducidos al territorio de la República, las gentes de color en calidad de peones de Brasileros; ha resuelto se diga a V.E. que en aquellos contratos, la única intervención que debe tener la autoridad, es asegurarse de la libre voluntad de los contratantes, sin entrar a avalorar la conveniencia que forma siempre la materia de los contratos entre personas libres"37

Lo acordado era en definitiva respetar los contratos realizados en Brasil entre patrones y esclavizados, respetándolos en la medida que se debe reconocer el acto voluntario entre hombres libres. Realmente la respuesta es paradojal ya que considera al esclavo como hombre libre por la firma de un contrato que llevaba por tal una cruz o el dedo pulgar del infeliz. ¿Qué otra opción restaba al esclavo que aceptar lo que se imponía?

Los compromisos asumidos por el Estado a partir del Tratado de Extradición impusieron una situación de difícil explicación, por un lado se reclaman las personas secuestradas, se pide considere el gobierno brasileño libres a todos los esclavos introducidos a territorio oriental por medio de contratos de trabajo, se acusa que dichos contratos son una forma de esclavitud disfrazada pero no se derogan los mismos, salvo en el gobierno de Berro, adoptando una postura de respeto a los tratados internacionales que se transforma en temor y connivencia con el gobierno imperial.

En 1874 en Memorando elevado al gobierno imperial con motivo de rectificar el Tratado de extradición de 1851 Carlos María Ramírez dice: "no pueden sostenerse más las cláusulas relativas a la extradición de esclavos ya que las mismas está fuera de todo principio de derecho internacional. Las naciones que recibieron del pasado la pesada herencia esclavista no pueden imponerla a aquellos países que no tienen este problema" – "no puede reconocerse como delito la fuga del esclavo, es ocioso demostrar que el delito legal del esclavo fugitivo no se encuentra en esas indeclinables condiciones, ¿se justifica entonces la extradición de esclavos como observación de los deberes generales de buena vecindad?, esa es una de las razones que más pesaron en la celebración de las estipulaciones vigentes".38

Afirmaciones esas que la vida cotidiana de las ciudades de frontera se encargaban de transformar, tal como citáramos anteriormente con el caso de la joven cautiva refugiada en Rivera y que a instancias del Maestro de la escuela fuese devuelta a su propietario para mantener las relaciones cordiales entre ambas ciudades.

En un territorio donde la frontera seca es extensa y los cursos de agua fronterizos no son un impedimento mayor para su paso, el tránsito de la mano de obra en general, la servil en particular, los ganados y bienes, fue intenso a partir de la segunda década del siglo 19.

Particularmente después de 1851, con los Tratados firmados, se hizo muy difícil controlar el contrabando, robos y secuestros donde estaban involucrados hacendados y autoridades de ambos lados de la línea divisoria. Paralelamente esta frontera estaba sometida a constantes desmanes por parte de las tropas de línea brasileras y los salteadores que reiteradamente usaban inteligentemente la frontera para refugiarse luego de sus delitos.

El libre tránsito y la escasa consolidación de los poderes nacionales del Estado, a uno y otro lado, hizo de estos territorios el escenario propicio para que los jefes militares y políticos, erigidos en caudillos rurales, omnipotentes por la posesión de las armas, detentaran el poder y lo utilizaran a su real saber y entender.

Las ventajas comparativas de la utilización de mano de obra esclava en las haciendas fronterizas donde obtener trabajadores asalariados era difícil y caro, empezó a declinar en la medida que el Estado nacional comenzó su proceso de centralización y concentración del poder entorno a la burguesía montevideana y con la dictadura militar desde la mitad de la década de 1870 hasta finales del siglo 19. El código rural, el alambramiento de los campos, la policía rural armada con Remington y la cárcel para los que no pudieran demostrar que tenían trabajo fijo, presionó fuertemente para establecer mano de obra asalariada.

El cercamiento de los campos promovió la expulsión de los ocupantes de la tierra sin título y de los pequeños propietarios que se transformaron en asalariados rurales en competencia por acceder a un empleo, esto determinó en parte la baja de los salarios altos de otrora y la pérdida de las ventajas comparativas del esclavo. Este proceso en la frontera fue lento y no implicó la desaparición de los contratos de peonajes en forma inmediata, pero promovió el trabajo asalariado.

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Notas

1 – El Norte – 10/10/1880 – Tacuarembó, Biblioteca Nacional. (BN). Montevideo.

2 – Barrán, José y Nahum, Benjamín. Historia rural del Uruguay moderno. Montevideo, Banda Oriental, 1967, p.51 – V.1.

3 – Barrán – Nahum. Historia rural del Uruguay moderno. Ob.cit. p.20.

4 – Una arroba equivale aproximadamente a 11 quilos 500 gramos.

5 – Bleil, S., Pereira Prado,F. "Brasileiros na fronteira uruguaia: economia e política no século XIX". En: Simposio Fronteras en el espacio platino. 2das.jornadas de Historia económica. Montevideo, Udelar, 1999. Edición en Cd.

6 – Da Costa Franco, Sergio. Gentes e coisas da fronteira sul. Ensayos históricos. Porto Alegre. Sulina. 2001.

7 – Varela, José Pedro. La Legislación escolar. 2da. Edición. Montevideo, Imp. El Siglo Ilustrado, 1910, p.137.

8 – AGN. Ex. AGA. Relaciones Exteriores. Caja 102.Carpeta 124 A. pp.1 a 5.

9 – Barrán – Nahum. Historia rural del Uruguay moderno. Ob.cit. p.36.

10 – Diario La Constitución, 29 de diciembre de 1852. Nº 146. Biblioteca Nacional.

11 – Archivo parroquial de Tacuarembó. Libro de bautismo. 1850-1852.

12 – Archivo parroquial de Tacuarembó.Libro de bautismos, 1866, acta 754.

13 – Citado en: Barrán – Nahum, Historia rural del Uruguay moderno, Ob.cit. pp.87.

14 – AGN. Jefatura Politica de Tacuarembó. 1872.

15 – AGN. Actas de la Comisión Auxiliar de Rivera. 1866 – 1883.

16 – Diario El Siglo, 20 de octubre de 1877. Biblioteca Nacional.

17 – Museo Histórico Nacional. Archivo del Coronel José Gabriel Palomeque. Tomo III. 1862. Cf. Palermo, Eduardo. (2005) "Vecindad, frontera y esclavitud en el norte uruguayo y sur de Brasil" En: Memorias del simposio La ruta del esclavo en el Río de la Plata, p.93 a 115. Montevideo,UNESCO, 2005. Cf. Borucki, Alex, Chagas, K y Stalla, N. Esclavitud y trabajo entre la guerra y la paz. Una aproximación al estudio de los morenos y pardos en la frontera del Estado oriental (1835 – 1855). Montevideo, Pulmón, 2004.

18 – Archivo General de la Nación. Montevideo. Fondo AGA. Caja 1003 – 1852 – hoja 2.

19 – Barrán, Nahum. Historia rural del Uruguay moderno. Ob. Cit. Apéndice documental. p.332.

20 – Barrán ; Nahum. Historia rural del Uruguay moderno. Ob.cit. p.36.

21 – Barrán y Nahum. Historia rural del Uruguay moderno. Ob.cit. p.87.

22 – AGN. Caja 106. Exp. 35 – Nota de Andrés Lamas a Antonio Paulino Limpo de Abreu. Río de Janeiro. 4 de julio de 1854.

23 – AGN. Caja 106. Exp. 72- Nota de Andrés Lamas a Antonio Paulino Limpo de Abreu. Río de Janeiro.19 de enero de 1855.

24 – AGN. Caja 106. Exp. 72- Copia 49 de Nota del Presidente de Rio Grande del Sur, Joao Lins Vieira Cansansao do Sinimbú a Antonio Paulino Limpo de Abreu. Porto Alegre.12 de dezembro de 1854.

25 – Maestri, Mario. Deus e grande o mato e maior. Passo Fundo, UPF, pp.153 a 167.

26 – AGN. Caja 107. Exp. 289- Nota de Andrés Lamas al Ministro de Relaciones Exteriores de Uruguay, Alberto Flangini. Río de Janeiro.20 de agosto de 1866.

27 – AGN. Caja 89. Exp. 163- Nota del Vizconde de Maranguape al Sr. Andrés Lamas. Río de Janeiro, 22 de julio de 1858.

28 – AGN. Caja 89. Exp. 163- Nota de Andrés Lamas al Consejero Vizconde de Maranguape. Río de Janeiro.31 de agosto de 1858.

29 – AGN. Caja 129- Expediente 427.Secretaria de Governo em Porto Alegre, 24 de julio de 1867.

30 – AGN. Caja 106- Expediente 58. 24 de setiembre de 1854.

31 – AGN. Caja 89 – Expediente 182. 31 de agosto de 1858.

32 – AGN. Caja 89 – Expediente 185. 4 de octubre de 1858.

33 – AGN. Caja 89 – Expediente 187. 4 de octubre de 1858.

34 – AGN. Caja 102 – Expediente 128. 11 de abril de 1858.

35 – AGN. Caja 107. Expediente 315. Nota de Lamas a Flangini. 27 de setiembre de 1866.

36 – AGN. AGA. Caja 1004. hoja 2. Febrero 24 de 1853.

37 – AGN- AGA. Caja 1004. Nota al Jefe Político de Cerro Largo. 14 de marzo de 1853.

38 – AGN- Caja 101. Expediente 370. 29 de mayo de 1874.

 

 

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