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Há 200 anos, o território que é hoje o Uruguai tornava-se parte do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves

Niterói, 08 de agosto de 2021

No dia 08 de agosto de 1821, portanto, há exatos 200 anos, o Congresso Cisplatino era dissolvido. Sua última ordem foi a de enviar cópias de suas atas ao general português Carlos Frederico Lecor para que o militar as enviasse a D. João VI e às Cortes de Lisboa. Porém, muitos leitores devem estar se perguntando o que foi esse Congresso? Qual a sua relação com o título do texto? Quais informações estavam contidas nas atas?
Para a obtenção das respostas, é necessário recuar a 1816, quando D. João invadiu a Banda Oriental, denominação que o território que é hoje o Uruguai tinha na época. Para conduzir o governo português da área ocupada, foi designado o general Lecor, que a administrou através de coalização com uma série de setores da sociedade local. Com a eclosão, em 1820, do movimento liberal em Portugal, e consequentemente com a drástica mudança nos destinos da política do Reino Unido português, que incluiu o retorno de D. João VI à Europa e o estabelecimento das Cortes Gerais em Lisboa para a elaboração de uma constituição, o recém empoçado ministro dos Negócios Estrangeiros e Guerra, Silvestre Pinheiro Ferreira, quis definir o futuro da ocupação militar no Prata.
Foi ordenado que em Montevidéu se estabelecessem Cortes, no modelo das de Lisboa, para que a sociedade local decidisse o futuro da invasão. Unidos, Lecor e atores locais montaram um jogo de cartas marcadas para que as Cortes de Montevidéu, ou Congresso Cisplatino (nome como as reuniões que se iniciaram em julho de 1821 ficaram conhecidas pela historiografia), decidissem pelo que lhes interessava: a união do que é hoje o Uruguai à monarquia portuguesa – fato histórico que teve o seu bicentenário nesse ano. 
O Congresso Cisplatino iniciou-se em um domingo, no dia 15 de julho de 1821. Três dias depois, os deputados votaram, unanimemente, pela incorporação. No dia 23, por decisão dos congressistas, a antiga Banda Oriental passou a chamar-se Estado Cisplatino Oriental. No dia 31, Lecor aceitou a incorporação em nome de D. João VI. No quinto dia de agosto ocorreu o juramento de incorporação, participando, do ato, Lecor, os congressistas e todas as autoridades e funcionários de Montevidéu. No dia 8 de agosto de 1821, uma quarta-feira, houve a dissolução do Congresso Cisplatino e a ordem para que fossem enviadas a Lecor as suas atas, pois o general deveria mandá-las para Lisboa. Nos documentos, a votação dos deputados, bem como o argumento dos aliados de Lecor, para que o território que é hoje o Uruguai se tornasse parte do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. 
Aparentemente, Lecor e seus atores sociais alcançavam os seus objetivos. Porém, a História é sempre mais complexa e, com 200 anos de vantagem, sabemos que o projeto cisplatino não vingou. O Reino Unido português dividiu-se, o Brasil tornou-se um Império a parte e, em 1825, eclodiu a Guerra da Cisplatina, que resultou na criação da República Oriental do Uruguai.

 

Bicentenário da criação do Estado Cisplatino Oriental
Em razão dos 200 anos da Cisplatina, a Revista Tema Livre aproveitou a oportunidade para debater esse episódio histórico e realizou uma série de lives com historiadores de diversas instituições da Argentina, Brasil, EUA e Uruguai. Assista à série completa no nosso canal do YouTube. Acesse: https://www.youtube.com/revistatemalivre

 

Lista dos episódios
1) Live de abertura: "Los partidarios de la corona española en la Cisplatina"
Convidada:  Prof.ª Dr.ª Ana Ribeiro (Investigadora, actual Vice Ministra de Educación y Cultura de Uruguay)

 


2) “Antes da Cisplatina: Sacramento, Montevidéu e os interesses portugueses no Rio da Prata”
Convidado: Prof. Dr. Fabrício Prado (College of William and Mary)

 


3) "O Congresso Cisplatino: a incorporação de Montevidéu e a sua campanha à monarquia portuguesa"
Convidado: Prof. Dr. Fábio Ferreira (Universidade Federal Fluminense – UFF)

 


4) Panfletos, jornais e a linguagem política na Cisplatina.
Convidado: Prof. Dr. Murillo Dias Winter (USP/FAPESP)

 


5) Live de enceramento: "El ciclo revolucionario en Iberoamérica. El Río de la Plata y Brasil en el escenario Atlántico"
Convidada: Prof.ª Dr.ª Marcela Ternavasio (Instituto de Estudios Críticos en Humanidades/Universidad Nacional de Rosario/CONICET)

 


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Uma análise do discurso dos deputados orientais no Congresso Cisplatino

Por Fábio Ferreira

Fatos precursores à instalação do Congresso Cisplatino

Com o processo de emancipação do Vice Reino do Rio da Prata, o território que hoje corresponde à República do Uruguai, designada à época como Banda Oriental, mergulhou em uma árdua guerra civil, que levou à destruição de sua economia e à instabilidade política. A partir de 1811, quando José Gervásio Artigas rompeu com a Espanha e iniciaram-se os conflitos armados em solo oriental, Montevidéu foi controlada, no curto período de seis anos, por governos submetidos aos espanhóis, aos portenhos, às forças revolucionárias de Artigas e aos portugueses.
No que refere-se à presença lusa na Banda Oriental, observa-se que D. João organizou duas expedições militares para conquistar este território. A primeira ocorreu em 1811, no entanto, por pressões da Inglaterra e pela oposição de segmentos locais, o príncipe regente retirou, em 1812, suas forças do Prata. Porém, em 1815, D. João iniciou a organização de nova expedição para conquistar a antiga área de dominação espanhola. Para liderar a segunda invasão foi escolhido o general português Carlos Frederico Lecor, veterano das guerras napoleônicas. Lecor ocupou pacificamente Montevidéu em 20 de janeiro de 1817, após negociações com o Cabildo da cidade.
Uma vez no poder, o general continuou negociando e compondo politicamente com elementos da sociedade oriental, além de agir no sentido de enraizar a presença portuguesa na região. Como exemplo, durante a gestão lusa houve a concessão de títulos, condecorações e promoções na administração pública a segmentos da sociedade oriental, bem como vários casamentos de militares das forças joaninas com mulheres orientais, sendo que o próprio Lecor casou-se com Rosa Maria Josefa Herrera de Basavilbaso, em 1818. Neste mesmo ano, o general tornou-se, pelas mãos de D. João VI, Barão da Laguna.
Sobre a adesão dos orientais, Lecor trouxe para a sua órbita figuras locais de projeção, sendo que, muitos deles, anteriormente, foram coligados aos espanhóis, aos artiguistas e, futuramente, com a independência do Uruguai, permaneceram em posições de destaque na recém-nascida república. Mesmo com as diversas mudanças na conjuntura platina, vários elementos orientais conseguiram estar sempre atuando com relativa significância no jogo político local, ainda que a Banda Oriental fosse controlada por forças tão díspares, como, por exemplo, as de Artigas e as de Lecor.
Dos orientais aliançados ao general português e que tiveram destaque em outros momentos da história oriental, como o Congresso Cisplatino, podem ser citados Fructuoso Rivera, líder de milícias no interior da província e, a partir de 1830, presidente do Uruguai; o padre Dámaso Antonio Larrañaga, que compunha o Cabildo que negociou a entrada de Lecor em Montevidéu, além de ter sido eleito senador para representar a Cisplatina no Rio de Janeiro; Francisco Llambí, jurisconsulto e cabildante em 1817 e, após a independência oriental, ministro da república; o fazendeiro Tomás García de Zúñiga, que pelas mãos do Império do Brasil tornou-se Barão de la Calera; Juan José Durán, membro do Cabildo de 1817; e Jerónimo Pio Bianqui, igualmente cabildante à época da ocupação.
Em 1821, a continuidade da ocupação lusa das terras orientais encontrou-se ameaçada. A Revolução Liberal do Porto – que teve, também, adeptos nos domínios americanos dos Bragança, inclusive em Montevidéu, através de tropas de Lecor – alçou ao cargo de ministro dos Negócios Estrangeiros e Guerra Silvestre Pinheiro Ferreira, opositor à permanência portuguesa no Prata. Por esta razão, em um dos seus últimos atos no Rio de Janeiro, em 16 de abril de 1821, dez dias antes de retornar definitivamente a Portugal, o monarca ordenou que Lecor realizasse em Montevidéu um congresso inspirado nas Cortes de Lisboa para que a sociedade local decidisse o seu futuro.
Como os interesses de Lecor e dos seus aliados eram pela permanência dos portugueses na região platina, agiram, o general e o estancieiro Juan José Durán, chefe político da província à época, no sentido de que o referido congresso votasse pela incorporação da Banda Oriental ao cetro joanino.
No que refere-se ao contexto oriental, a ordem para a realização do Congresso foi expedida depois de vários anos de conflitos armados que devastaram a Banda Oriental, destruição esta que foi registrada por vários contemporâneos à ocupação de Lecor, como, por exemplo, Saint-Hilaire , Emeric Essex Vidal e Breckenridge . Assim, à época da designação do Congresso, a sociedade oriental vivia relativa paz, conseguindo, inclusive, alguma recuperação econômica e, além disto, interessava a orientais ligados ao setor produtivo a união à Coroa lusa, por esta acenar com perspectivas como a da realização de transações comerciais com os seus vastos domínios, fatores que fortaleciam politicamente o projeto da incorporação ao Reino Unido português.
Deste modo, diante do exposto, qual o posicionamento dos congressistas frente à missão de decidir (ou legitimar o já acertado nos bastidores políticos) o futuro oriental? Seguir com a Casa de Bragança ou abandoná-la? Qual a argumentação escolhida pelos deputados para legitimarem suas escolhas? Enfim, uma multiplicidade de questionamentos podem ser feitos em relação ao Congresso Cisplatino e, no item a seguir, serão demonstrados e analisados alguns deles.

O Congresso Cisplatino e a atuação dos parlamentares orientais

Para a reconstituição das reuniões do Congresso Cisplatino utiliza-se como fonte no presente artigo as suas atas, que encontram-se em Montevidéu, no Archivo General de la Nación. O conjunto documental é manuscrito em espanhol, composto de oitenta páginas, onde estão distribuídas as suas dezenove atas. Além disto, estes documentos apresentam as listagens e assinaturas dos deputados que estiveram presentes nas sessões, os seus discursos, as propostas e votações em questão, que perpassam da mesa diretiva até a decisão pela incorporação ao Reino Unido português, dentre outros elementos.
Sobre as amplas possibilidades analíticas que este conjunto documental oferece, o contato do historiador com a ata de cada sessão fornece-lhe valiosos dados acerca de vários aspectos da sociedade oriental de então. Como exemplo, através das atas identifica-se a boa aceitação que a ocupação portuguesa tinha junto a uma parcela dos segmentos dominantes da sociedade oriental. Igualmente, verifica-se a exclusão das camadas populares do congresso, o temor dos congressistas de que surgisse no território oriental uma nova liderança revolucionária como a de Artigas, além de uma série de aspectos políticos, econômicos e sociais da época.
Expostas as questões acima, as atas demonstram que o Congresso iniciou-se no dia 15 de julho de 1821, contando com doze deputados, e não dezoito conforme estipulado inicialmente. Como congressistas, estiveram na seção de abertura
Juan José Durán, Diputado por parte de esta Capital [Montevidéu], Presidente en esta Junta, como Gefe político de la Província: el Sor. Cura y Vicario D.or D. Dámaso Antonio Larrañaga, y el Sor. D. Tomás Garcia de Zúñiga también Diputados por esta Ciudad, así como su Síndico procurador general D. Gerónimo Pío Bianqui – el Sor. D. Fructuoso Rivera, y el Sor D.or D. Francisco Llambí, Diputado por el vecindario de extramuros – el Sor D. Luis Pérez, Diputado por el Departamento de S. José – el Sor D. José Alagón, Diputado por el de la Colonia del Sacramento – el Sor D. Romualdo Gimeno, diputado p.r el de Maldonado el Sor D. Loreto de Gomenzoro, Diputado por Mercedes como su Alcalde territorial: el Sor D. Vizente Gallegos, que lo es de Soriano y D. Manuel Lagos, del Cerro-Largo […]
Posteriormente, outros deputados apresentaram-se: no dia 16, Mateo Visillac, representante de Colônia do Sacramento e, no dia 18, Alejandro Chucarro, deputado pela vila de Guadalupe, Salvador García, síndico suplente da mesma localidade, Manuel Antonio Silva, síndico de Maldonado e Romualdo Gimeno, também deputado por Maldonado.
Mesmo com o atraso desses congressistas, elegeu-se a mesa diretiva a 15 de julho. Como presidente foi eleito Durán, como vice-presidente, Larrañaga, e como secretário, Llambí. Assim, os primeiros aliados que Lecor conquistou na Banda Oriental estiveram no comando do Congresso.
No segundo dia, a ameaça bélica que circundava os orientais já se fez presente através da seguinte mensagem que Lecor enviou aos congressistas, e que consta da ata da reunião do referido dia:
Señores del Muy Honorable Congreso extraordinario de esta Provincia= S.M. El Rey del reyno unido de Portugal, Brasil y Algarbes, ha tomado en consideración las repetidas instancias, que han elevado á su real Presencia, Autoridades muy respetables de esta Provincia, solicitando su incorporación á la Monarquía Portuguesa, como el único recurso que en medio de tan funestas circuntancias, puede salvar el País de los males de la guerra y de los horrores de la Anarquía. – Y deseando S.M. proceder en un asunto tan delicado con la circunspección q.e corresponde á la Dignidad de su Augusta persona, á la liberalidad, de sus principios, y al decoro de la Nación Portuguesa, ha determinado en la sabiduría de sus Consejos, que esta Provincia, representada en el Congreso extraordinario de sus Diputados, delibere y sancione en este negocio, con plena y absoluta libertad, lo que crea más útil y conveniente á la felicidad y verdaderos intereses de los pueblos que la constituyen. – Si el Muy Honorable Congreso tubiere á bien decretar la incorporación a la Monarquía Portuguesa, Yo me hallo autorizado por el Rey p.a continuar en el mando y sostener con el Ejército el órden interior y la seguridad exterior bajo el imperio de las Leyes. Pero si el Muy Honorable Congreso estimase más ventajoso á la felicidad de los pueblos incorporar la Provincia á otros estados ó librar sus destinos á la formación de un Gob.o independiente, solo espero sus decisiones para prepararme á la evacuación de este territorio en paz y amistad conforme á las órdenes Soberanas – La grandeza del asunto me excusa recomendarlo á la Sabiduría del Muy Honorable Congreso: todos esperan que la felicidad de la Provincia será la guía de sus acuerdos en tan difiiles circunstancias = Montevideo y julio diez y seis de mil ochocientos veinteuno = A los S.S. de Muy Honorable Congreso de esta Provincia = Barón de la Laguna [Lecor]=

Na mensagem de Lecor verifica-se a afirmação do general sobre a existência de autoridades locais que anelavam a união com a monarquia portuguesa, a vincular, ainda, em sua escrita, este desejo à manutenção da ordem e à salvação do território oriental. Associava-se, então, a manutenção da paz à permanência dos portugueses na região, estando o temor à possibilidade do retorno aos conflitos bélicos presente em diversas reuniões do Congresso.
Na sessão do dia 18 foi colocada em discussão pelo presidente, Juan José Durán, a questão da incorporação propriamente dita:
[…] se propuso por el Sor Presidente, como el punto principal p.a que había sido reunido este Congreso – si segun el presente estado de las circunstancias del Pais, convendría la incorporacion de esta Provincia á la Monarquía Portuguesa, y sobre que bases o condiciones; ó si por el contrario le sería más ventajoso constituirse independiente ó unirse á cualquiera otro Gobierno, evacuando el territorio las tropas de S.M.F.
O contato com as atas permite ao pesquisador identificar que Bianqui, Llambí e Larrañaga foram os únicos deputados que discursaram, sendo favoráveis à anexação à coroa bragantina, expondo os seus argumentos sempre fazendo menção à guerra. Neste conjunto documental podemos verificar que em sua fala Bianqui afirmou que transformar a província em um Estado era, no âmbito político, impossível. O deputado acrescentou que para sustentar a independência necessitavam-se de meios, no entanto, o território oriental não possuía população nem recursos para que fosse governado pacificamente. Os orientais não teriam como impedir uma guerra civil, nem ataques externos, nem como conquistar o respeito das outras nações, além de que haveria a emigração dos capitalistas, voltando, assim, a Banda Oriental, a ser o “teatro da anarquia” e “a presa de um ambicioso atrevido”.
Observa-se que Bianqui utilizou o temor existente no imaginário oriental do retorno aos conflitos em sua argumentação, pois se este medo não fosse presente, não haveria razão do congressista ter enfatizado a possibilidade do retorno ao “caos”, nem mencionaria a possibilidade do surgimento de “um ambicioso atrevido”, aludindo, provavelmente, a um possível aparecimento de alguma outra liderança revolucionária como a de Artigas. A ameaça bélica, independentemente de existir ou não, independente do congressista acreditar nela ou não, estava a ser trabalhada intencionalmente em seu discurso no Congresso Cisplatino, afinal as cicatrizes dos conflitos armados da década anterior permaneciam abertas e o território oriental continuava circundado por uma gama de províncias que ainda viviam os horrores das guerras desencadeadas desde a Revolução de Maio.
Bianqui, ao anular a possibilidade da Banda Oriental em constituir-se estado autônomo, apontava, em seguida, a necessidade de incorporar-se a outro estado, excluindo Buenos Aires e Entre Rios em função de seus respectivos conflitos internos. A Espanha também foi descartada, pois segundo o deputado oriental, os pueblos já haviam votado contra ela e que Madri foi incapaz de manter a paz na província. Deste modo, para o congressista, não havia outra opção que não fosse a incorporação à monarquia portuguesa sob uma constituição liberal. Com a manutenção do poder luso, dizia o deputado, impossibilitar-se-ia a anarquia, o setor produtivo continuaria as suas atividades, sendo, assim, restituídos os anos de prejuízos, e os “arruaceiros” teriam que dedicar-se ao trabalho ou então sofrer com o rigor das leis.
As atas também mostram ao pesquisador que, em seguida, Llambí discursou. Ele alertou sobre a alta probabilidade de que com a saída das tropas de Lecor o território oriental viesse a sofrer novas invasões ou, então, mergulharia em uma guerra civil. Sem entrar no mérito se a análise deste parlamentar foi ou não exagerada, ela insere-se perfeitamente no contexto social da Banda Oriental. Por exemplo, mesmo não estando, no momento do Congresso, em armas contra Lecor e os seus aliados, o governo de coalização luso-oriental não poderia confiar totalmente em elementos como Juan António Lavalleja e a família Oribe – apesar de terem existido diálogos e aproximações, ao longo da gestão do general, entre estes diversos atores políticos, não se pode ignorar que os Oribe e Lavalleja iniciaram, em 1825, uma guerra civil contra Lecor e o seu grupo político. Além disto, em relação ao âmbito externo à província, o contato com uma gama de documentos da administração Lecor mostram que os governos limítrofes tinham o interesse de controlar a Banda Oriental e chegaram a elaborar projetos para ocupá-la.
Seguindo com a fala de Llambí, este retomou, corroborando com Bianqui, os conflitos que a Banda Oriental sofreu nos anos anteriores, a afirmar, inclusive, que mais da metade da população foi dizimada, bem como as suas riquezas, e que os orientais perderam o pouco armamento que tinham. Supondo eventuais exageros, inclusive para justificar o seu voto e legitimar a permanência lusa, identifica-se, mais uma vez, a ida aos anos de guerra, traumatizantes e sempre associados a uma gigantesca destruição – o que, por outro lado, não é contrário a outras fontes, como os supracitados relatos dos viajantes da época. Igualmente, detecta-se a ideia de que estes anos foram tão devastadores que a Banda Oriental ainda carregava os pesados danos destes conflitos que duraram praticamente uma década. Portanto, ao desenvolver a sua argumentação neste sentido, provavelmente o parlamentar o fazia por haver público receptor, “terreno fértil” para suas ideias, e que provavelmente não haveria quem se lhe opusesse (ou se o houvesse seria facilmente rebatido).
Llambí também apontou a devastação que a província encontrava-se e utilizou-se desta situação para argumentar a incapacidade desta tornar-se independente, e retomou a questão da estabilidade, já levantada no Congresso: “[…] Un Gobierno independiente pues entre nosotros, sería tan insubsistente, como lo es, el del que no puede ni tiene medios necesarios para sentar las primeras bases de su estabilidad.”
A possibilidade da incorporação a outros estados também foi abordada por Llambí. O congressista listou a Espanha, Buenos Aires, Entre Rios e o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. Castela foi descartada por razões como a distância, a sua impossibilidade de resolver as mazelas orientais e, ainda, porque levaria a conflitos armados no interior da província entre seus partidários e seus antagonistas. As guerras em que Buenos Aires e Entre Rios estavam envolvidas impossibilitavam, nas palavras de Llambí, a união da Banda Oriental a estes estados. Assim, o deputado expunha que “A cualquier parte que vuelvo la vista me veo amenazado de los efectos de esta [a guerra]; y si à todos se les presenta con el horroroso aspecto que á mí, ningún mal deberémos temer tanto como él.”
Llambi ainda afirmou que, de fato, a Banda Oriental estava em poder das tropas portuguesas, o que não se podia evitar, e que qualquer resolução dos orientais, por melhor que fosse, podia ser destruída por alguém que pudesse agrupar um pequeno número de combatentes. O aventurar-se nestas contingências seria uma imprudência que os congressistas teriam que responder eternamente aos pueblos.
Identifica-se no discurso de Llambí uma forte dose de pragmatismo ao destacar a fragilidade da província para sustentar-se independente. Se Llambí acreditava em sua argumentação, ou se a mesma foi um meio de justificar o seu voto e de congregar partidários em torno da opção acordada com Lecor, ou simplesmente uma mera encenação, não é o objetivo do presente artigo. Importante é detectar a constante utilização do temor do retorno aos conflitos armados e que o discurso do deputado é um meio para o historiador identificar que a sociedade oriental à época tinha o seu imaginário temeroso no que refere-se às guerras em seu território.
Após a fala de Llambí, conforme constata-se nas atas, Larrañaga foi o deputado que discursou, demonstrando uma posição pragmática e o rechaço em relação à guerra, revelando também uma espécie de trauma no que refere-se aos conflitos armados. Larrañaga afirmou que os orientais encontravam-se, desde 1814, abandonados pela Espanha. Buenos Aires e as demais províncias platinas fizeram o mesmo, deixando a Banda Oriental sozinha em uma guerra muito superior às suas forças e, por esta razão, o religioso anulou qualquer ligação do território com as províncias limítrofes e com a Madri. Assim, detecta-se que a questão dos conflitos bélicos estava presente na argumentação de mais um dos congressistas.
Outro ponto a se observar é que Larrañaga afirmou que após dez anos de revolução, a província estava distante do ponto de partida e que o dever dos congressistas era conservar o que restou do seu aniquilamento e, caso o conseguissem, seriam, então, verdadeiros patriotas. Pragmaticamente, Larrañaga conclamou os deputados a afastarem a guerra e a desfrutarem da paz e da tranquilidade através da união da província à monarquia portuguesa. No entanto, esta união seria sob determinadas condições: o padre defendeu a autonomia da Banda Oriental, propondo que esta fosse considerada como um estado separado, conservando-se, por exemplo, as suas leis e autoridades no conjunto do Império português.
Da mesma forma que os outros deputados, o contato com a ata da sessão que discutiu a anexação permite afirmar que Larrañaga utilizava a possibilidade do retorno à guerra como legitimadora da opção pela permanência dos portugueses na Banda Oriental e, depois do seu discurso, acordava-se a incorporação do território oriental ao Reino Unido português:
Entónces por una aclamacion general los S.S. Diputados dijeron: Este es el único medio de salvar la Provincia; y en el presente estado à ninguno pueden ocultàrse las ventajas que se seguiran de la Incorporac.n bajo condiciones que aseguren la libertad civil […] En este estado, declaràndose suficientemente discutido el punto, acordaron la necesidad de incorporar esta Provincia, al Reyno Unido de Portugal, Brasil y Algarbes, Constitucional, y bajo la precisa circuntancia de que sean admitidas las condiciones que se propondrán y acordarán por el mismo Congreso en sus ulteriores sesiones, como bases principales y esenciales de este acto […]
Assim, no dia 18 de julho de 1821, os congressistas votaram, unanimemente, pela incorporação de Montevidéu e sua campanha ao Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves.
Sucintamente, menciona-se que o conjunto das atas também mostra que, no dia 23, denominou-se a província recém anexada de Estado Cisplatino Oriental, e que nesta data decidiu-se que os cisplatinos teriam representação no Congresso Nacional em Lisboa. No dia 31, segundo a documentação, Lecor aceitou a anexação em nome de D. João VI, sendo que no quinto dia de agosto ocorreu o juramento da mesma, comparecendo Lecor, os congressistas, e todas as autoridades e funcionários de Montevidéu. No dia 8 houve a dissolução do Congresso e suas últimas ordens foram no sentido de enviar cópia das atas a Lecor, para informar ao rei e as cortes de Lisboa dos acontecimentos platinos.
Era mantida, assim, a estrutura de poder iniciada em 1817, aquando da ocupação de Montevidéu por Lecor, porém, a partir de 1821, legitimada não pelo Cabildo, organismo político-administrativo de âmbito municipal, mas por um Congresso representante de toda a província, que, a seu turno, encaixava-se nos moldes liberais, doutrina em voga e ascensão nos quadros do Império bragantino, que vivia a lenta agonia do Antigo Regime português.

Conclusão

Deste modo, conclui-se que o temor em relação ao retorno à guerra foi utilizado pelos congressistas para defenderem a incorporação à monarquia portuguesa e para legitimar a permanência da ocupação liderada por Lecor, sendo as atas importantes fontes para reconstituir o discurso dos deputados, seus argumentos para a criação do Estado Cisplatino Oriental e para analisar o temor existente na sociedade local no que refere-se à possibilidade do retorno aos conflitos bélicos.
Provavelmente, inseridos com sucesso na coalização luso-oriental, os deputados orientais utilizaram no Congresso a argumentação do retorno aos conflitos bélicos pelos seus interesses pessoais (e dos grupamentos que eles estavam vinculados) em incorporar a Banda Oriental à monarquia portuguesa. Bianqui, Llambi e Larrañaga empregaram argumentos plausíveis para respaldarem seus discursos, pois estavam inseridos em uma sociedade duramente marcada pelos anos de conflitos e com seu imaginário temeroso no que referia-se ao retorno das guerras. Além disto, não se pode ignorar que a ameaça bélica era um risco eminente não só para a Banda Oriental, mas para toda a região do Prata, visto os combates militares que as províncias limítrofes estavam mergulhadas, ratificando o quão plausível era a argumentação dos congressistas.
Assim, o discurso enfatizando as antagônicas e concretas possibilidades de guerra e de paz que desenhavam-se diante dos orientais, associadas à concreta recuperação do setor produtivo durante a ocupação lusa foi, sem dúvida, altamente persuasivo e influenciador da anexação à coroa portuguesa, em especial em um contexto social em que a população sofreu por longos anos em virtude de questões bélicas e da destruição da província.
Outro ponto é que mesmo que a participação popular tenha sido vedada no Congresso, sendo este constituído por membros dos segmentos dominantes, provavelmente, o que foi discutido em suas reuniões teve repercussão junto à sociedade oriental, criando, portanto, junto à população oriental argumentos favoráveis à atitude dos congressistas de anexarem o território oriental à monarquia portuguesa. Com os discursos dos deputados ecoando pela Banda Oriental, é provável que estes agregariam partidários e defensores de suas ações por eles terem sido importantes agentes que afastaram a guerra da traumatizada e exaurida província.
Sendo assim, a manutenção do poder português acenava ser, ao menos nos idos de 1821, a solução mais conciliatória e a menos conflituosa para a sociedade oriental e para os grupamentos locais mais destacados, representados no Congresso Cisplatino e partícipes da coalizão luso-oriental. No entanto, a opção dos orientais pela incorporação ao Reino Unido português não os livrou de novas guerras. Com a independência do Brasil, a pública adesão de Lecor ao Império e a fidelidade de parte de suas tropas a Lisboa fez com que conflitos bélicos fossem novamente estabelecidos em terras orientais, tendo, por fim, a situação oriental agravado-se após 1825, quando eclodiu a Guerra da Cisplatina.
Finalizando, o Congresso Cisplatino veio a mudar o destino oriental, pois uniu legalmente este território à Coroa de Bragança, oficializando, portanto, a ocupação lusa. Ademais, interferiu na geopolítica platina, mantendo territorialmente Portugal e, depois, o Brasil, no Prata, diretamente vinculados aos assuntos desta região, tendo que lidar com as constantes oposições e mudanças políticas características das províncias limítrofes à época. Agrega-se ainda que o resultado do Congresso, que levou à permanência de portugueses e brasileiros no território oriental, foi fato crucial para a eclosão da Guerra da Cisplatina, logo para a criação da República Oriental do Uruguai tal como os fatos se desencadearam no reinado de D. Pedro I.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E DOCUMENTAIS

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CASTELLANOS, Alfredo. La Cisplatina, la independência y la república caudillesca. Historia Uruguaya. Tomo 3. 1998. Buenos Aires: Ediciones de La Banda Oriental.

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____________. A atuação do general Lecor na incorporação de Montevidéu e sua campanha à monarquia portuguesa: as divergentes interpretações historiográficas no Brasil e no Uruguai. Jornadas de História Regional Comparada. In: Anais [CD-ROM] da II Jornadas de História Regional Comparada e I Jornadas de Economia Regional Comparada. Porto Alegre: PUCRS, 2005.

___________. Breves considerações acerca da Província Cisplatina: 1821 – 1828. In: Revista Tema Livre, ed.06, 23 agosto 2003. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

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D. João VI, o general Lecor e a criação da Cisplatina

Artigo de Fábio Ferreira
Mestre em História Social pelo Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde defendeu a dissertação intitulada "O General Lecor e as articulações políticas para a criação da Província Cisplatina: 1820-1822."

 

Com o processo de independência dos antigos domínios espanhóis na América e a conseqüente desagregação do Vice Reino do Rio da Prata, a parte denominada Banda Oriental, que corresponde à atual República Oriental do Uruguai, atravessou uma árdua guerra civil, que destruiu grande parte do seu setor produtivo e levou à desorganização a sociedade oriental.

Neste quadro, o príncipe regente D. João tentou estender, em dois momentos, as fronteiras dos seus domínios americanos até o Prata, apossando-se da Banda Oriental. Em 1811, o príncipe realizou a primeira incursão militar nesta área. No entanto, por pressão da Inglaterra, D. João retirou as suas tropas no ano seguinte.

Em 1816 ocorreu a segunda tentativa expansionista, que obteve êxito. Nesse ano, as forças militares do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, lideradas pelo general português Carlos Frederico Lecor1, invadiram o território oriental e conquistaram pacificamente Montevidéu em 20 de janeiro de 1817, após articulações com o Cabildo desse núcleo urbano. A partir de então, Lecor instalou-se na cidade, que passou a ter um governo luso. Concomitantemente, as forças revolucionárias do oriental José Gervásio Artigas resistiam a Lecor, entretanto, em 1820, Artigas foi derrotado, exilando-se no Paraguai do ditador Francia.

Enquanto Lecor realizava a sua administração da Banda Oriental ocorria, em Portugal, mais especificamente no Porto, em agosto de 1820, a Revolução Liberal, que logo chegava a Lisboa e, no ano seguinte, proporcionava agitações em distintas partes do Reino do Brasil, como Pará, Bahia e Rio de Janeiro. Dentre as demandas dos revoltosos estava o estabelecimento das Cortes, a elaboração de uma constituição e o retorno de D. João VI para a Europa.

Em 26 de fevereiro, a guarnição militar do Rio de Janeiro rebelou-se e, com a participação do príncipe D. Pedro, obrigaram D. João VI a jurar a Constituição que estava a ser elaborada em Lisboa. Além disto, o monarca comprometia-se a retornar a Portugal e foi-lhe imposto um novo ministério, em que, dentre outras figuras, estava o liberal Silvestre Pinheiro Ferreira, que ocupou a pasta dos Negócios Estrangeiros e Guerra.2

Em 16 de abril, dez dias antes de retornar para Portugal, D. João VI expediu duas medidas importantes para a região do Prata. A primeira delas foi o reconhecimento da independência das províncias platinas em relação à Espanha. A segunda foi no sentido de resolver a questão da ocupação da Banda Oriental. Assim, ordenou-se a constituição do Congresso Cisplatino para que os orientais votassem o futuro do seu território.

Primeiramente, sobre o Congresso, a idéia deste partiu de Pinheiro Ferreira, que era contrário à permanência dos portugueses na Banda Oriental, argumentando junto ao rei que esta acarretava uma série de prejuízos, seja pela ação de corsários contra o comércio luso, seja pela despesa anual que gerava ao tesouro público.3

Outros fatores apontados pelo ministro liberal que deveria levar-se em conta para o abandono da Banda Oriental era o descontentamento e as insubordinações das tropas lusas estacionadas no Prata, bem como as reivindicações da Espanha em relação ao território oriental. Segundo Pinheiro Ferreira, se D. João VI não resolvesse a questão envolvendo a Banda Oriental antes de partir da América para a Europa, o monarca teria que negociá-la com os espanhóis quando estivesse de volta ao Velho Mundo,4 o que, evidentemente, colocava o rei português sob maiores pressões de Madrid.

Além disto, Pinheiro Ferreira inviabilizava a incorporação do território oriental ao Brasil, afirmando que um decreto não iria transformar os orientais em portugueses, sendo, assim, D. João VI não poderia contar com a fidelidade dos habitantes dessa província e, ainda, o ministro questionava a idéia de que a Banda Oriental desejava unir-se ao Brasil, argumentando que este era o anseio de alguns indivíduos, os aliados de Lecor, que se auto-intitulavam portadores dos desejos da província para fazer o que lhes fosse conveniente. Assim, a única solução que o ministro encontrava era a de que os orientais se reunissem em Assembléia para definir o futuro de sua província.5

Somada à questão de um possível abandono da Banda Oriental, Pinheiro Ferreira sugeriu o envio de João Manoel Figueiredo a Buenos Aires, em missão que mostrasse aos portenhos e aos governos circunvizinhos, como a República de Entre Rios, o desejo de D. João VI de ter relações amigáveis com eles, bem como para incrementar o comércio destes governos com o Reino Unido português. Na proposta do ministro, Figueiredo entraria, uma vez em Buenos Aires, em contato com Chile, Entre Rios, dentre outros governos, e "[…] ao General Barão da Laguna se dará ordem para que coopere com elle [Figueiredo] para restabelecer a boa intelligencia entre aquelles differentes Estados e os Povos do Brazil." Além disto, "Por esta occasião se lhes participará as medidas de liberal conducta que na maneira acima exposta S.M. tem adoptado a respeito da Banda Oriental como huma prova do espírito de Justiça e disinteresse de que o Governo Portuguez se acha animado"6

No próprio dia 16 de abril, Pinheiro Ferreira escreveu a Lecor comunicando que D. João VI ordenava que os orientais votassem pelo futuro do território ocupado, de maneira livre, sob a proteção das armas lusas, mas sem qualquer tipo de pressão. Além disto, Pinheiro Ferreira afirmava que o resultado mais provável do Congresso era o da Banda Oriental constituir-se em um Estado independente, então Lecor ficaria encarregado de acertar com o novo governo a proteção da fronteira e a segurança interna dos orientais. O governador do Rio Grande cuidaria das forças militares responsáveis pela fronteira entre o novo estado oriental e o Brasil.7

A união da Banda Oriental com o Brasil era definida pelo ministro como pouco provável, porém, ele qualificava como algo que não era impossível. Assim, Pinheiro Ferreira expunha que D. João VI desejava que Lecor permanecesse como governador e capitão geral da nova província.8

Por fim, João Manoel Figueiredo portava o ofício que seria entregue a Lecor com as ordens do Congresso Cisplatino e o general deveria ajudá-lo, para que se lograsse a paz com os vizinhos do Brasil. Entretanto, a missão de Figueiredo não foi duradoura. O cônsul apresentou-se ao governo de Buenos Aires em 28 de julho de 1821, porém, menos de um mês depois, em 21 de agosto, o cônsul expirava, nesta cidade, de maneira súbita.9

 

A BANDA ORIENTAL DE D. JOÃO VI E AS RELAÇÕES COM OS VIZINHOS DO REINO DO BRASIL

Para a melhor compreensão das formulações por parte do Rio de Janeiro das ordens para a realização do Congresso Cisplatino é mister a compreensão das relações da Banda Oriental e do Brasil de D. João VI com as repúblicas sul-americanas, tema deste item do artigo.

Sucintamente, sobre as relações de Lecor com os governos limítrofes, é importante observar que eram relacionamentos instáveis, de desconfiança mútua, que variavam de conflitos armados prontos a eclodirem a alianças contra inimigos comuns. Além disto, no que referia-se às relações entre a Banda Oriental e as antigas áreas de dominação espanhola, Lecor tinha o interesse em estar sempre bem informado do que estava a ocorrer nas províncias que compuseram o Vice-Reino do Prata e, até mesmo, em localidades mais distantes, como o Chile e o Peru.

Do mesmo modo, o general buscava manter boas relações, principalmente, com os governos de Buenos Aires e Entre Rios, provavelmente pelo fato de que estes apresentavam grande potencial para rivalizar com os portugueses, por questões como a proximidade geográfica e pelas pretensões destes governos em conquistar a Banda Oriental.

Evidentemente, a atenção dispensada por Lecor aos antigos domínios espanhóis era reflexo da preocupação que existia em setores do Reino Unido português em relação aos seus vizinhos hispânicos. O Correio Brasiliense expunha, em várias de suas edições, que os assuntos referentes aos governos limítrofes eram, depois dos de Portugal, os mais importantes para o Brasil. Observa-se, ainda, que se os assuntos dos vizinhos do Brasil eram relevantes, as questões que envolviam os governos do Prata eram-no ainda mais. O governo de D. João VI tinha interesse pelo que estava a acontecer no espaço platino, buscando informações sobre as províncias desta região. Pinheiro Ferreira entendia que as relações com os vizinhos do Prata era uma das questões mais importantes da sua pasta.10

Assim, além de líder militar e político, Lecor também funcionava como uma espécie de informante do governo do Rio de Janeiro sobre os acontecimentos do antigo Vice-Reino platino e, até mesmo, do Chile e Peru. Por sua vez, o general luso também tinha a sua rede de informantes em diversos pontos do Prata, sendo, deste modo, abastecido com dados concernentes aos fatos ocorridos nos territórios hispânicos.

Em função dos adventos ocorridos no Reino Unido português, em especial após os acontecimentos de fevereiro de 1821 na Bahia e no Rio de Janeiro, Buenos Aires começava a articular os meios para entrar em conflitos armados com Lecor, esperando, somente, o resultado de expedição buenairense enviada a Lima. Os desdobramentos do liberalismo em Portugal e no Brasil só vieram a fortalecer o projeto de Buenos Aires e, ainda, nesta cidade tinha-se a ciência de que restabeleceria-se na Europa a sede da monarquia lusa, que, por sua vez, na concepção portenha, poderia prejudicar o systema americano.11

Além disto, Buenos Aires sabia que no Manifesto Nacional os portugueses apoiavam as queixas da Espanha sobre a ocupação da Banda Oriental, bem como expressavam a sua insatisfação em relação aos altos custos da ocupação do território oriental e o conseqüente desejo de Portugal abandonar a conquista platina. Deste modo, nos planos de Buenos Aires, era chegada a hora de indispor-se com a Banda Oriental portuguesa. Segundo Lecor, os planos dos portenhos era expulsá-lo da Banda Oriental e, ainda, levar às províncias do Brasil a guerra, fomentando a separação do reino americano de Portugal.12

Assim, nesse contexto de desconfianças e ameaças mútuas, foram expedidas pelo Rio de Janeiro as já citadas medidas relativas ao Prata. Aos portenhos, em ofício de 16 de abril, Pinheiro Ferreira mostrava o desejo de D. João VI de ter relações de amizade com os vizinhos do Brasil, sendo que as províncias de Buenos Aires ocupavam o primeiro lugar e, expressava, igualmente, o reconhecimento do rei à independência portenha. No mesmo documento, o ministro português comunicava a realização do Congresso Cisplatino, mas com o cuidado de construir a imagem das Cortes de Montevidéu como feitas da maneira mais livre e popular, sem a menor sombra de coerções e de manipulações.13

Além disto, no ofício, havia a justificativa do reconhecimento da independência dos governos limítrofes não ter sido feita antes pelo monarca, associando-se, assim, esta ação à ascensão do liberalismo no Reino Unido português, bem como a outras questões internas e externas, sem mencionar no documento quais e, ainda, à política dos Estados europeus. Igualmente, o governo de D. João VI anunciava que receberia em seus domínios os agentes portenhos, fossem eles comerciais ou diplomáticos, com todas as honras e considerações.14

Seguidamente a estas exposições, Pinheiro Ferreira afirmava aos portenhos que esperava que o reconhecimento feito por D. João VI gerasse nas províncias vizinhas similar reconhecimento em relação aos domínios lusos.15 No mais, o ofício redigido por Pinheiro Ferreira para o governo instalado em Buenos Aires era enviado, através de cópias, para as províncias do interior, para o Paraguai, Chile e Colômbia.16

Entretanto, as amigáveis intenções do ministro não conquistaram a confiança portenha. Por mais que as comunicações dirigidas a Buenos Aires tenham sido repletas de expressões e vocabulários indicadores de uma política de boa vizinhança e típicos do liberalismo, Martin Rodriguez, que estava a frente do governo portenho, escrevia à Junta de Representantes da Província de Buenos Aires, ao Chile e ao Paraguai expressando a sua desconfiança e ojeriza em relação ao ministro liberal e ao Congresso Cisplatino (Ressalta-se que Martin Rodriguez tomava este posicionamento antes mesmo do congresso ser realizado).17

Na carta a Francia, Rodriguez expunha que acreditava que o reconhecimento das independências era um meio para obrigá-los a consentir na incorporação do território oriental ao cedro de D. João VI. Além disto, Rodriguez entendia a Banda Oriental como parte da nação que Buenos Aires também fazia parte.18

Em Buenos Aires havia a desconfiança do que poderia haver por trás do reconhecimento da independência dos governos do Prata. Suspeitava-se que poderia ser uma espécie de moeda de troca com as forças políticas platinas, para que estas reconhecessem a presença lusa na Banda Oriental, presença que acabou por ser votada pelos orientais no Congresso Cisplatino, conforme será apresentado no próximo item.

 

A CRIAÇÃO DO ESTADO CISPLATINO ORIENTAL

Uma vez expedida pelo governo de D. João VI as ordens para a realização do Congresso e tendo ciência das tensas relações que envolviam o território oriental e, principalmente, o governo de Buenos Aires, é válido ressaltar que Lecor escreveu, em fins de maio de 1821, a Silvestre Pinheiro Ferreira, informando que os habitantes da província temiam que os portugueses de lá saíssem, pois acreditavam que se isto ocorresse, a Banda Oriental seria novamente vítima dos conflitos armados, mergulhando, assim, em uma nova guerra civil.19 Identifica-se, nesta questão, o interesse de Lecor em manter o poder português na Banda Oriental, com a construção de uma argumentação que buscava convencer o ministro liberal da necessidade da permanência da ocupação.

Dias depois, Lecor expediu, em 15 de junho de 1821, as ordens para a convocação do Congresso e de seus deputados. A comunicação do general português foi dada a Juan José Durán, chefe político da província. De acordo com as ordens de Lecor, baseadas nas de Pinheiro Ferreira, os deputados deveriam ser nomeados livremente, sem violência e da maneira mais adequada às circunstâncias e costumes do país – palavra utilizada na documentação para definir a Banda Oriental – de modo que se fosse consultada a vontade geral dos povos. Além disto, os parlamentares deveriam representar toda a província para deliberarem sobre o futuro oriental, de modo a decidir como esta seria governada.20

No documento, Lecor pediu a maior brevidade possível na instalação do Congresso, para que o mesmo fosse instalado ainda em 15 de julho de 1821, logo, um mês depois, e transferia toda a responsabilidade da convocação e do processo eleitoral do Congresso Cisplatino para Durán. Assim, o chefe político da província ficou responsável pela definição do número de deputados que iriam compor o Congresso e a quantidade de parlamentares que cada pueblo ou departamento enviaria a Montevidéu. Ressalta-se que Lecor somente informou que o critério de seleção dos componentes do Congresso deveria ser proporcional ao número aproximado de habitantes de cada parte da Banda Oriental. Após as instruções de Durán, iniciou-se, na Banda Oriental, o processo de seleção dos deputados e seus suplentes para o Congresso Cisplatino.

É importante ressaltar que, quatro dias depois, em 19 de junho, basicamente um mês antes da primeira reunião do Congresso Cisplatino, Lecor escreveu ao conde dos Arcos afirmando que acreditava que o seu resultado seria o de incorporar a Banda Oriental aos domínios de D. João VI. Na carta, além do resultado do Congresso, pois os orientais várias vezes haviam pedido que D. João VI permanecesse no controle definitivo da província, Lecor expunha que estava a preparar o Congresso da maneira que fosse conveniente para resultar na incorporação à monarquia lusa e, assim, esperava a aprovação do rei, mas, também, de D. Pedro, dos seus métodos.21 Nove dias depois, em 28 de junho, Lecor escreveu outra carta ao conde dos Arcos, demonstrando novamente o conhecimento prévio do resultado do Congresso Cisplatino.22

Também confirmando o resultado estavam os ofícios enviados por Martin Rodriguez, em dois de julho de 1821, antes ainda da primeira reunião do Congresso, ao Chile, Paraguai e às províncias platinas:

Sabe el Gobierno por noticias reservadas y reservadisimas q.e ha podido recoger del Brasil y del mismo Montevideo, q.e ha emprezado á plantificarse el plan, que dejó dispuesto S. M. F. al retirarse p.a Europa, de agregar al territorio brasiliense toda la Banda Oriental de este Rio adoptando p.a esto el simulado arbitrio de consultar, por medio de un Cong.o […] 23

Não se pode ignorar o quanto Martin Rodriguez era antipático à ocupação de Montevidéu e ao governo português, nem a sua busca de gerar semelhante rejeição nas províncias que hoje compõem a Argentina e nos governos do Chile e do Paraguai. Entretanto, do mesmo modo, não pode-se ignorar que as informações contidas no ofício de Martin Rodriguez não diferem da das cartas de Lecor. Rodriguez afirmou, antes do resultado do Congresso, que este resultaria na incorporação da Banda Oriental ao Brasil, e que o mentor do plano era D. João VI.

Além disto, no citado ofício, o governador de Buenos Aires expunha que o reconhecimento da independência das antigas colônias de Espanha significava o desejo, por parte de D. João VI, de que, como moeda de troca, os hispânicos reconhecessem a incorporação da Banda Oriental. Também parte do resultado acordado, os portugueses teriam colocado uma série de agentes no interior da Banda Oriental para trabalharem positivamente junto à população o resultado do Congresso Cisplatino.24

Sobre o Congresso, este iniciou-se no dia 15 de julho, "[…] en conformidad de lo dispuesto por S.M.F. El Rey del Reyno Unido de Portugal, Brasil y Algarves y publicado para su observancia y cumplimiento por el Ilmo y Exmo Sor. Barón de la Laguna, comandante en Gefe del ejército pacificador de esta Provincia: llegado el caso de reunirse un Congreso general extraordinario para tratar y decidir sobre la suerte futura del País […]"25 tendo como deputados diversos aliados de Lecor, como o próprio Durán, Fructuoso Rivera e Tomás García de Zúñiga. Além destes, foram congressistas o padre Dámaso Antonio Larrañaga, Jerónimo Pío Bianqui e Francisco Llambí, que compuseram, em 1817, o Cabildo que entregou Montevidéu a Lecor.

Três dias depois da abertura do Congresso Cisplatino, no dia 18 de julho, os congressistas votaram, unanimemente, pela incorporação ao Reino Unido português. Outra questão válida de ressaltar é que os deputados estabeleceram a clara vinculação entre a anexação e a garantia de uma certa autonomia para a província dentro dos quadros da monarquia portuguesa, inclusive com representação no Congresso Nacional, com a manutenção do castelhano como seu idioma oficial e dos limites com o Brasil sendo anteriores ao processo revolucionário do Prata. Além disto, no Congresso determinou-se que o nome do novo território correspondente à Banda Oriental seria Estado Cisplatino Oriental.26

Complementa-se que os deputados estabeleceram como uma das cláusulas da incorporação a permanência de Lecor no poder, definindo que o general continuaria no comando do Estado Cisplatino: "Continuará en el mando de este Estado, el Señor Barón de la Laguna."27 O oriental responsável por certificar-se do cumprimento das condições para a incorporação e resolver juntamente com Lecor eventuais solicitações dos pueblos recaiu sobre Tomás García de Zúñiga28, um dos principais aliados de Lecor, que, inúmeras vezes, chegou a financiar a administração do general com seus próprios recursos financeiros.

Quase um mês depois da sua primeira reunião, em oito de agosto de 1821, o Congresso Cisplatino encerrou-se. As suas últimas ordens foram no sentido de enviar cópia das atas a Lecor, para que o general informasse os últimos acontecimentos ao rei D. João VI, que a esta altura já estava em Portugal, e as Cortes de Lisboa.29 Assim, as desconfianças portenhas de que as forças de Lecor na Banda Oriental permaneceriam, concretizaram-se no citado Congresso. De semelhante modo, concretizavam-se as afirmações contidas nas epistolas de Lecor de que a anexação ocorreria.

 

CONCLUSÃO

Assim sendo, é provável que o reconhecimento da independência das Províncias do Prata esteja relacionado com o Congresso Cisplatino, significando uma espécie de troca, pois o reconhecimento da independência poderia ter sido feito pelo monarca em outro momento. Evidentemente, a ascensão do liberalismo no Reino Unido português não pode ser negada, pois mudava a correlação de forças no âmbito interno e externo dos domínios joaninos, com a ascensão de novos ministros e a mudança de Portugal dentro do jogo diplomático europeu.

Provavelmente, partindo para a Europa, D. João VI desejava resolver definitivamente as pendências existentes no espaço platino, neutralizando, com o reconhecimento da emancipação, a oposição do governo de Buenos Aires ao governo português. Também é provável que significasse que o monarca acreditasse que o resultado do Congresso viesse a desagradar aos portenhos e, para amenizar a ira destes, reconhecia, assim, a sua independência.

Finalizando, de acordo com a documentação, antes mesmo da instalação do Congresso Cisplatino, já havia o conhecimento do seu resultado, mostrando-se que as Cortes de Montevidéu foram um simulacro – utilizando-se aqui as palavras de Martin Rodriguez – de representação. Além disto, não pode-se negar a ação de Lecor e do seu grupo de aliados políticos no Congresso Cisplatino para que se lograsse o resultado que lhes fosse conveniente. Assim sendo, as articulações e a habilidade política do general Carlos Frederico Lecor foram fundamentais para a criação e anexação do Estado Cisplatino Oriental ao Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves.

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Notas

01 – Lecor, de ascendência francesa, nasceu em Portugal na década de 1760, ingressando no final do século XVIII no exército português. Lutou na Campanha do Rosilhão, onde, em 1794, foi ferido gravemente, quase falecendo, no entanto, isto não impediu que o militar participasse das lutas contra Napoleão Bonaparte, liderando, inclusive, a Leal Legião Lusitana. Lecor lutou em território francês e, com a derrota da França, conduziu as vitoriosas tropas portuguesas de volta ao seu país.
Findo os conflitos na Europa e com os interesses da monarquia de Bragança nas questões geopolíticas relativas ao espaço platino, as tropas portuguesas situadas no velho mundo foram enviadas para o Brasil. Lecor, na ocasião Governador da Praça de Elvas, liderou a expedição destinada ao Prata.

02 – NEVES, Lucia Maria Bastos Pereira das. Corcundas e constitucionais: A cultura política da independência (1820-1822): Rio de Janeiro: Revan, FAPERJ, 2003, p.249 e SERRÃO, Joaquim Veríssimo. História de Portugal: 1807 – 1832. Viseu: Verbo, 2002, p.372.

03 – Silvestre Pinheiro Ferreira. "Memória e Cartas biográficas". Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, 1876-1877. Volume II, Rio de Janeiro, Tipografia G. Lenzinger & Filhos. 1877. Apud: Devoto, El Congreso Cisplatino (1821): repertorio documental, seleccionado y precedido de um análisis. Revista del Instituto Histórico y Geográfico del Uruguay, t.XII. Montevideo: 1937, p.163-164.

04 – Idem.

05 – Idem, p.164.

06 – Idem, p.167.

07 – Arquivos do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal, livro "Rio da Prata". Apud: Devoto, op.cit., p.169-171.

08 – Idem.

09 – La Gaceta de Buenos Aires, nº66, 01 de agosto de 1821, p.309 (Acervo da Biblioteca Nacional de Buenos Aires); Carta de Francisco da Costa Pereira ao Barão da Laguna. Buenos Aires, 23 de agosto de 1821, p.1-2. Lata 396, doc.10, v.2, p.98-99 (Acervo do IHGB); Documentos para la Historia Argentina. Correspondencias generales de la província de Buenos Aires relativas a relaciones exteriores (1820-1824), t.XIV. Facultad de Filosofía y Letras. Buenos Aires, 1921. Apud: DEVOTO, op.cit., p.180.

10 – Fundo: Cisplatina, cx. 977, pac. 02, doc.19, p.55-61 (Arquivo Nacional do Rio de Janeiro); Silvestre Pinheiro Ferreira. "Memória e Cartas biográficas". Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, 1876-1877. Volume II, Rio de Janeiro, Tipografia G. Lenzinger & Filhos. 1877. Apud: Devoto, op.cit., p.163 e COSTA, Hipólito José da. Correio Braziliense, ou, Armazém literário, v.-XVI-XXIX. (1816-1822). São Paulo: Imprensa Oficial do Estado; Brasília: Correio Brasiliense, 2002.

11 – Carta do Barão da Laguna a Silvestre Pinheiro Ferreira. Montevidéu, 4 de abril de 1821, p.1. Lata 396, doc.10, v.2, p.30. (Acervo do IHGB).

12 – Idem.

13 – Arquivos do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal, livro "Rio da Prata". Apud: DEVOTO, op.cit., p.171 e 172.

14 – La Gaceta de Buenos Aires, nº66, 01 de agosto de 1821, p.309 (Acervo da Biblioteca Nacional de Buenos Aires).

15 – Idem, p.310.

16 – Idem.

17 – Documentos para la Historia Argentina. Correspondencias generales de la província de Buenos Aires relativas a relaciones exteriores (1820-1824), t.XIV. Facultad de Filosofía y Letras. Buenos Aires, 1921. In: DEVOTO, op.cit., p.176.

18 – Carta de Martín Rodríguez a Gaspar Rodríguez Francia, Buenos Aires, 27 de julho de 1821. Apud: DEVOTO, op.cit., p.385-386.

19 – Carta do Barão da Laguna a Silvestre Pinheiro Ferreira. Montevidéu, 25 de maio de 1821, p.1-3. Lata 396, doc.10, v.2, p.35-37. (Acervo do IHGB).

20 – Carta do Barão da Laguna ao Conde dos Arcos. Montevidéu, 19 de junho de 1821, p.1. Lata 396, doc.10, v.2, p.48. (Acervo do IHGB).

21 – Carta do Barão da Laguna ao Conde dos Arcos. Montevidéu, 28 de junho de 1821, p.1. Lata 396, doc.10, v.2, p.49. (Acervo do IHGB).

22 – Documentos para la Historia Argentina. Correspondencias generales de la província de Buenos Aires relativas a relaciones exteriores (1820-1824), t.XIV. Facultad de Filosofía y Letras. Buenos Aires, 1921. Apud: Devoto, op.cit., p.177.

23 – Idem, p.178.

24 – El Argos de Buenos Aires, 21 de julio de 1821. (Acervo da Biblioteca Nacional de Buenos Aires).

25 – ACTAS DEL CONGRESO CISPLATINO. Montevideo, 1821. Archivo General de la Nación., f.1. (Acervo do Archivo General de la Nación, Montevideo)

26 – Idem, f.8v-27v.

27 – Idem

28 – La Gaceta de Buenos Aires, op.cit., p.326. (Acervo da Biblioteca Nacional de Buenos Aires)

29 – ACTAS DEL CONGRESO…, op. cit., f.39 e 39v. (Acervo do Archivo General de la Nación, Montevideo)

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A administração Lecor e a Montevidéu portuguesa: 1817 – 1822

Texto de Fábio Ferreira

Carlos Frederico Lecor: representante de D. João na ocupação de Montevidéu, personificando o antagonismo ao general Artigas.

Carlos Frederico Lecor: representante de D. João na ocupação de Montevidéu.

A monarquia portuguesa, durante o período de sua permanência no Rio de Janeiro, entre 1808 e 1821, tenta, em três momentos, conquistar o que corresponde à atual República Oriental do Uruguai. A primeira tentativa, em 1808, tem, inicialmente, o apoio do príncipe regente D. João, e corresponde ao projeto de Carlota Joaquina em exercer a regência espanhola a partir do Rio da Prata. No entanto, pela ação de Lorde Strangford, representante britânico no Rio de Janeiro, e de D. Rodrigo de Souza Coutinho, ministro de D. João, o plano de Carlota malogra.

Uma segunda tentativa expansionista lusa ocorre em 1811, mesmo ano em que José Gervásio Artigas adere à Revolução de Maio, iniciada em Buenos Aires, e que busca o rompimento com a Espanha. As tropas de D. João invadem o território oriental sob a alegação de preservá-lo aos Bourbon, casa real a qual Carlota pertence e, também, sob o argumento de que as perturbações no território oriental causavam turbulências na fronteira com o Rio Grande. No entanto, mais uma vez por pressão inglesa, D. João retira as suas tropas desse território em 1812.

Em 1816 ocorre a terceira tentativa expansionista lusa, que obtém êxito. As tropas do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves são lideradas pelo então general Carlos Frederico Lecor e invadem o território oriental, conquistando Montevidéu em 20 de janeiro de 1817.

Uma vez estabelecendo-se a conquista e o governo luso de Montevidéu, permanece à frente desta empreitada o general Lecor, que administra o território oriental a partir de Montevidéu até 1825. Assim, nas linhas a seguir serão apresentados alguns aspectos da administração Lecor.

Sobre Carlos Frederico Lecor, líder do projeto expansionista português na região do Prata, nasceu em Faro1, no Algarves. Descendia, pelo lado paterno, de franceses e, do materno, de alemães, sendo destinado por seus progenitores à vida comercial, vivendo, assim, na Holanda e na Inglaterra. Entretanto, opta pela carreira militar, assentando praça no regimento de Artilharia de Faro.

Na última década do século XVIII e na primeira do XIX, Lecor ascende no exército português, tendo tido, dentre outras patentes, as de soldado de artilharia, sargento e capitão. Com as três invasões francesas que Portugal sofre a partir de 1807, lideradas, respectivamente, pelos generais Junot, Soult e Massena, Lecor participa da ação contra os ocupadores e ascende na hierarquia militar durante a guerra contra Napoleão e, ainda, “[…] ostentaba como galardón de su carrera, el haber iniciado en Portugal la reacción contra el invasor. Carlos Frederico Lecor, el único de los oficiales extranjeros que mereciera el honor de comandar una división inglesa a las órdenes de Wellington […]”2

Durante o conflito o então Tenente-Coronel Lecor deserta, assim como outros oficiais lusos, indo para a Inglaterra, onde organiza a Leal Legião Lusitana contra o sistema napoleônico. Lecor luta em território francês e, uma vez havendo a derrota do oponente, as vitoriosas tropas portuguesas retornam ao seu país lideradas pelo marechal-de-campo Lecor.

Assim, com o fim da guerra no velho mundo e com os interesses da monarquia de Bragança nos assuntos americanos, é decidido que tropas sejam enviadas para a América. O Tenente-General Lecor, então Governador da Praça de Elvas3, é escolhido4 para liderar os militares portugueses envolvidos na conquista da Banda Oriental.

Com a conquista lusa de Montevidéu, Lecor fica à frente do governo instalado neste núcleo urbano e, na campanha, travam-se lutas contra Artigas. Uma vez no poder, Lecor aproxima-se de pessoas de destaque de Montevidéu, tendo no seu circulo figuras como, por exemplo, o Padre Larrañaga, que outrora fora aliado de Artigas, além de ter sido o fundador da Biblioteca Pública de Montevidéu, e autor de várias obras no âmbito científico, literário, teológico e político; Francisco Llambi, assessor do Cabildo de Montevidéu em 1815, período em que a cidade está sob o poder das forças artiguistas; e, ainda, Nicolas Herrera, figura controversa na historiografia uruguaia, pelo fato de ter sido aliado do portenho Alvear e, depois, de Lecor. Sobre este oriental, soma-se que, segundo Donghi, quando as forças de Lecor marcham sobre o território oriental, Herrera está ao lado do general, além de que “(…) ahora su función es asesorar a sus nuevos amos en esa conquista pacífica que debe acompañar a la militar.”5

Lecor também tenta compor politicamente com Artigas, entretanto, não obtém êxito. O general português, de acordo com as instruções que recebeu, propõe ao caudilho que venda as suas propriedades e bens legitimamente seus, além do exílio no Rio de Janeiro ou em qualquer outro lugar que D. João autorize e, ainda, o ganho de um soldo, que não exceda o de coronel de infantaria portuguesa. Porém, com Artigas, a “diplomacia” de Lecor malogra, não conseguindo a pacificação do território oriental.6

Para derrotar Artigas, Lecor aproveita-se do contexto oriental, pois à medida que o poderio do caudilho encolhe e o luso cresce, a população demonstra-se mais favorável aos ocupadores e, assim, Lecor militariza a população e organiza-a contra Artigas.7

Entretanto, isto não significa que Lecor obtém unanimidade, pois a resistência artiguista perdura até 1820. Porém, observa-se que Lecor sabe atrair para o seu lado aliados do caudilho8, como, por exemplo, Fructuoso Rivera.

Sobre a administração Lecor, é válido salientar que

“Mediante dádivas y honores, ganó la voluntad de los hombres; profundo conocedor de las flaquezas humanas, halagó a unos con promesas y a otros con realidades; repartió cruces y condecoraciones; distribuyó tierras que no eran de su Rey; conquistó a la sociedad de Montevideo con fiestas y saraos; casó a su oficiales con hijas del país, haciendo él lo propio; seleccionó los hombres para casa cometido; eligió a su gusto los Cabildos, organismos que tenían prestigio popular y que fueron el secreto de su política, y de tal suerte dispuso las cosas, que todos los actos de incorporación a la corona de don Juan VI o cesiones a favor de ella, parecieron siempre hechos espontáneos, debidos a solicitudes y ruegos de nuestro pueblo, que se lisonjeaba en proclamarlo su Rey.”9

Medida tomada por Lecor e apresentada na extração acima é a de incentivar o casamento entre os militares luso-brasileiros com as mulheres de Montevidéu. Observa-se, inclusive, que o próprio Lecor casa-se, em 1818, com Rosa Maria Josefa Herrera de Basavilbaso, que à época possuía 18 anos de idade.

No mesmo ano do seu casamento, Lecor recebe o título nobiliárquico de Barão da Laguna, em virtude das mercês que D. João VI concede pela sua aclamação e coroação como rei de Portugal, Brasil e Algarves. Sobre a origem do Laguna no título do militar português, Duarte afirma que “Acreditamos que, ao conferir o título de Barão da Laguna ao General Lecor, reportara-se o Rei ao fato de que fora naquela povoação catarinense que o Comandante da Divisão de Voluntários Reais iniciara a penosa marcha para atingir Montevidéu.”10

Uma vez no poder, Lecor também distribuí terras entre os ocupadores, tanto as que são de posse dos chefes artiguistas, quanto as abandonadas. Além deste benefício, os invasores adquirem estâncias a baixíssimo custo, tirando proveito da situação em que o território oriental vive. Igualmente os estancieiros criollos que apóiam Lecor são contemplados com essa política.11

No que tange a política de Lecor para os Cabildos, o general, através da sua destreza e de promessas, busca a interferência e, também, a simpatia destes corpos municipais. Lecor mantém os Cabildos e os alcaides de acordo com as instruções dadas pelo Marquês de Aguiar.12 Sobre o general e esta instituição municipal, é válido observar que

“En 1819 dispuso Lecor que se alejase del Cabildo la tercera parte de sus integrantes, a excepción de Juan José Durán y Jerónimo Pío Bianqui, debiéndose elegir los sustitutos y confirmar en sus puestos a los restantes; y el 9 de agosto de 1820, el propio Lecor ordenó la separación de cinco cabildantes que protestaban por el incumplimiento de las bases de incorporación ajustadas por los pueblos del interior con el Cabildo de Montevideo.”13

Ainda sobre os Cabildos, estas instituições “[…] habían perdido el carácter popular que en otras épocas los hiciera respetables, por irregularidades en la forma de su elección e influencia que en sus deliberaciones ejerciera el Barón de la Laguna.”, além de que durante o período do governo luso

“La posición de esos cuerpos municipales respecto de Lecor, no era uniforme. El de Montevideo, nombrado bajo su directa influencia, respondía ciegamente a sus intenciones cuyos secretos conocía; los del interior obedecían también sus directivas, pero sin tener una noción exacta de cuáles eran los planes de que venían a ser instrumentos.”

Assim, desacreditando estas instituições municipais, Devoto afirma que

“En los Cabildos de 1821, podía, sin duda, desde el punto de vista de las formas de su elección, reconocerse organismos legalmente constituidos, pero nombrados bajo la inspiración de Lecor, ¿hasta dónde representaban los intereses y las ideas de los pueblos? ¿Tenían, acaso, competencia para elegir sus diputados [no caso, elegê-los para o Congresso Cisplatino].”14

É válido observar que com o trecho acima, além de questionar a autonomia dos Cabildos, principalmente o de Montevidéu, Devoto apresenta as características de articulador político do general Lecor e a influência do mesmo nas instituições políticas orientais.

A atuação de Lecor à frente do território oriental é definida por Devoto como uma ação política, e que sua administração é baseada em suas articulações. O autor inclusive afirma que a característica política do personagem prepondera sobre a militar, pois, após citar o destaque de Lecor nas lutas da Europa, afirma que “en América [Lecor fue] un General de Gabinete que ganó en el campo de la intriga todas sus batallas” e que “Sus contemporáneos señalaron preferentemente una característica de su personalidad: la astucia. Lecor ‘es un raposo y no un León’, expresó con acierto Lavalleja.”15

A ação política de Lecor no território oriental não é ignorada por Duarte. O autor afirma que “Instalado em Montevidéu, iniciou o General Lecor seu trabalho de sapa, subterrâneo e paciente, implantando uma espécie de quinta-coluna, a fim de fortalecer o partido que representava, e fomentar a oposição à reconquista espanhola”16. O autor também expõe que

“Silencioso, mas dinâmico, caprichoso e astuto, sem parecer, por mais diplomático, que militar, como aparentava à luz do sol pelas revistas, formaturas e desfiles da Tropa, o General escolhido por D. João […] desenvolvia intenso labor num meio estranho, cercado de interesses de todos os matizes.

E, para bem cumprir a tarefa de extrema delicadeza que recebera, Lecor passou a usar a sutileza, a finura na penetração dos sentidos, agindo tanto pela força, como pelo suborno, estes às vezes claro, chocante, outras vezes, ameno e até colorido de malícia… Sempre no afã de arregimentar prosélitos, procurando-os, principalmente, nas agremiações nas quais uma defecção era compromisso passível de morte, em caso de reconquista espanhola ou portenha; era indispensável admitir ambas as hipóteses. Assim, entre os castelhanos buscava adeptos que, mais tarde, pelo próprio instinto de conservação, embaraçariam e afastariam a volta do domínio de Fernando VII, e nisso sua política, embora em círculo muito limitado, evidenciou-se portentosa.”

Assim, verifica-se que a dominação lusa não acontece somente pela força militar, outros componentes, como os de caráter político, são de fundamental importância para a permanência de Lecor no poder. O trecho acima também evidencia o lado político do general, além de que há a existência de um grupo em Montevidéu que dá-lhe suporte e articula com ele, e que existem alianças e negociações entre o militar e os habitantes da cidade ocupada.

Segundo Duarte, a conquista só concretiza-se em função das habilidades pessoais de Lecor:

“[…] o General Lecor emprestou grande contribuição pessoal [à tolerância e simpatia dos orientais em relação as tropas de ocupação], impondo a seus comandados uma disciplina que contrastava com o bárbaro procedimento dos soldados de Otorgués [representante de Artigas em Montevidéu]; sobretudo atuando junto aos párocos, de maneira que estes influíssem na opinião das ovelhas de seus rebanhos […]”

A respeito, é válido observar a relação de Lecor com a Igreja Católica. As forças ocupadoras têm, desde o início, o apoio do padre Larrañaga que, a princípio, pode ser entendido como o representante do clero católico na administração portuguesa de Montevidéu. Larrañaga está ao lado de Lecor em diversos momentos da administração do general, como, por exemplo, no Congresso Cisplatino, e na instalação da Escola de Lancaster na Cisplatina17.

Sobre o Congresso, realizado em julho e agosto de 1821, os seus deputados – Larrañaga é um deles – votam pela incorporação da Banda Oriental à monarquia portuguesa sob o nome de Estado Cisplatino Oriental, sendo, inclusive, a nomenclatura sugerida pelo sacerdote18. Grande parte da historiografia uruguaia aponta os congressistas como aliados de Lecor, e que o resultado do Congresso foi fruto das articulações políticas entre o general e os orientais. O contato com as atas do Congresso, disponíveis no Archivo General de Nación de Montevidéu, permite verificar o processo de articulação política entre Lecor e os congressistas em torno da criação da Cisplatina.

A Escola de Lancaster é implementada devido à atuação de Larrañaga e, com a aprovação do Cabildo, Lecor autoriza a implementação do método no território que está sob a sua autoridade. A Sociedade Lancasteriana de Montevidéu, constituída no dia 3 de novembro de 1821, tem como presidente Lecor

Assim, a participação do padre na constituição da Sociedade Lancasteriana, na adoção do método de ensino, e na criação da Cisplatina, são evidências que mostram a participação do sacerdote no governo luso-brasileiro e a proximidade existente na relação entre Larrañaga e Lecor. O relacionamento entre os dois também evidencia a participação oriental na administração Lecor.

Entretanto, apesar de ocorrer a participação de habitantes locais na administração do general, Lecor também atua na repressão aos seus opositores. Ele ordena, via uma publicação, que em relação aos seus oponentes a ordem é a de que

“[…] tais partidas seriam tratadas como salteadores de estradas e perturbadores da ordem pública. E, no caso de não poderem ser aprisionados os autores de tais atentados, se faria a mais séria represália às famílias e bens dos chefes e elementos dessas partidas, podendo […] [o] Exército português […] queimar as estâncias e levar suas famílias para bordo dos navios da esquadra.”19

Com isso, pode-se perceber a repressão por parte do governo de Lecor aos seus opositores. Autores uruguaios com os quais obtivemos contato caracterizam o governo de Lecor como violento. O que é bem provável, pois a força ocupadora, por mais que tenha um grupo que a apóie, tem os seus oponentes, que precisam ter a sua atuação anulada. Ressalta-se, também, que os opositores agem através da força e em um contexto de guerra, então para silenciar a oposição, emprega-se igualmente a força.

Provavelmente, Lecor, em determinados momentos, usa da força para alcançar os seus objetivos, no entanto, não pode-se ignorar a questão da cooptação, onde Lecor conquista a sociedade montevideana com títulos, festas e promessas.

Durante a administração Lecor, mais precisamente em 1819, é construído um farol na Ilha das Flores, nas imediações de Montevidéu. A alegação é a de que no local ocorrem constantemente acidentes – o que não é falso, inclusive, na ocasião, havia ocorrido um –, no entanto, o farol de Lecor tem um preço: o Cabildo montevideano passa para o Rio Grande vasto território pertencente à Banda Oriental.20

Neste território, de escassa população, mas abundante em gado, os ocupadores fazem vastas doações a oficiais e soldados portugueses e brasileiros, constituindo, deste modo, grande dependência econômica do território doado com o Rio Grande, “[…] a la que se pretendió anexar en 1819 con el denominado Tratado de la Farola que fijaba el límite meridional de aquélla en el río Arapey.”21

Ainda sobre a atuação de Lecor à frente do governo instalado em Montevidéu, observa-se que o personagem atua com relativa autonomia em relação ao monarca português, principalmente nos últimos momentos de união de Portugal e do Brasil. Como exemplo, pode-se citar o Congresso Cisplatino, onde o general age diferentemente das ordens do governo português, bem como procura atender os seus interesses e os do seu grupo de apoio:

“En uso de las amplias facultades que le diera la Corona, Lecor había gobernado la Provincia Oriental de manera absoluta y, en algunos casos, con independencia de la voluntad del Soberano y sus ministros, especialmente en los últimos tiempos en que los graves acontecimientos políticos de la metrópoli, rodearon de atenciones a estos últimos. La celebración del congreso dispuesta por Juan VI, fue encarada por Lecor como un asunto de su interés particular y del de su círculo. El ‘Club del Barón’ llamaron los contemporáneos a ese grupo político integrado en distintas épocas por Tomás García de Zúñiga, Juan José Durán, Nicolás Herrera, Lucas J. Obes, Dámaso A. Larrañaga, Francisco Llambí, Francisco J. Muños, Jerónimo Pío Bianqui, José Raimundo Guerra, entre otras figuras de menor volumen.”22

A respeito da participação de Lecor no Congresso Cisplatino e da conjuntura no território oriental à época do resultado da votação, Duarte afirma que

“Se a incorporação da Banda Oriental aos domínios da Coroa Portuguesa havia sido uma vitória pessoal das qualidades do Barão da Laguna, nem por isso foi ele justamente recompensado de seu árduo trabalho. Por essa época, irrompeu nas fileiras da Divisão de Voluntários Reais o manifesto desejo de retornar a Portugal […]”23

Pode-se constatar na extração acima as dificuldades que as tropas portuguesas estão a causar durante a administração de Lecor. Agrega-se, também, a habilidade política que o general tem que ter para mantê-los e comandá-los de maneira conveniente aos seus interesses.

Nesse momento, a situação do grupamento militar português instalado no território oriental é de insatisfação. As tropas portuguesas são a favor de que se jure a Constituição, enquanto Lecor não apóia o juramento, assim como as tropas americanas24 e, ainda, os lusos reclamam pelo fato de não receberem há vinte e dois meses e desejam retornar para Portugal.

Outra insubordinação que Lecor tem que lidar durante a sua administração é o motim das tropas portuguesas em 20 de março de 1821. Na ocasião, aquela Divisão, na praça de Montevidéu, reivindica o comprometimento do Barão da Laguna com a constituição e, ainda, exige a presença de Lecor para que seja formado um Conselho Militar sob a presidência do mesmo.

Agrega-se, ainda, que é proclamada e jurada a Constituição que viesse a ser realizada pelas Cortes de Portugal, e as forças lusas obrigam Lecor a fazer o mesmo. Estas tropas também solicitam a D. João VI o regresso ao seu país de origem.

Sobre o episódio acima, Duarte25 afirma que a conspiração é chefiada pelo “turbulento” e “sumamente ambicioso, agitado e despótico” Coronel Claudino Pimentel que, tendo perdido uma promoção para o Coronel D. Álvaro da Costa de Sousa Macedo, passa a “formar na facção dos revanchistas”.

Assim, Pimentel lidera o movimento, aproveitando-se do desconhecimento da tropa do que está ocorrendo na Europa. Observa-se ainda que, no caso de Lecor não aderir ao grupamento reivindicador, ele estaria deposto e substituído por Pimentel.

A atitude de Lecor diante de tal episódio é assim definida por Duarte:

“O arranhão na ‘disciplina militar prestante’ a que se sujeitou o Capitão-General, de certo modo foi um expediente hábil e sagaz, atendendo à situação periclitante em que se encontrava à frente dos destinos políticos da Banda Oriental. […] Foi um recurso extremo, empregado somente por aqueles que têm alto sentido político, para safar-se de críticas situações.

E o Barão da Laguna, parecendo vencido nessa batalha contra alguns de seus camaradas ambiciosos, era na verdade o vencedor, pois foi capaz, com uma atitude paciente e tolerante, de impedir o agravamento da situação política em que se encontrava, sem ter em quem escorar sua autoridade, em face dos graves acontecimentos ocorridos fora da sua área de comando, em Lisboa e no Rio de Janeiro, e que fatalmente propiciariam a eclosão de uma revolta declarada, sem precedentes, no seio da Divisão de Voluntários Reais.”26

Com a extração acima verifica-se as características políticas do personagem, apresentando atitudes pensadas, premeditadas e pragmáticas de Lecor.

Esta não é a única insubordinação que Lecor tem que enfrentar enquanto está no poder. Alguns meses mais tarde, mais precisamente na noite de 23 de julho, ocorrem novos problemas com as tropas lusas, em virtude dos soldos atrasados e do desejo de retornarem para Portugal.27

Assim, em 1821, a relação entre Lecor e as tropas lusas tornam-se tensas, estando a aproximação de Lecor com o governo do Rio de Janeiro como um dos fatores, bem como a assinatura da Constituição. Os portugueses são favoráveis a questão constitucionalista e ao movimento que originou-se no Porto, já Lecor não, posterga o seu posicionamento público em relação a Constituição. Sobre a questão, Devoto afirma que “El ejército portugués americano parecía no estar dispuesto a reconocer la Constitución liberal; los ‘Voluntarios Reales del Rey’ eran decididos partidarios de ella.”28

Durante a permanência de Lecor no poder, há também momentos de tensão com os governos limítrofes. O Barão da Laguna cogita e articula uma invasão a Entre Rios. Carreras e Alvear, opositores do governo portenho, buscam o apoio do militar português para ocupar militarmente Entre Rios. No entanto, a possibilidade da ocupação malogra, dentre outros fatores, pelas turbulências ocorridas no interior das tropas de Lecor.29

No que diz respeito a Buenos Aires, quando o General Martín Rodrigues toma conhecimento da ordem para a realização do Congresso Cisplatino, ele redige epistola ofensiva a Lecor, taxando o general português de o “dono do Mundo”30. Em ofício de seis de julho a Estanislao Lopez, líder de Santa Fé, Rodríguez ressalta o perigo do expansionismo luso na região. Acreditando que o Congresso poderia votar pela anexação do território oriental à monarquia portuguesa, o general portenho expõe a Lopez que poderia haver também a apropriação, por parte de Portugal, do território oriental ao Paraná, e que Santa Fé e o Paraguai poderiam vir a ser vítimas da expansão lusa na região.31

Rodrigues, em função do expansionismo luso no espaço platino e das atividades de Lecor neste sentido, “[…] dirigió en abril 1º de 1821, un violente oficio al Barón de la Laguna en el que calificaba de insulto la ocupación de la Provincia Oriental y pedía satisfacciones por las maniobras para invadir Entre Ríos […]” e que “El plan del Gobierno de Buenos Aires era provocar la insurrección en la Provincia Oriental para apoyarla luego”.32 Os portenhos tentam cooptar para a sua causa Fructuoso Rivera, que permanece ao lado de Lecor, e o plano não vinga.

Assim, não só a possibilidade de ocupar Entre Rios causa em Buenos Aires a hostilidade em relação ao Barão da Laguna e a ocupação luso-brasileira. O asilo que Lecor outorga a Carreras e Alvear contribui para o recrudescimento das relações entre o general e Buenos Aires.

A respeito da relação entre os governos luso-brasileiro e portenho, Devoto afirma que

“[…] se habían desarrollado en un terreno de neutralidad hasta el momento en que la protección dispensada en Montevideo a Carrera y Alvear, y posteriormente el apoyo prestado a los planes de Ramírez contra Buenos Aires, llevaron al ánimo de aquel Gobierno el convencimiento de que las aspiraciones de los portugueses en el Río de la Plata – de Lecor y su partido, mejor dicho – eran de una latitud indefinida.”33

Em novembro de 1821, mesmo depois da derrota de Ramírez, Lecor continua a ser uma ameaça a Entre Rios, tanto que o novo governador, Lucio Mansilla, através de ofícios, busca a cordialidade com o general português, evitando, deste modo, a invasão do território entrerriano. Lecor e Mansilla acabam por acordar a neutralidade, o primeiro não interviria em Entre Rios e o segundo faria o mesmo em relação à Cisplatina.34

Com a Independência do Brasil, agrava-se outro ponto de tensão existente na administração Lecor: o contingente militar luso. O Barão e as tropas portuguesas ficam de lados opostos, lutando uns contra os outros até 1824.

A respeito dos últimos anos de vida de Lecor pode-se dizer que após negociações de paz entre portugueses e brasileiros, em 1824, o general retorna a Montevidéu, ficando toda a Cisplatina sob o controle brasileiro, sendo este núcleo urbano o último ponto português na América.

No ano seguinte, o Império do Brasil eleva Lecor a Visconde da Laguna. Entretanto, a partir daí, o general enfrenta uma série de derrotas. Em 1825, os 33 orientais35 declaram a independência da Cisplatina e a reunião desta com as Províncias Unidas. Iniciam-se as lutas com os insurgentes, no que depois vem culminar na declaração de guerra do Brasil às Províncias Unidas do Rio da Prata, em 10 de dezembro de 1825, e a declaração dos portenhos, no primeiro dia de 1826, aos brasileiros. Assim, esse é o primeiro conflito externo do Brasil independente.

É válido observar que antes mesmo da resposta argentina, mais precisamente no dia 18 de novembro de 1825, Lecor é destituído pelo Imperador do governo da Cisplatina. O substituí o Tenente-General Francisco de Paula Magessi Tavares de Carvalho, futuro Barão de Vila Bela.

Lecor fica no comando do Exército do Sul, no entanto, é logo exonerado pelo Imperador, substituindo-o o Marquês de Barbacena. Porém, Lecor retorna ao cargo por mais duas vezes, somando três vezes a sua seleção.

Em 1828, após a intermediação da Inglaterra, finda-se o conflito entre o Brasil e as Províncias Unidas, criando-se a República Oriental do Uruguai. Não havendo mais o conflito entre Portugal e Espanha no território oriental, Brasil e Argentina, nos anos seguintes, exercem a sua influência e interferência na política uruguaia.

Em 1829 Lecor é promovido a marechal-de-exército e, assim, passa para a reserva. Entretanto, apesar da promoção, neste mesmo ano o Visconde da Laguna é submetido a um Conselho de Guerra Justificativo, em função da Guerra da Cisplatina, onde a votação é pela absolvição de Lecor. Após seu julgamento, o militar ainda preside uma comissão que tem o objetivo de reformar o artigo 150 da Constituição do Império, referente ao exército.

No dia 3 de agosto de 1836 falece Carlos Frederico Lecor, no Rio de Janeiro, a contar 72 anos de idade, sendo sepultado na Igreja de São Francisco de Paula. Lecor deixa como viúva a Viscondessa da Laguna, sem descendentes diretos e, segundo Duarte, o militar expira em uma má situação financeira.

 

Em estilo barroco, a Igreja do Largo de S. Francisco, no centro histórico do Rio., onde está enterrado Carlos Frederico Lecor.

Em estilo barroco, a Igreja do Largo de S. Francisco, no centro histórico do Rio., onde está enterrado Carlos Frederico Lecor.

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Notas

1 – Duarte (1985) afirma que Lecor nasceu no dia 11 de setembro de 1764. No entanto, Saint-Hilaire (2002), que esteve em Montevidéu em 1820, registra em seu diário no dia quatro de novembro a comemoração do natalício de Lecor, afirmando, ainda, que o general é um homem de cinqüenta anos. De acordo com a informação de Duarte, em 1820, Lecor completaria 56 anos. Deste modo, é plausível que Lecor em 1820 estivesse completando 56 anos e aparentasse os cinqüenta atribuídos pelo viajante francês, podendo, assim, proceder a informação de que o ano de nascimento do general é 1764. Fisicamente, Lecor, segundo Saint-Hilaire (Ibid., p.185), era “[…] alto, magro, cabelos louros, rosto moreno e olhos negros, fisionomia fria, mas que traduz bondade.”

2 – DEVOTO, Juan E. Pivel. El Congreso Cisplatino (1821): repertorio documental, seleccionado y precedido de um análisis. Revista del Instituto Histórico y Geográfico del Uruguay, t.XII. Montevideo: 1936, p.117.

3 – O irmão de Carlos Frederico Lecor, João Pedro, também foi governador em Portugal, no caso, de Albufeira, no Algarves.

4 – Segundo Duarte (1985), a escolha recai sobre Lecor em função do Marechal Beresford, que liderou as invasões inglesas a Buenos Aires e Montevidéu, respectivamente, em 1806 e 1807.

5 – DONGHI, Tulio Halperin. Historia Argentina de la Revolución de Independencia a la confederación rosista, volume III. Buenos Aires: Editorial Piados, 2000, p.120.

6 – SOUZA, J.A. Soares de. O Brasil e o Prata até 1828. In: BARRETO, Célia de Barros. O Brasil monárquico: o processo de emancipação. HOLANDA, Sérgio Buarque de. História geral da civilização brasileira, t.II, v.3. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003, p.363.

7 – LIMA, Oliveira. D. João VI no Brasil. Rio de Janeiro: Topbooks, 1996, p.394.

8 – Op. cit.

9 – DEVOTO, op. cit., p.113.

10 – DUARTE. Paulo de Q. Lecor e a Cisplatina 1816-1828. v. 1. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1985, p.305.

11 – CASTELLANOS, Alfredo. La Cisplatina, la independência y la república caudillesca. Historia Uruguaya. Tomo 3. 1998. Buenos Aires: Ediciones de La Banda Oriental, p.7.

12 – SOUZA, op. cit., p.363.

13 – DEVOTO, op. cit., p.130.

14 – DEVOTO, op. cit., p.130 e 131.

15 – DEVOTO, op. cit., p.112 e 113.

16 – DUARTE, op. cit., p.271.

17 – FERREIRA, Fábio. O General Lecor e a Escola de Lancaster: Método e Instalação na Província Cisplatina. In: Revista Tema Livre, ed.09, 23 set. 2004. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

18 – ACTAS DEL CONGRESSO CISPLATINO. Sessão de 23 de julho de 1821. Montevideo, 1821. Archivo General de la Nación, f.17 e 17v.

19 – DUARTE, op. cit., p.273.

20 – Castellanos observa que D. João VI não ratifica o trato, entretanto, anos mais tarde, a chancelaria brasileira vem a evocá-lo na demarcação dos limites entre o Brasil e o Uruguai.

21 – CASTELLANOS, op. cit., p.7.

22 – DEVOTO, op. cit., p.125.

23 – DUARTE, op. cit., v.2, p.442.

24 – ABADIE; ROMERO, op. cit., p.326.

25 – DUARTE, op. cit., p.415.

26 – DUARTE, op. cit., p.418.

27 – DEVOTO, op. cit., p.140.

28 – DEVOTO, op. cit., p.120.

29 – ABADIE; ROMERO, op. cit., p.326.

30 – DUARTE, op. cit., p.439.

31 – RELA, Walter. Uruguay cronologia histórica anotada: dominación luso-brasilenã (1817-1828). Montevidéo: Alfar, 1999, p.20 e 42.

32 – DEVOTO, op. cit., p.123.

33 – DEVOTO, op. cit., p.119 e 120.

34 – RELA, op. cit., p.22.

35 – Segundo Carneiro (1946), dos 33 orientais, na verdade, somente 17 o eram. Onze eram argentinos, dois africanos, um paraguaio, outro francês e, ainda, um era brasileiro.

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O General Lecor e a Escola de Lancaster: Método e instalação na Província Cisplatina

Texto de Fábio Ferreira

1. Introdução

O método de ensino desenvolvido pelo quaker Joseph Lancaster (1778– 1838) foi instalado na Província Cisplatina a época em que o General Carlos Frederico Lecor, o Barão da Laguna, esteve a frente do governo da mesma, sendo este o objetivo do trabalho, apresentar brevemente em que consiste tal método e como decorreu a sua instalação na província integrante do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve.

Assim, o item seguinte é referente ao método de ensino desenvolvido por Lancaster, que, a grosso modo, consiste no fato de que um único mestre instrua, com a ajuda de monitores, até mil alunos, e que cada pupilo, em oito meses, possa aprender a escrever, ler e contar1. Foi aplicado em diversas partes do globo, desde a Inglaterra, onde o quaker iniciou o seu emprego, até a Suécia, Peru e Rússia, passando por Portugal, Chile e Brasil. Deste modo, o item aborda a difusão do método em diversas partes do planeta.

Na porção americana dos domínios joaninos, o método esteve presente em várias províncias, como, por exemplo, Minas Gerais, Mato Grosso e, como foi evidenciado, na Cisplatina. Portanto, o terceiro item é referente à implementação da escola e da sociedade lancasteriana na Província Cisplatina.

Assim, o presente artigo, faz breves considerações a respeito da Escola de Lancaster e a sua implementação na então Província Cisplatina, que dá-se durante a administração Lecor.

 

2. O método de Lancaster

O método de ensino de Lancaster, também conhecido como método de ensino mútuo ou monitorial, surge na Inglaterra do final do século XVIII, sendo contemporâneo, por exemplo, à atuação de Johann Heinrich Pestalozzi (1746 – 1827) e do pastor anglicano Andrew Bell (1753–1832) na área da educação.

A respeito de Bell, observa-se que ele divide com Lancaster o crédito de ser o criador do método de ensino mútuo, que constituí no fato de monitores, que são alunos mais avançados e instruídos diretamente pelos mestres, ensinarem a outros educandos. Deste modo, cada monitor tem os seus discípulos, que, segundo Larroyo (1974), variam entre dez e vinte.

Entretanto, Bell e Lancaster iniciam as suas atividades separadamente. O primeiro começa a aplicação do método mútuo em Madras, no ano de 1789, em uma escola instituída pela Companhia das Índias Orientais para os filhos dos soldados britânicos. O segundo emprega o seu método a partir de 1798, na Inglaterra, mais especificamente em Londres, ao criar uma escola para crianças pobres.

É notória a similaridade entre os sistemas de ensino de Lancaster e o de Bell, tanto que atribuí-se aos dois a criação do método mútuo. Contudo, existem diferenças em alguns pontos, como, por exemplo, no fato de que Lancaster

“(…) propunha, de fato, uma educação religiosa aconfessional (undenominational) e o anglicano Bell uma educação no espírito da Igreja oficial, que (…) acabou prevalecendo. Surgindo assim duas sociedades: a Real Instituição Lancasteriana (depois, Sociedade para a Escola Britânica e Estrangeira), e a Sociedade Nacional para a Promoção da Educação dos Pobres nos princípio da Igreja constituída.”2

Sobre as vantagens atribuídas ao método de ensino mútuo está o seu baixo custo, e possibilitar a instrução a um número maior de pessoas em uma sociedade onde há a escassez de mestres. Destarte, estende-se o acesso à educação as classes mais baixas, pois um só professor poderia instruir um grande número de alunos, um número superior comparado com outras metodologias, pois, conforme Larroyo (1974, p.594) afirma, com a atuação dos monitores necessitava-se de menos mestres, devido ao fato de que “Os alunos de toda uma escola se dividem em grupos que ficam sob a direção imediata dos alunos mais adiantados, os quais instruem a seus colegas na leitura, escrita, cálculo e catecismo, do mesmo modo como foram ensinados pelo mestre, horas antes”.

A respeito do método observa Manacorda (1992, p.258) que “(…) em 1811, na Inglaterra, contavam-se quinze escolas com 30 mil alunos” e que, comparado com as escolas tradicionais, o ensino mútuo pode instruir “(…) até mil alunos com um só mestre, frente aos cinqüenta em média instruídos nas classes tradicionais através do ensino individual (…)”.

A respeito do local onde ministravam-se as aulas, observa-se que estas eram realizadas em espaços bastante grandes, em salas espaçosas, com os alunos distribuídos de acordo com o aproveitamento e o mestre a encontrar-se na extremidade, sentado em uma cadeira alta, a supervisionar as atividades. Almeida (2000, p.60) observa que “Durante as horas de aula para as crianças, o papel do professor limitou-se à supervisão (…)” e que estes davam aulas, diretamente, somente aos monitores.

Além do mestre, o inspetor era outro funcionário importante, pois este “(…) se encarrega de vigiar os monitores, de entregar a estes e deles recolher os utensílios de ensino, e de apontar ao professor os que devem ser premiados ou corrigidos.”3

Sobre os utensílios de ensino, são utilizadas pequenas tábuas com areia, onde os alunos escrevem com os dedos, além de lousas, sendo as pequenas para escreverem e as grandes para lerem. Salienta-se também que, no caso dos livros, estes são abolidos, a constituir, deste modo, uma inovação no que tange o emprego de materiais didáticos.

Agrega-se, ainda, a observação de Almeida (2000, p.60) a respeito dos aspectos positivos do método de ensino que está a ser abordado: “A vantagem deste ensino, quando convenientemente instalado, utilizado e equipado, é exercitar a emulação dos alunos e ter pessoal de ensino bem restrito. Tem ainda a vantagem de fazer que nenhuma criança fique desocupada durante as aulas, o que é muito freqüente no ensino simultâneo”

Porém, é válido ressaltar que, embora seja atribuída a possibilidade de expandir a educação através deste método de ensino, Manacorda (1992, p.260), por exemplo, taxa-o de mecânico, de possuir uma disciplina “meio militar e meio industrial”, fomentador da competição entre os alunos e dotado de excesso de espírito militarista. Larroyo (1974, p.594) compara o método à uma fábrica, onde o mestre seria o chefe do estabelecimento industrial, pois o professor “(…) tudo vigia e intervém nos casos difíceis.”

Entretanto, apesar destas observações, o método de ensino mútuo expande-se muito por obra de Lancaster e, segundo Manacorda (1992, p.258), indo além do ensino elementar masculino, sendo adotado pelo “(…) ensino feminino, para a educação de adultos e para as escolas de nível superior, não somente de ´gramática’, mas também de música e ginástica” e, também, ultrapassa as fronteiras da Inglaterra, a espalhar-se pelo mundo anglófono: “(…) em 1806 já existiam centros de ensino mútuo em Nova Iorque, na Filadélfia, em Boston e, em seguida, em Serra Leoa, na África do Sul, na Índia, na Austrália (…)”.

Ainda no que tange a propagação do ensino mútuo, Chizzotti (1996, p.36) observa que “(…) disseminara-se como um novo e revolucionário método de multiplicar a difusão da instrução, espalhando-se em alguns países europeus como meio mais rápido e eficaz de estender a educação gratuita, associando-se ao método a idéia de que fora um dos fatores de sucesso do capitalismo inglês.”

No entanto, este método de ensino não fica restrito a Inglaterra, nem à outras localidades anglófonas. França (1814), Suécia (1817) e Rússia (1824)4 adotam o ensino mútuo. Em Portugal, a sua implementação data de 1815 pelas escolas militares, sendo que, já em 1816, é criada a primeira escola normal a seguir tal método de ensino5. Também em Espanha o exército utilizou-o, sendo este o primeiro intento de alfabetização da instituição, datando tal experiência do período do reinado de Fernando VII, mais especificamente, dos anos de 1821-22.6

No Novo Mundo, por exemplo, em Lima7 inicia-se, no ano de 1822, por ordem do general San Martín, o emprego do ensino mútuo através do método lancasteriano para a instrução primária. Em Caracas, por convite de Bolívar, o próprio Lancaster esteve na cidade na década de 1820, mesma década onde Guadalupe Victoria, primeiro presidente mexicano, uma vez no poder, auxiliou a Sociedade Lancasteriana. Neste mesmo decênio tal sociedade também foi criada no Chile e, ainda, a Constituinte brasileira adota o método de Lancaster, tendo o Imperador D. Pedro I, segundo Chizzotti (1996, p.36), através de um decreto, criado a Escola de Ensino Mútuo.

Entretanto, antes mesmo do decreto do primeiro imperador brasileiro, encontra-se em periódicos da época a procura de professores que lecionem através do método de Lancaster, como, por exemplo, no Diário do Rio de Janeiro, do dia 09 de julho de 18218, onde há tal solicitação. Além disto, em outra edição deste mesmo periódico, mais precisamente a do dia 12 de junho do mesmo ano, pode-se encontrar informações sobre a utilização de tal metodologia em África, Índia e América.

Observa-se, ainda, que na Província Cisplatina é fundada, em 1821, a sua Sociedade Lancasteriana, sendo a adoção do método de Lancaster por esta parte do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve o tema que constituí o próximo item do trabalho.

 

3. A instalação na Província Cisplatina

A Província Cisplatina, que, como já foi dito anteriormente, corresponde à atual República Oriental do Uruguai, é criada e anexada a monarquia portuguesa em 1821, no Congresso Cisplatino, mesmo ano em que constitui-se a sua Sociedade Lancasteriana.

Tal sociedade é criada durante a administração de Carlos Frederico Lecor, que desde 1817 está a frente do governo português instalado em Montevidéu.

Outro personagem que esteve ao lado de Lecor na implementação desta metodologia de ensino na Cisplatina foi o padre oriental Dámaso Antonio Larrañaga, freqüentemente associado à cultura e de ser o difusor da mesma no que é hoje o Uruguai. Segundo Narancio (1992), o sacerdote é uma das figuras mais destacadas da história deste país, sendo o fundador da Biblioteca Pública de Montevidéu e autor de várias obras científicas, literárias, históricas, religiosas e políticas. Pacheco e Sanguinetti (1985, p.415), a respeito do padre, afirmam que era “(…) destacado hombre de ciencia, no aventajado por ninguno de sus contemporáneos del Río de la Plata.”

Entretanto, antes mesmo de 1821 a administração luso-brasileira toma outras medidas referentes à educação. Cita-se, como exemplo, Abadie e Romero (1999, p.341) que afirmam que “Ya en los primeros meses de la administración lusitana, el Cabildo de Montevideo se ocupó de la rehabilitación de la Escuela Publica”. Deste modo, contrariam Felde (1919), que considera que a dominação lusa não teve nenhuma influência aportuguesadora no atual Uruguai, porque para tal é necessário escolas, professores, industria, artes, enfim, benefícios materiais e intelectuais, que a ocupação portuguesa não deixou. Esta teria sido estritamente militar.

Portanto, a ocupação portuguesa promove ações no âmbito da educação, sendo a introdução do método de ensino de Lancaster um indício de tal ato. Entretanto, a manutenção do castelhano na Cisplatina está vinculada as bases acordadas no Congresso Cisplatino de 1821, em que seria mantido o espanhol na nova província portuguesa.

Soma-se, ainda que, a Escola de Lancaster, segundo o historiador uruguaio Walter Rela9, pode ser taxado como um dos aspectos positivos do governo Lecor na Cisplatina, entretanto, sem ignorar o papel do oriental António Damaso Larrañaga.

Sobre a implementação propriamente dita do método de Lancaster, ela deve-se a chegada a Montevidéu de um inglês, que estava em Buenos Aires a propagar o método, o protestante e vendedor de Bíblias James Thomspson, “(…) propagandista del método que prestigiaba la Sociedad Lancasteriana de Londres.”10

Thompson, que chega a Montevidéu em 20 de abril de 1820, em epístola à sociedade londrina e citada por Abadie e Romero (ibid., p.342), afirma que ao chegar a cidade, o governador, o general Lecor, estava em Maldonado, e que então fora recebido por Larrañaga “(…) cura principal, hombre liberal y amigo particular del Gobernador”, que comprometeu-se a fazer o possível a favor da implementação do método que o inglês estava a propagar.

O papel do padre na implementação do método lancasteriano na Cisplatina e a sua relação com os ocupantes luso-brasileiros é assim tratado por Pacheco e Sanguinetti (1985, p.415): “Aún cuando los apremios de la hora lo llevaron a militar en la política portuguesa, Larrañaga aprovechó su condición especial de hombre de ciencia y de sacerdote, para llevar a cabo bajo dicha dominación, la implantación de la enseñanza lancasteriana o de enseñanza mutua (…)”

Assim, segundo estes autores, a relação de Larrañaga com os ocupantes luso-brasileiros seria baseada em uma forte dose de pragmatismo, e dentro desta postura, teria sido implementado o método de Lancaster na Cisplatina.

Devido a atitude de Larrañaga e a aprovação do Cabildo, Lecor autoriza a implementação do método no território que está sob a sua autoridade. É aprovada, inclusive, a construção do edifício onde a escola funcionaria, contudo, pela escassez de fundos, adota-se o primeiro piso do Forte para a sede da escola pública.

O espanhol José Catalá y Codina, que atuara com esta metodologia de ensino em Buenos Aires e que, segundo Pacheco e Sanguinetti (1985), era homem “de reconocida competencia”, é escolhido por Thompson para atuar na preparação da Sociedade Lancasteriana de Montevidéu e, uma vez inaugurada a escola, é o seu diretor.

Como matérias, a escola dirigida por Catalá y Codina lecionava “(…) lectura, escritura, aritmética, gramática y doctrina cristiana” e o ensino não era obrigatório

“(…) porque la daba una sociedad privada. Sería gratuita para los pobres, los ricos pagarían 6 reales al mes, pero si eran suscriptores sólo pagarían 5 pesos al año. (…) La edad mínima del alumno para ingresar sería de 6 años y las horas de clase de 7 a 10 y de 4 a 5; pero en Junio, Julio, Agosto, y Setiembre serían de 8 a 11 y de 2 a 4 y 30. Estaban prohibidos los castigos corporales o afrentosos.”11

A Sociedade Lancasteriana de Montevidéu foi constituída, segundo Abadie e Romero (1999, p.342), no dia 3 de novembro de 1821, tendo como presidente da sociedade o general Carlos Frederico Lecor, “(…) Juan José Durán y Juan Correa, como vicepresidentes; Francisco Solano de Antuña y Paulino Gonzáles Vallejo, como secretarios; Carlos Camuso, como tesorero y Juan Méndez Caldeyra, Jerónimo Pío Bianqui, Ildefonso García, Luciano de las Casas, Manuel Argerich y Francisco Juanicó, como vocales.”

É válido observar que dois dos membros da citada sociedade, Juan José Durán e Jerónimo Pío Bianqui, neste mesmo ano de 1821, integraram o Congresso Cisplatino – assim como Larrañaga –, sendo, inclusive, o primeiro o presidente do congresso onde foi votada a anexação do território oriental ao Reino Unido.

Assim, a Escola é fundada no dia 4 de novembro, dia de São Carlos Borromeo, em homenagem à Carlos Frederico Lecor, contando com a presença do próprio, além de outras autoridades e da população.

Entretanto, a duração da Escola de Lancaster na Província Cisplatina não é duradoura. Em 1822 é declarada a independência do Brasil e as tropas que ocupam a província – portuguesas e brasileiras –, dividem-se. Montevidéu fica sob o domínio dos lusitanos, e a campanha sob o controle das tropas fiéis a D. Pedro I e lideradas por Lecor. Trava-se uma luta entre estas duas forças.

A citada cisão e o conseqüente embate entre as tropas ocupadoras vem a afetar a Escola de Lancaster, pois, “Cuando en 1823 las dificultades políticas recrudecieron con motivo de la querella luso-brasileña, el director Catalá y el presbítero Lázaro Gadea fueron desterrados (…) Desgraciadamente, ello trajo por consecuencia el desquicio de la Escuela, la disolución de la sociedad que la sostenía, y por último el cierre del establecimiento.”

Assim, no ano de 1825, a Escola de Lancaster cerra as suas portas por fatores econômicos e pela falta de apoio social, já que os membros da sociedade diminuíram profundamente, de 130 que ela chegou a ter, para apenas 4. Além disto, a escola pública de Montevidéu, ao adotar o método de Lancaster, tinha a capacidade de ter cerca de 1000 alunos, enquanto que, na realidade, sempre esteve por volta de apenas cem.12 Então, as portas da escola se fecham, e inicia-se, em 1825, a luta pela separação da Cisplatina do Brasil, que mergulha o território em mais três anos de guerra.

Contudo, após a Independência da Cisplatina, o governo do Uruguai retoma o método lancasteriano de ensino mútuo, e as escolas deste país ficam sob a direção de Catalá y Codina, seguindo em voga tal metodologia até o ano de 1840.13

 

4. Conclusão

Assim sendo, o método de ensino mútuo, que teve como um dos seus grandes difusores ao redor do mundo a Sociedade ligada ao quaker Joseph Lancaster, esteve presente em diversos países, sejam eles da Europa, América ou até mesmo da Oceania.

Observa-se que o método veio ao encontro a uma necessidade que havia de alfabetizar a população, e que, se tal escola tinha os seus equívocos e, ainda, se possuía uma lógica meio militar, meio industrial, ela só prevaleceu pela escassez de mestres, sendo, assim, válida a intenção de estender o acesso à educação a diversas camadas da sociedade.

Observa-se ainda que no momento em que o método mútuo é desenvolvido por Lancaster, o analfabetismo estava presente em países europeus e nos EUA, pois muito da adoção do método de Lancaster era para fazer com que alunos aprendessem a ler, escrever e contar.

A respeito da escola na Cisplatina, é valido observar que ela teve vida curta, assim como a própria província, que, a partir de 1825 mergulha em uma guerra. Entretanto, observa-se que a criação da sua Sociedade Lancasteriana e a adoção do método de Lancaster não distanciam-se temporalmente de outras partes do globo, pois em França, Portugal e Espanha, por exemplo, a adoção dá-se, respectivamente, em 1814, 1815 e 1821/22, conforme demonstrado anteriormente. A instituição de tal metodologia em Lima, México e Caracas também é da mesma década que na Cisplatina, assim como na Rússia, Chile e Brasil.

Deste modo, pode-se perceber que o emprego de tal método na Cisplatina de Lecor dá-se em um contexto onde em diversas partes do mundo adota-se tal metodologia. Esta questão pode ser entendida como uma evidência de que tal ocupação teve alguma preocupação em gerar benesses ao território oriental, território este que poucos meses antes da criação da Sociedade Lancasteriana torna-se mais uma província dos domínios dos Bragança.

Entretanto, as razões para tal criação podem estar vinculadas a diversas razões, como a um projeto de Lecor para realizar melhorias nos novos domínios da monarquia portuguesa ou poderia, ainda, ser uma maneira de atender, agradecer e manter a cooptação aos orientais que votaram a anexação de tal território ao Reino Unido.

Entretanto, devido às mudanças na conjuntura política da Cisplatina, finda-se a Escola de Lancaster e da Sociedade de mesmo nome nesta província. Contudo, é ainda válido observar que mesmo com tais mudanças políticas na região e a criação da República do Uruguai, tal metodologia que fora empregada durante o governo de Lecor continua a ser adotada no governo republicano e independente, a permanecer até 1840 no Uruguai.

 

5. Notas

01 – Tal informação é transmitida pelo Cabildo de Montevidéu a Lecor e diz respeito ao que estava a ser feito na Europa. Informação disponível em: http://www.crnti.edu.uy/museo/paghist.htm

02 – MANACORDA, Mario Alighiero. História da Educação: da antiguidade aos nossos dias. São Paulo: Cortez; Autores Associados, 1992, p.258.

03 – LARROYO, Francisco. História Geral da Pedagogia. Tomo II. São Paulo: Editora Mestre Jou, 1974, p.594

04 – Disponível em: http://www.btinternet.com/~skua/school/frames.html

05 – Disponível em: http://educar.no.sapo.pt/modelos.htm

06 – Disponível em: http://www.mde.es/mde/mili/mili8.htm

07 – Disponível em: http://www.homenajear.com:8080/Homenajear/Efemerides/efemerides_x_fecha?dia=20&mes=9

08 – Diário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 09 de julho de 1821, p.54. Rolo: PR – SPR 5 (1). Acervo Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro.

09 – RELA, Walter. Entrevista concedida em 04/03/2004. In: Revista Tema Livre, ed.08, 23 abril 2004. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

10 – ABADIE, Washington Reyes e ROMERO, Andrés Vázquez. Crónica general del Uruguay. La Emancipación, vol. 3. Montevidéu: Banda Oriental, 1999, p.341.

11 – Disponível em: http://www.crnti.edu.uy/museo/paghist.htm

12 – Disponível em: http://www.rau.edu.uy/uruguay/cultura/histoweb1.htm

13 – Disponível em: http://www.crnti.edu.uy/museo/paghist.htm

 

6. Bibliografia e sítios consultados

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Entrevista com a prof. Drª. Francisca Azevedo.

Entrevista com o prof. Dr. José Murilo de Carvalho.

Entrevista com o prof. Dr. Walter Rela.

Breves considerações acerca da Província Cisplatina: 1821-1828.

As incursões franco-espanholas ao território português: 1801-1810.

A política externa joanina e a anexação de Caiena: 1809-1817.

A Presença Luso-brasileira na Região do Rio da Prata: 1808-1822.

Moeda e Crédito no Brasil: breves reflexões sobre o primeiro Banco do Brasil (1808-1829)

A trajetória política de Artigas: da Revolução de Maio à Província Cisplatina.

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A trajetória política de Artigas: da Revolução de Maio à Província Cisplatina

Texto de Fábio Ferreira

1. Introdução

Artigas en la Ciudadela: óleo de Juan Manuel Blanes (1884).

Artigas en la Ciudadela: óleo de Juan Manuel Blanes (1884).

José Gervasio Artigas, nascido em Montevidéu no dia 19 de junho de 17641, é considerado herói nacional uruguaio pela sua atuação na então Banda Oriental na década de 1810, liderando o movimento pela emancipação da mesma e rechaçando a presença espanhola, o centralismo buenairense, e as ocupações luso-brasileiras do atual Uruguai.

Assim, para tratar brevemente da trajetória política de Artigas na década de 1810, o corte temporal do presente trabalho dá-se no período que vai da Revolução de Maio de 1810, que forma a conjuntura para que o caudilho oriental ascenda politicamente na sua região, até a anexação da Banda Oriental ao Brasil sob o nome de Província Cisplatina, em 1821, é escolhido pelo fato de a esta época ser bem próxima da derrota de Artigas e, também, por este ato representar a legalização da dominação luso-brasileira na região, presença esta sempre hostilizada pelo caudilho.

Pode-se também entender o trabalho como um breve relato dos acontecimentos políticos ocorridos na Banda Oriental no período de 1810-1821, tendo a frente o maior caudilho da margem esquerda do Rio da Prata, José Gervasio Artigas.

Enfim, o próximo item é dedicado à ascensão política do caudilho no período posterior ao 25 de maio até a sua chegada ao poder em 1815, englobando as suas relações e desta região com os seus visinhos: Buenos Aires, as Províncias Litorâneas e o Brasil.

O item que se segue é dedicado ao período de 1815-1817, quando Artigas está à frente do território oriental e as suas políticas econômico-sociais para a região, além de incluir-se aí as articulações para o derrube do caudilho.

O quarto item aborda a perda por parte de Artigas de Montevidéu para as tropas do general Lecor, representante do governo português sediado no Rio de Janeiro, e a derrota final do caudilho oriental em Entre Rios, além da região pela qual Artigas batalhou pela emancipação ser anexada ao Brasil sob o nome de Província Cisplatina.

Assim, nas linhas a seguir, encontram-se algumas considerações sobre Artigas e o atual Uruguai na década de 10 do século XIX.

2. A ascensão de Artigas no pós-1810

Bandeira de Artigas: até os dias de hoje, um dos símbolos nacionais da República Oriental do Uruguai.

Bandeira de Artigas: até os dias de hoje, um dos símbolos nacionais da República Oriental do Uruguai.

Anteriormente ao movimento de mayo de 1810 em Buenos Aires, que tem as suas repercussões na Banda Oriental, conforme será mostrado adiante, Artigas já desempenha funções militares na sua região, tendo ingressado no Corpo de Blandengues2, em 1797, onde ascende sucessivamente, obtendo várias patentes, como a de capitão, por exemplo; ou quando ocorre a invasão inglesa de Montevidéu, em 1807, ele organiza as forças de resistência no interior.

Neste período anterior a Revolução de Maio, mais precisamente no período 1801-1802, Artigas, por denominação do vice-rei, acompanha o naturalista espanhol Felix de Azara – que está oficialmente na região em virtude da questão dos limites americanos entre Portugal e Espanha na região do Rio da Prata – pelo interior da Banda Oriental, sendo que tal contato com o espanhol vem a influenciar o pensamento de Artigas no que tange a área econômico-social3.

Assinala-se ainda que nestes primeiros anos do século XIX, Artigas, pela função que exerce, circula pelo interior da Banda Oriental, conhecendo-a geograficamente, mas também, a sua população, seja no que diz respeito as suas condições de vida, anseios, e temores, seja no que refere-se ao estabelecimento de relações cordiais com essa gente, além de que, neste período, a sua reputação junto aos membros da administração espanhola é positiva.

Lynch (1989, p.96) define o Artigas de antes de 1810 da seguinte maneira:

“Artigas había nacido en una familia de terratenientes y militares criollos en Montevideo, y empezó su vida como fiero líder de gauchos malos, una banda de cuatreros y contrabandistas que operaban cerca de la frontera brasileña. Aprovechando su experiencia se alistó en una fuerza oficial española, el Cuerpo de Blandengues organizado para limpiar al país de forajidos y de contrabandistas. (…) En 1810 era un hombre de cierta categoría en la Banda Oriental y un reconocido líder gaucho”.

Em 25 de Maio de 1810 ocorre em Buenos Aires a Revolução que fica conhecida como a de luta pela emancipação da mesma, e que tenta acabar com a dominação espanhola em todo o Vice-Reino do Rio da Prata. Buenos Aires, capital do antigo domínio colonial, busca manter toda a extensão do Vice-Reino sob o seu comando, no que malogra, pois do que foi o domínio espanhol surgem diversos países independentes, entretanto, isto não impede que, até meados do século XIX, Buenos Aires tente levar, muitas das vezes gerando conflitos armados internos, a sua supremacia até as províncias mais distantes do que é hoje a Argentina.

Voltando ao período posterior ao rompimento dos portenhos com a junta espanhola, Artigas, segundo Calógeras (1998, p.417), no dia 28 de fevereiro de 1811 rompe com a Espanha, a abandonar as fileiras do exército cujo qual fazia parte, e alia-se com os insurgentes de Buenos Aires, sendo designado pelos mesmos como o homem da revolução na Banda Oriental, recebendo a patente de Tenente-Coronel.

Os estancieiros são um importante ponto de apoio que Artigas e o seu movimento possuem na Banda Oriental, pois esses donos de terras confiam no caudilho pelo fato dele ser originário de uma família de estancieiros e na capacidade militar do mesmo, devido aos seus sucessos em impor a lei e a ordem no campo antes de 1811.

Já os comerciantes, majoritariamente, posicionam-se contra Artigas e favoráveis a Espanha, por crerem que ficando ao lado dos europeus poderiam conseguir vantagens monopolistas junto aos seus aliados ibéricos.

As tropas que objetivam o fim do domínio espanhol na região de responsabilidade de Artigas obtém vitórias pela campanha e povoados menores, sendo grande baluarte da dominação espanhola Montevidéu, onde está o vice-rei Elío4, fiel à Espanha, que chega a receber apoio financeiro, inclusive, segundo Francisca Azevedo, de Carlota Joaquina5, para a resistência realista desta cidade.

As tropas de Artigas e de Buenos Aires, aliadas, cercam Montevidéu e, como conseqüência deste ato, Elío recorre a ajuda da corte portuguesa instalada no Rio de Janeiro, que envia, segundo Padoin (2001), quatro mil homens para o auxílio dos realistas, tendo a frente o general Diego de Souza.

Observa-se que, segundo Ferreira (2002), D. João presta tal apoio a argumentar que as perturbações na Banda Oriental estavam a causar turbulências na fronteira com o Rio Grande, e de que com tal marcha, estaria a garantir o domínio dos Bourbon, casa a que pertencia a sua esposa, Carlota Joaquina.

Ainda sobre a incursão portuguesa de 1811, Padoin (2001) observa que Artigas entendia-a como parte do projeto expansionista dos invasores, tendo, inclusive, alertado ao cabildo de Montevidéu no que diz respeito a tal intento, baseando-se no Correio Brasiliense, onde Hipólito José da Costa chama a atenção para tal risco.

Porém, Calógeras (1998), salienta que Artigas tem o desejo de reaver a área das Missões, que no ano da primeira incursão joanina a Banda Oriental já é de posse portuguesa, sendo esta uma razão a influir na decisão do príncipe regente em marchar na direção do território oriental.

Elío e os portenhos, em 20 de outubro de 1811, assinam um acordo, em que os segundos comprometem-se a abandonar a Banda Oriental, cessar o seu apoio a Artigas e, ainda, reconhecem o domínio espanhol na região. Em tal trato, estipula-se também a retirada das tropas portuguesas daí.

Portugal, que fora chamado por Elío ao conflito, mas não foi convidado para as negociações entre o mesmo e Buenos Aires, permanece na Banda Oriental, a ignorar o que foi estabelecido pelas duas partes contratantes. Ambos não tem poder para que as tropas portuguesas evacuem a área e, assim, recorrem a Inglaterra, único país capaz de fazê-lo, seja militar, seja diplomaticamente.

Como o desejo dos patriotas portenhos de que as forças joaninas saíssem da Banda coincide com os interesses ingleses para a mesma, seja em razão do seu comércio na região, seja pela aliança com Espanha – que entendia a margem esquerda do Prata como sua – contra Napoleão, Castlereagh, secretário britânico de assuntos exteriores, e Lord Strangford, ministro inglês no Rio de Janeiro, defendem os interesses de sua coroa. Assim, Portugal retira as suas tropas da Banda Oriental do Rio da Prata.

Porém não é só Portugal que tem dificuldade em aceitar o acordo celebrado entre o representante de Espanha e Buenos Aires, Artigas também a possuí: vê que os seus aliados portenhos ignoraram-no, deixando a Banda Oriental nas mãos dos espanhóis, não havendo espaço para a independência da mesma e, assim, parte para Entre Rios, sendo acompanhado de diversos populares, no episódio que fica conhecido como Êxodo do Povo Oriental e que Artigas é aclamado Chefe dos Orientais.

Padoin (2001, p.46) observa que a partir de tal rompimento, inicia-se o projeto da “(…) formação de uma Liga Federal, contando com o apoio de Entre Ríos, Santa Fé, Corrientes e regiões de Córdoba, independentes das Províncias Unidas do Rio da Prata”.

No que refere-se aos seguidores do líder dos orientais, Lynch (1989, p.98) afirma que “Artigas salió de su patria con 4.000 hombres. Le seguían además 4.000 civiles, temerosos de las represalias españolas y de la brutalidad portuguesa, un pueblo que buscaba la independencia en el exilio, dejando tras de sí una tierra quemada y un campo vacío.”

O autor ainda atribui que com tal atitude Artigas coloca-se indubitavelmente como líder do movimento de independência oriental. A margem esquerda do Prata, em qualquer negociação com Buenos Aires, a partir de então, poderia negociar em pé de igualdade, e não como uma província subordinada; e, por fim, esse grupamento que parte com o caudilho é o núcleo de uma nação independente.

Em 1813, Buenos Aires convoca uma Assembléia Constituinte onde as províncias, teoricamente, teriam voz, entretanto, neste momento, o grupamento que está a governar as Províncias Unidas e comandam a cimeira são os centralistas, facção contrária à autonomia provincial face Buenos Aires.

Devido à convocação portenha, Artigas realiza o Congresso Oriental, com a função de definir o posicionamento dos orientais em Buenos Aires. O resultado de tal reunião é o estabelecimento das “Instrucciones del Año XIII”, que contém a reivindicação da agora, sob o ponto de vista de Artigas, Província Oriental – e não mais Banda – pela independência, república e federalismo.

Sobre o projeto que propunha as “Instrucciones”, Lynch (ibid., p.100) observa que:

“(…) eran el proyecto de un sistema en el cual las provincias tendrían plena soberanía; ésta incluiría la autonomía económica y también el poder de reclutar sus propios ejércitos. El armazón federal sería extremadamente débil, y el gobierno central despojado de todos los medios de controlar a las provincias. Reduciría al Río de la Plata a una aglomeración de miniestados gobernados por insignificantes caudillos y estancados en su propia incapacidad (…)”

Padoin (2001, p.49 e 50) sobre as propostas de Artigas através das instruções do ano XIII afirma que: “(…) tentou-se estabelecer uma proposta federalista de relações, na qual a adoção de um pacto confederal poderia controlar os interesses centralistas de Buenos Aires e garantir a soberania da Banda Oriental (…)” e

“A partir desse posicionamento, a Província Oriental, para unir-se às Províncias Unidas do Rio da Prata somente através de um pacto Confederal, no qual a sua soberania e independência (Artigos 10 e 11) seriam mantidas (…) Observamos que nessas Instruções há um firme propósito de reafirmar e declarar a independência em relação à Coroa espanhola bem como de adotar uma forma de governo republicano como garantia dos direitos de liberdade, de segurança e de soberania a cada província.”

Calógeras (1998, p.427) define as conclusões a que chegam os orientais em tal congresso liderado por Artigas como “(…) a antítese do pensamento de Buenos Aires: República e federação, contra Monarquia e centralismo”, além de que a relação estabelecida com os portenhos deveria ser de pacto e não de obediência.

É válido observar que Artigas, segundo Lynch (1989), foi fortemente influenciado pela constituição norte-americana e, Padoin (2001) afirma que, em 1811, ele possuía uma tradução da mesma.

Uma vez tendo o projeto para a inserção da Província Oriental nas Províncias Unidas, os deputados orientais partem para Buenos Aires, no entanto, uma vez nesta cidade, a Assembléia não os recebe pelo teor da sua proposta, o que leva a Artigas romper definitivamente com os portenhos, e a declarar guerra aos mesmos, apoiado pelos caudilhos das províncias litorâneas.

Buenos Aires ataca Montevidéu e, em 20 junho de 1814, Vigodet, substituto de Elío, é derrotado e, três dias depois, as tropas vitoriosas ocupam a cidade oriental, lideradas por Alvear. Entretanto, segundo Golin (2002, p.279), Artigas interpreta a presença portenha como uma força de ocupação, porém, isso não impede que em 9 de julho o caudilho oriental assine um tratado com Alvear, onde “Reabilitava a sua honra e reputação; concedia-lhe o posto de comandante da campanha e da fronteira. (…) Artigas passou a se responsabilizar pela organização da província, reunindo a sua assembléia provincial e procedendo à escolha de delegados à Constituinte das Províncias Unidas”.

No entanto, mesmo com a assinatura do acordo, Artigas não abandona a sua posição favorável ao federalismo, o que desagrada Buenos Aires, que decide romper com o caudilho oriental e destruí-lo definitivamente. Artigas reage, e obtém o apoio de outros caudilhos provinciais. Assim, os portenhos, em Montevidéu, têm que contar com a oposição artiguista desde a campanha, que por sua vez obtém aliados na cidade capitulada, além de que o conflito é levado a outras partes das Províncias Unidas.

No final de 1814 os portenhos já haviam sofrido várias derrotas e, em janeiro de 1815, abandonam Montevidéu e Entre Rios, no que culmina com a ocupação da primeira por Artigas.

3. Artigas no poder: 1815 – 1817

Mapa do Protetorado de Artigas

Mapa do Protetorado de Artigas

Como foi dito anteriormente, as forças artiguistas ocuparam Montevidéu com a saída dos portenhos desta cidade e, assim, Artigas governa toda a Província Oriental em 1815, agora a Pátria Velha, criando, junto com Santa Fé, Entre Rios, Corrientes e Córdoba, a Liga Federal, com o intento de oporem-se a centralista e unitarista Buenos Aires. Por este fato, Artigas é reconhecido pelo título de “Protector de los Pueblos Libres”.

Sobre a união destas províncias, Lynch (1989, p.100) observa que “El ‘protectorado’ en realidad no fue nunca más que una incómoda asamblea de caudillos locales, cada uno de los cuales miraba de reojo a su vecino, al igual que a Buenos Aires”.

Apesar de aparentemente Artigas estar à frente da Liga, na prática, o seu poder está delimitado ao território oriental, arrasado e destruído pelos anos de guerra, o que dificulta o seu governo. Porém, uma vez no poder, toma diversas medidas para recuperar a Província Oriental, através do restabelecimento do comércio e dos campos, ambos assolados pelos conflitos no interior do seu território, conforme Lynch (ibid.) assinala, quando cita que a produção de alimentos dos orientais não era suficiente para abastece-los, tendo que importar cereais, entretanto, o comércio, debilitado, fazia com que uma quantidade ínfima adentrasse o país.

Diante desta situação caótica, Artigas toma medidas para revitalizar o comércio, realizando acordos com os britânicos, em que os portos de Montevidéu e Colônia passam a ser abertos para eles. O de Maldonado também não é esquecido pelo protetor dos povos livres, que age no sentido de recupera-lo, entretanto, sem negocia-lo com os ingleses.

No campo, o caudilho promove a reforma agrária, expropriando as terras dos seus oponentes e passando-as para os grupamentos mais desfavorecidos da sociedade oriental que apoiaram-no, porém, sob certas condições, conforme explicita Padoin (2001, p.54):

“(…) Artigas fez a expropriação das terras e do gado daqueles que se opuseram às suas forças. As terras foram distribuídas, em forma de pequenas propriedades, àqueles que lhe apoiaram e, entre eles, os que se encontravam na condição de despossuídos e desclassificados da sociedade de então, como indígenas, gaúchos, escravos libertos, etc. (…) Os que as recebiam deviam cultivar as terras e/ou recuperar o rebanho, sob o risco de reverter a terra para o controle do Estado que se formava (…)”.

A autora ainda afirma que com tais atitudes, Artigas retalia os seus “(…) inimigos e pretendia (…) garantir o desenvolvimento econômico da região, além de garantir o efetivo (soldados) para as lutas armadas”.

Lynch (1989) afirma que a falta de contingentes leva a Artigas aceitar em suas tropas escravos negros, tanto de sua província, quanto do sul do Brasil, e, assim, os cativos ganham uma espécie de emancipação, o que não agrada aos proprietários de terras.

Outra questão que não agrada aos estancieiros é o programa de Artigas, de cunho reformista, voltado para as classes mais pobres da sociedade oriental, que receberam terras e gado do governo estabelecido em Montevidéu.

Ainda sobre a política agrária de Artigas à época em que está no poder, Bushnell (2001, p.151 e p.152) afirma que o caudilho “(…) introduziu uma das medidas mais interessantes e originais do período da independência” e que “(…) Artigas foi aclamado o primeiro grande ‘reformador agrário’ da América do Sul (…)”, entretanto, sem ignorar que o caudilho necessita que estas terras estejam a produzir, e que Artigas crê que a melhor maneira para que isto ocorra é entregando-as a pequenos proprietários.

No que tange a administração propriamente dita, o caudilho busca formar uma Confederação com base nas instruções do ano XIII, além de dividir a autoridade com a estrutura herdada do período colonial espanhol, o Cabildo, sendo tal compartilhamento, segundo Padoin (2001), a representação do campo, personificada em Artigas, e dos núcleos urbanos, no Cabildo, além de que o primeiro representa a vontade popular.

As medidas tomadas na margem esquerda do Prata desagradam ao poder estabelecido no lado direito: Buenos Aires vê, pela ação de Artigas, o seu projeto de exercer o controle sobre as demais províncias ameaçado, o que prejudica os seus interesses econômicos e políticos.

Artigas não causa desagrados somente no Rio da Prata, na Guanabara, a corte aí instalada desde 1808, também não vê com bons olhos o governo do caudilho oriental. A insatisfação causada por Artigas em ambos os governos é demonstrada por Padoin (ibid., p.55): “(…) o domínio da Banda Oriental e a constituição da Liga Federal com suas ações e determinações a partir de concepções federalistas e republicanas, como forma de Estado, provocou reações tanto por parte dos portenhos quanto dos luso-brasileiros”.

Assim, já em 1815, começam os preparativos militares, sob o comando do general Carlos Frederico Lecor, por parte do governo português sediado no Rio de Janeiro, para atacar a Banda Oriental.

No ano seguinte, as tropas lideradas por Lecor adentram o território oriental, tendo como justificativa as constantes perturbações a fronteira com o Rio Grande por parte dos artiguistas e o desrespeito para com a mesma, além de que o projeto do Protetorado de Artigas incluía esta região brasileira. Além destas justificativas, soma-se o velho anelo lusitano de estender seus domínios ao Rio da Prata6. Lynch (1989) ainda observa que os ocupadores adentraram o território prometendo levar paz e prosperidade aos orientais.

A opor-se a Portugal, segundo Padoin (2001), Buenos Aires coloca-se contrária ao ataque luso-brasileiro, porém não possui forças para deter as tropas joaninas, limitando a sua atuação a tentativa de Pueyrredón de demover Portugal da idéia, no que malogra; Frutuoso Rivera também tenta impedir as tropas de Lecor através da força, e é igualmente derrotado no seu intento de impedir a presença luso-brasileira no território de Artigas.

Já Lynch (1989) afirma que os portenhos viam positivamente a queda de Artigas e de suas propostas federalistas, mesmo que para derrotar o caudilho e o seu projeto, Portugal viesse a entrar em cena, tendo Pueyrredón sido conivente com os invasores pela queda do inimigo comum.

Lima (1996, p.387) ainda observa que Buenos Aires poderia prestar socorros a Montevidéu, entretanto, não o faz em virtude de Artigas, opositor a subjugação aos portenhos, porém “O auxílio seria concedido do melhor grado se Montevidéu anuísse em incorporar-se ao organismo político das Províncias Unidas; mas perante suas veleidades persistentes de separação, Buenos Aires preferia esquivar-se (…) mandando todas suas forças disponíveis para os lados do Chile e decidindo a invasão capitaneada por San Martín”.

O Cabildo de Montevidéu, diante destes fracassos, não faz frente aos ocupadores, ao contrário, pede aos mesmos que ocupem a cidade pacificamente.

Diante das circunstâncias, Artigas abandona Montevidéu e parte para a campanha para comandar uma guerra de guerrilha contra os luso-brasileiros, apesar de que, segundo Carneiro (1946), a esta altura, Artigas encontra-se debilitado pela sua idade e pelo cansaço e, na verdade, já não comanda mais as suas tropas pessoalmente.

Em relação a Artigas frente ao poder da sua região, Carneiro (ibid., p.26) ainda observa que “Soubesse Artigas manejar os bastidores da política sul-americana, fosse mais diplomata e menos sonhador como soldado, estaria garantida a emancipação do Uruguai desde 1815”. Entretanto, não foi isto o que ocorreu.

4. A ocupação e a anexação portuguesa e o declínio de Artigas: 1817-1821

Carlos Frederico Lecor: representante de D. João na ocupação de Montevidéu, personificando o antagonismo ao general Artigas.

Carlos Frederico Lecor: representante de D. João na ocupação de Montevidéu, personificando o antagonismo ao general Artigas.

O general Lecor chega a Montevidéu no dia 20 de janeiro de 1817, ocupando-a. Entretanto, as tropas de Artigas não dão-se por vencidas e cercam a cidade, porém, é inútil, e, assim, Artigas jamais terá Montevidéu de volta, o que não impede que os artiguistas continuem a resistir a presença estrangeira no interior do território oriental, nem que ocorram ataques as Missões e a fronteira do Rio Grande.

É válido observar que a partir da perda de Montevidéu o caudilho oriental passa a enfrentar problemas de ordem pessoal que, por sua vez, interferem na sua vida política, sendo o seu tormento particular já iniciado no ano da conquista de Montevidéu pelos portugueses: “(…) Artigas não estava bem de saúde, daí entregando-se à bebida, que por sua vez tinha como resultado a piora do seu estado, e, paralelamente, sua popularidade caía, tanto que, já em meados de 1818, locais como a antiga Colônia do Sacramento, Maldonado e o curso do rio Uruguai já estavam em mãos lusas.”7

Sobre a impopularidade de Artigas, Padoin (2001, p.58) observa que “(…) o pensamento antiartiguista começou a crescer, inclusive por parte de alguns caudilhos das províncias litorâneas, desgastados com o prejuízo das guerras e sedentos por obterem o apoio de Buenos Aires como forma de assegurarem os seus interesses. A guerra afetara tanto a riqueza monetária das cidades, dificultando o comércio, quanto a zona rural com a escassez do gado vacum e cavalar”.

Lynch (1989, p.103) ainda mostra que os setores mais altos da sociedade oriental apóiam aos portugueses e, ao abordar o posicionamento dos estancieiros, o autor assinala que a razão deste suporte dá-se porque esses proprietários estão “(…) posiblemente alarmados por el primitivo populismo de Artigas, tranquilizados por los valores sociales señoriales del Brasil, y satisfechos por la vuelta de la ley y el orden al campo” e, assim, apóiam ao general Lecor.

Lima (1996) também observa que Lecor sabe tirar proveito da situação, pois à medida que o poderio de Artigas encolhe no território oriental e o seu cresce, a população demonstra-se mais favorável aos ocupadores, e, assim, o general português militariza a população e organiza-a contra o caudilho.

Artigas abre duas frentes de batalha. Além da frente contra os luso-brasileiros, citada anteriormente, o caudilho envolve-se em conflitos com Buenos Aires, pois os centralistas desta cidade tentam acabar com os caudilhos da Liga Federal, entretanto, os portenhos saem derrotados do embate.

Paralelamente, as tropas artiguistas começam a sofrer várias baixas em 1819. Andresito é capturado e levado como prisioneiro para o Rio de Janeiro; Rivera muda de lado, a aliar-se ao exército inimigo, vindo a ser Barão do Império do Brasil; os Oribe também abandonam Artigas; Lavalleja é feito prisioneiro no ano seguinte.

1820 é o ano do agravo da já complicada situação de Artigas: em 22 de janeiro as forças luso-brasileiras impõem-lhe a derrota de Tacuarembó, que leva o caudilho a refugiar-se na província de Entre Rios, que, aliada a Santa Fé, derrota Buenos Aires em 1 de fevereiro, no embate contra os centralistas portenhos citados anteriormente.

Apesar dos federalistas terem vencido a peleja, isto não significa que foi algo positivo para Artigas, ao contrário, o caudilho oriental perde o controle sobre os litorâneos, que, por sua vez, não possuem interesse em manter uma guerra junto com Artigas com o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve.

Entretanto, não era isto que Artigas esperava quando os seus antigos subalternos venceram, Artigas cria que eles negociariam com os portenhos a formal declaração de guerra aos ocupantes da região que ele denominava de Província Oriental. Enganou-se. Quando sabe do conteúdo do Tratado de Pilar, em uma cópia enviada por Ramirez, caudilho de Entre Rios, revolta-se contra o mesmo, achando que foi traído.

Artigas marcha para o ataque a Entre Rios, a saquear povoados e enfrenta Ramirez em las Guachas, travando-se o embate decisivo entre os dois caudilhos em 24 de junho de 1820 em Las Tunas, quando o de Entre Rios derrota definitivamente José Gervasio Artigas.

Sobre o embate entre Ramirez e Artigas, Lynch (1989, p.103) observa que o primeiro “(…) aceptó armas procedentes de Buenos Aires y se volvió con fuerza salvaje contra su antiguo aliado, derrotándolo en el campo de batalla, y empujándolo hacia las soledades del norte de Corrientes.”

Assinala-se ainda que o caudilho oriental recebe propostas de anistia por parte do governo luso-brasileiro, sendo-lhe oferecido o exílio no Rio de Janeiro, e do norte-americano, que, através do seu cônsul em Montevidéu, propõe a Artigas o refugio em seu país. No entanto, Artigas nega as duas ofertas, partindo em direção ao Paraguai.8

O caudilho atravessa o rio Paraná com alguns fiéis, mas não sem antes declarar o fim da guerra, em 5 de setembro, porém, o homem que governou a Província Oriental, chega à outra margem do Paraná desprovido de bens materiais e riqueza, sendo que, segundo Duarte (1985), Artigas entrega a um soldado de sua confiança a única e última coisa de valor que resta-lhe: a quantia de 4.000 pesos, para que fosse enviado a Lavalleja, no Rio de Janeiro, para que pudesse ser amenizado o martírio dos seus companheiros presos na principal cidade do Brasil.

Artigas, chegando ao país em que foi buscar refugio provisório, apresenta-se às autoridades locais, e assim que Francia, ditador paraguaio, sabe da presença do oriental em seu território, considera-o seu prisioneiro, a alojar-lo, em um primeiro momento, em Assumpção e, depois, em Curuguaty, distante e miserável povoado do Paraguai, onde permanece até 1840, quando Francia morre.9

É válido ainda observar que no ano seguinte a chegada de Artigas no Paraguai, em 1821, é realizado, na Província Oriental, o Congresso Cisplatino, em que é votada, não sem grandes articulações políticas, a anexação do território pelo qual Artigas guerreou pela emancipação ao Brasil, sob o nome de Província Cisplatina.

Entretanto, a esta altura, Artigas está impossibilitado de tomar qualquer atitude contra a anexação, pois está nas mãos de Francia. Após a morte do ditador paraguaio, praticamente vinte anos após o Congresso Cisplatino, o governo substituto ao do falecido permite que Artigas vá viver em Ibiray, porém sem deixar de monitora-lo. O líder de outrora, em sua nova morada, mantém o estilo de vida que tem desde o início de sua vida no Paraguai: uma vida modesta, de homem do povo, pacata, até o dia da sua morte, 23 de setembro de 1850.

Sobre os últimos anos da vida do caudilho, Calógeras (1998, p.431), seu simpatizante, conforme pode ser constatado a seguir, descreve-a da seguinte maneira:

“Quando, nos dias últimos de sua existência, ia a começo a revisão do processo histórico que o queria ferretear de crimes na Independência americana, e Uruguai, agradecendo a seu maior filho, lhe quis prodigalisar carinhos e provas de reconhecimento, a graça que solicitou foi deixarem-no morrer em sua chácara (…) abandonado e pobre, cultivando suas plantas e distribuindo os frutos aos mais pobres do que ele.

Superior ainda no seu desprezo das fúteis honrarias humanas, e da inexistente gratidão de seus compatriotas…

E (…) só e desconhecido, o chefe dos Orientais e Protetor dos Povos Livres, o grande caluniado, impávido, entregou a sua alma (…) ao Criador de todas as coisas.”

Artigas, que passou os últimos trinta anos de sua vida em tais condições, cinco anos depois da sua morte é lembrado pelos seus conterrâneos, que transladam os seus restos mortais para Montevidéu, repatriando-os no Panteão Nacional.

5. Conclusão

Assim sendo, José Gervasio Artigas, oriental de Montevidéu, batalhou, durante a década de 1810, período da sua vida política, pela autonomia da região que já foi a Banda Oriental, Província Oriental, Província Cisplatina e, hoje, República Oriental do Uruguai.

Entretanto, no período em que está a desempenhar o seu papel político de destaque, vê por muito pouco tempo a sua proposta sendo concretizada, e mesmo quando a vê, é em um contexto de crise, com o interior do país destroçado e a ameaça de uma incursão estrangeira, que acaba a ocorrer em 1816, sendo que Artigas fica a frente do governo oriental no ano anterior, e perdendo-o para os luso-brasileiros que conquistam Montevidéu em 1817. Quer dizer, o caudilho esteve durante muito pouco tempo a comandar a sua região e seu povo.

Percebe-se que, uma vez no poder, Artigas preocupa-se em recuperar a economia do território sob sua jurisdição, a revitalizar o comércio e a produção rural, além de atender a demandas sociais, mesmo que ao atender aos mais desfavorecidos economicamente estivesse a atender seus aliados.

Constata-se também que o caudilho tem um projeto político-econômico para a Província Oriental, seja no âmbito interno, como foi dito acima, seja no externo, ao estabelecer a sua relação com Buenos Aires – a da tentativa de manter uma autonomia, mas em um governo confederado – Espanha e Portugal – de independência – e a Liga Federal, um acerto com outras regiões do antigo Vice-Reino do Rio da Prata que rejeitavam o projeto centralista portenho.

O caudilho da margem oriental do Rio da Prata era um homem que tinha um projeto político para a sua região, que, uma vez no poder, tentou coloca-lo em prática, além de que era uma pessoa que tinha um conhecimento externo à campanha, pois, em 1811, já possuía uma tradução da constituição norte-americana, que veio a influenciar-lo, além de que, com a recomendação que faz ao cabildo a época da primeira incursão joanina na Banda Oriental, a alerta-lo dos objetivos expansionistas do príncipe-regente, Artigas baseava-se no Correio Brasiliense e, acrescenta-se, que utilizou corretamente a opinião de Hipólito da Costa, pois, realmente, D. João possuía tais interesses na margem esquerda do Prata.

Finalizando, Artigas é bastante diferente do perfil do caudilho traçado pela historiografia liberal, que tem como grande representante Sarmiento, que taxa esses líderes de ignorantes e incultos, sedentos de poder, sem um projeto de nação. Artigas, que realmente não obteve uma instrução universitária, não encaixa-se na figura do caudilho desenhado pelos liberais, pois tinha um projeto para a Província Oriental, lia materiais produzidos em outras partes do globo, além de ser uma pessoa que possuía uma boa leitura do que estava a ocorrer a sua volta, basta lembrar da sua advertência em relação a incursão luso-brasileira de 1811, basta recordar que não submeteu-se ao centralismo portenho, prejudicial para a sua província.

6. Notas

01 – Disponível em: http://www.artigas.org.uy/artigas.html

02 – Unidade militar que dentre as suas funções tinha a de polícia e vigilância.

03 – Disponível em: http://www.artigas.org.uy/artigas.html

04 – Francisco Javier Elío o Jaureguizar y Olondriz (04/03/1767 – 04/09/1822), após o advento de maio de 1810, recebe o título de vice-rei do Rio da Prata e governa desde a Banda Oriental.

05 – Entrevista concedida por Francisca Azevedo em 10/04/2003. In: Revista Tema Livre, ed.05, 23 abril 2003. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

06 – Para maiores detalhes, ver: FERREIRA, Fábio. A Presença Luso-Brasileira na Região do Rio da Prata: 1808 – 1822. In: Revista Tema Livre, ed.03. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

07 – FERREIRA, Fábio. A Presença Luso-Brasileira na Região do Rio da Prata: 1808 – 1822. In: Revista Tema Livre, ed.03. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

08 – Disponível em: http://www.oni.escuelas.edu.ar/olimpi99/guerrasincuartel/artigas.htm

09 – Disponível em: http://www.artigas.org.uy/artigas.html

7. Bibliografia e sítios consultados

AZEVEDO, Francisca L. Nogueira. Biografia e Gênero. In: Guazzelli, Cesar Augusto Barcellos et. al. (orgs.) Questões de Teoria e Metodologia da História. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 2000.

__________ Entrevista concedida em 10/04/2003. In: Revista Tema Livre, ed.05, 23 abril 2003. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

BUSHNELL, David. A Independência da América do Sul Espanhola. In: BETHELL, Leslie (org.) História da América Latina: da Independência até 1870. v. III. São Paulo: EDUSP; Imprensa Oficial do Estado; Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2001.

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FERREIRA, Fábio. A Presença Luso-Brasileira na Região do Rio da Prata: 1808 – 1822. In: Revista Tema Livre, ed.03. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

GOLIN, Tau. A fronteira: governos e movimentos espontâneos na fixação dos limites do Brasil com o Uruguai e a Argentina. Porto Alegre: L&PM, 2002.

LIMA, Oliveira. D. João VI no Brasil. Rio de Janeiro: Topbooks, 1996.

LYNCH, John. Las Revoluciones Hispanoamericanas: 1808-1826. Barcelona: Editorial Ariel, 1989.

PADOIN, Maria Medianeira. Federalismo Gaúcho: fronteira platina, direito e revolução. Coleção brasiliana novos estudos, v. 3. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2001.

SCHMIDT, Benito Bisso. A biografia histórica: o “retorno” do gênero e a noção de “contexto”. In: Guazzelli, Cesar Augusto Barcellos et. al. (orgs.) Questões de Teoria e Metodologia da História. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 2000.

VAINFAS, Ronaldo. Dicionário do Brasil Imperial (1822 – 1889). Rio de Janeiro: Objetiva, 2002.

XAVIER, Regina Célia Lima. O desafio do trabalho biográfico. In: Guazzelli, Cesar Augusto Barcellos et. al. (orgs.) Questões de Teoria e Metodologia da História. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 2000.

Breves considerações acerca da Província Cisplatina: 1821-1828

Texto de Fábio Ferreira

1. Introdução

Bandeira do Estado Cisplatino Oriental

Bandeira do Estado Cisplatino Oriental

O presente artigo propõe-se a tratar brevemente os curtos anos de existência da província brasileira da Cisplatina, no território que hoje é a República Oriental do Uruguai, além da influência que a sua existência como parte do Império exerceu nas relações Brasil – Províncias Unidas do Rio da Prata (atual Argentina) no contexto da década de 1820, e a repercussão da província brasileira nas Províncias Unidas e, primeiramente, no Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve e, depois, no Império Brasileiro.

Assim, o próximo item é dedicado à anexação da Banda Oriental ao Reino Unido sob o nome de província Cisplatina, onde são mostradas as articulações políticas por parte do general Lecor para a realização da incorporação.

A influência portenha e dos Trinta e Três Orientais no processo que vem a desencadear a Guerra da Cisplatina, além das articulações políticas dos primeiros em atrair para o conflito Simón Bolívar e os Estados Unidos são tratados no terceiro item do artigo.

O trabalho aborda a seguir a guerra propriamente dita, a partir da declaração da mesma por parte do Brasil, em 1825, aos argentinos; e, também, das negociações políticas, com a participação da Inglaterra, pela emancipação da Cisplatina.

Assim, nas próximas linhas encontrar-se-ão informações acerca do primeiro conflito externo do Brasil e Argentina independentes na região platina, além dos seus fatos precursores.

2. A Província Cisplatina

Mapa do Império do Brasil com a Cisplatina em vermelho.

Mapa do Brasil joanino com a Cisplatina em vermelho.

A região do atual Uruguai, que adentra o século XIX como parte do Vice-Reino do Rio da Prata, a partir de 1817, devido ao projeto expansionista joanino na região platina e ao processo de independência desencadeado nos países hispano-americanos que tem como grande marco o ano de 1810, caí sob o domínio da monarquia portuguesa instalada no Rio de Janeiro.1

À frente dos ocupadores, a governar, primeiramente Montevidéu, depois, em virtude da resistência artiguista, o resto do território oriental, está o general Carlos Frederico Lecor, veterano das guerras napoleônicas que, com o fim dos conflitos na Europa, parte para a América.

A administração Lecor é taxada positivamente por Saint-Hilaire (2002), naturalista francês que esteve na região em 1820; e Lynch (1989) designa-a como favorável aos grandes estancieiros e comerciantes de Montevidéu, conseguindo o apoio dos primeiros pelo restabelecimento da ordem e do respeito à propriedade e, dos segundos, pela estabilidade e pela política de porto aberto.

Em 1821, mais precisamente no dia 16 de abril2, pouco antes de D. João VI retornar para Portugal, é autorizada a realização do Congresso Cisplatino, que teria como função decidir se a Banda Oriental seria anexada ao Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve, ou tornar-se-ia um país independente ou, ainda, se a mesma acabaria como parte de um outro governo.3

Segundo Golin (2002), Lecor não teria aceito as outras duas alternativas que não fosse a de incorporar a Banda Oriental ao Reino Unido e, para isto, altera o número de deputados e o critério de seleção dos mesmos para o Congresso, além de articular com os diversos orientais que teriam voz no encontro.

Assim, a cimeira, que ocorre de quinze de julho a oito de agosto de 18214, tem diversos dos seus membros comprometidos com a posição de Lecor e, como resultado, a aprovação da incorporação da Banda Oriental ao Brasil sob o nome de Província Cisplatina, podendo-se afirmar que o general português teve grande importância na ampliação do território brasileiro até o Rio da Prata.

Silva (1986, p.393) define o Congresso como uma manobra para legitimar a ocupação da Banda Oriental, já que Lecor obtém “(…) o apoio do Conselho Municipal de Montevidéu e de representantes de várias outras localidades (…) dando-lhe um sentido, não de conquista, mas de incorporação no Reino Unido (…) com a aprovação de um Congresso Nacional do Estado Oriental do Rio da Prata”.

O questionamento da idoneidade da votação pela incorporação também está presente em Lynch (1989, p.103), destacando-se o seguinte trecho: “En julio de 1821 un Congreso Oriental subordinado al nuevo régimen votó la incorporación de la Provincia Oriental al imperio portugués como Estado Cisplatino (…)”

A anexação da Cisplatina dá-se, segundo Carvalho (1998), com a região arrasada em razão das guerras que ela foi palco desde 1810, tendo o seu setor produtivo sido devastado e a população bastante reduzida, havendo, nos orientais, um sentimento muito mais de pragmatismo ao unir-se com o Brasil do que ideológico ou subserviente ao Reino Unido.

No entanto, apesar do empenho de Lecor para a anexação e conseqüente ampliação do território brasileiro, na Corte, alguns setores não são favoráveis, sendo que a mesma não é ratificada por D. João VI, que a esta altura já está em Portugal. A reprovação à atitude de Lecor em Lisboa deve-se à preocupação de que a incorporação viesse a acarretar em problemas com Fernando VII, além de que a mesma fora fruto de articulações secretas entre o general e José Bonifácio, no contexto do rompimento do Brasil com o Reino Unido, que de fato vem a ocorrer formalmente no 7 de setembro de 1822.

Com a independência do Brasil, a província Cisplatina vê-se dividida entre os que apóiam a manutenção da sua união com o Brasil, e aqueles favoráveis a mantê-la sob o controle de Portugal, havendo a cisão dos ocupadores entre imperiais e lusitanos.

Os que optam por D. Pedro, têm a frente o general Lecor; as tropas fiéis à D. João VI são lideradas pelo brigadeiro Álvaro da Costa de Souza Macedo, que acreditam que a Cisplatina é, de direito, pertencente a Portugal. Diante do posicionamento antagônico entre as tropas, Lecor parte para Canelones, ficando Montevidéu sob o controle dos lusitanos.

Entretanto, mesmo com os embates, Lecor não se vê impedido de articular com os caudilhos platinos, como o faz com o de Entre Rios, em 1822, e com os diversos líderes da costa do Uruguai, sempre visando a manutenção da presença brasileira na região e o rechaço aos oponentes do seu projeto.

Segundo Carneiro (1946), Lecor, em Canelones, obtém o apoio de diversas figuras orientais, como Rivera5 e Lavalleja6, além de vários governos da campanha e de Colônia e Maldonado. Uma vez obtendo tal suporte, parte para o cerco por terra de Montevidéu. Por mar a cidade é cercada pelo almirante Rodrigo Lobo e por uma esquadra oriunda do Rio de Janeiro e, sitiados, os portugueses, que tinham ao seu lado os Oribe, não resistem por muito tempo.

A questão da independência brasileira face Portugal é complexa, não só na área que constitui a última conquista luso-brasileira, mas em todo o Brasil, até mesmo antes do sete de setembro. Tal cisão seja na Cisplatina, seja no resto do território brasileiro, havendo a não adesão em torno de um projeto único, acaba por dividi-los entre os que optam por Portugal e os que escolhem a independência.

A diferença de projetos para o Brasil, partindo de dentro do próprio país antes mesmo de 1822, é explicitado por Proença (1999, p.36) no seguinte trecho: “[Há] uma nítida separação entre as províncias do Norte, em torno da Baía, que se mantinham fiéis às Cortes, as do Sul separatistas e apoiantes de D. Pedro, e a zona de Pernambuco onde a situação se ia tornando mais confusa, pela existência de uma facção bastante numerosa que perfilhava, não só a separação de Portugal como uma modificação do sistema político brasileiro.”

A diversidade existente no Brasil também é apresentada por Ramos (2002, p.39), citando Macaulay:

“Havia no Brasil quem desejasse um governo central no Rio porque sentia que isso servia melhor as suas necessidades. D. Pedro queria ser imperador, José Bonifácio queria ser primeiro-ministro, milhares de advogados, agricultores e comerciantes da área do Rio – S. Paulo – Minas Gerais preferiam um governo que estivesse ao seu alcance a um governo sediado do outro lado do Atlântico. Os ricos e os políticos activos das províncias distantes entretanto não identificavam necessariamente os seus interesses com os do Rio; no extremo Norte, no Maranhão e no Pará, os laços com Lisboa eram muito fortes (…)”.

A demonstração da inexistência de uma unidade nos antigos domínios portugueses no Novo Mundo em torno de D. Pedro após o sete de setembro é igualmente demonstrado por Saraiva (1993, p.364): “Uma parte da América do Sul continuava fiel a Portugal, sem reconhecer a autoridade do novo imperador: em Montevidéu, um general afirmou reconhecer apenas o poder do rei e na Baía o general Madeira mantinha as cores portuguesas.”

Assim, a província Cisplatina encontra-se dividida entre imperiais e lusitanos, tendo os últimos abandonado a região do Prata somente em fevereiro de 18247 e, Lecor pisa em Montevidéu, a liderar as tropas brasileiras, em 2 de março do mesmo ano, sendo a Cisplatina, segundo Bethell (2001), o último reduto da resistência lusitana na América.

Com a volta de Lecor para Montevidéu, Carneiro (1946, p.36) narra que “(…) jurou-se a constituição política do Império promulgada por D. Pedro I. Por essa constituição o Estado Cisplatino, em situação de confederado, passava a fazer parte do Brasil”.

Entretanto, a contenda entre portugueses e brasileiros, e a retirada dos primeiros do território, acaba por fortalecer o grupamento que objetiva o desligamento da Cisplatina ao Brasil, conforme explicita Golin (2002, p.332): “(…) a retirada das disciplinadas tropas lusitanas enfraqueceu o exército de ocupação. Imediatamente, o movimento pela autonomia da Banda Oriental intensificou suas confabulações, agitou a população e, no ano seguinte, em 1825, desencadeou a sublevação.”

Constatação idêntica faz Duarte (1985), ao afirmar que após a saída dos portugueses e a conseqüente cisão nas tropas de Lecor, os contingentes militares do general ficam em estado lamentável e, ainda, salienta que se foi possível a manutenção da presença brasileira na Cisplatina após a divisão das tropas de ocupação, foi pela habilidade política de Lecor.

Paralelamente ao processo de independência do Brasil e a vitória dos imperiais na Cisplatina, em Buenos Aires são iniciadas as articulações para que as Províncias Unidas reconquistassem o território que, desde 1810, desejavam que fosse seu: a outra margem do Rio da Prata.

Assim sendo, o intento portenho de acabar com o domínio brasileiro na região que outrora fora parte do Vice Reino que tinha Buenos Aires como capital, e o papel desempenhado pelos 33 orientais na independência da província Cisplatina serão abordados no próximo item do trabalho.

3. A participação portenha na emancipação da Cisplatina e os Trinta e Três Orientais

“Juramento de los Treinta y Tres Orientales”, obra do uruguaio Juan Manuel Blanes (1830-1901).

O desejo de Buenos Aires, após a Revolução de Maio de 1810, em conquistar a área do atual Uruguai pode ser evidenciado ao longo desta década, quando, por exemplo, os portenhos apóiam os intentos de Artigas contra os realistas, em 1811, ou quando controlam Montevidéu, em 1814, só abandonando-a por não resistirem à oposição artiguista. As incursões ao território oriental cessam após a invasão comandada por Lecor, em 1816.

Porém, com o advento da independência do Brasil e a sua repercussão na Cisplatina, em 18238, ganha força, nas Províncias Unidas, a idéia de guerrear contra o país recém independente, sendo que, em 4 de agosto, Santa Fé assina um tratado com o cabildo de Montevidéu para expurgar a presença brasileira da Cisplatina e no dia 21 do mesmo mês, Mansilla, governador de Entre Rios no período de 1821-24, que anteriormente assinara tratos com Lecor, intima o antigo tratante a abandonar a província brasileira localizada no Prata.

Um pouco antes das hostilidades com Santa Fé e Entre Rios, as Províncias Unidas enviam, em janeiro de 1823, José Valentim Gomes para negociar com o Rio de Janeiro o que os portenhos entendiam como a restituição da Banda Oriental, entretanto, segundo Carvalho (1998, p.57) “o emissário encontrou decidida repulsa a respeito da separação da Cisplatina do Império”.

A questão envolvendo esse território entendido por brasileiros e argentinos como seus, não faz com que somente as Províncias Unidas enviem emissários para o Rio. O governo sediado nesta cidade envia, em tal período, missões para Buenos Aires e Assunção com o objetivo de aproximar-se mais destes governos, porém malogra em seu intento. Na primeira, o enviado brasileiro só não perde por completo a viagem pelo fato de espionar os liberais refugiados naquela cidade e, na cidade paraguaia, inicialmente sequer é recebido por Francia e, quando o é, de nada resulta o encontro.

Os esforços portenhos não fazem com que Lecor abandone a província anexada, mas mesmo diante da permanência do general, não desistem da desocupação da mesma e, com tal intento, apóiam o plano de Lavalleja de atacar a Cisplatina e rechaçar os brasileiros desta localidade.

No entanto, o primeiro intento do oriental malogra, sendo ele rechaçado da margem esquerda do Prata por Frutuoso Rivera, que, quando Juan Manuel Rosas9 vai à Cisplatina visando uma nova insurreição, debanda para o lado dos portenhos, porém permanecendo no exército brasileiro até o novo ataque de Lavalleja, quando passa a agir ao lado dos insurretos. Ao mudar de lado, Carneiro (1946) afirma que Lecor coloca a cabeça de Rivera a prêmio, assim como a de Lavalleja, a 2.000 e 1.500 pesos respectivamente.

A nova investida tem como ponto de saída a Argentina, e de chegada o atual Uruguai, mais precisamente Agraciada, no dia 19 de abril de 1825, sendo o grupo hostil aos súbitos de D. Pedro I conhecido como Os Trinta e Três Orientais.10

Sobre a chegada e os objetivos do grupo em relação a Cisplatina, Carneiro (ibid, p.38) narra que “(…) às 11 horas da noite, realizavam o desembarque (…) Ao desfraldar a sua bandeira tricolor, com o lema ‘Libertad o muerte’, que os uruguaios empunhariam até 1829, revogando a de Artigas (…) o chefe dos orientais não deixava patente senão que os seus projetos eram de união com as Províncias Unidas (…) e não de independência da Banda Oriental”.

Esse grupo, segundo Lynch (1989), com a sua travessia, visa ativar o latente movimento emancipatório dentro da Cisplatina, tendo os Trinta e Três, com tal ação, o objetivo de anexar a então província brasileira com as Províncias Unidas, entretanto, com alguma espécie de autonomia. Os objetivos portenhos não são muito diferentes, querendo o território à esquerda do Prata para si. O autor ainda observa que o grupo liderado por Lavalleja era financiado por estancieiros da província de Buenos Aires.

Calógeras (1998, p.409), sobre os intentos dos insurgentes, afirma que, inspirado no projeto artiguista, “Lavalleja vinha com o velho programa de Artigas, que todos os pro-homens da província oriental partilhavam: a confederação dentro no quadro das Províncias Unidas”.

Entretanto, o autor frisa que há diferenças substanciais entre os dois projetos: o do caudilho que atuou na Banda Oriental na década de 1810 não aceitava a incorporação a Buenos Aires sem definir previamente um pacto para a união; já o grupo de Lavalleja decreta a reincorporação as Províncias Unidas de maneira incondicional.

Este novo ataque de Lavalleja tem melhor sorte que o primeiro: as tropas brasileiras ficam confinadas praticamente em Montevidéu e Sacramento e, a 25 de agosto de 1825, a assembléia reunida em Florida pelos insurgentes, proclamam “nulos todos los actos de incorporación y juramentos arrancados a los pueblos de la Provincia Oriental [e] quedaba libre e independiente del Rey de Portugal, del Emperador del Brasil y de qualquiera outro poder del universo”11.

É válido salientar que, segundo Carneiro (1946, p.40), os Trinta e Três, ao desembarcarem, não gozavam de crédito, ao contrário, “A ação dos patriotas uruguaios foi tomada como uma loucura ou como ingênua imprudência.”, entretanto, o autor ainda observa que o exército brasileiro estava comprometido por causa da rebelião de Pernambuco, o que acarreta em diversas derrotas.

O sucesso da investida leva a embates entre o cônsul brasileiro em Buenos Aires e o governador desta cidade, que nega a participação portenha na incursão à província Cisplatina e, ainda, ao ataque à representação brasileira na cidade. Tal fato é demonstrado por Carvalho (1998, p.58) no seguinte trecho: “Em Buenos Aires, era atacado o consulado brasileiro (29 de outubro) e o nosso representante transladava-se para Montevidéu. Já então a ofensiva uruguaia era apoiada por tropas argentinas, apesar de nota diplomática conciliadora e cordial (…)”

O ataque de 29 de outubro e a participação dos buenairenses neste curioso ato de hostilidade ao Brasil são detalhados por Calógeras (1998, p.416) da seguinte maneira: “(…) às dez e meia da noite, uma turba guiada por uma banda, de música, e aos gritos de ‘morram os portugueses, morra o Imperador do Brasil, morram os amigos do tirano, morra o Consul’, tinha atacado impunemente o consulado”. O autor ainda afirma que tal ato teve o revide de soldados da marinha brasileira, que desrespeitam, no Rio, a bandeira argentina.

A rivalidade para com os brasileiros não fica estrita a manifestações a porta do consulado em Buenos Aires. Soma-se a isso o fato de que a cidade serve de refúgio aos opositores brasileiros na Cisplatina, conforme relata Carneiro (1946) que, quando a polícia de Lecor descobre conspiradores contra o Império, muitos deles fogem é para tal núcleo urbano argentino.

Neste mesmo ano de 1825, segundo Golin (2002) as Províncias Unidas tentam trazer Simón Bolívar12 para o conflito do Rio da Prata, intimando o Brasil a desocupar a margem esquerda do rio e, caso não o fizesse por bem, teria que fazer à força. Uma vez tendo sucesso a empreitada, Bolívar e seus aliados marchariam até o Rio de Janeiro, deporiam D. Pedro I e proclamariam uma república.

Bolívar chega a cogitar a sua participação nessa união de forças contra o Império, porém, devido a problemas na região que libertou do domínio espanhol, opta por permanecer aí, tendo sido a sua participação no evento apenas diplomática, via o seu representante no Rio de Janeiro, que crítica o expansionismo brasileiro.

Não é só Simón Bolívar que os portenhos tentam trazer para o seu lado e contra o Império: Segundo Carvalho (1998), o ministro das relações exteriores do governo Rivadavia13 busca apoio nos Estados Unidos, a evocar a Doutrina Monroe e a vincular D. Pedro I a Portugal e, assim, sob esta ótica, o conflito teria a interferência européia, o que é rechaçado pela doutrina. Entretanto, o intento de Buenos Aires não é vitorioso, pois os Estados Unidos entendem o embate entre os dois países como americano e não europeu.

Mesmo diante destes fatos e das derrotas brasileiras nas batalhas do Rincón das Gallinas e do Sarandí – tendo à frente Frutuoso Rivera –, o Brasil não oficializa a guerra, a tratá-la como uma insurreição dentro da sua província localizada no Rio da Prata.

Lavalleja, segundo Carneiro (1946), querendo terminar logo com os embates, chega, inclusive, a propor a Lecor, após a vitória de Rivera em Rincón das Gallinas, a intervenção do veterano das guerras napoleônicas junto ao Imperador para que fossem retiradas do território oriental as tropas brasileiras, porém, o militar nega-se a tal.

Entretanto, em 4 de novembro de 1825, o Império recebe o comunicado de que as Províncias Unidas entendiam a Cisplatina como parte do seu território e, assim, o Rio de Janeiro declara guerra aos portenhos em 10 de dezembro de 1825. A resposta argentina é dada menos de um mês depois: É declarada guerra ao Brasil no primeiro dia de 1826.

4. A Guerra Cisplatina: 1825-1828

Lecor: o general comanda Montevidéu de 1817 até meados da década de 1820.

Lecor: o general comanda Montevidéu de 1817 até meados da década de 1820.

Apesar do Brasil ter declarado guerra aos argentinos em 1825 e, eles, aos brasileiros no primeiro dia do ano seguinte, ambos os envolvidos sabiam que estavam a adentrar em uma ação bélica já desgastados, devido aos seus processos de independência e, no caso das Províncias Unidas, soma-se o embate interno entre Unitários e Federais que trouxe-lhes grandes prejuízos.

O Império, neste conflito, objetiva manter a sua configuração, além de possuir um projeto político de não permitir a criação de grandes países no continente e, com a eventual perda da Cisplatina para as Províncias Unidas, esta, obviamente, teria o seu território ampliado.

Soma-se a tal questão a preocupação do controle do estuário do Rio da Prata, acesso muito mais eficaz ao oeste do Rio Grande, Santa Catarina, Paraná e sudoeste do Mato Grosso, do que o terrestre e, caso o Rio da Prata ficasse nas mãos das Províncias Unidas, o Império temia pela sua integridade nas áreas brasileiras citadas acima.14

No entanto, Calógeras (1998) taxa o conflito bélico pela manutenção da Cisplatina como uma preocupação dinástica de D. Pedro I e não como anseio dos brasileiros, sendo a guerra contrária aos desejos dos últimos, que precisam de estabilidade e paz para progredirem, além de boas relações com os seus vizinhos hispânicos para evitar contendas.

O conflito, desde o seu início, não é apoiado pela Inglaterra, havendo, inclusive, a sua intervenção para que ele não ocorresse ou fosse abreviado, no entanto, os ingleses não são bem sucedidos neste momento, conforme demonstra Lynch (1989, p.105): “(…)Gran Bretaña tenía una considerable influencia sobre los gobiernos de Río de Janeiro y de Buenos Aires, pero no había sido capaz de impedir la guerra y encontraba dificultades para restablecer la paz.”

Entretanto, isto não significa que a Inglaterra seja favorável a manutenção da Cisplatina sob o poder imperial, nem argentino, ao contrário, interessa-lhe a criação de um terceiro estado na região, conforme explicita Padoin (2001, p.62):

“Enquanto isso, ou por detrás desse panorama de rivalidades estava a atuação inglesa, preocupada com o crescimento e fortalecimento dos novos Estados que estavam se estruturando (…) especialmente do Brasil e da Argentina (…) Caso fosse consumada a vitória de um desses Estados, não só fortaleceria suas pretensões hegemônicas, como seria ‘o senhor’ no domínio do comércio para o mercado mundial, especialmente nessa importante Bacia do Prata. Assim, a Inglaterra (…) apoiou através de sua habilidade diplomática a independência da Banda Oriental/Cisplatina, mantendo seu tradicional espaço de influência”.

Ainda sobre a participação inglesa em tal advento, Carvalho (1998, p.58 e 59) afirma que “Canning [ministro inglês] era favorável à separação da Cisplatina. [Em 1826] deu-se a primeira intervenção britânica. Sugeria a cessão da Banda Oriental mediante indenização e declaração de independência de seu território. A recusa de D. Pedro o fez considerar como um inimigo da Inglaterra.”

A guerra, segundo Golin (2002), teve respaldo popular no Brasil, ao menos no seu início. Nas Províncias Unidas idem, pois quando Rivadavia cogita tirar o seu país do conflito, dando a hegemonia da área litigiosa aos brasileiros através de um tratado, a população de seu país veta a idéia.15

Porém, esse não é o posicionamento de Rivadavia no seu discurso ao assumir o poder, ao contrário, mostra-se favorável ao conflito bélico, que, por sua vez, não é uma unanimidade no país que guerreia com o Brasil.16

No Império, a unanimidade em torno dos seus também não ocorria: Lecor, que passa a ser taxado de incompetente devido às derrotas brasileiras, e o governador do Rio Grande, brigadeiro José Elpidio Gordilho Velloso de Barbuda, mostram publicamente as suas divergências em virtude do conflito.

Assim, dessa guerra, Lecor sai derrotado: em 12 de setembro de 182617 substituí-o a frente do exército imperial o tenente-general Filiberto Caldeira Brant Pontes, que, quatro meses mais tarde, recebe o título de marquês de Barbacena.

Padoin (2001) observa que não é só do lado brasileiro que figuras políticas saem derrotadas do conflito, como foi com Lecor. O embate, do lado argentino, leva ao enfraquecimento dos unitários, que estão no poder na figura de Rivadavia, e ao fortalecimento dos federalistas, agremiação a qual Rosas é ligado.

A repercussão negativa, no Brasil, é crescente, fato é que, D. Pedro I, dois meses após a substituição de Lecor, vai até a Cisplatina devido à impopularidade da guerra, e antecipa a sua volta para o Rio de Janeiro em virtude do falecimento de sua esposa, Dona Leopoldina18.

É válido observar que neste momento a guerra já é bastante questionada no Império, a contribuir no desgaste da imagem do Imperador, sendo tal associação feita por Bethell e Carvalho (2001), e observada por Ramos (2002, p.55) da seguinte maneira: “(…) este conflito e o seu resultado funcionou contra o imperador no espírito dos seus novos súbditos, ‘pois o povo não podia perceber nenhum sentido nessa guerra’. Além disso, ‘o recrutamento para a tropa foi enérgico e provocou constrangimentos e indignações sem conta’, recorda Francisco Iglesias.”

No entanto, o conflito platino não é o único fator desgastante da imagem de D. Pedro I, soma-se à guerra a questão da sucessão em Portugal, por causa do falecimento de D. João VI a 10 de março de 182619 e o temor por parte dos brasileiros da recolonização, já que o seu imperador torna-se o rei D. Pedro IV em Portugal e chegou, inclusive, a cogitar a união das duas coroas. A insatisfação dos seus súditos americanos é demonstrada, mais uma vez, em Ramos (ibid.):

“(…) no caso da herança portuguesa, ao saber-se rei, D. Pedro IV julgou (…) que era possível guardar as duas coroas. Tal facto violava a Constituição de 1824, não convinha nem apetecia aos brasileiros por parecer um acto de recolonização. De resto, o Conselho de Estado rejeitou (…) tal possibilidade. (…) D. Pedro (…) abdicou [o trono português] em D. Maria da Glória [porém] pareceu insatisfatória para os interesses do Brasil, pois logo se pensou (…) que os interesses de D. Pedro se iam dividir entre os problemas de Portugal e os do império.”

Assim, a imagem do primeiro Imperador do Brasil torna-se cada vez mais desgastada. A situação em Portugal não encerra-se com a carta de 1826 nem com a sua abdicação em favor da filha de apenas sete anos; na Cisplatina, a guerra continua com os seus problemas para os brasileiros: derrotas, convocações compulsórias, contratação de mercenários, enfim, a contenda estava a consumir as divisas imperiais, além de trazer problemas com a Inglaterra e França, no que será mostrado mais adiante.

A situação interna das Províncias Unidas também não era das mais tranqüilas à época do conflito. Lynch (1989) observa que a constituição centralista de 1826, promulgada por Rivadavia, gera conflitos com as províncias e com os federalistas, fazendo com que o líder portenho tenha a necessidade de retirar tropas do palco da guerra para pelejar no interior do seu território.

Sobre a repercussão do embate nos dois países em conflito, Padoin (2001, p.61) afirma que “Essa guerra provocou a instabilidade de Buenos Aires, com o enfraquecimento dos unitários no poder (…), além de no Brasil o Governo Imperial ser pressionado por críticas quanto aos gastos feitos em uma luta que servia para dar continuidade à política anterior da Coroa portuguesa”.

No Império, a manter a guerra e a buscar a solução do contingente insuficiente, o Imperador encontra como solução para tal problema a contratação de mercenários, na sua maioria, europeus pobres que visam vida melhor na América.

Entretanto, tal decisão, segundo Bethell e Carvalho (2001, p.705), não foi das mais acertadas por parte de D. Pedro I, ao contrário, “(…) foi desastrosa, pois, além de não evitar a derrota, gerou no Rio de Janeiro, em junho de 1828, o motim de vários milhares de mercenários irlandeses e alemães.” sitiando a cidade por dois dias.

Sobre o mecenato, Lemos (1996, p.115) afirma que “O grosso dos mercenários foram mesmo os alemães recrutados (…); colonos que, fugindo da hedionda miséria européia, sujeitavam-se ao serviço militar brasileiro, por algum tempo, como forma de pagar a viagem para cá, e cujo manifesto interesse eram campos e lavouras.”

O autor também afirma que tal premissa é válida para os soldados, não os oficiais, pois os últimos viriam para o Brasil pelo “estilo aventureiro” ou, ainda, veteranos das guerras napoleônicas que estavam desempregados e, na busca de empregos, pleiteavam a vinda para o Brasil.

Observa-se que a marinha brasileira também incluí-se como força onde seus quadros foram compostos por homens contratados para a Guerra Cisplatina, assim como os portenhos, conforme afirma Lemos (ibid, p.141), que após fazer tal afirmação descreve a marinha dos oponentes do Brasil da seguinte maneira: “(…) a esquadra buenairense era comandada pelo irlandês William Brown e guarnecida unicamente por europeus, auxiliados por alguns índios (…)” e, diante desse fato, o autor salienta o papel importante dos mercenários, em ambos os lados, na guerra pela Cisplatina.

A participação de ingleses em ambas as forças navais também pode ser constatado em Waddell (2001), que afirma que na busca de recompensas, muitos acabam por abandonar a marinha mercante do seu país de origem e, assim, ingressam na guerra, sendo os ingleses, segundo Bethell e Carvalho (2001), a maioria dos marinheiros de ambos os lados.

No que diz respeito às forças navais, o Brasil, maior marinha latino-americana à época, sofre várias derrotas no Prata pelo fato das suas embarcações serem inadequadas para o rio que as batalhas tinham palco.20 Porém, apesar dos fracassos, o Brasil chega a bloquear Buenos Aires, no que gera a insatisfação inglesa e francesa, que vêem os seus negócios na região prejudicados.

Principalmente para a Inglaterra, país cuja livre navegação do Prata era fundamental para o seu interesse comercial, o conflito entre os dois países americanos torna-se prejudicial, pois os dois maiores compradores dos seus produtos no novo mundo estavam mergulhados nessa contenda, além da dúvida de como seria solucionada a navegação do citado rio em circunstâncias beliculosas, daí a mediação inglesa desde o início do conflito.

Sobre o envolvimento britânico no conflito, e de como o mesmo prejudica-os, gerando o interesse pela paz, Lynch (1989, p.105) observa que:

“(…) Gran Bretaña tenía ‘motivos de interés propio al igual que benevolencia’ para buscar una fórmula de paz. La guerra estaba perjudicando el comercio británico en el Atlántico sur y los comerciantes sufrían graves pérdidas debido al bloqueo brasileño de Buenos Aires y al aumento de la piratería. Y políticamente Canning daba una curiosa importancia a la conservación de al menos una monarquía en las Américas, salvando a Brasil de si mismo y de sus vecinos republicanos.”

Soma-se ao citado acima, a preocupação britânica de que havia a possibilidade do Brasil ou das Províncias Unidas recorrerem a ajuda dos Estados Unidos e, uma vez recebendo o apoio norte-americano, este país teria vantagens comerciais em detrimento da Inglaterra.

Então, cada vez mais, com o passar e a indefinição da guerra, é conveniente aos ingleses, e também as duas partes beligerantes, o estabelecimento da paz e, assim, a diplomacia britânica, tanto no Rio de Janeiro, quanto em Buenos Aires, começa a trabalhar neste sentido. Pela parte do governo brasileiro, discute tal questão, conforme pode ser constado em Carvalho (1998), o Marquês de Queluz, que durante o período joanino foi o administrador português de Caiena.

Paralelamente ao empate entre os dois países sul americanos na guerra, Rivera, em 1828, conforme narra Lynch (1989), recruta forças guerrilheiras e, a avançar pelo rio Uruguai, conquista as missões brasileiras, tendo, assim, com que negociar junto ao Brasil. Tal invasão, segundo Carvalho (1998), também resulta no retardamento da assinatura de um acordo entre brasileiros e argentinos, pois diante da conquista do território dos inimigos, os segundos passam a postergar a solução definitiva do caso.

No que tange o ataque de Rivera ao Brasil, Padoin (2001, p.62) afirma que mais do que ter um instrumento de barganha para com o Império, conforme cita Lynch (1989), Rivera tem como propósito “(…)torna-las [as missões brasileiras] mais uma das Províncias Unidas, conforme o projeto artiguista”, além de que, com tal ataque, o governo brasileiro acaba por abrir mão do controle da Cisplatina.

Diante de tais fatos, o tratado de paz entre o Brasil e as Províncias Unidas do Rio da Prata, mediado pela Inglaterra, é assinado em 27 de agosto de 1828, quando ambos desistem das suas pretensões na região que outrora fora a Banda Oriental e que foi a província Cisplatina. Fica acordado o reconhecimento de um novo país na região litigiosa, a República Oriental do Uruguai.

Ainda sobre o acordo em que os dois países americanos reconhecem a independência da então província Cisplatina, é válido salientar que a Inglaterra recebe o aval de navegar livremente pelo estuário do Rio da Prata pelo período de quinze anos.21

Sobre o acordo celebrado entre as duas partes beligerantes, e a independência da província Cisplatina como Uruguai, destaca-se o seguinte trecho de Lynch (1989, p.105 e p.106): “El vehículo de la independencia [da Cisplatina] fue la mediación británica que se inició en 1826 y reforzó los esfuerzos de los patriotas. (…) Fue un reconocimiento de los hechos el que Brasil y las Provincias Unidas firmaran un tratado de paz (27 de agosto de 1828), declarando la independencia de la Provincia Oriental. En 1830 el Estado Oriental del Uruguay tuvo su primera constitución, que culminó y completó la lucha por la independencia.”

Entretanto, o autor observa que o novo país independente estava longe dos ideais de Artigas, esquecendo a reforma agrária, e havendo a exclusão do sufrágio de diversos setores da sociedade, que participaram inclusive da guerra pela cisão com o Brasil, como, por exemplo, peões, vaqueiros, trabalhadores assalariados, soldados rasos e gaúchos.

5. Conclusão

Bandeira dos 33 orientais: as cores vermelha, azul e branca já eram usadas desde os tempos de Artigas, não só na Província Oriental, mas, também, em outras partes do Prata.

Bandeira dos 33 orientais: as cores vermelha, azul e branca já eram usadas desde os tempos de Artigas, não só na Província Oriental, mas, também, em outras partes do Prata.

Assim sendo, a província Cisplatina torna-se parte integrante do Império Brasileiro menos por questões ideológicas do que pragmáticas, havendo por parte dos orientais o desejo da resolução da situação de penúria que estavam a enfrentar, pelo seu território ter sido palco de conflitos desde 1810.

Sobre o não aportuguesamento da região, Ferreira (2002) citando Felde, afirma que a ocupação luso-brasileira foi efetivamente militar, ignorando a possibilidade de realizar benefícios materiais e intelectuais na área ocupada.

No que tange a Guerra Cisplatina, ela pode ser entendida como um conflito entre duas nações em processo de formação, no caso, Brasil e Argentina, que a esta época estavam a definir o seu território nacional, tentando manter, na maioria das vezes, a hegemonia de cidades que foram a capital dos antigos domínios coloniais sobre o país independente, além da manutenção da configuração do território colonial: no caso brasileiro, o Rio de Janeiro luta para manter a sua supremacia sobre as demais províncias e, no argentino, Buenos Aires sobre o antigo Vice Reino do Rio da Prata,.

Pode-se dizer que neste aspecto a formatação do Brasil Imperial assemelha-se praticamente com a recebida de Portugal em 1822, tendo sido perdida apenas a Província Cisplatina. Já as Províncias Unidas não conseguem manter a configuração do Vice Reino em 1810, pois o domínio colonial platino dos espanhóis, hoje, forma o Paraguai, parte da Bolívia, Uruguai e Argentina, além de que a configuração do último esteve diversas vezes comprometida, havendo, ao longo do século XIX, vários momentos de cisão, como quando as suas províncias fecham com Artigas, abandonando Buenos Aires, ou quando a mesma, em meados do século, separa-se do resto do país.

Evidentemente, o Brasil do século XIX também passa por momentos em que a sua integridade esteve em jogo, seja durante o período de D. Pedro I, seja durante a regência, porém, o resultado final foi a integridade e a manutenção – exceto no caso da Cisplatina – das configurações herdadas em 1822.

Ressalta-se ainda que a Guerra contribuiu para o desgaste de figuras de ambos os lados, no Brasil, de Pedro I, que abdica em 1831 com a sua imagem comprometida, nas Províncias Unidas, dos unitários, que assiste a chegada ao poder do federalista Rosas, que permanece aí até 1852, governando ditatorialmente, entretanto, contribuindo enormemente para a formatação da atual Argentina.

O resultado da Guerra foi favorável aos britânicos, que vêem o seu projeto da criação de um estado “tampão” no Rio da Prata, favorecendo os seus interesses comerciais nesta parte do globo. Evidentemente, tal criação não era o desejo do Brasil e das Províncias Unidas ao início do conflito, entretanto, com o Uruguai, os brasileiros saem do Rio da Prata – conforme desejavam os argentinos e os ingleses – e as Províncias Unidas não estendiam o seu território a outra margem do rio – o que não anelavam os brasileiros e ingleses. Pode-se perceber na assinatura do trato entre os dois países beligerantes forte dose de pragmatismo, pois já não possuíam condições para pelejar e se não obtinham a configuração territorial ideal ao fim do conflito, ao menos não permitiam que o seu rival também a obtivesse.

Entretanto, os conflitos na região do Prata não terminam com a Guerra da Cisplatina, durante o século XIX vários são os embates travados entre os quatro países da região, Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, além da questão da demarcação de limites entre os países dessa região virem sempre a tona e a ocorrência da intervenção de um na política do outro, como, por exemplo, os partidos uruguaios colorados e blancos receberem, respectivamente, o apoio dos brasileiros e argentinos, e o apoio dado aos farroupilhas por facções uruguaias e por Rosas.

Finalizando, o conflito cisplatino dá-se no contexto da formação de dois países, Brasil e Argentina, sendo a primeira grande guerra das nações em formação, além de repercutir internamente de forma negativa para os seus governos.

6. Notas

1 – Para maiores detalhes, ver: FERREIRA, Fábio. A Presença Luso-Brasileira na Região do Rio da Prata: 1808 – 1822. In: Revista Tema Livre, ed.03. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

2 – GOLIN, Tau. A fronteira: governos e movimentos espontâneos na fixação dos limites do Brasil com o Uruguai e a Argentina. Porto Alegre: L&PM, 2002, p.328.

3 – Disponível em: http://www.ufpel.tche.br/fae/siteshospedados/A17TAMBARA.htm

4 – GOLIN, Tau. A fronteira: governos e movimentos espontâneos na fixação dos limites do Brasil com o Uruguai e a Argentina. Porto Alegre: L&PM, 2002, p.328.

5 – Frutuoso Rivera é natural de Montevidéu, tendo nascido nesta cidade em 1788. Luta ao lado de Artigas, depois do Brasil, que promove-o de coronel a brigadeiro, e a partir de 1825 contra o mesmo. É o primeiro governante do Uruguai independente, até 1834, funda o partido Colorado, teoricamente mais próximo ao Brasil, e retorna ao poder em 1838. Nos anos de 1840 luta contra Rosas e tenta mais uma vez voltar ao poder em seu país, no que fracassa, exilando-se na capital do Império. Em 1853 integra uma junta governativa do seu país, porém, no ano seguinte, falece. Vainfas (2002, p.303) define-o como exemplo da “(…) oscilação das identidades políticas e nacionais da Cisplatina, entre o Brasil e o Uruguai, bem como a constante inversão de papéis e alianças que marcaria muitas lideranças política dessa ex-província brasileira, espremida entre o Brasil e a Argentina.”

6 – Juan Antonio Lavalleja (1784-1853), considerado um dos 33 orientais, lutou ao lado de Artigas, no que culminou, por um curto tempo, na sua prisão por parte do novo governo que se instala na Banda Oriental, ficando preso durante três anos na ilha das Cobras, no Rio de Janeiro, e ganha a sua liberdade em 1821. Após os adventos de 1825-1828, disputa a presidência do seu país com Rivera, entretanto é derrotado e exila-se em Buenos Aires, de onde alia-se com Oribe contra aquele que derrotou-o no pleito. Na guerra civil que dura de 1843 à 1851 é aliado dos Blancos contra os Colorados. Chegaria ao poder via a junta designada para comandar o seu país em 1853, porém falece antes. CARNEIRO, David. História da Guerra Cisplatina. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1946 e Disponível em: http://www.bartleby.com/65/la/Lavallej.html e http://www.todo-argentina.net/biografias/Personajes/juan_antonio_lavalleja.htm

7 – GOLIN, Tau. A fronteira: governos e movimentos espontâneos na fixação dos limites do Brasil com o Uruguai e a Argentina. Porto Alegre: L&PM, 2002, p.332.

8 – Op. cit., p.100.

9 – Nascido em 1793 na província de Buenos Aires, chega a frente das Províncias Unidas em 1829, permanecendo aí até 1852. É válido observar que é um personagem controverso na historiografia argentina, na qual gerou construções dispares, como, por exemplo, a de Domingo Sarmiento, contemporâneo de Rosas, que em seu livro “Civilização e Barbárie” ojeriza-o; e a interpretação dada pelo revisionismo histórico, que resgata a figura de Rosas, em um intento de modificar a galeria de heróis nacionais. Vários dos autores do revisionismo defendiam Rosas, a atribuirem-lhe legitimidade popular; defensor da soberania nacional contra os interesses imperialistas franceses e ingleses; e a sua tirania era justificada pela sua contribuição a unidade nacional. Assim, esse personagem histórico fomentador de tantas construções dispares na historiografia de seu país, chegou ao poder sob a bandeira do federalismo, apoiou os farroupilhas contra o Império, e declarou guerra ao Brasil em 1851, termina a sua vida exilado em Londres depois que perde o poder na Argentina. Vem a falecer na capital inglesa em 1877.

10 – Segundo Carneiro (1946), dos 33 orientais, na verdade, 17 o eram. Onze eram argentinos, dois africanos, um paraguaio, outro francês e, ainda, um era brasileiro.

11 – CARVALHO, Carlos Delgado de. História diplomática do Brasil. Coleção Memória Brasileira, v. 13. Brasília: Edição fac-similar. Senado Federal, 1998, p.58.

12 – Simón Bolívar nasce em Caracas em 24 de julho de 1783. Estuda no exterior e, na sua formação, sofre influência de Rousseau e Napoleão Bonaparte. Ao retornar a sua cidade de origem, participa dos movimentos de emancipação da atual Venezuela, assim como dos atuais Panamá, Colômbia, Equador, Peru e Bolívia. Fica conhecido como “El Libertador”. Após ser presidente de diversos países que ele participa da independência da Espanha, Bolívar morre em 17 de dezembro de 1830, em uma fazendola perto de Santa Marta, Colômbia. Disponível em: http://www.its.utas.edu.au/users/creyes/simon_bolivars_home_page.htm e http://www.auburn.edu/~jfdrake/teachers/gould/bolivar.html e http://www.bolivarmo.com/history.htm

13 – Bernardino Rivadavia (Buenos Aires, 20/05/1780 – Cádiz, Espanha, 02/09/1845), ligado ao partido Unitário, ocupa a presidência das Províncias Unidas de 08/02/1826 à 07/07/1827. Disponível em: http://www.historiadelpais.com.ar/

14 – Disponível em: http://www.rio.rj.gov.br/multirio/historia/modulo02/cisplatina.html

15 – Disponível em: http://www.historiadelpais.com.ar

16 – GOLIN, Tau. A fronteira: governos e movimentos espontâneos na fixação dos limites do Brasil com o Uruguai e a Argentina. Porto Alegre: L&PM, 2002.

17 – Op. cit., p.126.

18 – A esposa de D. Pedro I falece em 8 de dezembro de 1826.

19 – Disponível em: http://www.arqnet.pt/dicionario/joao6.html

20 – Disponível em: http://www.geocities.com/ulysses_costa2000/oconflitonacisplatinap.html

21 – Disponível em: http://www.rio.rj.gov.br/multirio/historia/modulo02/cisplatina.html

7. Bibliografia e sítios consultados

BETHELL, Leslie. A independência do Brasil. In: BETHELL, Leslie (org.) História da América Latina: da Independência até 1870. v. III. São Paulo: EDUSP; Imprensa Oficial do Estado; Brasília: Fundação Alexandere de Gusmão, 2001.

BETHELL, Leslie; CARVALHO, José Murilo de. O Brasil da independência até metade do século XIX. In: BETHELL, Leslie (org.) História da América Latina: da Independência até 1870. v. III. São Paulo: EDUSP; Imprensa Oficial do Estado; Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2001.

CALÓGERAS, J. Pandiá. A política exterior do Império. Edição fac-similar. Brasília: Senado Federal, 1998.

CARVALHO, Carlos Delgado de. História diplomática do Brasil. Coleção Memória Brasileira, v. 13. Brasília: Edição fac-similar. Senado Federal, 1998.

CARNEIRO, David. História da Guerra Cisplatina. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1946.

DICIONÁRIO Histórico, corográfico, heráldico, biográfico, bibliográfico, numismático e artístico. v. III. Portugal: João Romano Torres, 1904-1915. Disponível em: http://www.arqnet.pt/dicionario.html

DUARTE. Paulo de Q. Lecor e a Cisplatina 1816-1828. v. 2. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1985.

FERREIRA, Fábio. A Presença Luso-Brasileira na Região do Rio da Prata: 1808 – 1822. In: Revista Tema Livre, ed.03. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

GOLDMAN, Noemi; SALVATORE, Ricardo (comp.). Caudillismos Rioplatenses: nuevas miradas a un viejo problema. Buenos Aires: Editorial Universitária de Buenos Aires, 1998.

GOLIN, Tau. A fronteira: governos e movimentos espontâneos na fixação dos limites do Brasil com o Uruguai e a Argentina. Porto Alegre: L&PM, 2002.

LEMOS, Juvêncio Saldanha. Os mercenários do imperador: a primeira corrente migratória alemã no Brasil (1824-1830). Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1996.

LIMA, Oliveira. D. João VI no Brasil. Rio de Janeiro: Topbooks, 1996.

LYNCH, John. Las Revoluciones Hispanoamericanas: 1808-1826. Barcelona: Editorial Ariel, 1989.

PADOIN, Maria Medianeira. Federalismo Gaúcho: fronteira platina, direito e revolução. Coleção brasiliana novos estudos, v. 3. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2001.

PROENÇA, Maria Cândida. A independência do Brasil. Lisboa: Colibri, 1999.

RAMOS, Luís António de Oliveira. D. Pedro imperador e rei: experiências de um príncipe (1798 – 1834). Lisboa: Inapa, 2002.

SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem ao Rio Grande do Sul. Brasília: Senado Federal, 2002.

SARAIVA, José Hermano. História de Portugal. Lisboa: Alfa, 1993.

SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Apêndice In: MAXWEL, Kenneth. Condicionalismos da independência do Brasil. In: SERRÃO, José; MARQUES, A.H. Oliveira (coord.). Nova História da Expansão Portuguesa, volume VIII. Lisboa: Estampa, 1986.

VAINFAS, Ronaldo. Dicionário do Brasil Imperial (1822 – 1889). Rio de Janeiro: Objetiva, 2002.

WADDELL, D.A.G. A política internacional e a independência da América Latina. In: BETHELL, Leslie (org.) História da América Latina: da Independência até 1870. v. III. São Paulo: EDUSP; Imprensa Oficial do Estado; Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2001.

– Para obter mais informações na Revista Tema Livre relacionadas ao primeiro quartel do século XIX, basta clicar nos ícones abaixo:
(Em ordem alfabética)

Entrevista com a prof. dra. Francisca Azevedo.

As incursões franco-espanholas ao território português: 1801-1810.

A Presença Luso-brasileira na Região do Rio da Prata: 1808-1822.

Moeda e Crédito no Brasil:
breves reflexões sobre o primeiro Banco do Brasil (1808-1829)

E, na seção fotos, a exposição virtual Imagens de Portugal: Palácio de Queluz.

A Presença Luso-Brasileira na Região do Rio da Prata: 1808-1822

Por Fábio Ferreira

 

1. Introdução 

D. João de Bragança

D. João de Bragança

O presente trabalho propõe abordar brevemente as pretensões luso-brasileiras na região do Rio da Prata à época joanina, porém, para compreender melhor as incursões do então príncipe regente D. João nessa região, é necessário um retorno ao período colonial, quando Portugal funda no Prata a Colônia do Sacramento.

Em virtude de tal necessidade, o próximo item do trabalho trata desde a fundação da já citada Colônia do Sacramento, até os primeiros anos do século XIX, passando pelos inúmeros conflitos sobre a posse da margem esquerda do Prata, ora em mãos lusitanas, ora castelhanas.

O terceiro item é dedicado a chegada da corte ao Rio de Janeiro, e as pretensões da esposa do príncipe regente, Dona Carlota, em estabelecer uma monarquia no Prata sob seu domínio.

No item seguinte, é a vez das incursões que Dom João realiza na Banda Oriental, atual Uruguai, que, em 1816, culmina com uma ocupação um pouco mais duradoura da Coroa portuguesa nessa região.

Ainda nesse item, é abordada as atividades do caudilho Artigas nessa área, além da anexação ao Brasil em 1821, que faz com que, mesmo após a independência brasileira face a Portugal, o que hoje é o Uruguai, tenha sido por alguns anos uma província brasileira.

Assim, nas linhas que se seguem, serão encontrados alguns pontos a respeito das pretensões luso-brasileiras na região do Prata, e, mais especificamente, no território uruguaio.

2. Fundação da Colônia do Sacramento e a Presença Portuguesa no Prata

Mapa da bacia do Prata com a divisão político-administrativa atual.

Mapa da bacia do Prata com a divisão político-administrativa atual.

O interesse luso na região do Rio da Prata pode ser constatado através de várias atitudes portuguesas, como, por exemplo, a fundação da Colônia do Sacramento na parte em frente a Buenos Aires no território que hoje é a República Oriental do Uruguai, em 1º de Janeiro de 16801.

Entretanto, a fundação da Colônia do Sacramento não é o único fato que evidencia os objetivos de Portugal nessa região. Outras atitudes da metrópole lusa demonstram o seu interesse na região platina, como, por exemplo, o ato da Santa Sé2 de, em 1671, colocar sob a jurisdição espiritual da Diocese do Rio de Janeiro essa região, e mais, essa mesma região ter sido concedida como sesmaria a membros da família Corrêa de Sá, no ano de 1676.

Sobre o local onde a Colônia foi fundada, pode-se dizer que, segundo Carvalho (1998), era mal escondido, o que dificultava a defesa da área; além de ficar a apenas oito léguas de Buenos Aires e, assim, o melhor local teria sido Maldonado para o empreendimento lusitano.

O objetivo de tal fundação, segundo o mesmo autor, era colocar um ponto português na região, e com isso, desagregar o domínio espanhol nessa parte da América, o que culminaria em territórios hispânicos sem ligação.

Outra razão que levou Portugal a fundar tal colônia no Rio da Prata foi de ordem econômica, já que havia relações comercias com Buenos Aires, sendo que tais relações forneciam “(…) ao Brasil, carente de prata, a obtenção mais ou menos abundante deste metal, através dos ‘peruleiros’ que desciam do Alto Peru, trocando sua cobiçada mercadoria pelo não menos desejado escravo negro de suma utilidade ao trabalho crescente das minas do altiplano.”3

Sobre a circulação da prata peruana na América Portuguesa, mais precisamente no Rio de Janeiro e as relações comercias com o Prata, Muller e Lima (1999) mostram que

“(…) os comerciantes sediados no Rio de Janeiro compravam as mercadorias portuguesas para depois revendê-las na América espanhola. Dessa forma, os reales de prata do Peru afluíam ao Rio de Janeiro (…)

A entrada de reales de prata no Rio de Janeiro deve-se também ao fato de que os navios que saiam do Prata (…) passaram a abastecer-se no Rio de Janeiro, onde compravam pau-brasil e mercadorias (…) necessárias para alimentar a tripulação durante a travessia do Atlântico.”

Tal contato não fica restrito ao Rio de Janeiro. Em outro trabalho4, Muller e Lima observam que “(…) no extremo sul, na área onde atualmente se localiza o estado do Rio Grande do Sul, circulavam indistintamente moedas brasileiras e dos países vizinhos.”, o que também evidencia a relação existente entre o Brasil e a região do Prata.

É igualmente válido ressaltar que o número de portugueses em Buenos Aires era grande, e que, durante a União Ibérica, o contrabando ocorria com a conivência castelhana. No entanto, a partir de 1640, com a separação de Portugal da Espanha, os súditos da monarquia lusa que viviam em Buenos Aires passaram a sofrer as duras leis fiscais impostas pelos espanhóis. Assim, a Câmara do Rio sugere a fundação de um estabelecimento luso na margem esquerda do Prata5.

No que diz respeito aos argumentos utilizados por Portugal para justificar a sua presença na região platina, um deles era terem sido os lusitanos os descobridores desse rio e, o outro, era o de que eles estavam a buscar os limites naturais da América portuguesa.6

Entretanto, tal discurso não impediu que o governador de Buenos Aires atacasse a Colônia do Sacramento que, já em Agosto de 1680, estava nas mãos dos espanhóis, tendo sido restituída a Portugal no início de 1683, e, em 1701, Felipe V, novo rei da Espanha, renunciou aos seus direitos sobre a já citada colônia.

Porém, devido às alianças feitas por Portugal na Europa, a Guerra de Sucessão espanhola tem seus reflexos na América: Entre 1701 e 1705, Buenos Aires ataca mais uma vez a Colônia do Sacramento, que fica nas mãos dos súditos de Castela até o Tratado de Utrecht, realizado em 1715 e, assim, Portugal volta a ter a posse da colônia.

Voltando a ser uma possessão lusa, o governador da Colônia do Sacramento começa a competir com o de Buenos Aires, ambos visando fundar novas povoações à esquerda do Prata. Nesse contexto, o representante da monarquia espanhola funda, em 1726, a atual capital do Uruguai, Montevidéu.

Pode-se interpretar essa fundação como prejudicial a Portugal, já que a criação de Montevidéu acarretou em dificuldades de comunicação entre a Colônia e o Rio de Janeiro, e, na criação pelos portenhos, da Banda Oriental.

Em 1735, mais um novo ataque de Buenos Aires à Colônia do Sacramento, tendo sido resistido por 23 meses pelos que ali estavam. Em 1737 há entendimento entre as duas potências, Portugal continua com a possessão que fora atacada por Buenos Aires, e, nesse mesmo ano é criada, como posto português no sul do atual Brasil, a Colônia do Rio Grande de São Pedro.7

Alguns anos depois, mais precisamente no dia 13 de Janeiro de 1750, devido às mudanças territoriais ocorridas desde o estabelecimento da linha de Tordesilhas, um novo acordo é celebrado entre Portugal e Espanha, o tratado de Madrid, que anula as decisões anteriores sobre os limites territoriais, e, assim, a Colônia do Sacramento é trocada pelos Sete Povos das Missões.

Entretanto, esse tratado batizado com o nome da capital espanhola gerou insatisfações, tanto em Pombal, ministro de D. José I, quanto em Carlos III, novo soberano espanhol, e então, em 1761, o tratado de Madrid é anulado pelo de El Pardo.

Vale observar que mesmo com a anulação de um tratado e a realização de um novo, esses atos não impediram novos ataques portenhos à Colônia do Sacramento: um devido à guerra dos sete anos, contabilizando a quarta investida contra essa região, sendo que de tal ataque nem mesmo o Rio Grande do Sul ficou livre; e um outro, após 1776, ano em que Portugal recuperou tais domínios, mas que não impediu nova investida espanhola – dessa vez com 13.000 homens – contra a Ilha de Santa Catarina, a Colônia do Sacramento, e o Rio Grande, tendo somente malogrado o intento castelhano de atacar o último.

A Ilha de Santa Catarina é devolvida a Portugal em 1777, pelo Tratado de San Ildefonso assinado pela herdeira de D. José I, D. Maria, porém, a Colônia do Sacramento, assim como os Sete Povos das Missões, ficaram sob o domínio espanhol.

Um novo tratado é realizado em Badajoz no ano de 1801, no entanto, sem invalidar o de San Ildefonso. Assim, nesse ano, Portugal recupera os Sete Povos das Missões e fixa-se definitivamente no arroio Chuí.

Tais conflitos e disputas não findam-se nesse momento, havendo ainda mais investidas luso-brasileiras no território do atual Uruguai, além das pretensões da esposa do príncipe regente português em constituir uma monarquia no Rio da Prata. Entretanto, entendendo a complexidade dessas questões, elas serão estudadas nos próximos itens do presente trabalho.

3. A Chegada da Família Real ao Rio de Janeiro e o Carlotismo

“Chegada da família real de Portugal em 7 de março de 1808″: Óleo sobre tela de Geoff Hount, que retratou, em 1822, a transmigração da Corte.

“Chegada da família real de Portugal em 7 de março de 1808″: óleo sobre tela de Geoff Hount, que retratou, em 1822, a transmigração da Corte.

Devido à invasão de Napoleão a Portugal8, a família real chega ao Rio de Janeiro no dia 8 de março de 18089 e, ao contrário do que alguns autores, ou até mesmos filmes e séries de tv, tentam atribuir ao fato ocorrido nos primeiros anos do século XIX como um ato de covardia de um monarca fraco e débil, Lima (1996) mostra o contrário.

O autor evidencia que o príncipe regente tendo vindo para a América, evitava as humilhações pelas quais passaram os seus parentes castelhanos; perdia o reino, mas ficava com as colônias, em sua totalidade muito mais ricas do que a metrópole; não perdeu seus direitos como soberano, e mantinha as suas pretensões e esperanças políticas, por exemplo; além de ser uma ameaça viva ao sistema napoleônico; e mais, a atitude de vir para a colônia não foi algo impensado, irrefletido, tendo sido já discutido por figuras como o padre António Vieira e o Marquês de Pombal.

Ainda sobre a vinda da família real para a América, vale extrair do texto de Lima (1996, p.43) o seguinte trecho: ” (…) é muito mais justo considerar a trasladação da corte para o Rio de Janeiro como uma inteligente e feliz manobra política do que como uma deserção covarde.”

Assim, por ter vindo para a América, o príncipe regente D. João10 pôde continuar a agir como um monarca, sendo através dos benefícios realizados na cidade do Rio de Janeiro – basta lembrar da Biblioteca Nacional e do Jardim Botânico – sendo através de atitudes como a anexação de Caiena em 180911 e as intervenções efetuadas na Banda Oriental.

À época da transferência da Corte portuguesa para o Brasil, a Região do Prata estava a ferver, o que fez com que D. João ansiasse reaver o território que já fora perdido quatro vezes pela Coroa portuguesa. Sobre tais desejos, Acevedo (1933, p.71) narra que “Procuró desde el primer momento la Corte portuguesa apoderarse del Río de la Plata.”

Em 1808, a esposa do príncipe regente português, Dona Carlota Joaquina12 demonstra os mesmos interesses que o seu marido no Prata, e procura legitimá-lo por ser filha de Carlos IV e irmã de Fernando VII, assim, a manifestar os seus desejos de governar em nome dos seus, que neste momento, na Europa, Napoleão mantinha-os em cativeiro.

Assim, segundo Lima (1996), Carlota, mesmo tendo perdido os seus direitos como infanta espanhola devido ao casamento, mantém intensa correspondência com pessoas influentes e autoridades de Buenos Aires, mas também, de Montevidéu, Chile, Peru e México, sempre a usar o pretexto de que estava a zelar os interesses de seus parentes.

Segundo Carvalho (1998), de início, D. João ficou de acordo com os planos de sua esposa em estabelecer uma monarquia no Rio da Prata que ficaria sob o domínio da espanhola, e que teria como herdeiros do trono os filhos do casal, e assim, mais tarde, formando no continente sul-americano um grande império luso-espanhol, além da ida de Carlota para o Prata ser uma maneira de D. João ver-se livre da esposa.

Lima (1996, p.191) também aborda como o príncipe regente encarou tal situação, que pode ser observado através dos seguintes fragmentos: “É fora de dúvida que Dom João VI esteve a começo de acordo com o projeto que teria dupla vantagem de livra-lo da presença nefasta da mulher, enxotando-a com todas as honras para Buenos Aires (…) e ao mesmo tempo estender com essa parceria distante a sua importância dinástica (…)” e “(…) Dom João VI [ao] favonear os desejos régios da consorte, satisfazia ambos os sentimentos em conflito íntimo: o prosaico, libertando-se da megera que o atormentava, e o idealista, realizando um velho sonho real português, o de reunir as descobertas debaixo do mesmo cetro.”

A Inglaterra, também em um primeiro momento13, coloca-se a favor das pretensões de Dona Carlota, pois via nos planos da princesa uma maneira de impor a hegemonia do comércio britânico no Prata, e, para alguns portenhos, tal idéia não era de todo mal, ao contrário, era um meio de obter a independência face a Espanha.

Sobre como os objetivos de Carlota Joaquina foram recebidos no Prata, Carvalho (1998, p.53) mostra que “No vice-reinado em revolução não era mal recebido o plano, pois Belgrano, Pueyrredon, Mariano Moreno e outros próceres acolhiam a idéia de obedecer a uma Infanta da casa de Espanha.”

Lima (1996) cita alguns dos motivos que levaram esses homens a apoiarem os planos da princesa: o desligamento do Prata da metrópole sem sacrifícios; o novo estado criar uma relação pessoal com o seu soberano, de forma diferente que fora na época da colônia; a preferência em seguir alguém ligado à casa que legitimamente, na opinião desses homens, tinha direito de reinar no Prata, e não serem governados por estrangeiros

Nesse período, o Rio de Janeiro foi palco da atuação de argentinos partidários da princesa que articulavam a favor dela, como Saturnino Rodríguez Peña, que escreveu a seguinte missiva a Carlota, onde fica claro o seu apoio, e o desejo da presença da esposa de D. João no Prata, conforme o trecho a seguir:

“Los Americanos en la forma más solemne que por ahora les es posible, se dirigen à S.A.R. la Señora Doña Carlota Joaquina, Princesa de Portugal e Infanta de España, y la suplican les dispense la mayor gracia, y prueba de su generosidad dignandose trasladarse al Río de la Plata, donde la aclamaran por su Regenta en los términos que sean compatibles con la dignidad de la una, y livertad de los otros.”14

Assim como o Rio assistiu a ação de partidários da princesa, Buenos Aires foi espectadora da atuação do agente secreto britânico James F. Burke, enviado pelo secretário de guerra Castlereagh, para proteger os interesses do comércio do Reino Unido na região platina, e, assim, esse agente vinculou-se ao grupo carlotista, como também aos membros do governo e seu circulo.15

Frente ao projeto carlotista não era clara a política do gabinete britânico: O almirante Sidney Smith16, chefe da esquadra inglesa, colocava-se ao lado da princesa, tendo inclusive preparado a sua frota para leva-la até Montevidéu; já Lord Strangford era opositor aos planos de Carlota, sendo que Londres fica ao lado do último, e Smith é substituído pelo almirante De Courcy.

Sobre tais eventos, Carvalho (1998, p.54) mostra que

“Apesar dos numerosos e influentess partidários de D. Carlota Joaquina, a execução do plano falhou por causa da oposição britânica, manifestada por Lord Strangford. À Grã-Bretanha convinha a libertação completa das colônias espanholas, porque o sistema de comércio adotado pela Espanha impunha um monopólio para a metrópole e isto constituía um obstáculo à política inglesa.”

O mesmo autor ainda explicita que à Inglaterra não era conveniente a expansão lusa na América, já que, assim poderia criar-se um “bloco latino forte e coeso” (Carvalho, 1998, p.54), o que poderia ter como resultado o comprometimento das vantagens que os britânicos tiravam de Portugal.

O posicionamento de D. João também muda em relação às pretensões de sua esposa. Segundo Carvalho (1998), o príncipe regente não confiava na princesa, que poderia vir a conspirar contra ele quando chegasse ao poder, pois ela já tramara contra ele antes, e, então, D. João, que inicialmente viu com bons olhos tais planos, muda de opinião à respeito de vê-la em um trono platino.

Vale também citar que, segundo Lima (1996) a persuasão de Lord Strangford, que seguia o posicionamento do gabinete inglês e as aspirações do comércio britânico; e as intrigas dos protegidos do príncipe regente contra Carlota, também influíram na decisão de D. João de retirar a permissão para a esposa embarcar para o rio da Prata.

4. As Ações Luso-Brasileiras na Banda Oriental: 1811 e 1816

Aquarela de Debret: “Embarquement des troupes a Prahia Grande pour I'Expedition contra Monte Video”.

Aquarela de Debret: “Embarquement des troupes a Prahia Grande pour I’Expedition contra Monte Video”.

Como foi mostrado anteriormente, as pretensões de Dona Carlota Joaquina na região platina malogram, e a independência de Buenos Aires ocorre em maio de 1810, criando-se assim as Províncias Unidas do Rio da Prata, que desejavam fazer um novo país que geograficamente se assemelhasse ao antigo Vice-Reinado17.

Para tal anseio, se fazia necessário atrair o Alto-Peru, atual Bolívia, e o Paraguai, além do que hoje é o Uruguai. Entretanto, o plano portenho de atrair os dois primeiros malogra, restando somente Montevidéu, ainda em mãos espanholas.

Em virtude da manutenção de tal poder europeu na Banda Oriental, Buenos Aires apoia os uruguaios partidários da independência desse país, entretanto, segundo Padoin (2001), os criollos de Montevidéu posicionaram-se contra a revolução de maio de 1810, pois competiam com os portenhos no comércio na bacia do Prata. Assim, os já citados criollos ficam ao lado do representante espanhol, Javier Elío.

Esses acontecimentos acarretaram diversas turbulências na Banda Oriental, tendo como conseqüência guerrilhas que chegaram, inclusive, a perturbar a fronteira com o Rio Grande.

Então, sobre tais incursões joaninas na região platina, a primeira delas foi realizada em 1811, com os pretextos de resolver essa já citada contenda, além de garantir esse território aos Bourbon, que, como já foi dito, era a casa cuja qual vinha D. Carlota Joaquina, esposa de D. João, e que nesse momento, devido ao fato da Espanha estar ocupada por Napoleão, essa família estava sem o trono espanhol, ocupado por um irmão do líder francês. Entretanto, no ano seguinte, após um armistício, Portugal retira-se da Banda Oriental.

Soma-se ainda a incursão de 1811 o fato de que, segundo Padoin (2001), as tropas de Buenos Aires e de Artigas18 cercaram Montevidéu, que recorreu à ajuda lusa, tendo o Rio de Janeiro enviado 4 mil soldados para apoiar tal cidade. A conseqüência de tal ato foi o recuo dos portenhos, que deixaram de apoiar Artigas e prometeram não mais pelejar com Elío.

Nos anos seguintes, seguem-se agitações nessa região que a pouco estava dominada por forças lusas, e as pretensões de Buenos Aires em anexar tal área continuam: Buenos Aires ocupa Montevidéu em junho de 181419 e, no ano seguinte, é a vez das forças artiguistas dominarem tal região.

Uma vez no poder, ainda segundo Padoin (2001), Artigas expropria terras e gados daqueles que foram seus inimigos, distribuindo-as àqueles que o apoiaram, na forma de pequenas propriedades. Os beneficiados foram, na sua maioria, gaúchos, escravos libertos, indígenas, enfim, pessoas que não gozavam de boas condições na sociedade de então, porém, eles deviam cultivar as terras que receberam e/ou recuperar o rebanho, senão o fizesse, havia o risco do bem converter-se a favor do Estado que estava a formar-se.

Com tal atitude, Artigas punia seus inimigos, visava recuperar a economia local, e assegurava efetivos para as lutas armadas. O caudilho também procurou recuperar o comércio dos portos de Montevidéu, Maldonado e Colônia; e também, controlar o contrabando.

Entretanto, as violações ao território brasileiro continuam, o que tem como conseqüência nova invasão lusitana à Banda Oriental, dessa vez em 1816, sendo que as hostes portuguesas que marcharam sobre esse território eram possuidoras de 12.000 homens20, considerados a elite do exército lusitano, veteranos das guerras napoleônicas, e mais, tal ocupação fora planejada detalhadamente, segundo Padoin (2001), desde 1815.

As atividades de Artigas nessa área serviram como justificativa para tal invasão, que foi interpretada pela corte portuguesa localizada no Rio de Janeiro – muito conveniente para si, já que as pretensões lusas na área já eram anteriores a esse momento – como se a região estivesse mergulhada em uma profunda crise política e social e, então, a ocupação significaria colocar ordem na “anarquia” que a região atravessava.

Vale observar que segundo Carvalho (1998) o argumento de proteger os direitos dos Bourbons nesse momento já não tinha mais razão, pois desde 1815 os parentes da Casa Real portuguesa voltaram a ocupar o trono de Espanha, e que, na verdade, havia preocupações por parte da monarquia sediada no Rio de Janeiro de ver o estuário do Rio da Prata tornar-se um bloco político espanhol.

Porém, em Carneiro (1946), pode-se ler que Artigas intentava construir um estado independente, cujo território seria o Uruguai, as províncias argentinas de Entre Rios, Corrientes e Missões, e a província brasileira do Rio Grande do Sul.

Então, são utilizadas como justificativa as pretensões de Artigas, a quem as tropas luso-brasileiras, lideradas pelo general Carlos Frederico Lecor (mais tarde visconde de Laguna)21, impõem várias derrotas, e assim, o militar chega a Montevidéu no dia 20 de janeiro de 1817: “O cabildo… saiu a recebe-lo solenemente e Lecor entrou na praça sob luzes e no meio de aclamações entusiastas tal era o estado a que Artigas e seus sequazes havia traído o espírito de seus compatriotas.” (BERRA, 1874, p. 73)22

Tendo tal fato ocorrido, é instalado um novo governo na Banda Oriental, que tem como chefe Lecor. Entretanto, segundo Carvalho (1998), as atividades de guerrilhas lideradas por Artigas continuam no interior da Banda, tendo o caudilho sido derrotado somente em 1822.

Sobre tais atividades guerrilheiras no interior e a ocupação de Montevidéu, destacam-se os seguintes trechos de Lima (1996, p.391 e p.392): “(…) Lecor estava senhor de Montevidéu, mas não da campanha, a qual continuava percorrida, dominada e assolada pelos rebeldes, só podendo os portugueses comunicar-se com o Brasil por mar.” e que o general estava em tal situação por “(…) apenas conta[r] [com] uma brigada acampada a alguma distância da cidade, e não era possível então, com a insurreição no norte [Pernambuco], enviar-lhe reforços, que por outro lado o velho reino só muito constrangido consentia em prestar.”

O já citado autor ainda explicita que tal postura do governo sediado no Rio de Janeiro devia-se ao alto custo das expedições, e que as finanças do reino não iam nada bem, sendo que os oficiais do exército não recebiam os seus soldos há oito meses, e os oficiais da esquadra, há onze.

Porém, mesmo Lecor tendo ocupado primeiramente Montevidéu e ter “sido senhor” – reproduzindo aqui as palavras de Oliveira Lima – desta cidade, a capital da Banda Oriental estava longe de ser um sítio aonde reinava a paz: havia ações de partidários de Artigas; agentes de Buenos Aires; e ainda, espanhóis, militares e civis, que visavam a restauração do antigo domínio da sua coroa.

Entretanto, em 1817, segundo o mesmo autor, tanto no Rio, quanto em Montevidéu, era sabido que Artigas não estava bem de saúde, daí entregando-se à bebida, que por sua vez tinha como resultado a piora do seu estado, e, paralelamente, sua popularidade caía, tanto que, já em meados de 1818, locais como a antiga Colônia do Sacramento, Maldonado, e o curso do rio Uruguai já estavam em mãos lusas.

À medida que a autoridade de Artigas ia sendo enfraquecida, a população local ia mostrando-se simpática a ocupação portuguesa que Lecor soube tirar proveito, dando armas à população e organizando-os em guerrilhas.

Rivera e Andresito, companheiros de Artigas, como pode ser constatado em Padoin (2001), foram derrotados. O primeiro, em 1819, deixa de apoiar Artigas, tornando-se Coronel do Exército português, e recebendo o título de Barão do Império do Brasil, enquanto que o segundo não é possuidor de tal sorte: é preso e levado para o Rio de Janeiro.

Ainda segundo a mesma autora, por volta de 1820, vários líderes artiguistas passaram a apoiar os portugueses, outros buscaram o exílio, enquanto que um terceiro grupo, caudilhos das províncias de Entre Rios e de Santa Fé, entraram em acordo com Buenos Aires, abandonando a causa de Artigas e a Banda Oriental.

Artigas, não aceitando os fatos reage, mas é derrotado pelo caudilho de Entre Rios, Ramirez, o que tem como conseqüência o seu exílio no Paraguai.

Alguns anos após a ocupação liderada por Lecor, o mesmo cria o governo da Província Cisplatina, que é incorporada ao Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve no ano de 1821. Sobre tal anexação, o uruguaio Felde (1919, p.87) escreve que

O Congresso reunido por Lecor, sancionando a anexação da Banda Oriental ao Império português é a expressão de uma fatalidade. O país já não tem vida própria; sem população, sem gado, sem agricultura, sem comércio, sem rendas, sem exércitos, a incorporação é um imperativo. (…) [O país] perdera todas as condições materiais de um país independente. Reconhecendo os fatos, e adotando uma atitude de sentido prático os deputados votam a incorporação

O autor uruguaio ainda evidencia que era necessário uma força para recolocar o país em ordem, já que ele estava mergulhado em uma crise, e que Buenos Aires nesse momento estava a debater-se anarquicamente entre ‘federales’ e ‘unitarios’, logo, era incapaz de oferecer essas garantias que a Banda Oriental necessitava.

Sobre a situação dessa nova parte do Império Português, Padoin (2001, p.58) observa que “A guerra afetara tanto a riqueza monetária das cidades, dificultando o comércio, quanto a zona rural com a escassez do gado vacum e cavalar.”

Com esta atitude do Congresso em relação à incorporação, segundo Felde (1919), é a chance de converter a Banda Oriental em uma parte integrante do Império, e assim, ela passava a ter a chance de desfrutar dos benefícios que o Império podia dar, gozando dos mesmos direitos que as outras províncias gozavam. Os habitantes orientais deixariam de ser rebeldes, para serem cidadãos do Império, podendo, inclusive, exercer funções no governo.

 

Bandeira da República Oriental do Uruguai.

Bandeira da República Oriental do Uruguai.

Felde (1919) ainda evidência que essa dominação lusa não teve nenhuma influência aportuguesadora no Uruguai, já que para tal é necessário escolas, professores, industria, artes, enfim, benefícios materiais e intelectuais, no entanto, a ocupação portuguesa fora estritamente militar.

Em 1822, com a Independência do Brasil, a antiga Banda Oriental é anexada ao novo país com o nome de Província Cisplatina, no entanto, tal comunhão não é duradoura: em 1828, tal província torna-se um país independente, a República Oriental do Uruguai.

5. Conclusão

Assim sendo, a região do atual Uruguai, por diversos momentos da história, foi parte do Império Português, e mais tarde, com a Independência do Brasil, uma província brasileira, sendo a única que conseguiu tornar-se um estado independente, pois outros intentos separatistas no Brasil malograram, como, por exemplo, o de Pernambuco, em 1817, ou, ainda, os que ocorreram durante as rebeliões regenciais.

Sobre a região do Prata, pode-se dizer que, segundo Padoin (2001, p.60), foi uma área “(…) que se caracterizou pela clara luta de poder entre Estados decadentes (Espanha e Portugal), Estados em ascensão (Inglaterra e França) e entre futuros Estados nacionais (Argentina, Brasil, Uruguai) e, dentro dessa moldura, pela disputa intra e entre elites locais e regionais, bem como alianças entre as mesmas.”

Vale ainda observar que, para a mesma autora, o Prata foi uma região de comunicação, seja através de idéias, riquezas materiais, e pessoas, fatos que contribuíram para, aí, formar uma sociedade semelhante, seja na parte brasileira, argentina ou uruguaia. Aí formou-se, até fins do século XIX, uma sociedade centrada na propriedade da terra e do gado, além das relações caudilhescas.

Também é valido ressaltar que, com o pequeno contato com a historiografia uruguaia, portuguesa e argentina, vários personagens, como, por exemplo, D. João, Dona Carlota Joaquina, e Artigas, são abordados de maneira diferente da brasileira. Pode-se notar que, Artigas, por exemplo, é realmente tratado como um herói nacional pela historiografia uruguaia, colocando-o sempre como o homem que visava obter a independência de sua terra face a Espanha, Argentina, Portugal e Brasil, e que, para essa mesma historiografia, a anexação luso-brasileira é sempre rechaçada, ou, no mínimo, vista com certa antipatia.

Para chegar a reflexões mais profundas sobre as intenções luso-brasileiras no Prata durante as primeiras décadas do século XIX é mister um estudo mais profundo do assunto, através do confronto sobre tal questão entre a historiografia uruguaia, argentina, brasileira e portuguesa, além de um estudo feito com uma série de documentos da época. Assim como para as pretensões de Carlota Joaquina de criar um reino para si na região do Prata, é igualmente necessário o conflito entre autores luso-brasileiros e espanhóis, portenhos e uruguaios.

6. Notas

1 – Disponível em: http://www.mre.gov.br/acs/diplomacia/portg/h_diplom/lc002.htm.

2 – Tal atitude da Santa Sé beneficia Portugal, sendo que na história portuguesa essa não é a primeira vez que a Igreja Católica toma atitudes a favor desse país. Basta lembrar à época da formação de Portugal, ainda na Idade Média, os conflitos entre os arcebispos de Braga (Portugal) e Toledo (Espanha), e que a restauração da metrópole de Braga estava ligada à independência portuguesa. Maiores detalhes ver FERREIRA, Fábio. O Condado Portucalense e as relações de poder no Portugal de D. Henrique: Séculos XI/XII. Revista Tema Livre, ed.01. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

3 – Disponível em: http://www.mre.gov.br/acs/diplomacia/portg/h_diplom/lc002.htm.

4 – MULLER, Elisa e LIMA, Fernando Carlos Cerqueira. Moeda e Crédito no Brasil: breves reflexões sobre o primeiro Banco do Brasil (1808-1829). Revista Tema Livre, ed. 01. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

5 – CARVALHO, Carlos Delgado de. História Diplomática do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1998, p. 53.

6 – Disponível em: http://www.mre.gov.br/acs/diplomacia/portg/h_diplom/lc002.htm.

7 – op. cit.

8 – A França invade Portugal por esse país não ter fechado os seus portos aos navios ingleses. Assim, Napoleão faz um tratado com a Espanha no dia 27 de outubro de 1807, em Fontainebleau, que dividia Portugal em três estados. Para por em pratica tal tratado, Napoleão manda tropas lideradas por Junot para invadir o reino, tendo os franceses chegado a Lisboa no dia 30 de Novembro, sendo que a família real tinha embarcado para o Brasil no dia anterior. Disponível em: http://www.arqnet.pt/dicionario/joao6.html.

9 – LIMA, Oliveira. D. João VI no Brasil. Rio de Janeiro: Topbooks, 1996, p. 65.

10 – O príncipe nasceu em 13 de maio de 1767, em Lisboa, e, em 1788, devido ao falecimento do seu irmão, D. José, é declarado herdeiro do trono. D. João, devido à doença de sua mãe, D. Maria, dirigia o reino desde 1º de fevereiro de 1792. Assume a regência oficialmente no dia 14 de julho de 1799, quando foram perdidas as esperanças de D. Maria restabelecer-se de sua doença. Sua mãe vem a falecer em 1816, mais precisamente no dia 16 de março, e assim, o príncipe D. João é aclamado e coroado no dia 6 de fevereiro 1818, tornando-se rei do Reino Unido, e ganha o título de D. João VI. Após passar alguns anos no Brasil devido a invasão de Napoleão a Portugal, volta ao seu país de origem, adentrando o Tejo no dia 3 de julho de 1821, e jura a Constituição no dia 1º de outubro de 1822. Sua esposa, aliada com o seu filho D. Miguel, realizam inúmeras tentativas de usurpar-lhe o trono, o que culmina com o exílio do filho – conselho dos embaixadores inglês e francês – e, em uma nova revolta, a prisão da esposa. Pelo decreto de 6 de Março de 1826, D. João VI nomeia uma Junta de Regência, presidida pela sua filha D. Isabel Maria. D. João VI, O Clemente, 27º rei de Portugal, falece em Lisboa, a 10 de Março de 1826. Disponível em: http://www.arqnet.pt/dicionario/joao6.html.

11 – Disponível em: http://www.mre.gov.br/acs/diplomacia/portg/h_diplom/lc003.htm.

12 – Filha primogênita do rei espanhol Carlos IV, nasceu em Aranjuez no dia 25 de abril de 1775, tendo se casado com o príncipe D. João em 8 de maio de 1785. É comum encontrar muitos autores definindo-a como alguém de temperamento forte, ambiciosa e violenta, além de atribuir a princesa planos para usurpar o governo do seu marido, já em 1805. A partir daí, Dom João e Dona Carlota passam a viver separadamente, ele em Mafra, ela em Queluz, sendo que tal distanciamento também ocorreu no Rio de Janeiro, com o príncipe vivendo em São Cristóvão, e a princesa em outras localidades, como Botafogo, por exemplo. Retornando a Portugal, em 1821, Carlota coloca-se a favor do absolutismo, e aliada com o seu filho, D. Miguel, inúmeras vezes tenta tirar D. João VI do poder. No dia 30 de Abril de 1824, D. Miguel obriga seu pai a abdicar, no que ficou conhecido como a Abrilada, entretanto, D. João VI acaba por mandar o filho dele com Carlota para o exílio. Mesmo sem o filho em Portugal, a princesa continua envolvida em conspirações contra o marido, o que tem como conseqüência, nesse mesmo ano de 1824, a prisão de Carlota Joaquina em Queluz, falecendo lá no dia 07 de janeiro de 1830. Disponíveis em: http://www.arqnet.pt/dicionario/carlotajoaquina.html e http://www.arqnet.pt/dicionario/joao6.html.

13 – Disponível em: http://www.argentina-rree.com/2/2-012.htm.

14 – Documento Nº 70, carta de Saturnino Rodríguez Peña, Río de Janeiro, 4 de octubre de 1808. Disponível em: http://www.argentina-rree.com/2/2-012.htm.

15 – Disponível em: http://www.argentina-rree.com/2/2-012.htm.

16 – O almirante inglês era um intimo amigo de Carlota e auxiliou a transladação da família real para o Brasil. Devido a este serviço, ganhou do príncipe regente pelo uma chácara perto da Armação, atual Ponta da Areia, em Niterói. (LIMA, Oliveira. D. João VI no Brasil. Rio de Janeiro: Topbooks, 1996, p.705).

17 – O Vice-Reinado do Prata foi constituído em 1º de Agosto de 1776. Uma das razões que levaram a Espanha a criar o Vice-Reinado foi defender esse território dos ataques luso. Traduzido do Espanhol e disponível em: http://comunidad.ciudad.com.ar/ciudadanos/candido/virreinato.htm.

18 – José Gervasio Artigas, nascido em Montevidéu em 1764, é considerado pelos uruguaios como um herói nacional, tendo – postumamente – estampado notas de pesos desse país, e também, tendo o seu nome sido dado a uma cidade e a uma província no noroeste do Uruguai, localizada entre o Brasil e a Argentina. Despertou admiradores e seguidores, como também detratores. Defendeu a autonomia do seu país contra os espanhóis, contra os interesses centralistas dos portenhos – sendo que em ambos os casos obtivera vitória – e também, defendeu-o contra a investida lusa, nesse caso, não tendo sucesso. Disponíveis em: http://www.clarin.com/diario/especiales/9julio/htm/biogra/artigas.htm e http://www.contenidos.com/historia/historia-latina/artigas/artigas.htm.

19 – PADOIN, Maria Medianeira. Federalismo Gaúcho: fronteira platina, direito e revolução. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2001, p.53.

20 – Disponível em http://www.ufpel.tche.br/fae/siteshospedados/A17TAMBARA.htm.

21 – LIMA, Oliveira. D. João VI no Brasil. Rio de Janeiro: Topbooks, 1996, p.374.

22 – Disponível em http://www.ufpel.tche.br/fae/siteshospedados/A17TAMBARA.htm.

7. Bibliografia e Sítios Consultados

ABREU, J. Capistrano de. Capítulos de História Colonial (1500-1800). Brasília: Senado Federal, 1998.

ACEVEDO, Eduardo. Anales Históricos Del Uruguay. Montevideo: Casa A. Barreiro y Ramos, 1933.

ALMANAQUE Abril. São Paulo: Abril, 1995.

ATLAS Geográfico. Rio de Janeiro: MEC, 1990.

CARNEIRO, David. História da Guerra Cisplatina. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1946.

CARVALHO, Carlos Delgado de. História Diplomática do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1998.

DICIONÁRIO Histórico, corográfico, heráldico, biográfico, bibliográfico, numismático e artístico. v. III. Portugal: João Romano Torres, 1904-1915. Disponível em: http://www.arqnet.pt/dicionario.html

FELDE, Alberto Zum. Proceso Histórico Del Uruguay. Montevideo: Maximino Garcia, 1919.

FERREIRA, Fábio. O Condado Portucalense e as relações de poder no Portugal de D. Henrique: Séculos XI/XII. Revista Tema Livre, ed.01. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

JORGE, A. G. de Araújo. Rio Branco e as fronteiras do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1999.

LIMA, Oliveira. D. João VI no Brasil. Rio de Janeiro: Topbooks, 1996.

MULLER, Elisa.e LIMA, Fernando Carlos Cerqueira. A Circulação Monetária no Rio de Janeiro nos Tempos Coloniais. In: 4ª CONFERÊNCIA INTERNACIONAL DE HISTÓRIA DE EMPRESAS, ABPHE, 1999, Curitiba. Anais.

____________ Moeda e Crédito no Brasil: breves reflexões sobre o primeiro Banco do Brasil (1808-1829). Revista Tema Livre, ed. 01. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

NOVO Atlas Universal. São Paulo: DCL, [s/d]

PADOIN, Maria Medianeira. Federalismo Gaúcho: fronteira platina, direito e revolução. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2001 PESAVENTO, Sandra Jatahy. A revolução farroupilha. Disponível em: http://www.historianet.com.br/main/conteudos.asp?conteudo=1

http://comunidad.ciudad.com.ar/ciudadanos/candido/virreinato.htm

http://www.archivo.gov.ar

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http://www.clarin.com/diario/especiales/9julio/htm/biogra/artigas.htm

http://www.clarin.com/diario/especiales/9julio/htm/9julio/monrqu.htm

http://www.contenidos.com/historia/historia-latina/artigas/artigas.htm

http://www.mre.gov.br/acs/diplomacia/portg/h_diplom/lc002.htm

http://www.mre.gov.br/acs/diplomacia/portg/h_diplom/lc003.htm

http://www.regioncomechingones.com.ar/apuntes/regenta.htm

http://www.ufpel.tche.br/fae/siteshospedados/A17TAMBARA.htm

Prof.ª Dr.ª Ana Frega (Udelar, Uruguay)

A Revista Tema Livre apresenta, a seguir, a entrevista realizada, em Montevidéu, com a historiadora Ana Frega, doutora pela Universidad de Buenos Aires (UBA) e docente e pesquisadora da Universidad de la República (UDELAR), onde é titular e diretora do Departamento de História do Uruguai. Na conversa, Ana Frega falou sobre a construção do mito de Artigas como o maior herói nacional do Uruguai e da utilização política do personagem. Outros assuntos foram abordados, como, por exemplo, a participação da historiadora no trabalho arqueológico das ruínas do quartel de Purificação e, ainda, questões concernentes à história do Uruguai analisadas em sua tese de doutorado (Publicada, em 2007, pela Ediciones de la Banda Oriental com o título "Pueblos y soberania en la Revolución Artiguista").

 

Revista Tema Livre – Em primeiro lugar, a Sra. pode falar-nos sobre sua trajetória acadêmica?

Ana Frega – Bueno, yo soy egresada del Instituto de Profesores Artigas y mi primera formación es como profesora de historia en enseñanza media. Paralelamente a esos estudios, como era la época de la dictadura civil-militar acá, había más que nada centros privados de investigación, porque la Universidad había sido arrasada y habían destituido a los profesores. La institución era un ámbito de reproducción del sistema.

Así, en un centro privado, el Centro Latinoamericano de Economía Humana, se abrió un seminario de formación de investigadores, por lo cual, a partir del año 1980, yo empiezo a investigar temas que tienen que ver con el siglo XX, fundamentalmente, preocupada con la situación de la dictadura y el quiebre de una democracia que parecía tan firme en Uruguay.

La otra formación que tengo es licenciada en Ciencias de la Educación. También me dediqué a la formación académica en Historia e hice un Pos-Grado en la Facultad de Ciencias Sociales sobre Historia Económica y Social del Cono Sur. Después, hice el doctorado en Historia en la Universidad de Buenos Aires. Es un poco de mi formación académica.

En cuanto a los temas, seguí investigando sobre historia del Uruguay del siglo XX durante varios años. En 1987, empecé a dar clases en el Instituto de Profesores Artigas. Allí, daba el periodo de las Guerras de Independencia y sentí la necesidad de investigar ese período, porque la bibliografía con la que yo debía trabajar y recomendar a mis estudiantes era muy influenciada por la interpretación nacionalista de la historia. Entonces, era el héroe fundador, era el Uruguay excepcional, y no había ningún enfoque regional que contestara algunas de esas preguntas.

Lo que tenía que ver con los enfoques de historia económica y social, que eran los trabajos de Julio Rodríguez, Nelson de la Torre, Lucía Sala de Tourón o de José Pedro Barrán y Benjamín Nahun, cubrían aspectos reducidos del tema, se centraban en el artiguismo, pero faltaba una investigación del periodo posterior.

En 1992, cuando entré como profesora adjunta en el Departamento de Historia del Uruguay en la Facultad de Humanidades, fue mi oportunidad para cambiar el siglo XX por el XIX. Mi tesis de doctorado tiene que ver con este período, que es 'Pueblos y soberanía'.

También asumí dentro del propio departamento de Historia del Uruguay varios concursos y, actualmente, soy profesora titular y directora del departamento. Durante dos años anteriores trabajé bajo la dirección de José Pedro Barrán, que fue también co-director de la tesis de doctorado.

RTL – Gostaria de perguntar-lhe como foi a criação do mito do herói Artigas nesta historiografia nacionalista uruguaia e, também, como deu-se a utilização política deste personagem durante a ditadura militar uruguaia?

Ana Frega – José Artigas es una figura particular en cuanto a construcción de un héroe. A diferencia de otras historiografías, donde se tira a bajo una estatua y se levanta otra, el caso de Artigas no fue así.

A fines del siglo XIX, logran abrirse paso una recuperación de la figura del personaje, sobretodo en la necesidad de afirmar el Uruguay y su identidad separado de Brasil y de Argentina. Allí, la recuperación del personaje va sufriendo un camino, que el primero es quitarle toda la carga de anarquista, bárbaro, caudillo que manipula multitudes ignorantes…

El proceso fue un poco lento, porque era difícil recuperar una figura que no solamente se le daba esos atributos propios de otros caudillos, sino que, además, había, efectivamente, llevado delante un proyecto de transformación social.

Pero, es importante decir que, primero, se recupera la figura de Lavalleja y del inicio de la guerra frente a Brasil, en 1825. Ya a fines del siglo XIX, se recupera Artigas, él como héroe militar y como héroe cívico. Hay una representación simbólica de eso que es un cuadro de Juan Manuel Blanes, que es Artigas en la puerta de la ciudadela, donde él está con un uniforme militar completo, con los brazos cruzados, figura adusta, una imagen realmente inventada de un Artigas que no llegó a las portas de Montevideo cuando estaba siendo el jefe de los orientales de la Provincia Oriental en 1815. Entonces, lo recuperan como héroe militar y como héroe civil.

Eso avanza ya en el siglo XX. Hay una serie de obras como que cubriendo con esa leyenda negra del personaje. Entre 1955 y los primeros años del 60, cuando Uruguay entra en crisis, justamente por el pasaje entre una agropecuaria estancada, incluso tecnológicamente, en lo que tiene que ver con el sistema de tenencia de la tierra, en el marco que se esta revisando la estructura agraria del país, se levanta otro aspecto de José Artigas, que no había sido suficientemente trabajado hasta este momento, que es la figura de la revolución agraria.

Así, el equipo de historiadores marxistas, Lucía Sala, Julio Rodrigues y Nelson de la Torre hacen una investigación donde a partir de expedientes judiciales reconstruyen la aplicación del reglamento de tierras artiguista, que, prácticamente, no se había aplicado, porque el reglamento es de septiembre de 1815, y la invasión portuguesa es once meses después, en agosto del año 16. Entonces, se decía, bueno, en ese escaso lapso es imposible se aplicar el reglamento. Lo que estos historiadores demuestran es que, en realidad, la gente ocupó las tierras y el reglamento vino como a ratificar determinadas situaciones y se descubre la figura de un héroe social.

Otra corriente historiográfica, también de fines de la década de 1950, es el revisionismo histórico, que trata de recuperar la patria grande y la idea de Latinoamérica. Así, se empieza a tomar fuerza la figura de un Artigas federal, que buscaba un espacio que era mayor al de lo que era el Uruguay.

Entonces, lo que se plantea no es la sustitución del héroe, sino incorporar a ese personaje que tenía el atributo de jefe militar y el atributo de jefe republicano, en héroe americanista. Así, la figura de Artigas se va ensanchando en lo que tiene que ver con el espectro ideológico que lo sustente.

La dictadura militar retoma otra faceta del personaje, donde yo diría que se vuelve a la raíz de la hispanidad, a la raíz de la orientalidad, y se trata de quitarle la faceta social. Por ejemplo, en 1978, un periódico diario, "El País", que sigue saliendo hasta el día otro, en ese momento apoyaba la dictadura civil-militar, y recuerdo que publican, para horrorizar a los habitantes del Uruguay, lo que habría sido un afiche de una supuesta reunión en que los uruguayos exilados en Venecia habrían hecho un Artigas con barba. Es la idea de como están, digamos así, tergiversando a este héroe cívico, republicano, que no tiene nada que ver con lo que esas ideologías foráneas, de izquierda, ese enemigo interior está haciendo.

No hay que olvidar, tampoco, que la coalición de izquierda Frente Amplio, que surge en febrero de 1971, toma como su emblema la bandera de Ortogués, la bandera que flamea en Montevideo en 1815, cuando entran las tropas artiguistas a la ciudad. Entonces, desde la dictadura, se considera que esas son las tergiversaciones del personaje.

Hay la recuperación del contenido más conservador de la historiografía uruguaya y, en ese marco, incluso, se va a inaugurar, el 19 junio de 1977, el mausoleo Artigas. Allí hay una intención de apropiarse del personaje. Uno de los grupos militares que apoyo más el terrorismo de Estado, la desaparición y todo más, es el grupo de los tenientes de Artigas.

Así, desde la ultra-derecha hay también una utilización del personaje. La dictadura intentó romper con esa figura del héroe social, que era la que se había ido afirmando en los años 60 en el Uruguay. Cuando termina la dictadura militar, reaparecen esas otras interpretaciones, pero no quiere decir que desaparezca la interpretación conservadora del personaje.

RTL – Fale-nos sobre sua tese de doutorado, publicada, em 2007, pela Ediciones de la Banda Oriental, sob o título "Pueblos y soberania en la Revolución Artiguista"?

Ana Frega – Bueno, el planteo del tema y el enfoque escogido, trabajar sobre el artiguismo es, realmente, algo muy vasto. Hay que seleccionar algún tipo de recorte que hiciera factible la realización de la tese. Allí, me pareció relevante tomar lo que había sido el postulado diferenciador del artiguismo dentro de la revolución del Río de la Plata, que es la lucha por el reconocimiento de la soberanía de los pueblos, o sea, de los pueblos en plural. Ahora, ¿desde que perspectiva hacer una análisis de la soberanía de los pueblos?

Había muchos trabajos en Uruguay respecto a las raíces ideológicas, si esto era una influencia española, de la teoría de los fueros, o si esto tenía que ver con la revolución norteamericana, pero a mí me parecía que cuando se produce el inicio de la revolución, lo que menos se sabe es cual va ser el resultado. Entonces, no podía quedarme en un análisis meramente ideológico de la cuestión y el modelo de investigación de la tesis cuelga en tres niveles espaciales.

La soberanía particular de los pueblos que, en primer resultado, es la formación de la Provincia Oriental con territorios que antes pertenecían a la intendencia de Buenos Aires, o a la Gobernación de Misiones, o a la Gobernación de Montevideo, en el marco de una disputa secular de fronteras con Brasil. Entonces, allí, la provincia oriental era uno de los niveles espaciales del análisis.

Ahora, esa soberanía particular no tenía por objetivo la formación de un estado independiente, sino que el lema artiguista era libertad y unión, o sea, libertad para constituirse como provincia y unión con las demás. Así, otro nivel espacial tenía que ser el conjunto de las provincias del Río de la Plata.

La interpretación de soberanía particular, por otro lado, yo diría que difería según la jerarquía de los pueblos que lo planteaba. Me parecía que debía tomar una región que fuera, digamos, un pilar constitutivo de esa provincia que se iba crear, porque nunca aspiraba a constituirse como provincia separada, sino que aceptaban el gobierno central, pero que reclamaban la autonomía o que tenía en el interior de esa región disputas de soberanía en una escala más pequeña que no tenían que ver con la formación de una provincia. Por eso, escogí Soriano. Era una región que se había poblado antes que Montevideo, su origen había sido una reducción indígena, se había expandido y generado poblaciones que disputaban a la cabecera la situación de privilegio, habían extendido su jurisdicción, a una pesar de que las disposiciones hacia del virreinato de los gobiernos artiguistas o del gobierno portugués.

Un otro punto importante tenía que ver con la consideración de los procesos históricos como resultado de las alianzas y la correlación de fuerzas de grupos sociales que no me juego por ninguna definición especifica. Cada una de ellas se definieron de acuerdo con un criterio concreto y como se van tejiendo en función de dos o tres objetivos y como van variando a lo largo de lo tiempo.

Lo que tiene que ver con el marco cronológico, fue siguiendo el centro de la investigación en la Revolución, o sea, del diez al veinte. Tenía que comenzar un poco antes para saber la situación anterior y que prolongarme un poco más para saber lo que había quedado de ese proceso revolucionario. Por eso, nos estamos planteando un lapso que va más allá del 1810 y del 1820, ese cuanto al, digamos, planteo general.

Lo que tiene que ver con las conclusiones, bueno, allí podemos ver esta dinámica de confrontaciones locales por la supremacía, pudimos ver la etapa radical de la revolución, cuando estos sectores no privilegiados de la sociedad encuentran un espacio para la satisfacción de algunas de sus necesidades a través de un cierto igualitarismo, que no es tan absoluto como versiones, de repente, no históricas, sino más bien de grupos de izquierda reivindican… Entonces, ver esa dinámica de la soberanía como un elemento que se va a prolongar aún después de la derrota del artiguismo.

También se puede ver, por ejemplo, los motivos de los grupos dirigentes y económicamente dominantes de Montevideo, durante la revolución, realizaren la alianza con Artigas. El artigüismo consolida una unidad provincial que antes no existía como tal, entonces, hasta ahí, es donde iba la alianza, pero el resto del proyecto artiguista, que se va construyendo en la lucha, y que tenía que ver con, por ejemplo, el tema de la tierra, que es clave en esto, bueno, ahí no van acompañar al artiguismo. Las alianzas se van tejiendo en función de coyunturas, a veces, particulares. En 1815, cuando se teme una invasión española al río de la Plata, todos van a apoyar Artigas, porque lo que él está garantizando es una convocatoria militar que sería imprescindible para controlar una posible expedición de España. Pero, cuando se descubre que esa expedición española no viene, bueno, se abren otros espacios para concertar alianzas que garanticen el mantenimiento del orden social y colonial: Que sigan siendo los más privilegiados, más privilegiados, y los más infelices, más infelices, para tomar el artículo sexto del reglamento de tierras, que decía que en los repartos los más infelices debían ser los más privilegiados. Bueno, pero había algunos que no consideraban eso, todavía que consideraban que los más privilegiados debían ser más privilegiados y que los más infelices deberían ser más infelices.

RTL – Quais foram os principais arquivos e fontes que a Sra. trabalhou para a realização de sua pesquisa? Igualmente, quais foram as maiores dificuldades enfrentadas no decurso de sua investigação?

Ana Frega – El trabajar con una región particular me permitió incorporar algunas hipótesis que, de otra manera, había sido imposible, como, por ejemplo, las vinculaciones familiares y las relaciones de dependencia personal, porque trabajando con la región de Soriano, yo podía consultar archivos parroquiales, reconstruir las tramas, o por lo menos parcialmente algunas de las tramas de quiénes vivieron, lucharon y no murieron en el período de la revolución. Ya hacer todo eso para el conjunto del territorio oriental, en fin, ¡ahí sigue la tesis tampoco la terminaba! ¡Era imposible!

Ahora, para hacer eso, hay dificultades, como las ocasionadas por la guerra. En los archivos parroquiales, por ejemplo, encontré que el cura de Soriano dijo que le han llevado los libros de la parroquia. Los libros, se los llevaran, y, digamos, después los volvieron, en ese lapso, entre ese llevaran los libros y, después, que los vuelven, no hay libros. Entonces, de repente, yo encuentro una hoja suelta de bautismos por un lado, otra hoja por allí, pero se pierde la continuidad del libro de matrimonio, del libro de bautismos, del libro de funciones… Entre 1811, que se produce la retirada de las familias del territorio oriental, y 1819, que ya está instalado el gobierno portugués, incluso con cuarteles en Soriano y en Mercedes, no hay libros parroquiales. Sólo que ahí, por una ocasión de la guerra, desapareció una documentación que sería vital para el tipo de estudio que nosotros hacemos.

Otro obstáculo para la documentación son las disputas políticas entre Mercedes y Soriano, que serian los centros principales de la región y que disputan su control. Cuando se plantea la confección de padrones y de censos, cuando uno empiezan a analizar los datos, lo que se ve es que esos padrones están influenciados, porque Mercedes quiere aparecer con más populación y, ahí, lograr, tener un Cabildo, o que el Cabildo de Soriano no quiere que la Capilla Nueva de Mercedes tenga un Cabildo.

Para el período de la Cisplatina, el gobierno portugués elimina el Cabildo de Soriano, pues Soriano es conquistada militarmente. Así, se nombra un Alcalde en Soriano y un en Mercedes y se iguala las dos poblaciones. Pero, cuando se da la independencia brasileña, y allí las autoridades nuevas, ya no más lusitanas, sino brasileñas, tienen que volver a negociar la aceptación del conjunto del territorio al Imperio, ahí Soriano dice, bueno, queremos tener el Cabildo otra vez y a tener la prerrogativa de nombrar los Alcaldes de las poblaciones menores. En ese marco, se pide que se haya un relevamiento de los hacendados, sus haciendas, pobladores…

Ahora, ese relevamiento, por lo menos es lo que sospecho, esto es una conjetura, no lo puedo probar con nada, que a los notables de Santo Domingo Soriano no les convenía hacer ese relevamiento, porque lo que iba quedar en evidencia es que Capilla Nueva de Mercedes tenía más población, mayor giro comercial, mayor cuantidad de estoque ganadero que Soriano. Por su propia ubicación, Mercedes se instala en el paso del río Negro, por lo cual, un esquema que estructura el territorio en función de Montevideo, tiene mucho mayor peso Mercedes, porque es la ruta que comunica el sur con el norte. Por otro lado, Soriano está más volcada a una vinculación con Buenos Aires, que ya, prácticamente, no funciona. Entonces, ese revelamiento no lo tenemos y esa es una dificultad. Yo digo que entrar, reconstruir a partir de inferencia que siempre tiene ese peligro, de que son inferencias que uno hace con fuentes que no pertenecen estrictamente al periodo en que se está trabajando.

RTL – A Sra. também desenvolveu trabalho arqueológico nas ruínas do quartel de Purificação. Conte-nos esta experiência.

Ana Frega – Es una experiencia muy renovadora y muy enriquecedora en el sentido que no había tradición, hasta este momento, de encarar una investigación conjunta arqueólogos e historiadores. Ahora, también, era un trabajo muy complexo, porque Purificación tubo una vida muy efímera. Purificación va a ser abandonada por Artigas, por el ejercito que allí estaba y por la población civil en la perspectiva del ingreso de las tropas del Mariscal Curado en la villa. Entonces, estábamos pensando en el segundo semestre del año quince al primer semestre del año dieciocho, y con el fracaso de las convocatorias a poblar Purificación, pues, obviamente, fracasa por el hecho de que el reglamento de tierras se está permitiendo ocupar áreas que están más vinculadas a los mercados… El crecimiento de Purificación como población, como villa, estuvo más bien cuartado por la propia circunstancia de la guerra.

Trabajamos, por un lado, tratando de ver cual fue la evolución del predio, el origen de la estancia, antes y después de que fuera Purificación. Buscamos planos topográficos que pudieran dar los indicios de poblaciones para que los arqueólogos pudieran trabajar con mayor certeza. Después, se aparecían, por ejemplo, restos arqueológicos de material bélico, tratar de examinar cual eran el origen, aportando la documentación acerca de la fabrica de armamentos que allá hubiera. Lo mismo fue con lo que tiene que ver con las embarcaciones, se aparecían restos, vamos ver a la documentación de la navegación allí.

Bueno, el resultado de la investigación fue delimitar un espacio mayor de lo que se decía habitualmente, basados, según una descripción, digamos, sin mayores fundamentos, y trazar un perímetro que comprendieran las baterías de defensa, el cuarto y el campamento. Agrego que, después, ese predio fue un saladero, con más de 900 operarios, después fue un predio agrícola, y el tipo de restos que nosotros estábamos buscando eran los del cuartel. Entonces, era bastante complejo. Lo que si hallaron fueron lo que sería el casco de la estancia, la evidencia arqueológica de episodios constructivos anteriores y lo que las fuentes nos están diciendo que serían más el polvorín que el lugar de la villa. Por ahora, ¿Qué lo que habría que hacer? Bueno, continuar a la investigación, pero esto está en área privads y requiere justamente el acuerdo con el propietario del campo para seguir investigando.

RTL – Para finalizar, duas perguntas. A primeira, como a Sra. vê o intercâmbio acadêmico entre Brasil e Uruguai? A segunda é que nos próximos anos completar-se-ão dois séculos de uma série de importantes adventos para os países do Prata, como o Cabildo Abierto, que ocorreu em Montevidéu, em 1808, e a Revolução de Maio, que ocorreu em Buenos Aires, em 1810, e teve uma série de desdobramentos no território oriental. Igualmente, 2011, é o bicentenário do posicionamento de Artigas ao lado do movimento portenho. Enfim, há, e se houver, como estão os preparativos destas efemérides aqui no Uruguai?

Ana Frega – Bueno, primero, nosotros formamos parte de un grupo de investigadores de Brasil, Argentina y Uruguay, es decir, desde nuestra perspectiva estos temas deben ser estudiados sin la división de los límites políticos actuales, porque es una historia que se hace en conjunto y que esta incluyendo una región.

Por lo tanto, esos intercambios, los venimos realizando desde hace mucho tiempo, porque no es posible pensar el espacio rioplatense sin incorporar Rio Grande do Sul, como mínimo, dentro del proceso y, a su vez, la consideración de Portugal, con el Brasil, llegando hasta Rio de Janeiro.

Hay también cuestiones más puntuales, como, por ejemplo, en 1817, cuando los portugueses están peleando en la Banda Oriental y hay la noticia del levantamiento republicano y liberal en Brasil. Eso es una noticia que acá se celebra, porque puede dar lugar que las tropas deban ir a Brasil, entonces, es realmente una historia que está relacionada. Desde esta perspectiva es que trabajamos, en mi caso particular, fundamentalmente, con colegas de la Universidad Federal do Rio Grande do Sul (UFGRS) y de Santa Maria (UFSM) y, evidentemente, de universidades de Argentina.

Sobre la otra cuestión, la de las celebraciones, en Uruguay, este tema es bastante complicado. El año 1910, acá, se celebró Buenos Aires, pero desde una perspectiva nacionalista tenía que ser otra fecha la del Uruguay. Entonces, es cierto, en 1911, se inaugura un monumento al Altar De Las Piedras y se da, como un nuevo impulso, a un monumento de Artigas en la Plaza de Independencia, que es ese que está ahora.

Pero como que era muy difícil ubicar la cuestión de la independencia en la década de diez y la cuestión de la independencia, se discutió si era 1825 o 1830, y colocándose la celebración del centenario en el 1925 o el 1930, olvidándose 1828, fecha que no se podía levantar, de ninguna manera, por diversas razones. Una de ellas era el hecho de que la independencia del estado oriental había sido declarada por el Emperador de Brasil y que las Provincias Unidas habían concordado en declararla. Realmente, no era la mejor fecha para conmemorarse. El año 28 ha quedado relegado y quienes lo levantan no lo hacen por el 4 de octubre, que sería la fecha de la ratificación de la convención, sino en diciembre, por la instalación de una Asamblea General Constituyente Legislativa, o sea, eso es tomar como acto de inicio de la vida independiente un acto propio y no algo envolviendo los gobiernos de Brasil y de las Províncias Unidas. Entonces, la discusión sobre el centenario fue una discusión bastante prolongada, cuando el primer centenario.

En este momento, parecería que se sigue pensando en el bicentenario para el 2030 o para el 2025, desde la perspectiva en que nosotros pensamos que los centenarios deberían recuperar el período de diez, o sea, debería haberse este proceso en el marco general de la Revolución del Río de la Plata. Entonces, es cierto, el año de 2008 es el bicentenario de la Junta de Montevideo, pero no era revolucionario el cabildo de Montevideo, y eso se va celebrar como la primera junta de América. Ahora, como si ve la independencia y si va a celebrar el bicentenario de la independencia en el marco de estos bicentenarios, o si se va aguardar a la década siguiente, es una discusión que desde la academia tenemos que dar.

Desde la política hay un proyecto de tomar 1813. Pero, si tu me preguntas cual sería la fecha más correcta, yo proponía la fecha de diez, porque aquí hay un intento de sumarse a la Revolución de Mayo, lo que ocurre es que la correlación le fue desfavorable. Ahora, en las conmemoraciones, la influencia de la política es muy fuerte, porque ellas no son una cuestión histórica, sino de la memoria y la memoria y la política están mucho más ligadas que la historia.

Entonces, yo no sé si en esta situación que nosotros estamos viviendo ahora, en 2010 sea una fecha donde se incorpore también el Uruguay a la celebración, o si se incorporará en el 2011, pensando en la insurrección que se produce en el 28 de febrero. Pero digo que lo cierto es que en 1810, en Montevideo, y en los lugares de la campaña que dependían de Buenos Aires, hubo pronunciamientos a favor de la revolución. Que motivos políticos posteriores impidan su consideración, bueno, lo mismo que respecto al año 28, que, por motivos políticos, se impidan que sea la fecha de formación de una unidad política independiente, no quiere decir que la historia tenga que, digamos, tergiversar, pero es un tema complejo porque no es sólo un tema historiográfico es un tema político.

As revoluções de Maio e Liberal do Porto no Estado Cisplatino Oriental

Artigo de Fábio Ferreira
Doutorando em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF)
Mestre em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Bacharel em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

 

 

Introdução

O mundo ibero-americano assistiu no curto período de 1810 a 1820 a duas grandes revoluções que mudaram drasticamente suas configurações e seus destinos políticos. O primeiro dos acontecimentos é a Revolução de Maio, que eclodiu no dia 25 do citado mês do ano de 1810, tendo como palco a cidade de Buenos Aires. O outro é a Revolução Liberal do Porto, que ocorreu na citada cidade portuguesa em 24 de agosto de 1820.

Em razão da Revolução de Maio foram quebradas centenárias relações políticas e econômicas entre a região platina e a Espanha, bem como foram alteradas definitivamente as configurações territoriais das unidades políticas espanholas nesta porção da América, culminando na criação de vários países na área que outrora configurava o Vice-Reino do Rio da Prata.

Já a ação dos liberais portugueses buscou por termo ao absolutismo luso, dando a Portugal um período sob a égide liberal. Além disto, a Revolução de 1820 deu ao reino ibérico uma constituição, fez com que D. João VI retornasse à Europa e culminou na separação do Brasil do Reino Unido português.

Contudo, tanto a Revolução do Porto, quanto a de Maio, tiveram importantes desdobramentos em áreas que vão além de Portugal, do Brasil e da cidade de Buenos Aires, como, por exemplo, Angola, no caso português, e do Paraguai e do Alto Peru, no portenho. No entanto, ressalta-se que o território que, atualmente, corresponde à República Oriental do Uruguai, denominado, à época, de Banda Oriental, guarda a especificidade de ter sido diretamente atingido pelas ações revolucionárias de Buenos Aires e do Porto.

Deve-se, ainda, entender a Banda Oriental das primeiras décadas do século XIX como uma área de interseção e de indefinição entre os mundos luso-brasileiro e espanhol, gravitando, portanto, ora em torno de Lisboa e do Rio de Janeiro, ora de Madri e de Buenos Aires.

A indefinição da Banda Oriental não dava-se apenas no sentido de sob qual centro de poder ibero-americano esta região estaria ou não vinculada. Abarcava a falta de precisão e a porosidade de suas fronteiras, o relevante trânsito de pessoas e de mercadorias com o Rio Grande português e o espanhol Vice Reino do Prata, assim como era significativo o número de portugueses e espanhóis estabelecidos no território oriental.1

Diante destas evidências, o presente artigo irá analisar as influências das revoluções portenha e portuguesa nos rumos do território oriental, fazendo com que este viesse a compor ora o mundo hispano-americano, ora o luso-brasileiro. Para a melhor compreensão daqueles conflitos é válido retomar o ano de 1808, por este estar intrinsecamente vinculado à revolução platina e a demandas dos revoltosos do Porto.

 

1808, a Revolução de Maio e a Banda Oriental

Em primeiro lugar, observa-se que 1808 foi o ano em que, em função da invasão de Napoleão Bonaparte a Portugal, o príncipe regente D. João, sua consorte Carlota Joaquina, e a corte lusa chegaram ao Rio de Janeiro, transformando a capital da antiga colônia americana em centro do Império português.

Concomitantemente, neste mesmo ano, após cogitarem fugir para o México, a família real espanhola foi capturada por Napoleão, que colocou à frente do governo da Espanha seu irmão, José Bonaparte, que veio a ser transformado em rei dos espanhóis, porém, isto não significou que a totalidade dos castelhanos tenham-no aceito como seu soberano. Iniciava-se, assim, um movimento de resistência à dominação francesa. Em finais de 1808, foi organizada pelos antagonistas dos irmãos Bonaparte, na cidade de Sevilha, uma junta central, que buscava governar em nome do rei cativo, Fernando VII, irmão de Carlota Joaquina.

Evidentemente, os acontecimentos ibéricos tiveram seus desdobramentos na porção americana controlada pela Espanha. Neste quadro, os governos coloniais depararam-se diante de uma gama de opções, que iam do juramento de fidelidade a José Bonaparte à independência completa, ou, ainda, abarcavam projetos que incluíam a submissão à resistência espanhola, representada na Junta de Sevilha, ou a Carlota Joaquina.2 Finalmente, entre as possibilidades existentes, encontrava-se a dos americanos criarem e submeterem-se a Juntas feitas no próprio continente, compostas por elementos nascidos no Novo Mundo, que governariam em nome do monarca encarcerado.

Neste contexto, foi estabelecida uma Junta de Governo em Montevidéu, que tinha o objetivo de tirar a Banda Oriental do controle do vice-rei Santiago de Liniers, que governava a partir de Buenos Aires. Por sua origem francesa, Liniers era acusado de ser favorável aos Bonaparte.

Outro fator que veio a fortalecer a Junta montevideana, fazendo com que a mesma recebesse forte apoio local, foi a rivalidade entre as cidades-porto de Montevidéu e Buenos Aires. Porém, a duração desta Junta foi efêmera, pois após Sevilha substituir, em 1809, Liniers por Baltasar Hidalgo de Cisneros, Montevidéu a dissolveu.

Importante fator que veio a mudar a direção dos acontecimentos do mundo espanhol foi a eliminação de Sevilha e de tantos outros pontos de resistência a Napoleão na Espanha. Deste modo, em janeiro de 1810, a Junta central retirou-se para Cádiz e transformou-se em Conselho de Regência, que buscava, dentre outras atividades, a organização das Cortes, composta por membros de todo o Império espanhol. Todavia, o Conselho de Regência necessitava ser reconhecido pelo Novo Mundo.

Como o futuro da Espanha era incerto, os defensores do sistema espanhol encontravam-se repletos de dúvidas. Ao mesmo tempo, os criollos desejavam controlar o processo político americano. Assim, Cisneros foi obrigado a aceitar o cabildo abierto em Buenos Aires e, em 22 de maio de 1810, o cabildo portenho foi encarregado de estabelecer uma Junta, fazendo-o dois dias depois, e entregando sua presidência ao Vice-Rei.

Entretanto, antes mesmo do seu funcionamento, a Junta gerou uma série de oposições em setores da sociedade portenha. Assim, em 25 de maio, acabou por ser criada uma Junta sem a participação de Cisneros. No seu lugar, a presidência foi ocupada pelo coronel Cornélio de Saavedra. A partir daí, iniciava-se a Revolução de Maio.

A Junta portenha jurou fidelidade a Fernando VII, mas não ao Conselho de Regência. Neste momento, a figura que passou, individualmente, a ter maior projeção, foi Mariano Moreno, um dos secretários da Junta de Buenos Aires. Porém, meses mais tarde, Moreno acabou por renunciar ao seu cargo, aceitando posto diplomático na Europa, posição esta que ele nunca ocupou devido ao naufrágio que o vitimou no caminho ao Velho Mundo.

Agrega-se que a Junta de Buenos Aires estabeleceu a igualdade básica entre brancos e índios, bem como os espanhóis peninsulares começaram a ser discriminados em funções públicas e no cálculo das suas contribuições financeiras. Indivíduos que compunham a resistência à Junta foram executados, podendo-se mencionar como exemplo o caso de Liniers.

Além disto, a Junta reivindicava a autoridade sobre todo o Vice-Reino do Prata, mas esta demanda não significou a adesão de todas as frações que o compunham. Montevidéu, por exemplo, por sua rivalidade política e econômica com Buenos Aires, optou por aderir ao Conselho de Regência. Semelhantemente, o Paraguai e o Alto Peru não submeteram-se aos portenhos.

As expedições ao Alto Peru permaneceram nos anos seguintes à Revolução de Maio. Já o Paraguai estabeleceu, em 1811, sua própria Junta, após ter derrotado expedição militar proveniente de Buenos Aires e que era liderada por Manuel Belgrano. Neste mesmo ano, na Banda Oriental, José Gervásio Artigas, membro do exército espanhol, abandonou suas fileiras e aderiu aos insurgentes de Buenos Aires, passando a ser o responsável pela revolução no território oriental.

Os estancieiros foram um importante ponto de apoio de Artigas, podendo ser mencionados os casos de Tomás García de Zúñiga, Juan José Durán e Frutuoso Rivera, que atuaram, por anos seguidos, ao lado do líder oriental e, posteriormente, de D. João VI e de D. Pedro I. Influiu na decisão dos estancieiros por Artigas fatores como este ser originário de uma família proprietária de terras e sua reconhecida capacidade militar, devido aos seus sucessos em impor a lei e a ordem no campo durante o período colonial espanhol. Já os comerciantes posicionaram-se, majoritariamente, contra Artigas e favoráveis à Espanha, por crerem que ficando ao lado dos europeus poderiam conseguir vantagens monopolistas junto aos seus aliados ibéricos.

As tropas de Artigas obtiveram várias vitórias no interior da Banda Oriental e nos povoados menores, cercando, em seguida, Montevidéu, fiel à Espanha, onde encontrava-se o vice-rei Francisco Javier Elío. Deste modo, diante da concreta ameaça dos artiguistas, Elío recorreu à ajuda da corte portuguesa, que prontificou-se a ajudá-lo, enviando forças militares lideradas pelo general Diego de Souza para o auxílio dos realistas.

É válido observar que mesmo que D. João tenha prestado este apoio a justificar que as perturbações na Banda Oriental estavam a causar turbulências na fronteira com o Rio Grande, e de que com tal marcha estaria a garantir a integridade dos domínios dos familiares de Carlota Joaquina, o príncipe português tinha pretensões de estender seus domínios americanos até o Prata, sendo que o pedido de ajuda de Elío era um excelente argumento para que tropas lusas ocupassem o território platino.

No entanto, Elío e os portenhos assinaram, em 20 de outubro de 1811, um acordo em que os buenairenses comprometeram-se a abandonar a Banda Oriental, em cessarem seu apoio a Artigas e, ainda, reconheceram o domínio espanhol na região. No trato, também estipulou-se a retirada das forças portuguesas do Prata.

Portugal, chamado por Elío ao conflito, mas excluído das negociações entre o Vice Rei e Buenos Aires, permaneceu na Banda Oriental, a ignorar o que foi estabelecido entre as duas partes contratantes. Ambos não tinham poder bélico para que as tropas portuguesas evacuassem a área e, assim, recorreram à Inglaterra, que era capaz de fazê-lo, seja militar, seja diplomaticamente.

Como o desejo dos patriotas portenhos e de Elío de que as forças joaninas saíssem da Banda Oriental coincidia com os interesses dos ingleses, seja em razão do seu comércio na região, seja pela aliança com a Espanha, Castlereagh, secretário britânico de assuntos exteriores, e Lord Strangford, ministro inglês no Rio de Janeiro, agiram no sentido de Portugal abandonar o Prata, no que lograram êxito.

Além de Portugal, Artigas era contrário ao acordo entre Elío e os portenhos, pois os seus aliados de Buenos Aires o ignoraram completamente ao celebrar o acordo e, ainda, deixaram a Banda Oriental nas mãos dos espanhóis. Por isto, Artigas partiu para Entre Rios, sendo acompanhado por milhares de pessoas, no episódio que ficou conhecido como Êxodo do Povo Oriental.

Também neste contexto e como desdobramento da Revolução de Maio, Artigas foi aclamado Chefe dos Orientais e iniciou o projeto da Liga Federal, que incluía, além da Banda Oriental, Entre Ríos, Santa Fé, Corrientes e regiões de Córdoba. Esta união era independente de Buenos Aires, constituía um sistema no qual as províncias teriam plena soberania e o governo central fraco, sendo incapaz de controlar as unidades provinciais.3

A centralista Buenos Aires convocou, em 1813, uma Assembléia Constituinte onde as províncias teriam, teoricamente, voz e, em virtude disto, Artigas realizou o Congresso Oriental, com a função de definir o posicionamento dos seus conterrâneos junto aos portenhos.

O resultado foi o estabelecimento das "Instrucciones del Año XIII", que continham a reivindicação da agora, sob o ponto de vista artiguista, Província Oriental (não mais Banda Oriental), pela independência, república e federalismo. Pelo teor da proposta, os deputados orientais sequer foram recebidos pela Assembléia Constituinte, fato que levou Artigas a romper com os portenhos e a declarar guerra aos mesmos.

Em decorrência, Buenos Aires atacou Montevidéu e, mais tarde, em 20 junho de 1814, o substituto de Elío, Vigodet, igualmente vinculado aos espanhóis, foi derrotado. Três dias depois, liderados por Alvear, os portenhos entraram na cidade, permanecendo aí até 1815, quando Artigas a retomou, passando, então, a governar toda a Província Oriental e concretizando o projeto da Liga Federal.

Apesar de Artigas estar à frente da citada Liga, na prática, seu poder era restrito ao território oriental, arrasado e destruído pelos anos de guerra, resultado dos conflitos gerados na Banda Oriental pela Revolução de Maio. Paralelamente, no mundo luso-brasileiro começavam os preparativos militares para a conquista da margem esquerda do Prata, advento que lançou a Banda Oriental para a órbita de Lisboa e do Rio de Janeiro.

 

A Banda Oriental portuguesa

Para liderar as tropas portuguesas na ocupação de Montevidéu e da campanha oriental, D. João designou o general português Carlos Frederico Lecor, veterano das guerras napoleônicas. Os militares que compunham a missão, que contou com cerca de 12.000 homens, eram de aproximadamente 4.000 portugueses, denominados Voluntários do Príncipe, e de indivíduos oriundos do Brasil, que somavam 8.000.4

Como justificativa do ataque luso-brasileiro, o governo instalado no Rio de Janeiro argumentava que agia desta maneira pelas constantes perturbações e pelo desrespeito dos artiguistas à fronteira com o Rio Grande e, ainda, que Artigas desejava conquistar parte desta capitania. Além destas justificativas, somava-se o antigo anelo luso de estender seus domínios ao Prata.

As tropas de Lecor partiram do Rio de Janeiro em 12 de junho de 18165, atravessando a fronteira entre o Rio Grande e a Banda Oriental alguns meses depois. Em 20 de janeiro de 1817, após articulações políticas com o Cabildo de Montevidéu, composto, nesta altura, por figuras como o padre Dámaso António Larrañaga, Jerónimo Pío Bianqui, Francisco Llambí e Juan José Durán6, Lecor e suas tropas entraram neste núcleo platino sem disparar um único tiro. Posteriormente, Lecor conseguiu o apoio de outros personagens igualmente relevantes no âmbito local, como, por exemplo, Tomás García de Zúñiga e Frutuoso Rivera.

Uma das contrapartidas oferecidas a este grupamento para que apoiassem ao invasor era a de que eles teriam suas posições na administração pública mantidas. Além disto, é importante pensar em todas as outras regalias que poderiam ser obtidas caso se estivesse ao lado dos portugueses, por serem os novos donos dos jogos de poder.

Como exemplo, pode-se mencionar que diversos orientais receberam do governo português condecorações, títulos nobiliárquicos e promoções na administração pública, bem como estes individuos estiveram presentes em uma série de organismos da Banda Oriental, como a Sociedade Lancasteriana de Montevidéu, a Junta Superior de Real Hacienda e o Cuerpo de Cívicos de Montevideo.

Evidentemente, não só parte dos segmentos locais mais abastados beneficiaram-se com a ocupação, mas, de semelhante modo, os ocupadores recebiam uma série de vantagens com o apoio dado pelos elementos locais. Pode-se incluir como relevantes benefícios o conhecimento que esses orientais possuíam do funcionamento da administração pública, suas redes clientelares na Banda Oriental, e a ajuda financeira dada ao governo de Lecor, pois o general tomou empréstimos de importantes figuras locais, tais como do estancieiro Tomás García de Zúñiga e do comerciante Francisco Juanicó.7

Neste contexto, Lecor adotou a política de realizar casamentos entre militares de suas tropas e mulheres orientais, sendo que ele mesmo casou-se, em 1818, com Rosa Maria Josefa Herrera de Basavilbaso, pertencente a uma das famílias mais importantes da Banda Oriental. Neste mesmo ano, em virtude das mercês que D. João VI concedeu ao ser aclamado e coroado rei de Portugal, Brasil e Algarves, Lecor tornou-se Barão da Laguna. Provavelmente, o general foi agraciado pelo monarca pelo fato do militar ter realizado com sucesso a integração política dos ocupadores com grande parte da sociedade oriental.

Paralelamente à administração de Montevidéu por Lecor, Artigas resistia aos portugueses no interior e proporcionava ataques ao Rio Grande. Entretanto, o caudilho perdia cada vez mais posições, até que, em 1820, na Batalha de Tacuarembó, o líder oriental partiu para Entre Rios e, posteriormente, exilou-se no Paraguai, onde passou o resto de sua vida.

Observa-se, portanto, que, em 1820, encerrava-se a atuação política de Artigas, importante personagem vinculado à Revolução de Maio e o grande protagonista deste movimento na Banda Oriental. Por fim, com a saída de Artigas de cena, Lecor passava a controlar todo o território oriental.

Aparentemente, o general o faria tranquilamente, porém, neste mesmo ano de 1820, ocorria no mundo luso-brasileiro advento que viria a ocasionar grandes turbulências no mundo português, a marcar definitivamente o futuro do Reino Unido português e da Banda Oriental: A Revolução Liberal do Porto.

 

A Revolução Liberal do Porto

Sobre este movimento luso, na madrugada de 24 de agosto de 1820, militares portugueses estabelecidos no Porto foram para as ruas desta cidade e, em praça pública, declararam iniciada a revolta e criaram um Conselho Militar. Os militares posicionaram-se favoráveis ao estabelecimento das Cortes e desejavam a elaboração de uma constituição.8

Em 15 de setembro, com a participação de segmentos do exército, foi a vez de Lisboa ser o centro das agitações liberais. Nesta data, estabeleceu-se um governo interino, que derrubou o oficial, e que aderiu aos revoltosos do Porto. Assim, Portugal passou a contar com dois núcleos revolucionários, um no Porto e o outro em Lisboa. Após articulações políticas, estes dois grupos uniram-se, tendo havido a entrada dos membros da Junta do Porto na cidade de Lisboa no dia 1º de outubro.

Pode-se entender que a partir do advento ocorrido no Porto iniciou-se o processo que pôs fim à sociedade de Antigo Regime em Portugal, sendo que estas agitações e insatisfações derivavam de fatores como a permanência de D. João VI na América, além da grave crise econômica que Portugal enfrentava, com o decréscimo das atividades ligadas ao comércio, à indústria e à agricultura. Igualmente, estavam o aumento da miséria e a influência direta da Inglaterra nos assuntos de Portugal, ressaltando-se que essas questões vinham gerando desagrados e posicionamentos públicos pela sua resolução havia anos.

Agrega-se que neste momento foi consagrado o liberalismo em Portugal, e houve a busca de construir uma nação de cidadãos, com a igualdade perante a lei e com os mesmos direitos e deveres. Conseqüentemente, havia a extinção de privilégios e os particularismos das monarquias do Antigo Regime. Tentava-se, de semelhante modo, implementar a reforma das instituições jurídicas, políticas e econômicas da sociedade lusa.

As Cortes da década de 1820 foi a primeira instituição parlamentar do liberalismo português, que, no período de 1820-1823, conseguiu exercer, através do poder legislativo, grande influência na sociedade portuguesa, inclusive tendo retirado significativa força do monarca.

Um outro fator a apontar-se é que a Revolução do Porto colocava Portugal ao lado das também liberais Espanha, Itália e Grécia, sendo que os seus respectivos governos buscavam uma articulação em conjunto, tentando uma união política e a criação de uma espécie de "internacionalismo liberal". Por outro lado, os governos europeus contrários ao liberalismo uniram-se, criando a Santa Aliança, que tinha o propósito de opor-se e de provocar a queda política dos revoltosos.

Além disto, a ascensão dos liberais na Espanha, que ocorreu primeiro que em Portugal, teve grande influência no Reino Unido de D. João VI, com a implementação das mesmas instruções para a eleição dos deputados à Constituinte, o emprego de decretos similares ou baseados no do reino vizinho, e a venda da Constituição espanhola no Brasil e em Portugal.

Neste quadro, em 17 de outubro de 18209, chegava ao Rio de Janeiro a notícia da revolução iniciada no Porto, que dividiu o governo luso instalado no Brasil em opositores e favoráveis à convocação das Cortes e ao retorno da família real a Portugal, que permanecia na América desde 1808.

No primeiro dia de 1821 houve no Reino do Brasil, mais especificamente no Grão Pará, a primeira manifestação favorável ao liberalismo. Um pouco mais de um mês depois, em 10 de fevereiro, foi a vez da Bahia ser o campo de ação dos revolucionários, que declaravam sua fidelidade ao rei e, ao mesmo tempo, à futura Constituição portuguesa. Após os acontecimentos na Bahia, espalhavam-se no restante do atual Nordeste brasileiro adesões ao liberalismo e a reivindicação de juntas de governo que substituíssem as nomeadas por D. João VI.10

Em 26 de fevereiro, a guarnição militar do Rio de Janeiro rebelou-se e obrigou D. João VI a jurar a Constituição que estava a ser elaborada em Lisboa. Em virtude destes fatos, o monarca comprometia-se a retornar a Portugal e foi-lhe imposto um novo ministério. Para os Negócios Estrangeiros e Guerra foi designado o liberal Silvestre Pinheiro Ferreira, personagem que pela sua atuação no ministério teve importantes conseqüências para a criação da Cisplatina, questão que será analisada posteriormente.

 

A Revolução Liberal portuguesa em Montevidéu e a criação do Estado Cisplatino

Algumas semanas depois, ecos da Revolução do Porto chegaram à Banda Oriental, gerando motins na parcela lusa das tropas de Lecor. No dia 20 de março de 1821, tendo como líder o coronel António Claudino Pimentel, do 1º Regimento de Infantaria, por volta da meia-noite, três regimentos que encontravam-se fora de Montevidéu entraram pelo portão da cidade e ocuparam sua praça. Imediatamente, as tropas que estavam nos quartéis incorporaram-se aos insurgentes.11

Os rebelados reclamavam da sua situação de 22 meses sem pagamento do soldo e que, após cinco anos na América, desejavam retornar à Europa, pedindo, assim, ao rei e à nação que outros militares os substituíssem no Prata. Os militares lusos também protestavam contra decreto que desligava-os do exército português.12

Outra exigência dos revoltosos era a presença de Lecor para que se jurasse a Constituição que viesse a ser redigida e jurada em Portugal. Caso não aparecesse, o general era ameaçado pelos seus homens de ser destituído do poder.

Inicialmente, Lecor alegou que não poderia comparecer por estar enfermo, entretanto, coagido, acabou por ceder aos revoltosos. O general comprometeu-se com os militares portugueses a realizar os pagamentos dos soldos atrasados, a remetê-los a Portugal, e declarando publicamente que viria a obedecer às Cortes de Lisboa e a reconhecer a Constituição que viesse a ser jurada.13

Os rebelados criaram um Conselho Militar e entregaram sua presidência a Lecor. Os demais membros seriam oficiais de cada corpo da divisão eleitos por votos da oficialidade. Uma vez compostos os quadros, seriam nomeados o seu vice-presidente e secretário. Claudino Pimentel terminou por ocupar a vice presidência do Conselho.

Relatando em suas páginas a insubordinação dos militares de D. João VI, a Gaceta de Buenos Ayres estimava que na praça de Montevidéu tinham se reunido 1955 homens, sendo que alguns eram a favor da deportação de Lecor para o Rio de Janeiro. Além disto, o periódico relatava que um oficial português, apelidado de Placa, embarcou para Portugal para representar a divisão lusa de Montevidéu junto às Cortes.14

No Rio de Janeiro, no dia 16 de abril, D. João VI expediu duas medidas importantes para a região do Prata. Uma foi o reconhecimento da independência das províncias platinas em relação à Espanha. A outra foi no sentido de solucionar a questão da ocupação da Banda Oriental, que seria decidida no Congresso Cisplatino, congresso este a ser composto por elementos originários do território oriental.

Sobre o Congresso, ressalta-se que ele foi um relevante momento de ação conjunta de Lecor com os seus aliados orientais, bem como está intimamente vinculado à ascensão do liberalismo nos quadros do Reino Unido português, que levou à nomeação de Silvestre Pinheiro Ferreira como ministro de D. João VI.

Primeiramente, destaca-se que Silvestre Pinheiro Ferreira era contrário à manutenção das forças joaninas na Banda Oriental. O liberal argumentava junto ao rei que a ocupação proporcionava alto custo a Portugal e acarretava em sérios prejuízos ao comércio português, em virtude da ação de corsários.

De semelhante modo, não devem ser ignoradas a busca dos liberais portugueses de terem boas relações com a também liberal Espanha, sendo que este reino reivindicava, ainda neste momento, a soberania sobre o território oriental. Então, se D. João VI não resolvesse a questão envolvendo a Banda Oriental antes de partir da América, teria que negociar com os espanhóis quando voltasse à Europa, o que, evidentemente, colocava-o em uma situação mais delicada e suscetível a pressões.

Além disto, Silvestre Pinheiro Ferreira não cria no sucesso da incorporação do território oriental ao Reino do Brasil, afirmando que um decreto não iria transformar os orientais em portugueses, sendo assim, D. João VI não poderia contar com a fidelidade dos habitantes desta província.15

Diante desses fatos, D. João VI acabou por ordenar que se realizasse em Montevidéu o Congresso Cisplatino. Uma vez instalado o congresso, os deputados orientais decidiriam entre três opções, sendo uma delas a oficialização da ocupação luso-brasileira no Prata, unindo a Banda Oriental ao cetro joanino. Outra opção era a emancipação política do território oriental, constituindo um novo país no Prata. Por fim, os parlamentares discutiriam sobre a possibilidade de uma nova união entre os orientais e os governos ou de Buenos Aires, ou de Entre Rios, ou de Madri. Deste modo, a Banda Oriental deparava-se, novamente, com uma série de distintos projetos políticos.

Como os interesses políticos e econômicos de Lecor e dos seus aliados eram pela permanência dos portugueses no Prata, o general luso e o estancieiro Juan José Durán, chefe político da província à época, agiram no sentido de que o citado Congresso votasse pela incorporação da Banda Oriental ao cetro de D. João VI.

O contato com as atas do Congresso Cisplatino16, que estão no Archivo General de La Nación, em Montevidéu, permite-se constatar que, em 18 de julho de 1821, os congressistas votaram, unanimemente, pela anexação do território oriental à monarquia lusa. Também no Congresso, os deputados determinaram que o território recém anexado passaria a ser designado Estado Cisplatino Oriental, estabelecendo-se uma série de condições para que a união ocorresse, buscando a preservação das especificidades orientais dentro dos quadros da monarquia portuguesa.

Mantinha-se, deste modo, o castelhano como idioma oficial e as rendas locais deveriam ser aplicadas na própria província. Preservavam-se as leis locais, desde que não fossem conflitantes com a constituição portuguesa que estava a ser elaborada em Lisboa. Os empregos e cargos da Cisplatina eram reservados aos seus naturais ou àqueles que haviam contraído matrimônio na região, portanto, com a política de casamentos empregada por Lecor, diversos portugueses e brasileiros poderiam ocupar posições em cargos públicos da província. Dentre as condições estabelecidas, também havia a garantia da manutenção de Lecor no poder, pois, no congresso, acordava-se que: "Continuará en el mando de este Estado [Cisplatino Oriental], el Señor Barón de la Laguna."17

No entanto, em Lisboa, antes mesmo do resultado final do Congresso Cisplatino, as Cortes indicavam que o seu posicionamento seria o de abandonar a Banda Oriental.18 Ao tomar conhecimento da incorporação, já residindo em Portugal, Silvestre Pinheiro Ferreira posicionou-se contra esta medida. O ministro enviou oficio a Lecor em 22 de dezembro de 1821, manifestando sua indignação em relação à anexação e à ação de Lecor neste processo.19

Silvestre Pinheiro Ferreira exigia que Lecor deveria enviar a Lisboa uma exposição circunstanciada dos fatos e chamava a atenção para a importância da questão envolvendo a Cisplatina nas relações com a Espanha. O ministro liberal ainda informava que o futuro do Estado Cisplatino seria decidido pelas Cortes portuguesas, que Lecor seria substituído no Comando das armas no território oriental, além de que o general deveria repassar à Secretária de Estado informações concernentes ao mais novo estado da monarquia lusa.20

Diante do posicionamento de Lisboa em relação à Cisplatina, ocorreu a missão de Lucas José Obes no Rio de Janeiro, junto a D. Pedro e José Bonifácio. Político e advogado oriental, durante os anos da administração de Lecor, Obes possuía posição de destaque na sociedade montevideana. Ao final do Congresso Cisplatino, Obes foi selecionado pelos congressistas para representar o novo estado em Lisboa.

Na rota para a Europa, a embarcação em que Obes encontrava-se realizou uma paragem no Rio de Janeiro, em 27 de fevereiro. Na cidade, Obes apresentou-se a D. Pedro para que o príncipe decidisse se ele ficaria no Brasil ou se seguiria viagem para Portugal. D. Pedro decidiu que o oriental deveria permanecer no Rio de Janeiro.21

Durante sua estada na capital do Reino do Brasil, Lucas José Obes conseguiu o apoio do governo do Rio de Janeiro à criação do Estado Cisplatino – apoio que não fora dado por Lisboa – e em troca do posicionamento de D. Pedro e José Bonifácio, Obes colocava-se ao lado dos desejos emancipacionistas do Brasil.

Paralelamente, as relações entre Lecor e a parcela portuguesa de suas forças militares agravavam-se, sendo que, ao longo de 1821 e 1822, foram vários os motins gerados pelos lusos. À medida que o Estado Cisplatino aproximava-se do Rio de Janeiro, a situação das tropas portuguesas tornava-se mais tensa, até que, em setembro de 1822, para não ser destituído do poder, Lecor e os seus aliados tiveram que abandonar Montevidéu, indo para o interior cisplatino.

Ao mesmo tempo, o governo do Rio de Janeiro rompia com o de Lisboa, sendo que D. Pedro era aclamado como o primeiro imperador do Brasil no dia 12 de outubro de 1822. Vencia, assim, em oposição aos desejos dos revoltosos do Porto, a idéia de uma nação brasileira, separada de Portugal.

A partir de então, aqueles que não fossem favoráveis à independência deveriam sair do Brasil e, em províncias como a Cisplatina, a Bahia, o Maranhão e o Pará instalavam-se oposições ao sistema de D. Pedro I. A partir de então, a antiga Banda Oriental mergulhou em uma guerra entre os militares favoráveis a D. Pedro, liderados por Lecor, e que controlavam todo o interior do Estado Cisplatino, e os fiéis a D. João VI, liderados pelo também militar D. Álvaro da Costa, que controlavam Montevidéu.

Montevidéu só foi reocupada por Lecor em março de 1824, quando a cidade platina finalmente tornou-se parte do Império do Brasil, sendo o último ponto português na América. No entanto, a comunhão entre a Cisplatina e o Brasil não foi duradoura, pois em 1825 eclodiu a Guerra da Cisplatina, que resultou na criação da República Oriental do Uruguai, em 1828.

 

Conclusão

Assim sendo, diante do exposto, identifica-se que tanto a revolução iniciada em Buenos Aires, quanto a no Porto, tiveram significativos desdobramentos na Banda Oriental. Conclui-se que a Revolução de Maio fez o território oriental mergulhar em uma guerra entre patriotas e espanhóis, bem como fez com que os portugueses entrassem no conflito platino, seja em 1811, seja em 1816.

Além disto, Maio de 1810 fez com que a figura de José Gervásio Artigas emergisse na Banda Oriental, liderando o processo de autonomia da província. Pode-se, ainda, afirmar que o processo da Revolução portenha na Banda Oriental culminou na invasão lusa liderada por Lecor, lançando, assim, o território oriental para a órbita dos governos de Lisboa e do Rio de Janeiro.

No que tange à Revolução Liberal do Porto, esta foi responsável pela mudança da política joanina para o Prata, questão fundamental para a organização do Congresso Cisplatino, que, ao contrário do que desejava e previa o liberal Silvestre Pinheiro Ferreira, uniu o território oriental ao Reino Unido português. Observa-se que esta união fez com que a Banda Oriental fosse palco de novas guerras, seja entre brasileiros e portugueses, seja entre brasileiros, portenhos e orientais, a partir de 1825.

Agrega-se que outro desdobramento da revolução lusa na Banda Oriental foi a quebra da hierarquia militar através dos diversos motins que Lecor teve que enfrentar no seio de suas tropas, advento que veio a ameaçar seriamente o futuro da ocupação luso-brasileira.

Por fim, além dos supracitados adventos que marcaram a história da Banda Oriental, deve-se ressaltar como significativo desdobramento das revoluções de Maio e do Porto, a criação da República Oriental do Uruguai.

 

Bibliografia e documentação

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Arquivo Nacional – Rio de Janeiro

Fundo: Coleção Cisplatina. Caixas 975-979.

Biblioteca Nacional – Buenos Aires

LA GACETA DE BUENOS AYRES. Diversos números: 1821-1822.

Biblioteca Nacional – Rio de Janeiro

GAZETA DO RIO DE JANEIRO. Diversos números: 1816-1822. Seção Periódicos.

"Três atas do cabildo de Montevidéu sobre a entrada ali de tropas portuguesas e posse dada ao general Lecor do governo da Praça e capitania". Localização: 07,4,062. Seção: Manuscrito.

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Notas

1 – Para maiores detalhes sobre a presença de portugueses no território oriental, ver: FREGA, Ana. Pertenencias e identidades en una zona de frontera. La región de Maldonado entre la revolución y la invasión lusitana (1816-1820). In: HEINZ, Flavio M.; HERRLEIN JR, Ronaldo. Histórias regionais do Cone Sul. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2003.

2 – Para maiores informações acerca do projeto de Carlota Joaquina tornar-se regente espanhola no lugar de Fernando VII, ver: AZEVEDO, Francisca L. Nogueira de. Carlota Joaquina na corte do Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

3 – Maria Medianeira. Federalismo Gaúcho: fronteira platina, direito e revolução. Coleção brasiliana novos estudos, v. 3. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2001.

4 – DONGHI, Tulio Halperin. Historia Argentina de la Revolución de Independencia a la confederación rosista, volume III. Buenos Aires: Editorial Piados, 2000.

5 – Fundo Ministério dos Negócios Estrageros. Legajo 39. Revolução de Montevidéu. Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Apud: Archivo Artigas, Montevideo: Impremex S.A., 1948, p.2.

6 – "Três atas do cabildo de Montevidéu sobre a entrada ali de tropas portuguesas e posse dada ao general Lecor do governo da Praça e capitania". Localização: 07,4,062. Seção: Manuscrito. Biblioteca Nacional.

7 – La Gaceta de Buenos Ayres,nº48.28 de março de 1821. Acervo da Biblioteca Nacional de Buenos Aires.

8 – SERRÃO, Joaquim Veríssimo. História de Portugal: 1807 – 1832. Viseu: Verbo, 2002; BRANCATO, Braz Augusto Aquino. Don Pedro I de Brasil, posible rey de España (Una conspiración liberal). Porto Alegre: EDIPUCRS, 1999; VARGUES, Isabel Nobre; RIBEIRO, Maria Manuela Tavares, Ideologias e práticas políticas. In: TORGAL, Luís Reis; ROQUE, João Lourenço. O Liberalismo. MATTOSO, José. História de Portugal. Lisboa: Editorial Estampa, 1998.

9 – SERRÃO, op.cit. NEVES, op.cit.

10 – BERBEL, op.cit. e SERRÃO, op.cit.

11 – La Gaceta… op.cit., nº48, p.222, 223 e 235.

12 – Idem.

13 – Idem.

14 – Idem.

15 – Silvestre Pinheiro Ferreira. "Memória e Cartas biográficas". Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, 1876-1877. Volume II, Rio de Janeiro, Tipografia G. Lenzinger & Filhos. 1877. Apud: DEVOTO, Juan E. Pivel. El Congreso Cisplatino (1821): repertorio documental, seleccionado y precedido de um análisis. Revista del Instituto Histórico y Geográfico del Uruguay, t.XII. Montevideo: 1937.

16 – ACTAS DEL CONGRESSO CISPLATINO. Montevidéu, 1821. Archivo General de la Nación, AGN.

17 – Idem.

18 – COSTA, Hipólito José da. Correio Braziliense, ou, Armazém literário, v.XXVII. (setembro de 1821). São Paulo: Imprensa Oficial do Estado; Brasília: Correio Brasiliense, 2002.

19 – Ofício de Silvestre Pinheiro Ferreira al Barón de la Laguna. Diciembre 22 de 1821. Apud: DEVOTO, op. cit.

20 – Idem.

21 – Sindico General de este Estado á todos los pueblos. Apud: DEVOTO, op.cit.

 

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