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A política externa joanina e a anexação de Caiena: 1809-1817

Texto de Fábio Ferreira

1. Introdução

D. João de Bragança

O presente trabalho tem como objetivo abordar brevemente a anexação de Caiena pelo príncipe regente português D. João no contexto europeu e sul-americano do início do século XIX e as características da ocupação joanina na região, dialogando, sempre que possível e em determinados aspectos, com as incursões realizadas pelo príncipe na Banda Oriental.

Assim, o próximo item, para a melhor compreensão do estabelecimento de uma possessão francesa na América do Sul, é dedicado ao corte temporal que compreende entre o primeiro estabelecimento francês no território do atual Brasil, mais especificamente na Baia de Guanabara, até a transmigração da Corte portuguesa para a mesma região.

O terceiro item diz respeito às duas regiões anexadas por D. João durante o seu reinado americano: Caiena e a Banda Oriental, explicitando as razões e as argumentações em torno de tais empreendimentos.

No item seguinte, a capitulação de Caiena e a administração portuguesa da mesma são abordadas, havendo, inclusive, uma breve comparação com o governo do general Lecor em Montevidéu.

O Congresso de Viena e a devolução de Caiena aos franceses são questões apresentadas no item cinco do trabalho, além das manobras por parte dos diplomatas de Portugal e França na restituição e restabelecimento dos limites entre os domínios dos dois países na América.

Assim sendo, nas linhas que se seguem, encontram-se informações a respeito da anexação de Caiena pelos portugueses, sem ignorar o contexto internacional, a geo-política e a política externa joanina na primeira vintena do século XIX.

 

2. O Período Colonial: De Villegaignon ao príncipe regente D. João

Mapa francês da baía de Guanabara, c. 1555.

Mapa francês da baía de Guanabara, c. 1555.

 

A demonstração do interesse francês na América do Sul dá-se já no século XVI com a ocupação da área que é hoje a cidade do Rio de Janeiro pelos gauleses e a fundação da França Antártica em 10 de novembro de 1555, tendo Villegaignon como vice-rei1.

Porém, a ocupação francesa na Guanabara não é duradoura: Em 15 de março de 1560, Mem de Sá ocupa o forte francês na região, culminado com o triunfo português. Apesar do malogro deste primeiro intento, a França não desiste dos seus objetivos no continente sul americano.

Em 1604, novamente há a presença francesa no continente com a expedição de Daniel de la Touche, senhor de La Ravardière, que explora a costa da Guiana e, no ano seguinte, recebe a nomeação para colonizar Caiena2. Entretanto, ela é destruída alguns anos mais tarde pelos portugueses, que queriam fazer valer o tratado de Tordesilhas de 14943. Em 1608 e 1617 há novas tentativas de dominar a mesma região, respectivamente por Robert Harcourt e Edward Harvey, porém todas as duas fracassam.4

Mesmo com tais acontecimentos, os franceses, em 1612, fundam no Maranhão a França Equinocial e o forte de São Luís, tendo a frente do novo projeto La Ravardière e François de Rassily. No entanto, o destino do empreendimento gaulês em terras sul americanas não é diferente dos anteriores: Em 16155, mais uma vez, os portugueses derrotam os franceses.

É válido observar que a defesa do território ao norte do continente sul-americano dá-se durante a União Ibérica (1580 – 1640), quando o rei de Espanha, Felipe II, passa a ser também o monarca de Portugal e seus domínios ultramarinos. Porém, a defesa dos domínios espanhóis na América fica a cargo dos portugueses, conforme explicita Furtado (p.86) “Aos portugueses coube a defesa da parte dessa linha [das Antilhas ao Nordeste brasileiro] ao sul da foz do Amazonas. Dessa forma, foi defendendo as terras de Espanha dos inimigos desta que os portugueses se fixaram na foz do grande rio, posição-chave para o fácil controle de toda a imensa bacia.”. Com o fim da união entre as duas Coroas, a América portuguesa vê-se além dos limites de Tordesilhas. Assim, segundo Vainfas (2000, p.572) “(…) foi no período da dominação filipina que se alargaram as extensões da futura América Portuguesa (…)”

E, neste mesmo período, a era dos Felipes, mais precisamente em 1626, que é constituído, segundo Jorge (1999), o núcleo original do que virá a ser a Guiana Francesa: às margens do rio Sinamari é constituída a primeira colônia gaulesa, que, em 1634, é transferida para a ilha de Caiena.

Ainda segundo o mesmo autor, a manutenção de Caiena nas mãos dos franceses vem a ser uma tarefa árdua para estes:

“(…) no novel estabelecimento malograram-se sucessivamente todos os reiterados ensaios de colonização até 1656, quando a ilha de Caiena foi ocupada pelos holandeses que a exploraram até 1664, data de sua retomada pelos franceses. Os ingleses expulsaram-nos em 1667, ocupando-a até que dela se reapoderaram os holandeses em 1674. Da reconquista pelo vice-almirante conde d’Estrées, em 1676, data a sua ocupação definitiva pela França.”6

Sobre as adversidades da região, é válido observar que, citando Ciro Cardoso, Gomes e Queiroz (2002, p.32) comentam que “(…) as dificuldades de colonização da Guiana Francesa eram diversas: relevo acidentado, correntes marítimas dificultando a navegação, epidemias e pragas nas plantações, subpovoamento, pobreza crônica, etc. Enfim, o fracasso inicial da colonização teve fatores geo-ecológios e históricos.”

As primeiras tentativas de delimitar as fronteiras entre a Guiana Francesa e o Cabo Norte, parte do atual estado brasileiro do Amapá, datam de 16337. Em 1640, com a Restauração, Portugal volta a existir como país independente, e os limites da dominação gaulesa – apesar de todas as adversidades que ela sofreu – na região citada com a América Portuguesa têm como fruto inúmeras discussões entre os dois países europeus ao longo do século XVII.

Segundo Jorge (1999), para os portugueses, o limite entre os seus domínios e o dos franceses era o rio Oiapoque ou Vicente Pinzón, em virtude da doação feita por Felipe IV de Espanha, em 1637, à Bento Maciel Parente da Capitania do Cabo Norte. Porém, para os franceses, os limites entre as possessões dos dois países não dava-se pelo Oiapoque, criam que a França tinha direitos sobre a margem setentrional do Amazonas devido as cartas-patentes concedidas, em 1605, a La Ravardière.

No decorrer do século XVII várias são as atitudes por parte da França que demonstram o seu interesse na região entre o Amazonas e o Orinoco, na atual Venezuela, como, por exemplo, quando os franceses perdem Caiena para os holandeses e, sem possuir território algum nas Guianas, Luís XIV nomeia o duque de Ampville vice-rei da América, tendo tal área entre os dois rios estado sob a sua jurisdição, e também a criação de diversas companhias de comércio que abrangem a área que vai desde as margens do Amazonas até as do Orinoco.8

Diante do impasse, que chega a resultar em conflitos armados entre os dois países, Portugal e França optam pela negociação, que inicia-se em Lisboa no ano de 1698. No entanto, segundo Jorge (1999, p.57), devido à falta de conhecimento de ambas as Coroas litigiosas sobre a região, um tratado provisório é assinado em 4 de março de 1700 por Portugal e França, em que

“(…) deixou em suspenso a atribuição do território compreendido entre a ponta de Macapá e o cabo do Norte e daí pelo litoral até o Oiapoque, permitindo aos nacionais dos dois países estabelecer-se livremente entre aquele rio e o Amazonas, sem que nenhuma das duas Coroas pudesse, por este fato, reivindicar um direito de soberania ou instalar postos militares ou comerciais que implicassem tomada de posse. Esse modus vivendi, baseado na neutralização provisória do território contestado, seria mantido até a conclusão de um ajuste definitivo.”

Porém, conforme evidencia o autor citado acima, devido ao posicionamento português na Guerra de Sucessão espanhola, ao lado da Inglaterra e Holanda e contra a França e Felipe V da Espanha, o tratado provisório é anulado, sendo que tal limite só é definido pelo Tratado de Utrecht, de 11 de abril de 1713.

Por este tratado, garantido pela Inglaterra, segundo Carvalho (1998), a França renuncia as terras do Cabo Norte, assim como a qualquer pretensão em relação à navegação do Amazonas, sendo as duas margens deste rio de navegação única e exclusiva da marinha portuguesa, além do trânsito de Caiena para o sul do Vicente Pinzón ser proibido, igualmente havendo a proibição dos lusos comerciarem na citada cidade.

Porém, segundo Gomes e Queiroz (2002) os franceses não cumpriam o Tratado de Utrecht, o que não era de desconhecimento dos portugueses, e Abreu (1998, p.197) afirma que os gauleses encontraram maneiras de burlar tal trato, “(…) descobrindo mais de um Vicente Pinzón e mais de um Oiapoque, de modo a aproximarem-se o mais possível do Amazonas, seu verdadeiro e constante objetivo.”

Conforme demonstra Jorge (1999, p.59) ao longo do século XVIII, por parte de várias autoridades francesas na Guiana, diversos rios são entendidos como o Vicente Pinzón e o Oiapoque, sempre com o mesmo objetivo citado por Abreu, porém “(…) Portugal e, depois, o Brasil, sempre e invariavelmente, sustentavam que o rio Japoc ou Vicente Pinsão do Tratado de Utrecht era o mesmo e único Oiapoque ou Vicente Pinzón, universalmente conhecido com este nome desde 1596, que se lança no oceano Atlântico ao oeste do cabo de Orange, limite (…) formalmente aceito pelo [Tratado] de Utrecht em 1713”

Após a Revolução Francesa (1789) e a chegada do príncipe regente D. João ao poder (1792), no período de 1797 a 1802, várias são as tentativas de acordo entre portugueses e franceses sobre os seus limites na América, como, por exemplo, o de Paris de 1797 que não é ratificado por Portugal pelo fato de ir contra os seus interesses, e o de Amiens, de 1802, que exclui o país ibérico das negociações, logo o não reconhecimento do tratado.9

Assim, a tentativa por parte da França de estender a Guiana Francesa e o desrespeito à soberania lusitana, em que acordos são celebrados sem a participação de Portugal, são reflexos da posição frágil em que o país chega ao século XIX, além da conjuntura européia, com a polarização de forças entre a Inglaterra e a França napoleônica, que intimidava todo o continente.10

É válido também ressaltar que no período que compreende o final do século XVIII e os primeiros anos do XIX, Portugal, devido ao complicado xadrez europeu, vê-se envolvido em várias guerras, mesmo sempre tendo tentado levar ao máximo uma política de neutralidade. Tropas portuguesas, por exemplo, marcham contra a França, em 1793, na Campanha do Rossilhão, incorporadas ao exército espanhol e, em 1801, Portugal é invadido pelos aliados de outrora, com apoio militar francês, no episódio conhecido como Guerra das Laranjas, em que a praça de Olivença, território português, cai nas mãos do visinho e inimigo.11

Sobre a situação enfrentada por Portugal e o seu reflexo nos tratados e no espaço americano, Jorge (1999, p.60) afirma que “os seus negociadores [dos tratados] não tiveram em mira interpretar o pensamento do Tratado de Utrecht, mas, impor a Portugal, enfraquecido pela guerra, limites novos no território da Guiana.”

Evidentemente, não podemos ignorar as dinâmicas das populações locais na definição de fronteiras, conforme explicitam Gomes e Queiroz (2002) em seu trabalho, entretanto, nesta tentativa de expansão francesa, pode-se constatar a política européia e a utilização de tratados para definições de espaços no continente americano.

 

3. As Anexações Joaninas: Caiena e a Banda Oriental

Napoleão Bonaparte: tentativa de impedir a Europa de negociar com a Inglaterra.

Como foi dito anteriormente, Portugal adentra o século XIX envolvido nas intrigas européias, porém, sempre a buscar a neutralidade. Sobre tal fato, Vicente (1996, p.34) afirma que “D. Maria, o Príncipe Regente e os ministros portugueses entendiam que a neutralidade era a melhor política (…)”. Ferreira (2003) também mostra que “Mesmo em 1803 [com] novos conflitos terem se estabelecido entre a França e a Inglaterra, Portugal consegue permanecer em uma posição que convém-lhe: a de neutralidade. Continua aliado dos ingleses e em paz com os franceses.” Até mesmo Carlota Joaquina, esposa do príncipe regente, tem a mesma postura, segundo Francisca Azevedo, sempre a objetivar a neutralidade portuguesa, inclusive as suas cartas ao pai, Carlos IV, rei de Espanha, seguem esta linha.12

Porém, a política de neutralidade acaba por tornar-se inviável, seja por questões internas, como a força que o partido francês ganha em Portugal, seja por externas, como os desejos expansionistas de Napoleão e a aliança do país ibérico com a Inglaterra.

Diante destes fatos, Junot, a obedecer ordens do líder francês, marcha em direção ao território português, a adentra-lo pela Beira Baixa no dia 17 de novembro de 180713. Sete dias depois, a Corte fica ciente do ocorrido e, assim, a família real parte de Lisboa em direção ao Rio de Janeiro doze dias após a entrada dos franceses no território português. 14

A transmigração da Corte para o Brasil, realizada com apoio inglês, e que segundo Azevedo (2002) torna-se um dos objetivos de Canning desde que assume o Ministério das Relações Exteriores do seu país, não é o único fato da história luso-brasileira neste momento que tem a participação de Londres. Segundo Goycochêa (1963) há a possibilidade do plano da invasão da Guiana Francesa ter sido formulado na capital britânica.

Independentemente se tal incursão foi planejada ou não na Inglaterra, o autor demonstra que D. Rodrigo15, antes mesmo da transferência da Corte para o Rio, já propunha a hostilização da possessão francesa no extremo setentrional da América do Sul.

Lima (1996, p.287), ao citar uma correspondência de 1801 do ministro para o príncipe regente, evidência que há o interesse napoleônico, já nesta época, de transformar a Guiana em uma poderosa colônia que, para D. Rodrigo, seria fatal para o Pará e conseqüentemente para o Brasil.

Assim, feita a travessia do Atlântico, D. João declara guerra a França e anula os tratados celebrados anteriormente com tal país. Sobre tal atitude do príncipe regente, Calógeras (1998, p.243) afirma que “Nulos e de nenhum efeito declarou-os (…) D. João, em seu Manifesto de 1º de maio de 1808, ao romper relações e entrar em guerra contra Napoleão.”

Uma vez tento declarado guerra aos invasores de Portugal, D. João prepara o ataque da possessão dos seus inimigos no continente sul-americano. Conforme explicita o autor, partem do Pará, no dia 6 de novembro de 1808, as hostes comandados pelo tenente-coronel Manoel Marques, que conquista Caiena em 12 de janeiro de 1809.

Sobre os objetivos joaninos em tal anexação, Silva (1986) afirma que a defesa do litoral norte do Brasil, preocupação de D. Rodrigo, é uma das razões de tal atitude por parte do governo português instalado no Brasil; outro argumento era o restabelecimento de limites entre a Guiana Francesa e a América portuguesa de acordo com os interesses lusitanos; além de visar a aniquilação de qualquer ponto gaulês na América do Sul.

Já as razões e justificativas da outra anexação joanina durante a sua estada no Brasil, a da Banda Oriental, ocorrida pela primeira vez em 1811 e em uma segunda no ano de 1816, são outras.

Primeiramente, é válido observar que o desejo de D. João em conquistar essa área faz parte do velho desejo lusitano de possuir ao menos um ponto no Rio da Prata, anelo este que pode ser constatado desde o século XVI e manifesto ao longo dos séculos seguintes16. O temor de que da América espanhola emanassem “(…) as idéias dos ‘novos tempos’ franceses”17 para a região do sul do Brasil é igualmente outra razão apontada por Silva (1986).

Também é pertinente destacar que houveram especulações de que Napoleão – que em 1808 aprisiona toda a família real espanhola, exceto Carlota Joaquina – desejaria conquistar para si o que foi o domínio dos Bourbons na América, além da tentativa do mesmo em subjugar Montevidéu, conforme narra Azevedo (2002, p.177): “[Chegam a esta cidade] delegados franceses com despachos de Napoleão (…) informando da abdicação de Carlos IV em favor de Jose Bonaparte e exigindo a aclamação do rei também nas colônias. [Entretanto] Fernando VII [irmão de Carlota Joaquina] fora proclamado rei e os emissários franceses foram banidos da cidade.”

Porém, é interessante observar que uma vez sob domínio português, há o silêncio por parte de Napoleão para recuperar a Guiana, pois a França não envia esforço militar algum para tentar reaver a possessão perdida, sendo que Lima (1996) atribui tal postura ao fato dos franceses terem como maior inimigo a Inglaterra, a marinha mais poderosa da época. Outra razão que talvez também possa ser apontada como contribuídora para a não tentativa de refutar os portugueses da ilha de Caiena pode ser que Napoleão, por estar tão comprometido com as suas conquistas e guerras na Europa, não tinha condições de atuar no sentido de retomar a Guiana Francesa.

Outro ponto a observar-se no que diz às duas invasões à Banda Oriental e a sua justificativa, é a de que os luso-brasileiros estavam a buscar os limites naturais da América portuguesa. Na incursão de 1811, o direito dos Bourbons na região do Prata é evocado, além do fato de Montevidéu, reduto pró-Espanha, e, por essa razão, estar sob ataque portenho18, que visava conquistar a Banda Oriental, o que acarretou no pedido de ajuda dos montevideanos aos luso-brasileiros e também à perturbações na fronteira com Rio Grande.

Em 1816 as violações continuaram, além de que a região estava a ser governada por Artigas, que na interpretação do Rio de Janeiro o seu governo era sinônimo de anarquia, além da preocupação geopolítica do Rio da Prata tornar-se um bloco político espanhol19. Assim, o General Lecor, veterano das guerras napoleônicas na Europa, marcha em direção à Banda Oriental, conquistando Montevidéu em 20 de janeiro de 181720.

A geopolítica, assim como na região do Prata, também foi um fator que contribuiu para que as tropas luso-brasileiras marchassem em direção à Caiena, conforme explicita Silva (1986) quando cita a preocupação que D. Rodrigo tinha na proteção do litoral norte do Brasil.

Tal receio não é ignorado por Lima (1996, p.286), que mostra o ministro de D. João tendo como questão de suma importância a integridade territorial do Brasil, “(…) e que sob este ponto de vista nenhuma capitania lhe merecia igualmente maior cuidado que a do Pará, em consideração do perigo da proximidade dos franceses num momento de inimizade com a França, e da ameaça da questão sempre aberta do Oiapoque.” Logo o aniquilamento da dominação francesa na Guiana torna-se relevante para o governo português devido a posição estratégica que os gauleses obtinham na América do Sul.

Lima (ibid.) também demonstra em seu trabalho o reconhecimento de D. Rodrigo de que os grandes rios das capitanias amazônicas interligavam-nas com o Mato Grosso; o fácil acesso ao interior do Brasil que o domínio destas citadas capitanias garantiam; além do potencial econômico que possuíam. Quer dizer, uma eventual perda desta região poderia significar grande estrago na configuração do domínio português na América, sendo que quem possuía um ponto bem próximo a esta região e que era hostil ao príncipe D. João era Napoleão Bonaparte.

Evidentemente, as relações de Portugal com a Espanha eram igualmente hostis, além dos dois países possuírem vastos limites na América, porém, em 1808, no mesmo ano da chegada da Corte portuguesa ao Rio de Janeiro, a Espanha sucumbe diante de Napoleão, não constituindo ameaça ao governo português sediado no Brasil e, a partir de 1810, começam os movimentos na maioria das colônias americanas, em que as mesmas não aceitam a dominação das Cortes espanholas.

A Inglaterra, evidentemente, possuía tais condições, porém, era aliada dos portugueses, além do fato de que D. João, uma vez no Brasil, tomou as conhecidas medidas que beneficiaram os aliados britânicos. Assim, os ingleses não teriam razão para atacar os seus aliados, por sua vez, os espanhóis, que diversas vezes ao longo da história envolvem-se em conflitos com os portugueses, tinham que resolver muitos problemas dentro do seu território metropolitano e colonial, logo a dificultar bastante um eventual ataque a Portugal na América, sendo a França o único país que tinha razões para tal atitude e em tais condições.

 

4. A capitulação de Caiena e a dominação portuguesa

Mapa atual: em rosa, o planalto das Guianas, que perpassa pela Venezuela (Guiana Espanhola), Guiana (Guiana Inglesa), Suriname (Guiana Holandesa), Guiana Francesa e Amapá (Guiana portuguesa).

Conforme foi dito anteriormente, D. João, ao chegar ao Brasil, declara guerra à França, sendo o ataque a Caiena o primeiro ato joanino de hostilidade a Napoleão. Entretanto, primeiramente, Portugal trata de redefinir as fronteiras do Brasil com a Guiana Francesa de acordo com o Tratado de Utrecht, para depois adentrar o território guianense, conforme demonstra Goycochêa (1963, p.127):

“Os limites entre o Brasil e a Guiana Francesa, em tais condições, voltaram ao rio Oiapoque ou de Vicente Pinzón, combinados no Congresso de Utrecht em 1713. O que foi estabelecido em Paris (1797), em Badajoz e em Madrid (1801) e mesmo em Amiens (1802), foi anulado, deixou de existir.

Impunha-se depois, como revide à invasão de Portugal, que fosse levada a guerra até ao território indiscutivelmente francês, do Oiapoque ao Maroni, inclusivemente à ilha de Caiena onde é a capital (chef-lieu) da colônia, que se sabia guarnecida e fortificada.”

A expedição que realiza o ataque a Guiana é organizada pelo capitão-general do Pará, José Narciso de Magalhães de Menezes, contando, inicialmente, segundo Lima (1996), com 400 homens e, após passagem pela ilha de Marajó, 500, que partem, sob o comando do tenente-coronel Manuel Marques – que ganhou destaque na guerra entre Portugal e Espanha de 180121, lidera, na incursão à Caiena, as tropas terrestres – em direção ao extremo norte brasileiro.

O papel da Inglaterra ao lado de Portugal em tal invasão não pode ser ignorado, pois, segundo Goycochêa (1963), o ministro do exterior inglês, George Canning, esteve envolvido na articulação de tal ataque junto a D. Rodrigo, além da força naval anglo-lusitana, comandada por James Lucas Yeo, sobrinho de Sidney Smith, ter tido atuação neste advento contra Napoleão e os seus súditos.

As forças que partiram de Marajó chegam ao cabo Norte em 12 de novembro de 180822, a apossarem-se, segundo Calógeras (1998), da margem direita do Oiapoque exatamente um mês depois e, assim, continuam em direção a Guiana Francesa. Victor Hugues, o governador francês de Caiena, ao saber do que estava a ocorrer, envia esforços militares para a fronteira, esforços estes que, segundo Lima (1996) contavam com apenas 40 homens, que não conseguem conter os seus oponentes, e acabam recuando.

Porém, paralelamente, em Caiena, é organizada a defesa da cidade com os diminutos recursos disponíveis pelos franceses. Tais preparos são citados por Lima (ibid., p.292): “(…) em Caiena se faziam preparativos de defesa (…) que (…) constavam de 511 europeus de tropas escolhidas, 200 pardos livres e 500 escravos adrede recrutados, além de um brigue de 14 peças e 80 homens de equipagem. Não era portanto desproporcionado o pessoal de terra, e no dizer dos documentos franceses eram bastantes os víveres e as provisões bélicas.”

Entretanto, a defesa preparada pelos franceses é inútil: a 6 de janeiro de 1809 as hostes saídas do Pará chegam a Caiena, desembarcando aí no dia seguinte, sendo que o governador acaba por assinar a rendição cinco dias após o desembarque23.

Lima (1996) observa que, os portugueses, antes de assinarem o trato com o governador de Caiena, ameaçam estabelecer um sistema em que os escravos da possessão francesa que pegassem em armas contra os senhores guianenses e atacassem as propriedades dos mesmos seriam libertos após o derrube do poder francês na ilha, sendo muito mais por esta razão, e não pela força, que Victor Hugues, possuidor da maior plantação da Guiana Francesa, assina a rendição.

O governador rendido, membros da administração civil e militar, além das suas respectivas famílias e criadagem, retornam para a França, tendo o seu custo bancado pelo príncipe regente. Uma vez de volta à França, segundo Silva (1986), a rendição do antigo governador de Caiena acaba por culminar na prisão perpétua do mesmo.

Sobre a punição de Victor Hugues, Lima (1996, p.292) destaca que

“O conselho de inquirição nomeado pelo imperador dos franceses culpou Victor Hugues de imprevidência e frouxidão na organização da defesa e na operação militar, permitindo por suas delongas o desembarque que lhe não teria sido difícil impedir, e recuando com a flor das tropas antes mesmo do primeiro revés, para assinar às pressas, sem convocar conselho de guerra nem reunir ou consultar as autoridades civis, as condições de uma capitulação cujo teor demonstrava que os aliados não contavam tanto com a imediata eficiência dos seus esforços.”

No tocante a conquista de Caiena pelos portugueses e a sua interpretação negativa por parte do Governador do Pará, Silva (1986, p.) observa que

“Os termos da capitulação foram criticados pelo Governador do Pará, que não concordava com eles, sobretudo no tocante à libertação dos escravos guianenses, os quais se incorporaram no exército aliado, e no referente à vigência única do Código Napoleônico, preferindo o estabelecimento de áreas jurídicas nas quais a autoridade de D. João VI pudesse agir. Não obstante, em janeiro de 1809, lavraram-se os termos da posse definitiva portuguesa da Guiana, embora esta nunca tenha chegado a ser declarada oficialmente parte integrante do território brasileiro, mantendo os guianenses o seu vínculo às leis napoleônicas e não às portuguesas.”

A manutenção das leis napoleônicas no novo território dominado por Portugal podem ser melhor compreendidas se analisadas sob a perspectiva dos objetivos joaninos na anexação de Caiena. Além das razões citadas anteriormente, como, por exemplo, a retaliação aos franceses pela invasão do território peninsular e a anulação da força dos mesmos na América do Sul, Lima (1996) afirma que Portugal não visa com tal advento uma conquista definitiva de Caiena, ao contrario de Montevidéu, onde, nas palavras do autor, os objetivos seriam imperialistas. Anexando o domínio francês, o governo estabelecido no Rio de Janeiro pretendia, no futuro, ao fim das guerras, ter com o que barganhar em convenções e tratados do pós-guerra, e, também, o restabelecimento dos limites entre Brasil e Guiana Francesa de acordo com o Tratado de Utrecht.

Apesar da vitória sobre os franceses, a situação militar portuguesa em partes do território da Guiana não é das mais favoráveis, inclusive, a reconquista em si não sendo impossível, ao contrário, os gauleses não teriam tido muitas dificuldades, porém Portugal tem como aliado o maior poderio naval da época, o que acaba por garantir-lhe a posse da nova conquista e inibir um ataque francês.

Uma vez Caiena sendo capitulada, Manuel Marques, o líder das tropas de terra, administra-a provisoriamente. Já nos primeiros dias da nova administração caienense o governador português constata essa deficiência militar pela qual o novo domínio luso passa, com as forças de ocupação debilitadas, com muitos homens doentes e, diante de tal fato, demanda ao Governador do Pará mais tropas, no que é atendido.

Sobre a atuação de Manuel Marques no comando da Guiana Francesa, Lima (1996, p.298) taxa-a positivamente, afirmando que

“Para administrar a colônia (…) recorreu a um conselho ou junta consultiva e deliberante composta dos habitantes mais reputados pela sua inteligência e probidade, sendo logo por esse meio regulado o valor da moeda portuguesa comparado com a francesa, para não embaraçar as transações mercantis; estabelecido um imposto de patente sobre todas as casas de negócio, para com o seu produto se pagar o soldo à guarnição, e adotadas outras providências urgentes de bom governo.”

O autor ainda cita que diante da desobediência de um grupamento militar desejoso de voltar para o Pará e de abandonar Caiena – ninho de febres malignas, nas palavras do mesmo – Manuel Marques repreende os descontentes apenas com a sua palavra e prestígio militar.

Em março de 1810 assume a administração de Caiena o desembargador João Severiano Maciel da Costa24, que tem a sua atuação elogiada por Jorge (1999, p.61), a afirmar que a mesma “(…) contribuiu poderosamente para o desenvolvimento do comércio naquela região e mereceu as mais lisonjeiras referências de historiadores franceses da Guiana.”

Já Silva (1986) e Lima (1996) demonstram que o governo de Maciel da Costa (1810-1817) gerou tanto detratores, quanto simpatizantes, sendo grande opositor da administração o jornal Correio Brasiliense, que acusava-o de déspota, corrupto e arbitrário. No entanto, “(…) outras fontes mostram-no como um bom administrador, modernizador do centro urbano de Cayenne, tendo-se interessado em fazer remeter ao Brasil grandes quantidades das especiarias da região: cravo, canela, noz moscada, pimenta (…) [e] mudas de uma espécie nativa de cana, ‘a caiena’ (ou caiana) que floresceria nas zonas canavieiras brasileiras.”25

O governo de Maciel da Costa é elogiado com entusiamo por Lima (1996, p.298), conforme pode ser constatado no seguinte trecho:

“A administração de Maciel da Costa (…) constitui uma página honrosa do reinado americano de Dom João VI. Os seus conhecimentos jurídicos e outros, a sua ciência da língua francesa, a sua lhaneza, espírito de justiça e atividade burocrática fizeram dele (…) um governante geralmente tido por modelo, que deixou muito agradáveis recordações quando a possessão foi restituída à França e os antigos senhores a reocuparam.

Não ficou todavia a administração portuguesa extreme de queixas contra ela. Os descontentes são inevitáveis e porventura alguns justicáveis, apesar da colônia ter aproveitado materialmente, quando mais não fosse pela livre exportação e venda com lucros dos seus gêneros coloniais, amontoados inutilmente nos armazéns durante os anos de guerra em que a Inglaterra varria de inimigos os mares com suas esquadras.”

O tratamento dado à administração portuguesa na Guiana é plausível de comparação com a da Banda Oriental, que teve a sua frente, desde 181726, o general Carlos Frederico Lecor, mais tarde Barão e Visconde de Laguna. Ambas geraram construções díspares e, a representar a positiva, destaca-se o viajante Saint-Hilaire (2002, p.187) que, em 1820, esteve em Montevidéu, e em seu diário faz a seguinte observação da administração do general português:

“(…) Montevidéu goza de profunda paz [enquanto Buenos Aires vivia o oposto]. Não mudaram as formas de administração; nem aumentaram os impostos, e a receita é aplicada às necessidades do país e ao pagamento dos funcionários espanhóis. O general escuta e faz justiça a todos, favorece, o quanto pode, os habitantes da região, mantendo uma disciplina severa entre as tropas. [E] É o governo português que [as] paga (…)”

Tratando a ocupação portuguesa da Banda Oriental com, no mínimo, certa reserva – isso quando não é rechaçada – é o que se encontra entre autores uruguaios como Felde (1919) e Acevedo (1933). Como exemplo, Felde trata as medidas por parte do governo luso-brasileiro que visavam tornar a Banda Oriental parte integrante do Brasil e que acabaram por ter apoio de uruguaios, como um pragmatismo dos seus conterrâneos, que tendo o seu país arrazado pelo período de guerra, não tem outra opção senão aceitar a dominação portuguesa, com os aspectos positivos da mesma sendo silenciados.

Outra comparação que pode ser feita entre a ocupação joanina do extremo norte com a do sul é que, embora a segunda tenha tido objetivos imperialistas, caso malograsse, e D. João tivesse que abandonar a conquista platina, ele não exitaria em redefinir a fronteira com a Banda Oriental de acordo com as suas conveniencias, de maneira que não conseguiu na Europa27. Quer dizer, a demarcação territorial conforme os seus interesses também foi preocupação do príncipe regente ao ocupar a Guiana Francesa, que antes de ocupá-la, estende a fronteira de acordo com o Tratado de 1713, conforme foi citado anteriormente.

Ressalta-se também que no sul, Lecor encontra uma região envolvida em guerras no seu interior há algum tempo, debilitada por esta razão, ao contrário do que Manuel Marques depara-se na Guiana Francesa, entretanto, na Banda Oriental há a resistência de uma figura como Artigas, que tinha respaldo popular, um projeto de um país independente na região platina, e que peleja contra a presença luso-brasileira até 1820, ao contrário de Victor Hugues, que assina em janeiro de 1809 a rendição e volta para a França no mês seguinte a capitulação de Caiena.

Entretanto, tanto Artigas, quanto Victor Hugues, são punidos pelos seus fracassos: O primeiro, após a sua derrota, é entregue ao presidente paraguaio Gaspar Rodrigues de Francia, que o confina no Convento de la Merced, saindo meses mais tarde para uma chácara no interior, onde fica a trabalhar a terra com dois escravos;28 já Victor Hugues, julgado pelo regime napoleônico, paga o preço do seu trato com os portugueses com a prisão perpétua.

 

5. O Congresso de Viena e o fim da soberania portuguesa em Caiena

João Severiano Maciel da Costa: governador portugués de Caiena.

Com a queda de Napoleão Bonaparte, começam as discussões diplomáticas em torno da Guiana Francesa. Em 1814, no Tratado de Paris, realizado já no governo de Luís XVIII, esboça-se a possibilidade de Portugal vir a devolver tal região29.

Os gauleses tentam redefinir a fronteira de acordo com o tratado de 1797, entretanto, os portugueses não aceitam tal proposta, levando a questão para o Congresso de Viena (1815), onde a discussão entre os dois países dá-se na delimitação ou não pelo rio Oiapoque. Portugal quer tal rio como fronteira, os franceses querem ultrapassá-lo, a avançar em território que os portugueses entendiam como seu, porém já a fazer concessões no sentido de ocupar uma parcela menor do atual Amapá.

Ainda no Congresso, Portugal tenta condicionar a devolução da Guiana à de Olivença, perdida para a Espanha na Guerra das Laranjas, já que, segundo Silva (1986, p.391) “Deixara de ter qualquer sentido a retenção da longínqua e dificultosa conquista já que, após o retorno à Monarquia, em França, a Guiana não representaria mais, ao olhar da Corte do Rio de Janeiro, um enclave de onde poderiam irradiar, diretamente, as idéias revolucionárias, trajendo em seu bojo virtuais ameaças aos (…) Braganças.”

No entanto, ao final do Congresso, Portugal não consegue a restituição de Olivença, e compromete-se a devolver a Guiana aos franceses, porém sem marcar a data da devolução, conforme demonstrado por Jorge (1999, p.61): “(…) se declarava que a entrega efetuar-se-ia quando as circunstâncias o permitissem, por ser uma convenção particular entre as duas cortes, procedendo-se amigavelmente (…)”

Apesar de ter acordado com a devolução, Portugal consegue que o limite entre o seu domínio americano e o francês de-se pelo Oiapoque, conforme o Tratado de Utrecht de 1713, como pode-se constatar nos artigos CVI e CVII do Ato Geral do Congresso de Viena, extraindo-se a seguir trecho do 107º referente ao Oiapoque como o limite: “(…) S.A.R. le prince régent du Portugal et du Brésil, pour manifester d'une manière incontestable sa considération particulière pour S.M.T.C., s'engage à restituer à Sadite Majesté la Guiane française jusqu'à la rivière d'Oyapock (…) limite que le Portugal a toujours considérée comme celle qui avait été fixée par le traité d'Utrecht.”30

Sobre o acerto realizado na Austria para a devolução da Guiana Francesa e a definição do Oiapoque como fronteira, Lima (1996, p.359) afirma que: “Terá a corte do Rio naturalmente preferido que a questão da fronteira houvesse ficado resolvida, exatamente segundo as suas vistas, no Congresso de Viena, sem mais discussões, dúvidas e sofismas. Obtiveram porém pelo menos os seus plenipotenciários um ponto importantíssimo (…) que era a estipulação da entrega apenas até ao Oiapoque (…)”

O autor ainda observa que é enviado ao Rio de Janeiro, para resolver a restituição, o duque de Luxemburgo, e que mesmo com o acordado em 1815, a França ainda nutre esperanças de chegar ao menos à boca do Amazonas ou de obter maior profundidade territorial, além de que havia o temor em Paris de que o Rio não devolvesse Caiena, nem as propriedades particulares confiscadas ou ocupadas pelos portugueses na Guiana.

Luxemburgo visa resolver logo as pendências com o Rio, além de sair da cidade com a devolução resolvida, entretanto, o governo português está sempre a buscar o retardamento da definição da restituição, pois só a faria quando estivesse certo de que seria realmente o Oiapoque o limite, tendo-o como definitivo, o que a França queria como provisório.

Enquanto ocorrem estas discussões, no ano de 1816, Maciel da Costa, a receber ordens do Rio, devolve os bens dos franceses da Guiana que foram sequestrado pelo fato de não aderirem à dominação portuguesa, e terem ido viver em países inimigos.

Após a delonga, que tem como palco não só a América, mas também a Europa, a entrega de Caiena aos franceses vem a ser resolvida em um tratado celebrado em 28 de agosto de 1817, em Paris, onde “(…) o governo português comprometeu-se a restituir, dentro de três meses, o território da Guiana Francesa até o rio Oiapoque; nele também se determinou a nomeação de uma comissão mista para proceder à fixação definitiva dos seus limites ‘conforme o sentido do artigo 8º do Tratado de Utrecht e as estipulações do Ato do Congresso de Viena.’”31

O governo de Maciel da Costa em Caiena finda-se em 8 de novembro de 181732, após uma dominação portuguesa de oito anos, que teria deixado simpatizantes franceses a lamentarem-se com o fim da mesma, e gerado o seguinte comentário do novo governador francês, Jean-François Carra Saint-Cyr33: “(…) é espantoso (…) que franceses, vendo drapejar as cores nacionais, signo da dominação francesa, vertam lágrimas de saudade pela dominação anterior; faço votos por que, ao término de minha administração, receba demonstrações semelhantes.”34

Uma vez Caiena estando em mãos francesas, os mesmos acabam por agir conforme já esperava a diplomacia lusitana: sempre a postegar a demarcação entre os limites das duas coroas no extremo setentrional da América do Sul.

Segundo Jorge (1999) a indefinição permanece até o final do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, adentrando o Império (1822-1889) e, havendo, já na República, conflitos no extremo norte brasileiro pela região do Contestado, levando, inclusive, em 1895, a invasão francesa do Amapá35.

A questão da Banda Oriental também não termina no período joanino, pois após tornar-se parte do Brasil com o nome de província Cisplatina, a mesma, em 1825, rebela-se contra a dominação brasileira, a tornar-se independente em 1828 com o nome de República Oriental do Uruguai, havendo também o Brasil problemas na definição das fronteiras com o novo país durante o século XIX e a atuação dos diplomatas dos dois países em tal questão.

 

6. Conclusão

Mapa da Guiana Francesa (1763). No detalhe, vê-se a Ilha de Caiena.

Assim sendo, a anexação de Caiena torna-se relevante se entendida dentro de um processo mais amplo, o da questão da política externa joanina, que consiste também na ocupação do território da Banda Oriental e a integração da mesma ao Reino Unido como província Cisplatina em 1821.

As incursões joaninas a essas duas regiões fronteriças aos extremos do Brasil são passíveis de comparação, da mesma forma que o é, por exemplo, a administração de Maciel da Costa em Caiena e a do general Carlos Frederico Lecor em Montevidéu, havendo pontos de interseção – e distanciamento, obviamente – entre os governos desses dois homens designados por D. João para administrar as suas novas conquistas no espaço sul-americano.

No que diz respeito a anexação de Caiena por parte do príncipe regente é válido observar que muito poucas são as informações sobre tal feito tanto na historiografia brasileira quanto na portuguesa, havendo mais dados da conquista joanina em autores mais antigos do país americano, como, por exemplo, Oliveira Lima, Araújo Jorge e Goycochêa, sendo que na do país europeu, em trabalhos como o de Saraiva ou do Dicionário de Torres, as informações encontradas são muito breves.

Até mesmo no trabalho de Sarney Costa, e nas informações disponíveis no sítio da internet do governo do estado do Amapá, ambos de cunho regional, tratam da história da região amazônica, e não aprofundam a ocupação de Caiena de 1809, a abordar com maior enfase questões referentes ao período colonial ou do final do século XIX.

Assim, concluí-se que a história da anexação de Caiena a mando do príncipe regente é algo ainda por escrever, podendo buscar como fonte, por exemplo, as correspondências entre os administradores portugueses da Guiana e o governo do Rio de Janeiro; assim como a de diplomatas, sejam eles do governo português estabelecido no Brasil, da França ou da Inglaterra e os seus respectivos governos; igualmente, se houver, relatos de contemporâneos da anexação, como foi a de Saint-Hilaire sobre a Banda Oriental. A imprensa da época também pode ser utilizada, tanto a do Brasil, quanto a de Portugal, França, Inglaterra e Guiana, para encontrar a repercussão que tal ato e a gerência de Caiena por parte dos portugueses obtiveram nos jornais do início do século XIX; a utilização do acervo da seção de manuscritos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro e os fundos do Arquivo Nacional localizado na mesma cidade, além do acervo do Itamarati, também podem contribuir para o estudo, assim como a ida aos seus correspondentes no Pará, Caiena, Lisboa, Paris e Londres.

 

7. Notas

1 – VAINFAS, Ronaldo. Dicionário do Brasil Colonial (1500 – 1808). Rio de Janeiro: Objetiva, 2000, p. 584.

2 – Op. cit., p. 342.

3 – http://www.guyane.fr.st/

4 – SARNEY, José; COSTA, Pedro. Amapá: a terra onde o Brasil começa. Brasília: Senado Federal, 1999.

5 – VAINFAS, Ronaldo. Dicionário do Brasil Colonial (1500 – 1808). Rio de Janeiro: Objetiva, 2000, p. 227.

6 – Op. cit., p. 56.

7 – http://www.amazonpress.com.br/amapa/dedoc/ap31052001.htm

8 – SARNEY, José; COSTA, Pedro. Amapá: a terra onde o Brasil começa. Brasília: Senado Federal, 1999.

9 – JORGE, A. G. de Araújo. Rio Branco e as fronteiras do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1999.

10 – FERREIRA, Fábio. As incursões franco-espanholas ao território português: 1801-1810”. In: Revista Tema Livre, ed.05, 23 abril 2003. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

11 – Op. cit.

12 – AZEVEDO, Francisca. Entrevista concedida em 10/04/2003. In: Revista Tema Livre, ed.05, 23 abril 2003. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com.

13 – FERREIRA, Fábio. As incursões franco-espanholas ao território português: 1801-1810”. In: Revista Tema Livre, ed.05, 23 abril 2003. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com.

14 – Op. cit.

15 – Dom Rodrigo nasce em 1755 e tem como padrinho o marquês de Pombal. Em 1778, é nomeado diplomata junto à corte da Sardenha e mais tarde, já em Portugal, torna-se ministro do Ultramar. D. Rodrigo ainda foi secretário de Estado da Marinha e Domínios Ultramarinos de 1796 a 1801, presidente do Real Erário de 1801 até 1803, e ministro da Guerra e Negócios Estrangeiros de 1808 a 1812, sendo que recebe o título de conde de Linhares no ano de 1808. Diante da possibilidade da fragmentação do Império Português, D. Rodrigo recorre às novas idéias ilustradas para propor novas soluções, entretanto, devido à mentalidade tradicional existente na sociedade portuguesa de então, ele encontra vários obstáculos. Partidário da Inglaterra e defensor da concepção de um império luso-brasileiro, tem papel atuante na transferência da Corte para o Rio de Janeiro e na assinatura dos tratados de 1810, sendo que a última medida demonstra a opção pelo Brasil como sede do império português. Vem a falecer em 1812 na cidade do Rio de Janeiro. (Vainfas, 2002.)

16 – Para maiores detalhes ver FERREIRA, Fábio. A Presença Luso-Brasileira na Região do Rio da Prata: 1808 – 1822. In: Revista Tema Livre, ed.03, 22 out. 2002. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

17 – SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Apêncice In: MAXWEL, Kenneth. Condicionalismos da independência do Brasil. In: SERRÃO, José; MARQUES, A.H. Oliveira (coord.). Nova História da Expansão Portuguesa, volume VIII. Lisboa: Estampa, 1986, p. 391.

18 – Buenos Aires estava em processo de emancipação frente as Cortes Espanholas

19 – Para maiores detalhes ver FERREIRA, Fábio. A Presença Luso-Brasileira na Região do Rio da Prata: 1808 – 1822. In: Revista Tema Livre, ed.03, 22 out. 2002. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

20 – Op. cit.

21 – Para maiores detalhes do episódio conhecido como Guerra das Laranjas, ver: FERREIRA, Fábio. As incursões franco-espanholas ao território português: 1801-1810”. In: Revista Tema Livre, ed.05, 23 abril 2003. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

22 – SARNEY, José; COSTA, Pedro. Amapá: a terra onde o Brasil começa. Brasília: Senado Federal, 1999.

23 – LIMA, Oliveira. D. João VI no Brasil. Rio de Janeiro: Topbooks, 1996.

24 – Nasce no ano de 1760, em Mariana, Minas Gerais, e a sua formação é de bacharel em leis pela Universidade de Coimbra. Maciel da Costa, em 1821, com a ida de D. João VI para Portugal, acompanha o monarca, porém é impedido pelas cortes de adentrar o país, voltando para o Brasil, onde foi um dos agentes do Império. Esse personagem ainda é senador e ministro, além de receber, primeiramente, o título de visconde e, depois, marquês de Queluz. Possuidor de várias publicações, em uma delas coloca-se a favor da abolição do tráfico negreiro para o Brasil, além de propostas para o fim do comércio desumano. http://www.arqnet.pt/dicionario/queluzm.html

25 – SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Apêncice In: MAXWEL, Kenneth. Condicionalismos da independência do Brasil. In: SERRÃO, José; MARQUES, A.H. Oliveira (coord.). Nova História da Expansão Portuguesa, volume VIII. Lisboa: Estampa, 1986, p. 391.

26 – FERREIRA, Fábio. A Presença Luso-Brasileira na Região do Rio da Prata: 1808 – 1822. In: Revista Tema Livre, ed.03, 22 out. 2002. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

27 – LIMA, Oliveira. D. João VI no Brasil. Rio de Janeiro: Topbooks, 1996.

28 – VAINFAS, Ronaldo. Dicionário do Brasil Imperial (1822 – 1889). Rio de Janeiro: Objetiva, 2002, p. 424.

29 – SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Apêncice In: MAXWEL, Kenneth. Condicionalismos da independência do Brasil. In: SERRÃO, José; MARQUES, A.H. Oliveira (coord.). Nova História da Expansão Portuguesa, volume VIII. Lisboa: Estampa, 1986.

30 – 107 do Congresso de Viena, disponível em: http://www.histoire-empire.org/articles/congres_de_vienne/acte_du_congres_de_vienne_09.htm

31 – JORGE, A. G. de Araújo. Rio Branco e as fronteiras do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1999, p.61.

32 – http://www.worldstatesmen.org/Fr_Guiana.html

33 – http://www.worldstatesmen.org/Fr_Guiana.html

34 – SARNEY, José; COSTA, Pedro. Amapá: a terra onde o Brasil começa. Brasília: Senado Federal, 1999, p.134.

35 – http://www.amapa.gov.br/amapa-historia/historia-inicio.htm

 

8. Bibliografia e Sítios Consultados

ABREU, J. Capistrano de. Capítulos de História Colonial (1500-1800). Brasília: Senado Federal, 1998.

ACEVEDO, Eduardo. Anales Históricos Del Uruguay. Montevideo: Casa A. Barreiro y Ramos, 1933.

AZEVEDO, Francisca Nogueira. Dom Joaquim Xavier Curado e a política bragantina para as províncias platinas (1800 – 1808). In: Topoi. Revista de História. Rio de Janeiro: Programa de Pós-graduação em História Social da UFRJ / 7Letras, set. 2002, n.5.

AZEVEDO, Francisca. Entrevista concedida em 10/04/2003. In: Revista Tema Livre, ed.05, 23 abril 2003. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

CALÓGERAS, J. Pandiá. A Política Exterior do Império. Ed. Fac-similar, v.I. Brasília: Senado Federal, 1998.

CARVALHO, Carlos Delgado de. História Diplomática do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1998.

DICIONÁRIO Histórico, Corográfico, Heráldico, Biográfico, Bibliográfico, Numismático e Artístico. v. III. Portugal: João Romano Torres, 1904-1915. Disponível em: http://www.arqnet.pt/dicionario.html

FELDE, Alberto Zum. Proceso Histórico Del Uruguay. Montevideo: Maximino Garcia, 1919

FERREIRA, Fábio. A Presença Luso-Brasileira na Região do Rio da Prata: 1808 – 1822. In: Revista Tema Livre, ed.03, 22 out. 2002. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

_________ As incursões franco-espanholas ao território português: 1801-1810”. In: Revista Tema Livre, ed.05, 23 abril 2003. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. São Paulo: Editora Nacional, 1977.

GOMES, Flávio dos Santos; QUEIROZ, Jonas Marçal. Entre Fronteiras e Limites: identidades e espaços transacionais naa guiana brasileira – séculos XVIII e XIX. In: Estudos Ibero-Americanos. Porto Alegre: PUCRS, v. XXVIII, número I, 2002.

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JORGE, A. G. de Araújo. Rio Branco e as fronteiras do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1999.

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SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Apêncice In: MAXWEL, Kenneth. Condicionalismos da independência do Brasil. In: SERRÃO, José; MARQUES, A.H. Oliveira (coord.). Nova História da Expansão Portuguesa, volume VIII. Lisboa: Estampa, 1986.

SARAIVA, José Hermano. História de Portugal. Lisboa: Alfa, 1993.

SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem ao Rio Grande do Sul. Brasília: Senado Federal, 2002.

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VAINFAS, Ronaldo. Dicionário do Brasil Colonial (1500 – 1808). Rio de Janeiro: Objetiva, 2000.

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VICENTE, António Pedro. Do rossilhão às invasões francesas, In: TEIXEIRA, Nuno Severiano. O Poder e a Guerra 1914 – 1918. Lisboa: Editorial Estampa, 1996.

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http://www.amazonpress.com.br

http://www.guyane.fr.st

http://www.histoire-empire.org

http://www.worldstatesmen.org/Fr_Guiana.html

 

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Entrevista com a prof. dra. Francisca Azevedo. Breves considerações acerca da Província Cisplatina: 1821-1828. As incursões franco-espanholas ao território português: 1801-1810. A Presença Luso-brasileira na Região do Rio da Prata: 1808-1822. Moeda e Crédito no Brasil: breves reflexões sobre o primeiro Banco do Brasil (1808-1829)

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As Incursões Franco-Espanholas ao Território Português: 1801-1810

Por Fábio Ferreira

1. Introdução

Tropas francesas nos combates em Portugal na primeira década do século XIX.

O presente artigo objetiva fazer um breve relato sobre as incursões franco-espanholas ao território português no período de 1801 a 1810. Este corte temporal foi selecionado pelo fato de que 1801 é o ano em que ocorre a primeira incursão, no episódio que ficou conhecido como a Guerra das Laranjas, e 1810 o ano da última invasão francesa, liderada por Masséna.

A Guerra das Laranjas, realizada pelos espanhóis, que contavam com o apoio da França de Napoleão, será abordada no próximo item do trabalho, juntamente com a conjuntura do país até as vésperas do bloqueio que a França tenta impor aos ingleses no continente europeu e que tem conseqüências em Portugal.

O terceiro item abrange desde a tentativa de Napoleão de impor o citado bloqueio e a resposta britânica aos franceses, até a transmigração da família real portuguesa para o seu Vice Reino americano, o Brasil.

O item seguinte é dedicado à primeira ocupação francesa de Portugal, que fica sob o comando de Junot, e a atuação de D. João, fora do antigo reino, que dá continuidade a uma monarquia européia em território americano.

A segunda e a terceira invasões francesas, que seguem-se a de Junot, lideradas por Soult e por Masséna respectivamente, são abordadas no quinto item do trabalho e, também, em menor escala, o Congresso de Viena e a criação do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves.

Assim, a seguir, serão abordadas as invasões sofridas pelo território português nos primeiros anos do século XIX e as relações de tais incursões com os acontecimentos do resto da Europa, mais especificamente com as potências de então, França e Inglaterra e a rival e vizinha Espanha. Além das implicações das ações militares do primeiro decênio do século XIX no Velho Mundo, analisar-se-á o impacto destes acontecimentos no continente sul-americano, em especial, no Brasil.

2. A Guerra das Laranjas e os antecedentes das invasões de 1807

Napoleão Bonaparte: tentativa de impedir a Europa de negociar com a Inglaterra.

Portugal adentra o século XIX em uma posição delicada dentro do cenário político europeu, pressionado por duas grandes potências, Inglaterra e França, e assiste-se a busca, já na última década do século anterior, de uma neutralidade em relação a esses dois países. Segundo Vicente (1996, p.34), “D. Maria, o Príncipe Regente e os ministros portugueses entendiam que a neutralidade era a melhor política (…)”. No entanto, tal opinião não impediu que Portugal firmasse tratados com a Espanha e a Inglaterra, por exemplo, nem que marchasse contra a França, incorporado ao exército espanhol, como o fez Portugal, no ano de 1793, na Campanha do Rossilhão.

Manuel Godoy1, condutor da política externa espanhola, alinha-se a França pelo tratado de Santo Ildefonso em 18 de agosto de 17962 e, segundo o autor citado anteriormente, a condução que o espanhol deu a política externa do seu país só veio a ter resultado objetivo em Portugal no ano de 1801.

Em tal ano, Napoleão Bonaparte visando atacar os interesses dos seus rivais britânicos, dirige as suas atenções ao único aliado da Grã-Bretanha no continente europeu: Portugal. Assim, a França e a Espanha assinam um tratado em que intimam “(…) Portugal a abandonar inteiramente a aliança inglesa, abrir os portos aos navios franceses e espanhóis e fecha-los à Inglaterra, entregar à Espanha uma ou mais províncias ultramarinas para garantia da devolução de Trindade, Mahón e Malta, a indenizar a Espanha e a França pelas despesas da guerra e a rever os limites com a Espanha.”3 Se Portugal negasse tais exigências, viria a ser atacado pela Espanha e, caso a dominação castelhana fosse vitoriosa, a Espanha cumpriria as reivindicações do tratado.

Segundo Lima (1996, p.35), Carlos IV não tinha razões pessoais para atacar o seu genro, o príncipe regente D. João4, tendo feito a contra gosto a incursão a Portugal, entretanto, o seu primeiro ministro “(…) não tinha iguais escrúpulos [e as] aspirações [de Godoy] à realeza se tinham concretizado no velho reino de Afonso Henriques, que numa mais larga aspiração nacional toda a Espanha cobiçava anexar(…)”.

Portugal vai buscar a ajuda inglesa, no entanto, o primeiro-ministro da Inglaterra, Lord Grenville, nega o socorro pedido pelos lusos, e mais, ainda retira dois regimentos ingleses que estavam em Portugal, a alegar que precisava deles na Irlanda. Mesmo em tal situação, Portugal rejeita o ultimato franco-espanhol.

Assim, em 20 de Maio de 1801 o Alentejo é invadido, a praça de Olivença, sem a mínima resistência do seu governador, cai, segundo Vicente (1996, p. 38) no julgo dos inimigos já “Às 10 horas do primeiro dia de hostilidades(…)”. Em seguida é Juromenha que é entregue, sem o disparo de um único tiro. Campo Maior e Elvas resistem, mas o resultado é que todo o Alentejo cai nas mãos dos espanhóis.

Esse episódio fica conhecido como a Guerra das Laranjas, que, ainda segundo Vicente (ibid., p.39) “Lenda ou história, o facto é que se diz que foi por debaixo dos muros de Elvas nesse triste mês de Maio de 1801 que um grupo de soldados colheu dois ramos de laranjeira que Godoy enviou à Rainha Maria Luísa. Outra versão (…) diz que foi o próprio Godoy que cortou um galho de laranjeira para enviar à mulher de Carlos IV como símbolo da sua conquista.”

Sobre a Guerra das Laranjas, Bebiano (1993, p.253) destaca que o exército português, comandado pelo octagenário duque de Lafões, estava mal armado, equipado e dirigido, sendo que já no primeiro dia de dezembro do mesmo ano da guerra é buscado para as forças armadas lusitanas um plano de reformulações.

Ainda é valido ressaltar que a ação espanhola no episódio da Guerra das Laranjas contaria inclusive com o apoio militar da França, pois Leclerc5 foi designado o comandante das forças francesas que iriam apoiar o exército da Espanha no ataque à Portugal, porém, o rápido desfecho desse advento, impede a ação do comandante francês. Sobre a ação de Leclerc, Vicente (1996, p.39) afirma que,

“Se este corpo militar [o francês] se limitou a observar as fronteiras sem as violar, o facto deve-se tão só à circunstância de Manuel Godoy, desejoso de uma glória que pressentia fácil, se ter postado à frente das tropas espanholas invasoras, arvorado em generalíssimo, com o fim de, sozinho, colher os louros da vitória. (…) A fácil conquista de Portugal (…) iria conceder-lhe bom justificativo para as altas posições alcançadas [no Estado espanhol].”

Assim, a guerra que atravessa três semanas6, tem a paz assinada em 7 de junho7, na conferência de Badajoz8, porém, sem a ratificação de Napoleão Bonaparte. Um novo tratado é celebrado em 29 de setembro de 18019, mais pesado para Portugal que o de junho, entretanto, evita que o país seja invadido mais uma vez. Nesse contexto, é cedida à Espanha Olivença, e à França a Guiana, territórios até hoje pertencentes a estes dois países, sendo o primeiro como uma cidade espanhola e o segundo como um departamento ultramarino francês.

As relações entre Portugal e a França, segundo Saraiva (1993, p.296), só alcançam a normalidade após a paz de Amiens, assinada entre franceses e ingleses no ano de 1802 e, assim, o autor afirma que “A política portuguesa de neutralidade conjugada com a aliança parecia ter triunfado.”

Mesmo em 1803 novos conflitos terem se estabelecido entre a França e a Inglaterra, Portugal consegue permanecer em uma posição que convém-lhe: a de neutralidade. Continua aliado dos ingleses e em paz com os franceses. Importa produtos da Inglaterra e reexporta parte deles para França e Espanha. Portugal não só exporta para esses dois países, como também para os seus aliados ingleses. “O porto de Lisboa servia assim de pulmão económico para os países em guerra e poderia ser útil a todos enquanto fosse neutral.”10

No entanto, a aparente posição confortável de Portugal a beneficiar-se das contendas entre franceses e ingleses com a neutralidade vê-se ameaçada: o partido favorável à França cresce, e muitos objetivam o alinhamento à política continental, que, na opinião destes partidários, era a única maneira de evitar a guerra.

É valido ressaltar que, nesse momento, a França tem a sua hegemonia no continente europeu reconhecida, é vista como uma potência militar, e as suas instituições são consideradas legitimas, ao contrário do poder absoluto dos reis, que passa a ser questionado. Assim, esses fatos ajudam a compreender a postura de um grupamento de portugueses que buscavam alinhar Portugal com a França. Nesse momento, além do partido francês, há em Portugal o inglês, que divide o país em dois grupos antagônicos.

Nesse contexto, em julho de 1803, ocorrem os motins de Campo de Ourique que, segundo Saraiva (1993, p.298), para os diplomatas residentes em Lisboa, foi uma tentativa dos grupos mais liberais deporem o regente e adotarem uma política considerada mais moderna; e Saraiva ainda cita Luz Soriano, historiador, que caracteriza o momento como o primeiro ato político para implementar no governo português algumas medidas liberais.

Saraiva ainda salienta que tais motins não foram realizados pelos partidários da França, e sim da Inglaterra, que para manterem a sua influência no governo pensavam em afastar o príncipe regente D. João. O malogro desses atos teve como conseqüência o afastamento de Lisboa de vários fidalgos considerados de tendências liberais; a prisão de Gomes Freire, envolvido no advento, na Torre de Belém; e a proibição de que outro participante da conspiração comparecesse à corte: o duque de Sussex, filho de Jorge III, rei da Inglaterra.

Outra tentativa de depor o príncipe surge em 1805 e tem como líder ninguém menos que a princesa D. Carlota Joaquina11. É alegado que o príncipe regente está debilitado mentalmente e, assim, a regência passaria ao comando de sua esposa. Entretanto, D. João consegue permanecer no poder, a frustrar os planos daqueles que visavam a sua destituição do trono português. A partir desse episódio, D. João e D. Carlota passam a viver separadamente. O príncipe em Mafra e a princesa em Queluz.12

Entretanto, nesse mesmo ano de 1805, segundo Hermann (2002), houve pressões de Napoleão e de Junot13 para que Portugal rompesse com a Inglaterra, o que não ocorre. Ainda segundo a mesma autora, começam a circular boatos sobre uma possível invasão francesa em Portugal, e a nobreza encontra-se dividida entre os dois partidos: inglês e francês. Assim, os anos que virão, devido ao grande xadrez europeu, serão turbulentos para Portugal, para o príncipe regente e para o povo português. Devido à complexidade do tema, ele será abordado no próximo item do trabalho.

3. Do bloqueio à transmigração da corte

William Carr Beresford: o irlandês teve destacado papel contra Bonaparte em Portugal.

Apesar dos boatos de uma possível invasão francesa a Portugal em 1805, ela não se concretiza neste ano, nem no ano seguinte. Portugal continua a manter a sua política de neutralidade, apesar de, em 1806, segundo Vicente (1996), a Espanha já declarar que não seria possível por muito tempo Portugal manter tal posicionamento.

Nesse mesmo ano de 1806, mais especificamente no dia “(…) 21 de novembro (…) um decreto francês considerou as Ilhas Britânicas ‘em estado de bloqueio’, proibindo todo o comércio e correspondência com aquele país e ordenando o apresamento de quaisquer embarcações inglesas ou procedentes das suas colónias.”14. Com tal medida, Napoleão visa aniquilar a Grã-Bretanha, no entanto, tal ação provoca a reação dos britânicos, que “[declararam] o bloqueio não somente das costas, mas igualmente dos portos e rios do Elba até Brest.”15. Assim, a Inglaterra, a 07 de Janeiro de 180716, também faz o seu bloqueio aos franceses.

Napoleão, nesse momento, não preocupa-se só em impor o bloqueio aos ingleses, os seus objetivos convergiam para atacar os potenciais aliados da ilha, que também eram potências marítimas. Assim, a Suécia, Dinamarca e Portugal são os países que se enquadram em tal situação, e ameaçados pelo líder francês.

Com o ataque aos potenciais aliados britânicos, Napoleão pretendia não só implantar o bloqueio dos portos aos ingleses, era também seu anelo apoderar-se das marinhas de guerra dos três países citados, que, caso caísse em suas mãos, facilitaria bastante um ataque francês as Ilhas Britânicas.

Sobre tais pretensões em Portugal, Ramos (2002,p.13) afirma que “(…) a esperança de conquistar a armada lusitana, que de utilidade seria nos confrontos navais com Inglaterra.” contribuía para que Napoleão desejasse invadir o país. Então, caso a França obtivesse sucesso na empreitada de usurpar as naus, tanto as portuguesas, quanto as suecas e dinamarquesas, os franceses conseguiriam superar em números a poderosa força naval britânica. Vale observar a tabela17 que se segue para melhor visualizar o projeto de Napoleão, onde está o Reino Unido na primeira coluna, os países neutros na outra e a França e seus aliados na última.

 

País/Naus País/Naus País/Naus
Reino Unido/103 Dinamarca/20 França 37
  Portugal/13 .Rússia/36
  Suécia/12 Espanha/24
    Holanda/6
Total 103 Total 45 Total 103

 


Assim, caso viesse a usurpar as naus dos países da segunda coluna, a França teria 148 em suas mãos, enquanto que Napoleão acreditava que 155 seria o número suficiente para vencer os ingleses. Entretanto, os seus intentos na Suécia malogram, o que distância-o mais do número que acreditava ser necessário para realizar a sua incursão às Ilhas Britânicas. O ataque inglês a neutra Dinamarca, e a conseqüente entrega da frota de guerra dinamarquesa à Inglaterra, afasta ainda mais Napoleão Bonaparte do seu objetivo de alcançar as 155 naus. Porém, Portugal continua com a sua frota naval, e atraente aos olhos do imperador da França.

Paralelamente, Portugal não adere aos bloqueios imposto pelos franceses, nem pelos ingleses. Segundo Vicente (1996, p.41) “(…) a declaração de Londres (…) parecia não se dirigir a Portugal.”

Nesse contexto, segundo Saraiva (1993, p.300), “(…) em meados de 1807, Napoleão deu instruções a Talleyrand, ministro dos Estrangeiros da França, para intimar Portugal a aderir ao bloqueio, sob pena de ocupação do nosso território por um exército espanhol. (…) Na mesma ocasião foi dada ordem para o apresamento dos navios portugueses que se encontravam nos portos de Nantes, Baiona, Antuérpia, Cherburgo, Caen (…)”. No dia 29 de Julho do mesmo ano18, Napoleão ordena a criação do Corpo de Observação da Gironda, e conforme afirma Vicente (1996, p.41), conta com 30.000 homens, que tem como general Junot e, assim, caso Portugal não venha a ceder ao ultimato da França, virá a ser invadido.

Sobre os benefícios que a França napoleônica obteria com tal invasão, além da citada anteriormente referente às naus, Ramos (2002, p.12) afirma que

“Com a conquista de Portugal, Napoleão reforça o bloqueio continental e preserva a Ocidente o dispositivo militar que estava a engastar na Península. Por sua vez, os exportadores gauleses estabelecidos no reino acalentam a esperança de tirar partido da situação, substituindo os seus rivais ingleses, enquanto os industriais da França contam com as vantagens decorrentes do controlo de uma área de entrada de artigos britânicos de contrabando destinados aos mercados de Espanha e doutros países. (…) Além de que Portugal passaria a constituir um refém a utilizar em negociações, outrossim resultando da sua ocupação a perda por Inglaterra ‘de bases de abastecimento (…) que facilitavam (…) as manobras da sua frota’. E é de admitir (…) que a atracção das riquezas coloniais portuguesas tenha seduzido o imperador (…)”

No que diz respeito a ameaça de tal invasão, é valido extrair do texto de Saraiva (1993,p.300) o comentário do Conde de Ega, embaixador português em Paris, sobre a intimação dada à Coroa Portuguesa: “Ou Portugal há-de fechar os seus portos aos Ingleses e correr o risco de perder por algum tempo a posse das suas colónias, ou o Príncipe Nosso senhor, abandonando o seu reino na Europa (…) irá estabelecer no Novo Mundo uma nova monarquia que, bem que possa vir a ser um império da maior consideração, produzirá uma semelhante medida a maior de todas as revoluções no sistema geral político.”

Tal comentário evidencia a situação que Portugal encontra-se neste momento, ou perde as suas colônias, mais ricas em sua totalidade do que o reino, ou entrega o reino aos franceses e transforma uma das colônias, no caso o Brasil, em um novo reino, algo inédito até então.

Mesmo diante do ultimato da França napoleônica, Portugal só adere à intimação francesa quase dois meses depois da criação do Corpo de Observação da Gironda: 25 de Setembro.19 No entanto, as medidas práticas contra os ingleses nunca foram realizadas.20 Assim, Napoleão faz com que suas tropas marchem em direção a Portugal, sendo que tal invasão também seria uma justificativa perfeita para a ocupação militar da Espanha.21 Segundo Saraiva (1993), essa pretensão de Napoleão leva-o a assinar o Tratado de Fontainebleau, secretamente, com os espanhóis, a 27 de outubro de 1807.

Divisão de Portugal de acordo com o tratado de Fontainebleau (1807).

Em tal acordo, França e Espanha dividem Portugal em três partes: a Lusitânia Setentrional, que teria como capital o Porto, e ainda englobaria as províncias de Entre Douro e Minho, seria dado à um neto de Carlos IV como indenização pela cessão do reino da Etrúria (Toscana) à França; o reino de Algarves, um principado, formado pelo Algarve e pelo Alentejo, que ficaria sob o comando do ministro espanhol Godoy; e, por fim, o Centro do País, constituído nessa divisão por Trás os Montes, Beiras e Estremadura, sendo a região que poderia vir a ser restituída aos Bragança em troca de colônias espanholas que estivessem nas mãos inglesas, mas, até então, o Centro ficaria sob dominação francesa. Segundo Saraiva (1993), Carlos IV seria o soberano protetor desses três estados. Em relação às colônias, Hermann (2002, p.110) afirma que “As colônias portuguesas seriam divididas entre a França e a Espanha e o rei de Espanha seria o imperador das ‘Duas Américas.’”

Sobre o tratado, a citada autora ainda afirma que ele “(…) explicitava o custo da resistência portuguesa à adesão aos franceses, ao mesmo tempo em que revolvia a ferida de uma nova submissão de Portugal a Espanha [a referir-se a União Ibérica em 1580].” Ainda em relação a esse acordo celebrado entre franceses e espanhóis, Saraiva (1993) expõe que, provavelmente, tal acordo nunca esteve nos planos de Napoleão, ele só o fizera para justificar a entrada de tropas de significativa importância no território espanhol, o que era conveniente aos seus planos para a Espanha. Lima (1996) também evidencia que a França ia “invadindo” e “ocupando” lentamente as terras espanholas.

O autor também cita o interesse de Napoleão nos domínios coloniais da Espanha, sendo que, segundo Azevedo (2002, p.177), aportam em Montevidéu, após o aprisionamento dos Bourbon, “(…) delegados franceses com despachos de Napoleão (…) informando da abdicação de Carlos IV em favor de Jose Bonaparte e exigindo a aclamação do rei também nas colônias. [Entretanto] Fernando VII fora proclamado rei e os emissários franceses foram banidos da cidade.”

Um pouco antes ao fato citado acima, na Europa, as tropas francesas atravessam a fronteira com a Espanha, em direção a Portugal, no dia 18 de Outubro de 1807.22 Tais tropas pisam em solo português, mais precisamente na fronteira da Beira Baixa no dia 17 de Novembro.23 Os invasores não são recebidos com hostilidades, já que o objetivo é fazer crer que tal incursão não é um ataque a Portugal, porém, a presença estrangeira causa surpresa na população, que também não os trata como inimigos.

A notícia chega à Corte no dia 24 de Novembro24, quando as hostes francesas encontram-se em Abrantes. Entretanto, a essa altura, as tropas de Junot encontram-se em estado lastimável: com fome, descalços e estropiados, além de numericamente inferior de quando saíram da França. Segundo Bebiano (1993, p.254), essas tropas eram compostas por homens que “já não tinham forças para marchar mesmo ao som do tambor.”

Então, diante da iminência de um ataque francês, é decido executar o plano que fora acordado e apoiado previamente com os ingleses: a transferência da corte para o Rio de Janeiro. No dia 26 de novembro25 é decretada a ida da família real para o Brasil.

É valido ressaltar que, o plano de uma transferência não surge devido às ameaças napoleônicas. Segundo Ferreira (2002), ela já fora discutida anteriormente por figuras como o Padre António Vieira e Sebastião José, o Marquês de Pombal. Azevedo (2002, p.163) evidencia que “Desde o século XVII, no período da Restauração (1640), ela aparece nas conversações políticas (…) se pensaria nessa alternativa por ocasião do terremoto (…) e, depois, durante a invasão do país em 1792.” Porém, a transferência só vem a ser posta em prática devido à incursão de Napoleão.

No dia 29 de novembro de 1807, a família real portuguesa junto com uma comitiva de aproximadamente 15.000 pessoas partem de Lisboa, tendo feito o seu embarque em Belém em direção ao Brasil. Maxwel (1986, p.382) narra que “A esquadra portuguesa estava pronta e o tesouro, os arquivos e o aparelho burocrático estavam a bordo, a postos para a retirada através do Atlântico.”

Sobre a iniciativa da família real partir para o Brasil, Vainfas (2000, p.557) afirma que

“A decisão atendia aos interesses do aliado inglês, encurralado pelo bloqueio marítimo que a França lhe impusera (…) mas articulava-se também com o projeto de um império luso-brasileiro, exposto por D. Rodrigo [anglófilo] por volta de 1797-98. Alertado pela independência das colônias inglesas (1776) e alarmado com os rumos da Revolução Francesa, o ministro enfatizava a mútua dependência dos diferentes domínios da Coroa portuguesa e o ‘sacrossanto princípio’ da sua unidade, mas propunha, ao mesmo tempo, uma série de medidas para aliviar a dominação metropolitana.”

Em relação aos interesses britânicos na ida da família real para a América, Azevedo (2002, p.163) narra que

“(…) desde que Canning [primeiro-ministro inglês] assume o Ministério das Relações Exteriores, a idéia da transferência da Corte portuguesa para América é uma das finalidades mais relevantes de sua diplomacia, eminentemente comercial. O ministro vê que a transmigração da Corte bragantina (…) proporcionaria aos exportadores ingleses um contato mais direto com o Brasil, eliminado as burocracias e as complicações da intermediação de Lisboa.”

A autora ainda afirma que um dos argumentos utilizados para convencer D. João a partir para a América por parte de Lord Strangford, embaixador inglês em Portugal, foi o de existir a possibilidade da monarquia portuguesa apoderar-se das colônias espanholas no Rio da Prata, antigo anseio lusitano.

De fato, uma vez no Rio de Janeiro, D. João coloca em prática as suas pretensões para a região platina. Segundo Azevedo (2002, p.166) “(…) tão logo a Corte tenha-se instalado (…) dom Rodrigo [dá] andamento ao plano de invasão, mesmo antes de ter notícias sobre a emboscada de Bayona, que resultou no aprisionamento de toda a família real espanhola por Napoleão Bonaparte (…)”. A autora ainda cita que há correspondências por parte de homens ligados aos Bragança, por exemplo, com o Cabildo de Buenos Aires, havendo pela parte lusa o ignorar a soberania espanhola na América. Ainda é valido ressaltar que durante a estada de D. João no Rio, a monarquia portuguesa vem a realizar incursões na região do Prata, inclusive anexando o atual Uruguai em 1816.26

Retornando a saída da família real de Lisboa, Lima (1996, p.43) afirma, em relação a tal ato, que “(…) é muito mais justo considerar a transladação da corte (…) como uma inteligente e feliz manobra política do que como uma deserção covarde.”, o que não diferencia muito do que Vicente (1996, p.42) o caracteriza: “(…) uma atitude estratégica feliz que, independentemente das conseqüências futuras que levariam esta colónia [o Brasil] a independência evitou, na ocasião, a detenção do governo e a tomada de posse da coroa portuguesa, por parte da França.”.

Sobre o mesmo episódio e a sua repercussão, Ramos (2002, p.14) evidência que “Embora a mudança da capital para a América do Sul constitua aos olhos da história uma medida acertada – pois garantiu, segundo René Rémond, o ‘princípio e a existência do Estado’, tal qual o farão em 1940 vários governos europeus ante o avanço hitleriano – não deixa de ser exacto que na época a decisão régia provocou acesa discussão e deu azo a desencontradas reacções (…)”.

Vale observar que tal sorte não teve a família real espanhola, que vem a ser aprisionada por Napoleão Bonaparte e, conseqüentemente, vê a independência de algumas colônias americanas, como a Argentina e o México, que já em 1810 têm o processo de independência iniciado, apesar de ter sido cogitada a transferência da monarquia espanhola para o segundo país. A respeito de tal transferência, Lima (1996, p.39) observa que Napoleão “(…) fazia aconselhar a Carlos IV e ao príncipe da Paz a fuga para a América, à imitação do astuto exemplo fornecido [por] Portugal. O plano neste caso era tão somente o de desmoralizar aos olhos da impulsiva e leal população espanhola a realeza nacional, pois que ordem era dada ao almirante francês em Cadiz para obstar à viagem.”

Com a vacância deixada pela partida de D. João para o Brasil, Portugal passa a ser governado por um Conselho de Regência, que tinha como membros figuras de uma certa importância, selecionados, segundo Saraiva (1993, p.304), por “(…) sua competência pessoal, que revelam a preocupação de assegurar a governação efectiva dos assuntos civis mesmo sob a dominação francesa.”

Esse conselho, segundo Hermann (2002, p.111), “(…) determinava que estariam assegurados todos os privilégios dos nacionais, comprometia-se com a conservação da paz do reino e em assistir o imperador dos franceses dando-lhes ‘tudo que lhes for preciso, enquanto se detiverem neste Reino (…)’” Diante de tal trecho, pode-se perceber o intento de manter a política da neutralidade, pois os franceses não são taxados de invasores, nem há ordens para rechaçar a sua presença em Portugal; e também pode-se encontrar a indução de um caráter temporário em tal invasão.

Aquarela de Henry L'Évêque: embarque de D. João e da família real portuguesa para o Brasil.

Sobre o mesmo tema, Saraiva (1993, p.303) afirma que o regente procurava “(…) evitar as violências da guerra. No decreto (…) descrevia-se a invasão como uma marcha de tropas estrangeiras no interior do território português, e (…) ordenava-se que se fizesse tudo para conservar o Reino em paz (…)” Mesmo estando a partir para o Brasil, fugir de possíveis hostilidades com os franceses – independentemente se essa foi ou não a intenção de D. João – era, evidentemente, benéfico para a população reinol, pois ela não embarcou para a América, ficou em Portugal, a mercê do domínio e de possíveis retaliações napoleônicas.

4. Portugal e a ocupação por Junot

Pedro José de Almeida Portugal (3.° Marquês de Alorna e 5.° Conde de Assumar): caso de nobre português que aderiu aos franceses e lutou por Napoleão na Rússia, onde morreu em 1813.

A família real parte. Ficam em Lisboa grande parte da população, alguns militares, e os ‘afrancesados’, que encaravam tal incursão positivamente, a acreditarem que tal dominação traria a “(…) modernização das estruturas políticas nacionais.”27

Junot, quando estava em Cartaxo, recebe a notícia da transmigração da corte e, mesmo com todas as dificuldades que as tropas teriam em locomover-se devido ao inverno, decide marchar para tentar impedir tal partida.

Entretanto, em Sacavém, os franceses encontram-se com a Junta da Regência, que dá a Junot as boas vindas. O francês, a caminho de Lisboa, não encontra nenhuma demonstração de hostilidade a sua presença. Marcha como que em um país aliado. Segundo Hermann (2002, p.111), os partidários da Inglaterra partiram com D. João, e os da França ficaram em Portugal, “(…) fazendo as ‘honras da casa’ para Junot, oferecendo-lhe inclusive o lugar de presidente da Academia de Ciências de Lisboa – além de colaborar com oficiais para as tropas do ‘protetor’”.

Sobre a simpatia de alguns setores da sociedade portuguesa à ocupação francesa, Saraiva (1993, p.306) observa que “Para alguns, vinha mesmo como um libertador: era a Revolução que, com ele, chegava enfim a Portugal. (…) as invasões francesas foram o primeiro episódio das lutas entre o absolutismo e o liberalismo no nosso país.”

O exército francês pisa em Lisboa no dia 30 de novembro28, no dia seguinte a partida da família real, entretanto, Junot atravessa a cidade rapidamente em direção à Torre de Belém e, obviamente, chega tarde de mais para apanhar D. João e a frota que partira para o Brasil.29

Igualmente como no caminho a Lisboa, ao chegar na cidade, os franceses não encontram demonstrações de hostilidades, que, segundo Bebiano (1993, p.254) “Não se pode, pois, falar de uma derrota desonrosa, dado que não houve sequer combate: aquilo que hoje pode espantar é a fidelidade resignada às instruções do príncipe regente e o pavor paralisante mostrado diante do gigante napoleônico.”

O militar francês Jean-Andoche Junot

Ao instalar-se em Lisboa, Junot, segundo Saraiva (1993, p.306) “(…) anunciou uma nova era de liberdade e de progresso, prometeu a abertura de estrada e canais (…), administração eficaz, saneamento financeiro, asilos para os pobres, escolas para o povo.” Ainda segundo o mesmo autor, as classes cimeiras da sociedade portuguesa aderiram as promessas de Junot.

Já Ramos (2002) e Vicente (1996), expõem o caráter depredatório e opressor da presença francesa, que, segundo o primeiro, destruiu casas, fábricas e colheitas, sendo que os gauleses não pouparam sequer as igrejas, depredando-as, e o segundo, que evidencia que devido à presença francesa houve saques a palácios, tanto os da Coroa30 quanto os de particulares que partiram para o Brasil com D. João; os militares portugueses que ficaram no país terem sido incorporados, ao menos a maioria deles, ao exército francês, sendo que, muitos deles, vão lutar inclusive na Rússia; a imposição aos lisboetas de uma série de contribuições; e o episódio em que é hasteada a bandeira francesa em detrimento da portuguesa no Castelo de São Jorge.

Sobre tal episódio, Hermann (2002) afirma que ele gerou revolta na população, que não conformou-se em ver a bandeira de Portugal ser tirada do Castelo. A autora ainda narra que na rebelião o povo dava gritos de “Viva Portugal” e “Morra a França” e evocavam as cinco chagas de cristo – presentes na bandeira de Portugal até os dias de hoje – que por sua vez rememoravam a batalha de Ourique, de 1139, mito da origem da nacionalidade portuguesa. Segundo Saraiva (1993), a represaria por parte dos franceses deu-se através de tiros, que não cessaram até ao anoitecer.

Em 1 de fevereiro de 1808, abandona-se o intento de neutralizar militarmente o território português, e o Conselho de Regência é extinto, dando lugar ao Conselho de Governo, sendo que o último é constituído por membros do primeiro, tendo como diferencial Junot presidindo o novo conselho. Assim, Junot passa a governar o país como representante de Napoleão Bonaparte. Ainda nesse mesmo dia, a dinastia de Bragança é destituída. “As insígnias da Casa de Bragança foram retiradas de todos os documentos oficiais, que passaram a ser assinados ‘em nome de S. M. o Imperador dos Franceses, Rei de Itália, Protetor da Confederação do Reno’”31

Apesar da dominação francesa em Portugal, o partido francês, segundo Saraiva (ibid.), estava dividido em facções rivais. Um grupo de afrancesados, diante da destituição dos Bragança, encontrava-se cheia de dúvidas a respeito de quem viria a ser o novo monarca. Vários nomes foram cogitados, inclusive o de Junot. Esse grupamento de partidários da França chegaram inclusive a redigir “(…) uma súplica dirigida ao imperador na qual se diziam intérpretes e depositários dos votos da Nação e pediam a Napoleão que admitisse os Portugueses entre o número dos seus fiéis vassalos; se (…) isso não fosse possível, pediam ao imperador que designasse um príncipe para ocupar o trono português.”32

Um outro grupo de afrancesados tenta nesse momento a obtenção de uma constituição para Portugal, assinada por Napoleão. Esse grupo “(…) declarou que o que tinha a pedir era uma constituição e um rei constitucional, da família do imperador.”33

É valido ressaltar a observação de Hermann (2002) em relação aos afrancesados desejosos de um príncipe da linhagem de Napoleão, já que originalmente ele era um opositor ao Antigo Regime – mas que no decorrer dos episódios torna-se imperador aos moldes do regime que era opositor – e é pedido a ele um herdeiro de sangue nobre para comandar Portugal.

Em 2 de Maio de 180834, a revolta contra os franceses ocorre na até então aliada Espanha, em virtude da nomeação de José Bonaparte, irmão do imperador francês, como rei, em detrimento de Carlos IV. Assim, as tropas espanholas que estavam em Portugal, que adentraram o país coligadas com o exército francês, são chamadas de volta a Espanha.

O episódio contrário à dominação francesa não ocorre só no país vizinho. No dia 16 de junho de 180835, dia de Corpus Christi, começam, no Porto, as agitações populares. Segundo Vicente (1996) o movimento estende-se pelo norte do país com rapidez. Saraiva (1993) narra que ao chegar em Bragança as notícias do Porto, dobram-se os sinos das igrejas em comemoração ao levante. O povo brada vivas ao príncipe regente. Hermann (2002) também mostra em seu texto que no mesmo dia que no Porto, o movimento eclode em Lisboa, quando a procissão sai sem a imagem de São Jorge, o padroeiro, a causar indignação na população. Os populares ao receberem a notícia da chegada de uma esquadra inglesa ao Tejo agitam-se.

O movimento no Porto é derrotado, porém, por todo o país as agitações se espalham, a ocorrerem, em várias localidades, vivas ao príncipe regente e ataques populares as autoridades legitimas. Nessas rebeliões, há tentativas de, por exemplo, matar o juiz de fora e os novos governantes de determinadas regiões; destruição de arquivos da Câmara, onde havia registro de dividas da população rebelde; e constituição de Juntas governamentais compostas por populares. Vale ainda observar que esses movimentos tiveram como lideranças pessoas que não pertenciam ao topo da hierarquia lusitana, e sim, sapateiros, taberneiros, estudantes e jornaleiros, e a participação de estratos como os camponeses.36

Ainda sobre as hostilidades à presença francesa em Portugal, é valido ressaltar o caso de Coimbra e Olhão narrado por Saraiva (1993). No levante realizado na primeira, aonde mais tarde o governo da cidade vem a ser entregue ao vice-reitor da Universidade, contou com a participação de José Bonifácio de Andrade e Silva, que mais tarde vem a ter papel de destaque no Brasil. Em Olhão, dois pescadores, em uma pequena embarcação, partem para o Rio de Janeiro para levar a notícia da restauração no Algarve ao príncipe regente, e que conseguem chegar vivos à cidade brasileira.

As tropas inglesas, que segundo Bebiano (1993, p.255) contam com cerca de 13.500 homens, desembarcam em Portugal, e unem-se aos locais, sob o comando de Arthur Wellesley37, vencendo os franceses nas batalhas de Roliça e Vimeiro, sendo a última no dia 21 de agosto.38

Os franceses localizados em Portugal encontram-se em uma situação delicada, pois as rebeliões pelo interior do país afloram, e eles não têm como conte-las, além do fato dos súditos de Napoleão estarem incomunicáveis com a França, pois por terra não é possível, já que a Espanha está mergulhada em uma insurreição, e por mar, há o bloqueio inglês.

Diante de tal situação, Junot propõe aos ingleses um armistício, que após um período de negociação, é assinado no dia 30 de Agosto, e fica conhecido como a Convenção de Sintra, por ter aí sido realizada, pondo termo a primeira invasão francesa.

Vale observar que da formulação de tal acordo os portugueses são excluídos. Ele é formulado entre ingleses e franceses, que tem como resultado a partida das tropas do exército da França em embarcações da Inglaterra. Os gauleses levam consigo suas armas, bagagens e os produtos dos saques que realizaram em Portugal. Porém, no norte, há resistência por parte da população aos roubos realizados pelos franceses, que, segundo Saraiva (1993, p.315) “A população, enfurecida, não permitiu a saída dos navios enquanto não se fez a verificação das bagagens, para recuperar o produto dos saques.”

O mesmo autor ainda evidência que com tal acordo, Junot beneficia-se por salvar as suas tropas da destruição completa, e os ingleses por obterem a cidade de Lisboa e as fortalezas do Tejo sem pelejarem.

Assim, a Junta da Regência reassume o poder do país, entretanto, aqueles que obtiveram maior destaque colaborando com os invasores franceses são substituídos.

Paralelamente, enquanto Portugal vive tempos turbulentos, D. João governa, comparativamente, de forma tranqüila no Brasil. Devido à transmigração para o Rio de Janeiro, segundo Lima (1996), os Bragança não passam pelas humilhações que a família real espanhola enfrenta quando é capturada por Napoleão, e mais, D. João constituía uma ameaça viva ao sistema napoleônico.

Uma vez na antiga colônia, o príncipe regente continua a agir como um soberano, seja “(…) através de atitudes como a anexação de Caiena em 1809 e as intervenções efetuadas na Banda Oriental [atual Uruguai].”39, seja através dos benefícios realizados no Brasil, como a Biblioteca Nacional e a criação do primeiro Banco do Brasil, instituído pelo príncipe através do Alvará de 12 de outubro de 1808.40

Sobre a criação da instituição bancária, Muller e Lima (2002) afirmam que o início de suas operações é um marco não só para o Brasil, mas para Portugal também, pois é a primeira instituição bancária portuguesa, criada, ao que parece, nos moldes do projeto do Banco Nacional Bragantino, sugerido por D. Rodrigo41 em 1797 ao príncipe regente, que recusa-o.

Segundo Ramos (2002), D. João cria no Rio de Janeiro uma série de novas instituições, como, por exemplo, o Arquivo Militar, o Erário Régio, e a Mesa do Desembargo do Paço, além do já citado Banco do Brasil. O príncipe regente permite a existência de fábricas e industrias, são criados os cursos de medicina, de comércio e de belas artes, e, no ano de 1808, é criada a Gazeta do Rio de Janeiro.

Paralelamente, conforme explicita o autor citado acima, há o comprometimento com a Inglaterra, no Tratado do Comércio de 1810, de extinguir o tráfico negreiro gradualmente, e, conforme mostra Proença (1999, p.19), pelo artigo 10 “(…) D. João consentia na abolição gradual do comércio de escravos passando este a ser permitido apenas a Portugal e unicamente para o Brasil pela falta de população nesta colónia.”.

A autora ainda observa que revoga-se a proibição à imigração que não seja a portuguesa para o Brasil e, dessa forma, D. João incentiva a vinda de suíços, sicilianos e alemães, mais que a dos próprios portugueses – para não despovoar o reino – preparando a abolição da escravatura. Evidentemente, isso não significa que cessa a imigração lusa para o Brasil, pois segundo Ramos (2002), nesse período é iniciada a vinda de imigrantes açorianos para a América Portuguesa.

Jean-de-Dieu Soult liderou os militares de Napoleão na segunda invasão militar a Portugal.

Então, diante de tais fatos, pode-se perceber que a transferência da Corte para o Rio de Janeiro permitiu que as atividades da monarquia portuguesa não cessassem devido à primeira invasão napoleônica, realizada por Junot em 1807.

Napoleão, realmente, conseguiu ocupar o território português, mas não subjugar a coroa portuguesa – como fez com a espanhola – que, uma vez radicada no Brasil, protege-se das ameaças constantes da tumultuada Europa. A situação no velho mundo encontra-se tensa, ao ponto de mesmo os franceses tendo assinado a Convenção de Sintra com os ingleses, e as tropas napoleônicas terem saído de Portugal em 1808, no ano seguinte, a França vir a realizar uma nova incursão ao território português, a chamada segunda invasão, liderada pelo general Soult42, que será tratada no próximo item.

5. Da 2ª invasão francesa ao Reino Unido de D. João I

O militar francês André Masséna que comandou a terceira incursão napoleônica ao território luso.

Como já foi apresentado anteriormente, os franceses saem de Portugal em 1808. Porém, isso não impede que, em fevereiro de 180943, um novo exército napoleônico marche solo português adentro.

O general Soult, francês considerado “l’une des plus belles carrières militaires de l’époque”44 e que estava na Espanha a pelejar contra as hostes britânicas, ao vencê-los, adentra o território português pelo Minho e, mesmo tendo encontrado resistência, chega ao Porto no dia 29 de Março de 1809, sendo a conquista dessa cidade, devido às recusas a rendição, extremamente sangrenta.

Segundo Saraiva (1993, p.316), mesmo tendo permanecido por pouco tempo no Porto, Soult conquistou a simpatia da população, tendo recebido do atuante partido afrancesado, a seguinte mensagem, não muito diferente das da época de Junot: “Que aqueles povos tinham o trono por vago e dele decaída a Casa de Bragança; que suplicavam por isso a Sua Majestade o Imperador e Rei que se dignasse nomear um príncipe de sua casa ou qualquer outro de sua escolha para reger os povos e reinar em Portugal.” O que difere do período em que Junot estava em Portugal é o descontentamento pela ausência da família real, que virá a crescer a partir de então até a década de 1820.

O citado autor ainda mostra que a essa altura circula no Porto um folheto que reclama da ausência do príncipe regente e da política para com os vassalos que ficaram em Portugal, lamentando-se do descaso para com aqueles que davam suas vidas para a restituição do trono à D. João. O folheto também critica a organização da economia anglo-brasileira que está neste momento a excluir Portugal, sendo que tais ressentimentos também só serão agravados nos anos que se seguem.

Enquanto os afrancesados faziam os seus jogos políticos e pelo Porto circulavam folhetos com as reclamações como a mostrada acima, a resistência, no Norte, a essa nova dominação francesa continua, o que dificulta a ação dos invasores. Nesse contexto, a Inglaterra envia reforços aos portugueses rebelados e, em maio do mesmo ano, os generais Wellesley e Beresford aproximam-se, com cerca de 25 000 homens45, do Porto. Diante de tais adversidades, Soult e a sua tropa deixam a cidade para evitarem a sua destruição e, segundo Bebiano (1993), só mantém-se intactas por estarem sempre a fugir do combate frontal.

Sobre os reforços ingleses e a retirada de Soult, Vicente (1996, p.43) afirma que “(…) de Inglaterra chegavam reforços, cujo comando foi dado a Artur Wellesley, depois Duque de Wellington. Soult, ameaçado, teve de retirar-se, escapando habilmente aos ataques de Wellington e de Beresford, até se internar na Galiza.”

Assim, o poderio militar inglês domina Portugal. Porém, o país atravessa uma crise econômica, e encontra-se incapacitado de pagar as suas despesas militares. A Inglaterra oferece ajuda, propondo-se a pagar um terço dessas despesas, mas o Duque de Wellington teria que ser admitido na Junta de Regência, o que não tarda a acontecer. Uma vez na Junta, torna-se a figura predominante.

A presença inglesa em Portugal era vista por Napoleão como uma ameaça ao seu domínio da Europa e, em virtude de tal concepção, em 1810, o Imperador decide por atacar mais uma vez a Península Ibérica para expulsar os britânicos dessa parte da Europa.

O comando do exército que deveria invadir Portugal pela terceira vez foi dado a Masséna46, que adentra o país em 24 de julho de 181047, pela fronteira da Beira, e parte em direção de Lisboa. Segundo Bebiano (1993), essas tropas que iniciam a sua marcha pelo país em 1810 são contingentes superiores numericamente aos anteriores. A caminho de Coimbra, na altura da serra do Buçaco, trava-se uma batalha entre as tropas anglo-lusas e francesas, sendo que os invasores são derrotados nesse episódio, entretanto, isso não impede que os franceses realizem um saque em Coimbra.

As tropas francesas continuam a marchar em direção a Lisboa, dispostas a tomar a capital. No entanto, diante das linhas de Torres Vedras, sistema defensivo utilizado pelos ingleses, Masséna vê-se incapaz de continuar com os planos de chegar a Lisboa e, como não recebera reforços da França durante todo o inverno, inicia a retirada de Portugal em abril de 1811, o que não impede que novos embates sejam travados, pois as forças anglo-lusas o perseguem, a impor-lhe derrotas em Pombal, Redinha e Foz do Arouce.48 Porém, a guerra não é finda aí, na Espanha os conflitos continuam, inclusive com a participação de soldados portugueses.

A partir de então, até 1814, são travados inúmeros combates entre as forças anglo-lusa-espanholas, comandadas por Wellington, contra os franceses no território da Espanha, que tem como resultado a derrota das tropas napoleônicas. As mesmas tropas que vencem os franceses na Espanha, adentram a França pela fronteira sul, e os derrotam, definitivamente, em Toulouse.

Em 1815, é realizado o Congresso de Viena, que, segundo Vicente (1996,p.45) “assume papel importante numa nova estruturação da Europa, ao tentar reorganiza-la e ao impor-lhe uma paz que, na altura, se considerava definitiva.”

É valido frisar que as potencias vencedoras obtiveram vantagens na redefinição do mapa europeu e que o governo sediado no Rio de Janeiro, apesar das dificuldades encontradas, consegue ter seus representantes admitidos no Congresso. As ordens aos representantes de Portugal, por parte da monarquia bragantina, eram a de seguir as diretrizes britânicas, havendo conflitos somente com a França, que exigia a devolução da Guiana, e com a Espanha, que reclamava a de Montevidéu.

Portugal, devido às negociações realizadas em decorrência do Congresso, devolve à França a Guiana. Já a cidade localizada no Rio da Prata, os diplomatas portugueses condicionam a sua devolução a restituição de Olivença, perdida à época da Guerra das Laranjas, e o Congresso, segundo Proença (1999), pelo artigo 105, é favorável à devolução da localidade aos portugueses, assim como outras perdidas aos espanhóis pelo Tratado de Badajoz.

Entretanto, a permuta nunca ocorre. A presença lusitana na região do Prata estende-se de Montevidéu, conquistando vários outros sítios, como Maldonado e Sacramento, até que, em 1821, o atual Uruguai é anexado ao Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, como província cisplatina.49 Olivença, como já foi dito, até hoje pertence à Espanha e, segundo Saraiva (1993), da presença portuguesa na povoação, só se conserva a arquitetura de estilo manuelino.

A questão da escravidão também é debatida no Congresso, talvez sendo o único ponto em que Portugal encontra-se ao lado da França e da Espanha e não da Inglaterra.

Mapa das invasões napoleônicas ao território português.

Com o fim do Congresso, Saraiva (ibid.) narra que Portugal, mantido sob tutela inglesa desde a saída de Masséna, começa a reivindicar a volta da família real. No entanto, D. João não demonstra interesse em retornar, mesmo pressionado pela Inglaterra, que toma tal posicionamento por ser favorável, devido aos seus interesses particulares, ao processo de independência das colônias da América. Os britânicos chegam a enviar por conta própria uma divisão naval ao Rio de Janeiro para transportar novamente a Corte para Lisboa, mas D. João nega-se a partir, além de protestar contra tal procedimento inglês.

Assim, com a presença de D. João no Rio de Janeiro, em 16 de dezembro de 181550, é constituído o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, e o Brasil “ (…) seria (…) a residência permanente do monarca. (…) [e no] território europeu (…) o trono seria ocupado pelo príncipe herdeiro. [Assim] adoptou-se nova bandeira [e] Na inscrição de um fontanário (…) de Guimarães (…) D. João VI é (….) designado pelo título de D. João I de Portugal, Brasil e Algarves.”51 Entretanto, a história foi outra, e a união dos dois países sob o comando de “D. João I” não foi duradoura.

6. Conclusão

Bandeira do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves.

Assim sendo, o território português, no primeiro decênio do século XIX, tem a sua soberania desrespeitada pelos outros países europeus, em parte, pela decorrência dos complicados jogos políticos que a Europa estava a passar neste momento, dividida entre duas grandes potências, Inglaterra, a maior marinha do mundo a época, e a França, que dominada por Napoleão Bonaparte era temida em todo o continente.

Também é válido ressaltar que tais incursões ao território português, seja na Guerra das Laranjas, seja nas três invasões francesas, ou ainda, a ameaça, por parte da Inglaterra, de tomar as colônias lusas ao redor do mundo, não deve-se a uma questão de uma fraqueza, de uma debilidade lusa ou do seu príncipe regente D. João.

Tais violências e ameaças sofridas por Portugal nos primeiros anos do século XIX são perfeitamente entendidas se analisadas dentro do contexto europeu da época em que diversos países são invadidos e caem sob o julgo de Napoleão Bonaparte, ou ainda, como foi o caso da Dinamarca, neutra, e que teve Copenhagen bombardeada pelos britânicos, que usurparam as suas naus antes que Napoleão o fizesse, a desrespeitar completamente a soberania do país nórdico.

Portanto, com a transferência da Corte para o Brasil, D. João, mesmo que não estando no território metropolitano e sim em uma antiga colônia, não deixa a Coroa portuguesa cair nas mãos de Napoleão, que dominou praticamente toda Europa, tendo chegado inclusive a aprisionar monarcas, como o espanhol, sendo que com a partida para o novo mundo, D. João evitou tal humilhação.

Também destaca-se que a transferência do príncipe regente para o Brasil não é taxada pejorativamente nem pelos historiadores portugueses, nem pelos brasileiros, que foram estudados para o presente trabalho, ao contrário, como foi explicitado no decorrer do texto, é tratado como uma atitude sagaz do príncipe regente. Ressalta-se que até o próprio Napoleão, inimigo do príncipe, segundo Lima (1996), ao persuadir os Bourbon a irem para a América, usa como exemplo o “astuto” ato de D. João.

Assim, sobre o regente, é valido ressaltar que até onde foi possível ele levou a política da neutralidade, e Portugal sempre que pode tirou benefícios de tal posição, seja através de evitar ao máximo as incursões francesas ao seu território; seja da manutenção do império ultramarino que não foi atacado pela maior potencia naval da época; seja ao exportar os produtos ingleses para os rivais dos britânicos, como a Espanha e a França, e a obter lucros com tal intermediação.

O príncipe, no Brasil, realizou inúmeros benefícios para o país, mais precisamente para a cidade do Rio de Janeiro, sendo que tais atitudes, geralmente são tratadas pelos historiadores portugueses, com uma certa melancolia, como os fatores que levaram a independência do Brasil, sempre a reconhecer a dependência que a metrópole tinha em relação à antiga colônia.

Também é valido observar que as incursões napoleônicas a Portugal tiveram conseqüências não só no território brasileiro, mas também em outros países do continente sul americano, já que D. João invade a Guiana em retaliação à invasão de Napoleão ao reino; realiza duas incursões no atual Uruguai, uma em 1811 e outra em 1816, sendo a última mais duradoura, e que resulta na anexação da então Banda Oriental ao Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, em 1821; e ainda, é levantada, á época, a hipótese de instituir em Buenos Aires uma monarquia comandada por D. Carlota Joaquina, que, caso tivesse vingado tal plano, mais tarde viria a formar com o Brasil um grande bloco luso-espanhol, que seria liderado por um herdeiro do casal.

No que diz respeito ao território português, Saraiva (1993) caracteriza a Guerra Peninsular dos primeiros anos do século XIX como a mais violenta enfrentada por Portugal, sendo a península palco da disputa hegemônica da Europa, e que paralisou o desenvolvimento da industria, do comércio, enfim, da economia de Portugal e Espanha, ao passo que o mesmo não houve com a Inglaterra e França. Esses dois últimos países puderam continuar com os processos de desenvolvimento em seus territórios, ao contrário dos ibéricos. Ainda segundo o mesmo autor, aumentou-se a diferença do desenvolvimento português face aos países mais desenvolvidos do continente.

Com tais incursões, Portugal assiste a migração de famílias do campo para as cidades; fome; miséria; inúmeras vidas ceifadas em combates e chacinas; o fim do exercício da autoridade por parte dos portugueses; comarcas onde a justiça não foi administrada; e até as áreas litorâneas do país, que sempre foram as mais poupadas dos combates, desta vez foram as que mais sofreram, pois neste momento, a fronteira entre os blocos em luta não foi a terrestre, e sim a marítima. O país também vivencia um “vazio político”, como caracteriza Saraiva, em decorrência da vacância do trono e dos altos escalões da sociedade civil que, segundo o autor, dificultava a reconstrução da vida nacional portuguesa.

Após as invasões napoleônicas, o país viveu sob a tutela inglesa, que não tirou Portugal do triste estado em que vivia. Todos os recursos financeiros eram empregados pelos britânicos na defesa e não na solução de outros problemas que assolavam o território lusitano.

Finalizando, Portugal adentra o século XIX em uma situação preocupante, ameaçado por uma invasão estrangeira. Entretanto, os primeiros anos de tal século são negativos para o país, que vê concretizar-se em 1801 uma incursão da rival Espanha, apoiada pela França napoleônica; em 1807 assiste a primeira invasão franco-espanhola liderada por Junot, e a saída da família real para uma colônia – apesar de ser a mais rica de suas colônias, mais ainda assim uma colônia –; em 1809 e 1810 novas invasões francesas e, após o julgo francês, o britânico; os tratados assinados com a Inglaterra por D. João no Brasil que colocam o país americano em relação direta com os súditos ingleses, e não com Lisboa; e, mais tarde, a elevação da antiga colônia a Reino Unido, e a sinalização da permanência do monarca no Rio de Janeiro, em detrimento de Lisboa.

Batalha do Buçaco (1810): forças anglo-lusas contra Masséna.

7. Notas

1 – Manuel de Godoy y Alvarez de Faria Rios Sanchez Zarzosa nasce no dia 12 de maio de 1767, em Castuera, Badajoz, Espanha. Em 1784, em Madrid, ingressa nas Guardas do Corpo do Rei e, no ano seguinte, estabelece relações de amizade com os príncipes das Astúrias, que tornam-se monarcas de Espanha em 1788. Assim, Godoy ascende em sua carreira, até que em 15 de Novembro de 1792 é nomeado primeiro-ministro. Devido à execução de Luís XVI em França, espanhóis e franceses entram em guerra, que termina quando Godoy assina a paz de Basiléia, em julho de 1795. Por tal negociação, o primeiro ministro espanhol ganha o título de príncipe da paz. Ao aliar-se com a França pelo tratado de Santo Ildefonso, declara guerra aos ingleses, mas a frota espanhola é destruída, inclusive havendo a ajuda lusa para tal desfecho. Em março de 1801 torna-se o comandante-chefe do exército que vem a atacar Portugal em maio. O desenrolar dos fatos não são como a Espanha previa e, em torno de Fernando VII, herdeiro do trono, começa a formar-se um partido contrario ao príncipe da paz. Em 18 de Março de 1808, Godoy é demitido por Carlos IV devido a um motim popular, organizado em Aranjuez pelos amigos de Fernando VII, que posicionam-se contra o primeiro ministro. Mesmo assim, Godoy acompanha Carlos IV no exílio até a sua morte, em 1819. A partir daí vai viver em Paris, onde morre anos mais tarde, em 4 de outubro de 1851. Disponível em: http://www.arqnet.pt/exercito/godoy.html

2 – Disponível em: http://www.arqnet.pt/exercito/godoy.html

3 – SARAIVA, José Hermano. História de Portugal. Lisboa: Alfa, 1993, p.295.

4 – O príncipe nasce em 13 de maio de 1767, em Lisboa, e, em 1788, devido ao falecimento do seu irmão, D. José, é declarado herdeiro do trono. D. João, devido à doença de sua mãe, D. Maria, dirige o reino a partir de 1º de fevereiro de 1792. Assume a regência oficialmente no dia 14 de julho de 1799, quando são perdidas as esperanças de D. Maria restabelecer-se de sua doença. Sua mãe vem a falecer em 1816, mais precisamente no dia 16 de março e, assim, o príncipe D. João é aclamado e coroado no dia 6 de fevereiro 1818, a tornar-se rei do Reino Unido, e ganha o título de D. João VI. Após passar alguns anos no Brasil, devido a invasão de Napoleão a Portugal, volta ao seu país de origem, adentrando o Tejo no dia 3 de julho de 1821, e jura a Constituição no dia 1º de outubro de 1822. Sua esposa, aliada com o seu filho D. Miguel, realizam inúmeras tentativas de usurpar-lhe o trono, o que culmina com o exílio do filho – conselho dos embaixadores inglês e francês – e, em uma nova revolta, a prisão da esposa. Pelo decreto de 6 de Março de 1826, D. João VI nomeia uma Junta de Regência, presidida pela sua filha D. Isabel Maria. D. João VI, O Clemente, 27º rei de Portugal, falece em Lisboa, a 10 de Março de 1826. Disponível em: http://www.arqnet.pt/dicionario/joao6.html

5 – Victor-Emmanuel Leclerc nasce no dia 17 de março de 1772, em Pontoise, França, e alista-se no exército de seu país em 1791.Em 14 de junho de 1797, após tornar-se amigo de Napoleão, casa-se com a irmã mais nova deste, Pauline. Leclerc participa ativamente do golpe de estado de 18 Brumário, que coloca o seu cunhado no poder e passa a exercer comandos cada vez mais importantes. Assim, em fevereiro de 1802 chega ao Haiti para pelejar com os negros rebeldes e objetivando o restabelecimento da soberania francesa na ilha. Porém, Leclerc falece no mesmo ano da sua chegada à América, mais precisamente no dia 2 de novembro. A causa da morte do general francês, que participou, por exemplo, de expedições do Egito à Alemanha, não vem a ser nenhum ferimento em uma batalha, e sim a febre amarela, que também atingiu vários outros militares franceses chegados à ilha e que tiveram o mesmo destino trágico. Disponível em: http://www.arqnet.pt/exercito/leclerc.html e http://www.histofig.com/history/empire/personnes/france_leclerc_fr.html

6 – BEBIANO, Rui. Organização e papel do exército, In: TORGAL, Luís; ROQUE, João (coord.). História de Portugal, volume V. Lisboa: Círculo dos Leitores, 1993, p.253.

7 – VICENTE, António Pedro. Do rossilhão às invasões francesas, In: TEIXEIRA, Nuno Severiano. O Poder e a Guerra 1914 – 1918. Lisboa: Editorial Estampa, 1996, p.38.

8 – Tal tratado também engloba o Brasil e, assim, por exemplo, na região sul, os Sete Povos das Missões é recuperado por Portugal, e o arroio Chuí passa a integrar definitivamente a América Portuguesa. FERREIRA, Fábio. A Presença Luso-Brasileira na Região do Rio da Prata:1808-1822. In: Revista Tema Livre, ed.03. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

9 – VICENTE, António Pedro. Do rossilhão às invasões francesas, In: TEIXEIRA, Nuno Severiano. O Poder e a Guerra 1914 – 1918. Lisboa: Editorial Estampa, 1996, p.38.

10 – SARAIVA, José Hermano. História de Portugal. Lisboa: Alfa, 1993, p.297.

11 – Apesar de ser possível encontrar uma série de informações depreciativas em relação à D. Carlota Joaquina, sejam elas em filmes, séries de tv e até mesmo em alguns livros, o que os fatos mostram é que ela foi uma mulher que conseguiu agrupar em torno de si vários partidários, seja em Portugal, em 1805 e na década de 1820, seja na América, no período em que a corte esteve no Brasil. D. Carlota, na América, mantém intensa correspondência com autoridades de localidades como Buenos Aires, Montevidéu, Chile, Peru e México durante o período em que seus parentes estão sem o trono espanhol. Á época da chegada da família real ao Rio de Janeiro há o plano de estabelecer uma monarquia em Buenos Aires sob o comando de D. Carlota, sendo que o projeto carlotista tinha boa recepção no Prata. No Rio de Janeiro houve a atuação de diversos argentinos partidários da princesa e, em um primeiro momento, as pretensões de D. Carlota não eram mal vistas pelos ingleses. Do lado britânico, D. Carlota teve como aliado Sidney Smith, que chegou, inclusive, a preparar uma frota para leva-la para Montevidéu. Esses fatos ajudam a demonstrar o poder de liderança que a princesa exercia em diversos dos seus contemporâneos, sejam eles, por exemplo, portugueses ou argentinos, uruguaios ou mexicanos, porém, todos faziam parte de uma sociedade em que a mulher não tinha um papel de destaque, e D. Carlota foi uma mulher que conquistou tal posição em uma sociedade comandada por homens. Para maiores detalhes, ver: FERREIRA, Fábio. A Presença Luso-Brasileira na Região do Rio da Prata:1808-1822. In: Revista Tema Livre, ed.03. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

12 – Op. cit.

13 – Andoche Junot nasce em 23 de Outubro de 1771 em Bussy-le-Grand, França, alistando-se voluntariamente em 1791. Em 1792 já é sargento, e Napoleão Bonaparte o escolhe como seu secretário, sendo que nesta década obtém várias promoções militares. Em 1800 é governador de Paris e, em 1801, é general de divisão. Em 1805 está em Portugal como embaixador francês. Sai de Lisboa para ir para a Alemanha e, em 1806 é nomeado o Governador Militar de Paris, mas não sem antes ter sido Governador Geral de Parma. Em 1807 ocupa a parte central de Portugal à frente do Corpo de Observação da Gironda e, em março de 1808, é feito duque de Abrantes. A sua atuação em Portugal será tratada mais à frente no presente trabalho. Assim, já estando fora de Portugal, em 1812, mais precisamente na Rússia, é destituído do cargo de comandante por falhas que comete e, no ano seguinte, retorna à França, pois dera provas públicas de loucura – aparecera nu em um baile – onde atira-se de uma janela e morre. Disponível em: http://www.arqnet.pt/exercito/junot.html

14 – SARAIVA, José Hermano. História de Portugal. Lisboa: Alfa, 1993, p.300.

15 – VICENTE, António Pedro. Do rossilhão às invasões francesas, In: TEIXEIRA, Nuno Severiano. O Poder e a Guerra 1914 – 1918. Lisboa: Editorial Estampa, 1996, p.41.

16 – Op. cit., p.41.

17 – Disponível em: http://www.arqnet.pt/exercito/invasao1.html

18 – Disponível em: http://www.arqnet.pt/exercito/invasao1.html

19 – VICENTE, António Pedro. Do rossilhão às invasões francesas, In: TEIXEIRA, Nuno Severiano. O Poder e a Guerra 1914 – 1918. Lisboa: Editorial Estampa, 1996, p.41.

20 – Disponível em: http://www.arqnet.pt/exercito/invasao1c.html

21 – SARAIVA, José Hermano. História de Portugal. Lisboa: Alfa, 1993, p.301.

22 – Op. cit., p.303.

23 – Op. cit.

24 – Op. cit.

25 – HERMANN, Jaqueline. Dom Sebastião contra Napoleão: a “guerra sebástica” contra as tropas francesas. In: Topoi. Revista de História. Rio de Janeiro: Programa de Pós-graduação em História Social da UFRJ / 7Letras, set. 2002, n.5, p.111.

26 – Para maiores detalhes ver: FERREIRA, Fábio. A Presença Luso-Brasileira na Região do Rio da Prata:1808-1822. In: Revista Tema Livre, ed.03. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

27 – SARAIVA, José Hermano. História de Portugal. Lisboa: Alfa, 1993, p.305.

28 – VICENTE, António Pedro. Do rossilhão às invasões francesas, In: TEIXEIRA, Nuno Severiano. O Poder e a Guerra 1914 – 1918. Lisboa: Editorial Estampa, 1996, p.42.

29 – Disponível em: http://www.arqnet.pt/exercito/invasao1d.html

30 – O Palácio de Queluz, por exemplo, foi um deles. Viu seus móveis e pratarias sendo levadas pelos invasores franceses para adornar os palácios que lhes serviam de residência em Lisboa. Em relação ao palácio, é curioso observar que Junot chega a cogitar instalar Napoleão aí e, em virtude de tal fato, inicia novas construções em Queluz. Também é valido observar que nesse mesmo palácio, D. Carlota Joaquina veio ser recolhida após participar de intentos que objetivavam tirar D. João VI do trono em 1824 e, também, foi onde veio a nascer e a falecer D. Pedro IV de Portugal, ou primeiro do Brasil.

31 – HERMANN, Jaqueline. Dom Sebastião contra Napoleão: a “guerra sebástica” contra as tropas francesas. In: Topoi. Revista de História. Rio de Janeiro: Programa de Pós-graduação em História Social da UFRJ / 7Letras, set. 2002, n.5, p.112.

32 – SARAIVA, José Hermano. História de Portugal. Lisboa: Alfa, 1993, p.308.

33 – Op. cit.

34 – Op. cit., p.309.

35 – HERMANN, Jaqueline. Dom Sebastião contra Napoleão: a “guerra sebástica” contra as tropas francesas. In: Topoi. Revista de História. Rio de Janeiro: Programa de Pós-graduação em História Social da UFRJ / 7Letras, set. 2002, n.5, p.112

36 – SARAIVA, José Hermano. História de Portugal. Lisboa: Alfa, 1993, p.310 e p.311.

37 – Wellesley nasce em Dublin, Irlanda, em 1º de maio de 1769. Acumula os títulos de 1º Duque de Wellington, Marquês do Douro, Marquês e Conde de Wellington, Visconde Wellington de Talavera e de Wellington, Barão do Douro ou Wellesley. Morre na Inglaterra em 14 de setembro de 1852. Disponível em: http://www.arqnet.pt/exercito/wellington.html

38 – SARAIVA, José Hermano. História de Portugal. Lisboa: Alfa, 1993, p.315.

39 – FERREIRA, Fábio. A Presença Luso-Brasileira na Região do Rio da Prata: 1808 – 1822. In: Revista Tema Livre, ed.03. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

40 – MULLER, Elisa.e LIMA, Fernando Carlos Cerqueira. Moeda e Crédito no Brasil: breves reflexões sobre o primeiro Banco do Brasil (1808-1829). In: Revista Tema Livre, ed. 01. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

41 – Dom Rodrigo nasce em 1755 e tem como padrinho o marquês de Pombal. Sua educação é de altíssimo nível, tendo freqüentado, inclusive, a Universidade de Coimbra e, em viagem pela Suíça e pela França, teve contato com alguns dos expoentes das Luzes. Em 1778, é nomeado diplomata junto à corte da Sardenha e mais tarde, já em Portugal, torna-se ministro do Ultramar. D. Rodrigo ainda foi secretário de Estado da Marinha e Domínios Ultramarinos de 1796 a 1801, presidente do Real Erário de 1801 até 1803, e ministro da Guerra e Negócios Estrangeiros de 1808 a 1812, sendo que recebe o título de conde de Linhares no ano de 1808. Diante da possibilidade da fragmentação do Império Português, D. Rodrigo recorre às novas idéias ilustradas para propor novas soluções, entretanto, devido à mentalidade tradicional existente na sociedade portuguesa de então, ele encontra vários obstáculos. Busca aliviar várias medidas da metrópole pesadas para as colônias, em especial no que diz respeito ao Brasil, e é defensor da concepção de um império luso-brasileiro. Tem papel atuante na transferência da Corte para o Rio de Janeiro e na assinatura dos tratados de 1810, sendo que a última medida demonstra a opção pelo Brasil como sede do império português. Vem a falecer em 1812 na cidade do Rio de Janeiro. (VAINFAS, 2002.)

42 – Jean de Dieu Soult, nasce no dia 29 de março de 1769 e, em 1785, adentra voluntariamente o regimento da real infantaria. Quatro anos mais tarde, adota as idéias revolucionárias. Após várias promoções, Napoleão o nomeia marechal em 1804 e coronel general da guarda imperial. Em 1808, ano no qual é feito duque de Dalmatie, acompanha Napoleão na Espanha e, vitorioso, ao partir para Portugal, faz especular que ele venha a ser o Rei de Portugal. No entanto, os seus planos malogram, e luta na península até 1812. Um pouco antes de ser banido da França devido à segunda restauração, é ministro da guerra por um curto período de tempo, de 3 de dezembro de 1814 a 11 de março de 1815, função à qual retorna no período de 1830 à 1834. Paralelamente, de 1832 a 1834 também é presidente do conselho de ministros. Mais tarde é nomeado ministro dos negócios estrangeiros e presidente do Conselho. Em 1847, afasta-se do seu cargo definitivamente por razões de saúde, com o glorioso título de marechal general da França. Falece no dia 26 de novembro de 1851, no seu castelo localizado na sua cidade natal, hoje, Saint Amans Soult. Traduzido do francês dos sítios disponíveis em: http://www.histoiredumonde.net/1er_empire/marechal/soult.html, http://perso.club-internet.fr/ameliefr/Soult.html e http://perso.wanadoo.fr/buddyop/napoleon/personnages/marechaux/soult.htm

43 – VICENTE, António Pedro. Do rossilhão às invasões francesas, In: TEIXEIRA, Nuno Severiano. O Poder e a Guerra 1914 – 1918. Lisboa: Editorial Estampa, 1996, p.42.

44 – Disponível em: http://aigleconquerant.free.fr/marechaux.detail/soult.htm

45 – SARAIVA, José Hermano. História de Portugal. Lisboa: Alfa, 1993, p.317.

46 – Andre Masséna nasce em Nice, no dia 6 de maio de 1758, perdendo o pai aos oito anos de idade. Assim, ao treze anos, embarca em uma nau como grumete, sem saber ler nem escrever. Em 1775, engaja-se no regimento real italiano. Já tendo adquirido uma educação sólida e crescido dentro da hierarquia militar, sendo general desde 1793, após uma excelente campanha da Itália do norte, ele passa para o lado de Napoleão Bonaparte e, mais tarde, passa a ser chamado pelo mesmo de "enfant chéri de la victoire", devido a sua atuação. É feito duque de Rivoli em março de 1808. Ao chegar à Península Ibérica, já havia pelejado em localidades como a Itália, Suíça e Alemanha, assim como já houvera ganhado o título de príncipe de Essling em 31 de janeiro de 1810. Após o fracasso em Portugal e de ter retirado-se para a fronteira francesa, é substituído por Marmont. Entretanto, participa de outros episódios bélicos, vindo a falecer em 4 de abril de 1817, em Paris. Traduzido do francês e disponível em: http://perso.wanadoo.fr/buddyop/napoleon/personnages/marechaux/Massena.htm e http://aigleconquerant.free.fr/marechaux.detail/massena.htm

47 – BEBIANO, Rui. Organização e papel do exército, In: TORGAL, Luís; ROQUE, João (coord.). História de Portugal, volume V. Lisboa: Círculo dos Leitores, 1993, p.255.

48 – SARAIVA, José Hermano. História de Portugal. Lisboa: Alfa, 1993, p.318.

49 – FERREIRA, Fábio. A Presença Luso-Brasileira na Região do Rio da Prata: 1808 – 1822. In: Revista Tema Livre, ed.03. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

50 – VAINFAS, Ronaldo. Dicionário do Brasil Imperial (1822 – 1889). Rio de Janeiro: Objetiva, 2002, p.629.

51 – SARAIVA, José Hermano. História de Portugal. Lisboa: Alfa, 1993.

8. Bibliografia e Sítios Consultados

AZEVEDO, Francisca Nogueira. Dom Joaquim Xavier Curado e a política bragantina para as províncias platinas (1800 – 1808). In: Topoi. Revista de História. Rio de Janeiro: Programa de Pós-graduação em História Social da UFRJ / 7Letras, set. 2002, n.5.

BEBIANO, Rui. Organização e papel do exército, In: TORGAL, Luís; ROQUE, João (coord.). História de Portugal, volume V. Lisboa: Círculo dos Leitores, 1993.

DICIONÁRIO Histórico, corográfico, heráldico, biográfico, bibliográfico, numismático e artístico. v. III. Portugal: João Romano Torres, 1904-1915. Disponível em: http://www.arqnet.pt/dicionario.html

FERREIRA, Fábio. A Presença Luso-Brasileira na Região do Rio da Prata: 1808 – 1822. In: Revista Tema Livre, ed.03. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

FERRO, Maria Inês. Queluz: o palácio e os jardins. Londres: Scala Books, 1997.

HERMANN, Jaqueline. Dom Sebastião contra Napoleão: a “guerra sebástica” contra as tropas francesas. In: Topoi. Revista de História. Rio de Janeiro: Programa de Pós-graduação em História Social da UFRJ / 7Letras, set. 2002, n.5.

LIMA, Oliveira. D. João VI no Brasil. Rio de Janeiro: Topbooks, 1996.

MULLER, Elisa.e LIMA, Fernando Carlos Cerqueira. Moeda e Crédito no Brasil: breves reflexões sobre o primeiro Banco do Brasil (1808-1829). In: Revista Tema Livre, ed. 01. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

MAXWEL, Kenneth. Condicionalismos da independência do Brasil. In: SERRÃO, José; MARQUES, A.H. Oliveira (coord.). Nova História da Expansão Portuguesa, volume VIII. Lisboa: Estampa, 1986.

PROENÇA, Maria Cândida. A independência do Brasil. Lisboa: Colibri, 1999.

RAMOS, Luís António de Oliveira. D. Pedro imperador e rei: experiências de um príncipe (1798 – 1834). Lisboa: Inapa, 2002.

SARAIVA, José Hermano. História de Portugal. Lisboa: Alfa, 1993.

VAINFAS, Ronaldo. Dicionário do Brasil Colonial (1500 – 1808). Rio de Janeiro: Objetiva, 2000.

________. Dicionário do Brasil Imperial (1822 – 1889). Rio de Janeiro: Objetiva, 2002.

VICENTE, António Pedro. Do rossilhão às invasões francesas, In: TEIXEIRA, Nuno Severiano. O Poder e a Guerra (1914 – 1918). Lisboa: Editorial Estampa, 1996.

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Entrevista com a prof. dra. Francisca Azevedo.
A Presença Luso-brasileira na Região do Rio da Prata: 1808-1822.
Moeda e Crédito no Brasil:
breves reflexões sobre o primeiro Banco do Brasil (1808-1829)
E, na seção fotos, a exposição virtual Imagens de Portugal: Palácio de Queluz.