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As CPIs ao longo da História do Brasil

Niterói, 19 de maio de 2021.
Da Redação.


Depoimento de PC Farias à CPMI que resultou no afastamento de Collor /Fonte: Agência Câmara de Notícias.

Recorrentemente, as Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) estão nos noticiários e nas rodas de conversa dos brasileiros. No entanto, quando surgiu a primeira CPI do Brasil? Talvez influenciados pela memória, muitos pensem que foi no período posterior ao Regime Militar (1964 – 85), em especial a de PC Farias (1992) e a dos Anões do Orçamento (1993), que foram marcantes para aqueles que viveram os anos de 1990. Porém, quem apostou na própria memória, errou. Como a história não é uma ciência exata, pode-se entender que, dependendo do prisma, já nos anos iniciais do Império, o Brasil assistiu à sua primeira CPI. Dependendo da interpretação, foi na Era Vargas (1930 – 45), que houve a primeira Comissão Parlamentar de Inquérito.

Primeiro, há de se apontar as razões para duas possibilidades de interpretação. Sobre os que entendem que o surgimento deu-se no Império, o argumento baseia-se no fato de que, em 1826, um grupo de deputados e senadores uniram-se para fiscalizar o Banco do Brasil, que vivia uma séria crise, não muito diferente do contexto político e econômico do país à altura. Embora à época não tenha sido usado o termo CPI, mas comissões auxiliares, na prática a atuação conjunta dos parlamentares foi a da fiscalização, cerne das CPIs atuais.

 

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Para os que arrogam que foi durante a Era Vargas que o Brasil teve a sua primeira CPI, o argumento consiste no fato de que na constituição de 1934 já havia a previsão do estabelecimento de Comissão Parlamentar de Inquérito com a função fiscalizadora, ou seja, com a mesma designação e fins dos dias atuais. Os Estados também foram autorizados a realizarem as suas respectivas CPIs, sendo apenas o de São Paulo e o do Mato Grosso que declinaram dessa possibilidade. Curiosamente, em um período de exceção surgia a possibilidade de instalação de CPIs nos âmbitos nacional e estadual.

De acordo com a carta magna de 1934, apenas a Câmara dos Deputados tinha a prerrogativa de criar uma CPI, desde que se tivesse um terço dos membros da casa. Diferentemente dos dias de hoje, o Senado Federal não tinha tal competência. Em 1935, a partir de requerimento assinado por 106 parlamentares, foi estabelecida a CPI relativa às “condições de vida dos trabalhadores urbanos e agrícolas”.]

 

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Advogado e opositor ao governo federal, o deputado baiano João Mangabeira foi quem pediu a criação da comissão, que, uma vez instalada, além da sua participação, teve como presidente o advogado Victor Russomano (deputado pelo Rio Grande do Sul) e, como vice, o oposicionista José Augusto Bezerra de Medeiros (Rio Grande do Norte), além de outros membros como o empresário carioca Eduardo Duvivier, o paulista Aniz Badra, intitulado deputado classista (modalidade de parlamentar existente no período), que representava empregados da lavoura e pecuária, e o baiano Lima Teixeira, classista representante dos empregadores da lavoura e da pecuária, dentre outros nomes.

Em 1937, com o Estado Novo, o Brasil ganhou uma nova constituição, que não previa CPIs. Estas só foram retomadas na carta de 1946. Durante o Regime Militar surgiram as Comissões Parlamentares Mistas de Inquéritos (CPMIs), compostas por deputados e senadores, que, por sua vez, tinham um determinado período de tempo para realizarem suas investigações.

 Em foto do acervo do Arquivo Nacional, o Palácio Tiradentes, no centro do Rio: palco da CPI de 1935.

Ao longo do século XX, o Brasil teve CPIs que investigaram os mais distintos temas, que incluíram de questões separatistas (em 1965 em relação ao Acre) à fuga de cérebros (1968), passando pela devastação da Amazônia (1979 e 1989), Violência Urbana (1980) e corrupção (infelizmente, inúmeras, impossíveis de se pontuar).  

 

 

 

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Promulgada a Reforma da Previdência/Emenda Constitucional 103/2019

Terça, 12 de novembro de 2019


Os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do senado, Davi Alcolumbre, durante sessão do Congresso Nacional para promulgação da emenda constitucional (103/2019) da reforma da Previdência.

Os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do senado, Davi Alcolumbre, durante sessão do Congresso Nacional para promulgação da emenda constitucional (103/2019) da reforma da Previdência.

Na manhã dessa terça-feira a reforma da Previdência proposta pelo governo Bolsonaro foi promulgada pelo Congresso Nacional. A cerimônia consistiu, basicamente, nas assinaturas do texto por parte do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o do Congresso Nacional, Davi Alcolumbre (DEM-AP). A partir do ato, o conteúdo da emenda passa a valer a partir da publicação no Diário Oficial da União, que deve ocorrer ainda hoje.

O QUE MUDA
Com a implementação da reforma, a idade mínima estabelecida para as mulheres foi de 60 anos e, para os homens, 65. O novo sistema previdenciário prevê o fim das aposentadorias permitidas quando o trabalhador completa o tempo de contribuição de 30 anos, se for mulher, ou de 35 anos, no caso do homem.

DESCONTOS MAIORES NOS SALÁRIOS
A reforma aprovada pelo Congresso Nacional também mudará os descontos nos salários de contribuintes da iniciativa privada e dos servidores públicos federais. Atualmente, os trabalhadores têm percentuais de contribuição, que variam de acordo com seu salário: 8%, 9% e 11% (inclusive o servidor público já aposentado). Com a reforma da Previdência esses percentuais vão variar de 7,5% a 14%. O cálculo será feito sobre cada faixa de salário.


BENEFÍCIOS MENORES AO SE APOSENTAR
Além de aumentar as exigências e ampliar os custos financeiros do cidadão para acessar os benefícios, a reforma também muda a fórmula de cálculo das aposentadorias: a média salarial sobre a qual a renda do beneficiário é calculada passará a ser feita sobre todo o período de contribuição após julho de 1994 (atualmente, o INSS faz a média sobre os 80% maiores salários de contribuição). Ao incluir os menores recolhimentos, o governo rebaixará futuras aposentadorias de trabalhadores que contribuíram sobre valores acima de um salário mínimo ao longo de suas vidas.

Reforma proposta pelo Executivo: presidente Bolsonaro entrega ao líder da Câmara o projeto da reforma.

Reforma proposta pelo Executivo: presidente Bolsonaro entrega ao líder da Câmara o projeto da reforma.

PENSÕES, VIÚVAS E VIÚVOS: 50% de 80%
Se o contribuinte não receberá 100% do seu último salário, vindo a óbito, seu cônjuge passará a receber 50% do valor que antes era-lhe de direito. Caso o viúvo/viúva também receba algum benefício do INSS haverá de escolher se ficará com os 50% do falecido companheiro (pensão) ou apenas com a sua aposentadoria.

 

 

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Indisciplinados ou disciplinados? As discussões sobre os partidos políticos na câmara dos deputados

Artigo de Riberti de Almeida Felisbino
Doutor em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)
E-mail: ribertialmeida@yahoo.com.br

 

 

No Brasil, o atual arranjo institucional vem estimulando cada vez mais o interesse de estudiosos brasileiros e brasilianistas que querem entender o seu funcionamento.1 Esse interesse tem produzido inúmeros estudos sobre o desempenho das instituições que compõem esse desenho, em especial da Câmara dos Deputados e dos partidos. Os pesquisadores que se dedicam a estudar o sistema político brasileiro se dividem em dois grupos com visões opostas sobre os estudos do poder Legislativo, sobretudo da atuação das legendas partidária no processo de decisão da Câmara dos Deputados.

O propósito deste artigo é discutir as opiniões dos dois grupos: 1) os adeptos do primeiro grupo concentram sua análise na forma de governo e nos sistemas eleitoral e partidário, e defendem que a combinação dessas instituições produz instabilidade institucional e pouca governabilidade; 2) os simpatizantes do segundo grupo analisam as regras do processo legislativo, e defendem que existem mecanismos institucionais que permitem a governabilidade e a estabilidade das decisões. Discutir estas duas visões é importante, pois pode ajudar aqueles cientistas sociais que querem estudar a história longitudinal da relação de poder existem no interior da Câmara dos Deputados, pois elas nos oferecem elementos para analisar essa relação.

Essas distintas visões são resultados dos trabalhos publicados por Juan Linz, Arturo Valenzuela e outros sobre a forma de governo, o presidencialismo, escolhida pelos membros das elites políticas dos países da América Latina. Para esses estudiosos, a funcionabilidade do presidencialismo poderia criar dificuldades à atividade governamental e ameaçar à estabilidade do regime democrático. Agora, se o presidencialismo é combinado com a representação proporcional de lista aberta e com o sistema multipartidário, a situação poderia aumentar os conflitos entre os poderes Executivo e Legislativo que, por sua vez, afetaria drasticamente a governabilidade. Atualmente, o Brasil apresenta essa combinação e se esperava que passasse, segundo Lamounier (1992), por uma síndrome da paralisia hiperativa, mas tal constatação não é confirmada.

O trabalho seminal de Sérgio Abranches nos informa que o conflito entre os poderes Executivo e Legislativo é crítico para a estabilidade da democracia. Esse conflito, segundo ele, é causado por dois fatores: i) a alta fragmentação partidária no interior do poder Legislativo e ii) pelos problemas impostos a agenda de trabalho do chefe do poder Executivo (Abranches, 1988). Para Abranches (1988), o mais crítico dos dois fatores é a alta fragmentação partidária que comprometeria a formação de maiorias estáveis para aprovar as reformas propostas pelo presidente da República. A solução para isto seria criar coalizões governamentais e como se vê hoje, é a prática mais comum dos chefes do Executivo. Sérgio Abranches chamou essa prática de presidencialismo de coalizão e o mais importante é que tal prática soube combinar com a representação proporcional de lista aberta, com o multipartidarismo extremado e com o presidencialismo em um mesmo arranjo estratégico que, por sua vez, provou que as proposições defendidas Juan Linz e outros carecem de sustentabilidade empírica.

Muitos estudiosos dão ênfase à explicação institucional centrada nos sistemas eleitoral e partidário, Carey (1997: 68) afirma que no Brasil "(…) o sistema eleitoral cria fortes incentivos para os parlamentares cultivarem fidelidades pessoais com os seus eleitores, mesmo quando isto significa ignorar uma agenda mais ampla de seus partidos"2, isto significa que os "(…) presidentes não podem contar com coalizões legislativas estáveis para negociar política (…)"3. Sartori (1993: 11) está de acordo com estes argumentos e aponta que os políticos "(…) mudam de partido e, frequentemente, votam em desacordo com sua orientação e se recusam a aceitar qualquer tipo de disciplina partidária". Nestas condições, o autor conclui que no Brasil os partidos são instituições frágeis e sem autoridade e que o chefe do Palácio do Planalto fica sem referência "(…) sobre um parlamento incontrolável e eminentemente atomizado" (1993: 11). É importante dizer que as idéias defendidas pelos estudiosos do primeiro grupo não se baseiam em estudos empíricos, mas são deduzidas das leis que constituem os sistemas eleitoral e partidário.

Scott Mainwaring, o brasilianista mais crítico do sistema político brasileiro, ressalta que a baixa disciplina dos principais partidos seria uma das características mais negativa do sistema político. Ainda para ele, o sistema partidário brasileiro é o mais subdesenvolvido do mundo e os partidos são incapazes de dar sustentabilidade à democracia (Mainwaring, 2001, 1993). Esse brasilianista chega a considerar que os responsáveis pelo mau funcionamento do sistema político realmente são as legendas partidárias, pois agrupam políticos com vocação individualista e quando eleitos estão interessados em benefícios clientelistas. Para Barry Ames, que também compartilha com as mesmas observações de Scott Mainwaring, na esfera nacional, os partidos brasileiros dificilmente poderiam ser considerados uma verdadeira legenda partidária, pois essas instituições não expressam e não representam a vontade do eleitor, ao mesmo tempo não cumprem com as funções de governar (Ames, 2003).

Para esses autores e outros, as mazelas do sistema político brasileiro são produzidas pelos aspectos institucionais da representação proporcional de lista aberta e também por outras instituições. Esse tipo de representação estimula os políticos a terem um comportamento individualista para conquistarem uma cadeira na casa Legislativa e depois de eleitos carregam para arena legislativa o sentimento individualista e nessa esfera agem independentemente do partido o que, por sua vez, dificulta a "(…) construção de identidades partidárias mais definidas" (Kinzo, 1988: 35). O comportamento individualista dos parlamentares pode dificultar a capacidade das lideranças partidárias de promover e assegurar o plano programático de ação do partido no interior do Congresso Nacional.

Para os simpatizantes do primeiro grupo, o sistema eleitoral também seria responsável pela alta fragmentação partidária, dando origem a um sistema sem limites. O Gráfico I apresenta o número de partidos que participaram das eleições gerais e municipais no período de 1982 a 2008. Ao longo do período aconteceram 15 eleições e participaram, no total, 416 partidos, com uma média de 27,7 legendas por eleição. Observa-se que a menor participação foi em 1982 com cinco legendas partidárias, mas essa participação subiu bruscamente para 28, em 1985, e chega a atingir 34, em 1992. Em 1994 a participação caiu para 23, mas em 1996 subiu para 30 e ficou estável até as eleições gerais de 2002 e na última eleição, em 2006, subiu para 29 partidos, mas no último pleito, em 2008, o número de partidos caiu levemente para 27.

 

Gráfico I
Número de partidos que participaram em eleições
Brasil, 1982-2008

quadroed13

Fonte: www.tse.gov.br

 

Os dados expostos no gráfico acima informam quantos partidos participaram das eleições, mas, como se sabe, são poucos aqueles que realmente têm influência na arena eleitoral. Para observar isto, apresenta-se o Quadro II que mostra, ao longo dos anos de 1990 a 2002, a média do Índice de Número Efetivo de Partidos de alguns países sul-americanos e da América Latina como um todo. 

 

Quadro II
Média do Número Efetivo de Partidos
Países e América Latina, 1990-2002

Paises e América Latina  Média NEP
BRASIL  8,1
Equador  6,1
Chile  5,3
Bolívia  4,7
Venezuela  4,7
Colômbia  3,7
Uruguai  3,2
Argentina  2,9
Paraguai  2,4
AMÉRICA LATINA  3,8
Fonte: http://www.democracia.undp.org/Default.asp

 

Neste quadro, ao longo do período de 1990 a 2002, a dispersão partidária no Brasil é maior do que nos outros países da região latina, o que significa que entre os países multipartidários da América do Sul, o Brasil se mantém como o mais fragmentado, apresentando uma média de Número Efetivo de Partidos igual a 8,1. Interessante assinalar que o Brasil está muito acima da média da América Latina, que corresponde a 3,8, isto significa que entre os países latino-americanos, o sistema partidário brasileiro é o mais fragmentado. Como visto anteriormente, a média de partido por eleição, entre o período de 1982 a 2008, foi de 27,7, mas o Índice de Número Efetivo de Partidos mostrou que somente oito siglas partidárias são importantes na arena eleitoral, ou seja, esses partidos estão constantemente lutando pelo poder. O aumento do número efetivo de partidos diminui a probabilidade de formar governos com partidos majoritários, em outras palavras, quem ganha não governa mais sozinho, tem que dividir o poder com outros partidos para fazer uma boa gestão.

Em um regime democrático, o principal âmbito de atuação dos partidos é no interior do poder Legislativo e devido a isto, a casa Legislativa abriga a fragmentação do sistema partidário. Isto reflete no número de legendas com representação parlamentar e hoje na Câmara dos Deputados a fragmentação é muito alta, pois está composto por 20 partidos: o bloco PMDB e PTC, PT, bloco PSB, PDT, PC do B, PMN e PRB, PSDB, DEM, PR, PP, PTB, PV, PPS, PSC, PSOL, PHS, PT do B e PRTB4. É possível distribuir esses partidos em três blocos ideológicos: na direita, o DEM, PR, PTB, PHS, PT do B, PRTB, PSC, PTC, PMN, PRB e PP; no centro, o PMDB e PSDB e na esquerda, o PT, PV, PPS, PSOL, PSB, PDT e PC do B. Atualmente das 20 siglas partidárias somente seis (o PMDB, PT, PSDB, DEM, PR e PP) controlam as atividades legislativas no interior da Câmara dos Deputados.

Devido à grande fragmentação partidária no interior do poder Legislativo, segundo os adeptos do primeiro grupo, o Brasil teria um quadro político composto por partidos pouco ideológicos e parlamentares com atitudes individualistas que, ao serem indisciplinados, nas votações no plenário, não seguiriam a orientação da liderança. O comportamento parlamentar desregrado seria o maior obstáculo às ações do chefe do poder Executivo, ou seja, as dificuldades do presidente da República em estabilizar a economia e em reformar o Estado estariam na fragilidade do apoio parlamentar às propostas do Executivo.

Para esse grupo, os sistemas vigentes – eleitoral e partidário – produzem um Legislativo disperso com um processo decisório lento, negociações clientelistas, coalizões partidárias instáveis, entre outras mazelas que, por sua vez, criariam uma tensão permanente entre os poderes Executivo e Legislativo. De acordo com Ames (2003: 235), "(…) a estrutura política brasileira enche o Legislativo de partidos fracos e indisciplinados, assim como de centenas de deputados que se preocupam muito mais com seu eleitorado pessoal e seus interesses particulares do que com grandes questões nacionais". Noutras palavras, no interior da Câmara dos Deputados não existe uma ordem, provocando instabilidades nas decisões e deixaria o governo instável e paralisado diante do caos.

O diagnóstico apresentado pelo primeiro grupo é refutado por alguns estudiosos. Ao contestarem a visão do grupo anterior, eles resgatam a atuação dos partidos durante o processo decisório e a importância da organização legislativa no interior da Câmara dos Deputados. Esses estudiosos apresentam evidências empíricas de que o processo legislativo é centralizado e favorável ao governo para que seus projetos sejam aprovados. O argumento central que está presente nessas análises é que os problemas gerados pelos sistemas eleitoral e partidário, apontados pelos adeptos do primeiro grupo, são anulados por outra arena institucional, a legislativa. Essa arena garantiria mais estabilidade às decisões coletivas e produziria políticas públicas mais eficientes. Eles também apontam que nessa arena, o comportamento dos parlamentares estaria sendo influenciado pelos poderes legislativos do presidente da República e pelos partidos em suas votações. Também seria influenciado pelas regras do jogo parlamentar, que são altamente centralizadas em um pequeno grupo de líderes, chamado Colégio de Líderes5.

Ao analisarem as votações nominais do período de 1989 a 1999 e as regras do processo decisório, Argelina Cheibub Figueiredo e Fernando Limongi revelam que existe disciplina partidária na Câmara dos Deputados, ou seja, o caos está longe de ocorrer e o que se observa é uma ordem estabelecida. De acordo com eles, "em média, 89,4% do plenário vota de acordo com a orientação de seu líder, taxa suficiente para predizer com acerto de 93,7% das votações nominais" (Figueiredo e Limongi, 1999: 20). Continuando, os autores mostram que "para uma votação qualquer na Câmara dos Deputados, a probabilidade de um parlamentar qualquer votar com a liderança de seu partido é de 0,894" (27) e mais: "como o voto disciplinado é a regra, a manifestação do plenário está longe de ser imprevisível" (89). Os dados apresentados por Argelina Cheibub Figueiredo e Fernando Limongi indicam que os partidos são disciplinados, refutando a principal tese do primeiro grupo, de que as legendas partidárias são indisciplinadas nas votações em plenário e produzindo, como conseqüência, um processo decisório caótico. Também os dados revelam que os partidos são importantes no processo de decisão. Ainda se pode dizer que o chefe do Palácio do Planalto organiza seu apoio à agenda legislativa em bases partidárias, muito similares ao encontrado nos regimes parlamentaristas.

Os estudos de Argelina Cheibub Figueiredo e Fernando Limongi mostram que os adeptos do primeiro grupo equivocaram-se ao prognosticar que o chefe do Executivo enfrentaria problemas para implementar sua agenda legislativa. Na América Latina, o presidente da República do Brasil é um dos que mais tem poderes para influenciar o processo de decisão e a formação de uma coalizão de apoio no poder Legislativo (Carey e Shugart, 1992). Com o atual arranjo constitucional, o presidente da República dispõe de prerrogativas legislativas capazes de influenciar significativamente o processo legislativo visando assegurar resultados satisfatórios às propostas do poder Executivo. Com esse arranjo, o chefe do Executivo tem a exclusividade de iniciativa em matérias administrativas, orçamentárias e fiscais. Também o chefe do Executivo pode solicitar urgência para todos os projetos de lei de sua iniciativa e editar medidas provisórias com força de lei. O chefe do poder Executivo impõe uma agenda legislativa determinando quando e quais propostas serão discutidas, pois o presidente da República detém de forma quase exclusiva o poder de propor projetos.

Ademais, o presidente da República conta com apoio dos principais líderes da coalizão para interferir no processo de decisão. Os estudos de Figueiredo e Limongi (1999) constatam que, mesmo sem o voto de liderança, os líderes seguem desfrutando de poderes para conduzir o processo legislativo. Segundo Figueiredo (2001: 6), as decisões na Câmara dos Deputados são altamente centralizadas em torno de alguns líderes partidários e a distribuição de direitos parlamentares favorece as lideranças dos grandes partidos. Esses líderes, juntamente com o presidente da Mesa Diretora, controlam a agenda de trabalho da casa Legislativa, ou seja, eles definem a pauta.

É interessante destacar que o poder dos líderes também se manifesta de outras maneiras, não ressaltadas por Argelina Cheibub Figueiredo, como, por exemplo, o controle das comissões permanentes e temporárias. As lideranças controlam a distribuição de postos nas comissões, postos esses que são alocados a partir de uma negociação entre esses líderes partidários. Também cabe a eles criar as comissões temporárias e indicar seus presidentes e relatores.

Uma outra influência decisiva dos líderes no processo de decisão é o uso freqüente do recurso de urgência. Se os líderes reconhecerem que uma proposta de lei tem que tramitar urgentemente, o regime de tramitação pode ser alterado de ordinário para urgência. Em regime de urgência, a proposta é retirada da comissão e incluída na ordem do dia para apreciação do plenário. Geralmente a urgência é usada nas propostas de iniciativa do chefe do poder Executivo e 1/3 dos membros da Câmara dos Deputados ou de líderes que representam esse número pode pedir o regime de urgência. Muitas das propostas tramitam em regime de urgência: Argelina Cheibub Figueiredo identificou que das 1.000 leis estudadas, "(…) 74,0% tiveram um pedido de urgência e foram à votação antes que as comissões dessem um parecer" (1995: 8). Isto significa que o esse regime retira das comissões sua prerrogativa decisória e também elas perdem a função de elaborar e melhorar as leis.

Além dos líderes interferirem nas comissões, eles também decidem se uma proposta de lei deve ser aprovada ou não. Na Câmara dos Deputados praticamente nenhum projeto de lei é submetido ao plenário sem que as lideranças façam uma prévia avaliação política da matéria. Antes das sessões da Câmara dos Deputados, especialmente nos dias em que ocorrem votações, as lideranças partidárias discutem as matérias em votação e tentam chegar a um acordo sobre a posição a ser tomada em plenário. Chegando a um acordo, a proposta de lei é referendada pela maioria dos parlamentares. Como é possível perceber, a institucionalização do Colégio de Líderes como instância com poder de decisão alija a maioria dos parlamentares do processo legislativo. Quanto a isto, Figueiredo e Limongi (1999: 68) lembram que os membros desse colégio

(…) intervém na tramitação da matéria e força sua rápida deliberação em plenário. Como essa intervenção é previamente negociada, a participação dos parlamentares em plenário depende dos resultados das negociações entre os líderes. No mais das vezes, cabe-lhes tão-somente referendar acordos previamente firmados. A participação dos parlamentares ocorre somente quando se encerram todas as possibilidades de um acordo e a matéria é submetida a voto.

E mais: Argelina Cheibub Figueiredo e Fernando Limongi ressaltam que "o grosso do trabalho legislativo independe da participação efetiva dos parlamentares, o que reduz os incentivos para sua participação" (68). De forma resumida, os líderes neutralizam a participação das comissões e também do próprio plenário.

As discussões empreendidas ao longo do texto mostram que para os adeptos do primeiro grupo a combinação de presidencialismo com outras instituições do sistema político é um casamento indesejado. Para os simpatizantes desse grupo, os problemas produzidos por essa combinação contaminariam os membros do poder Legislativo e produziriam políticas públicas ineficientes e crise de governabilidade, mas existem argumentos e dados empíricos consistentes para considerar que os problemas apontados pelos admiradores do primeiro grupo não afetam os parlamentares. À luz destas considerações, pode-se concluir este artigo dizendo que a alta concentração da estrutura legislativa da casa e a dura atuação do chefe do Palácio do Planalto e dos líderes ajudam a impedir os efeitos perversos produzidos pelos sistemas partidário e eleitoral.

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Notas

1 – Os brasilianistas são os estrangeiros que estudam o Brasil, por exemplo, Scott P. Mainwaring e Barry Ames são os mais conhecidos na Ciência Política.

2 – Original: "(…) the electoral system creates strong incentives for legislators to cultivate personality loyalties among voters, even when doing so means ignoring their parties broader agenda" (1997: 68).

3 – Original: "(…) the presidents cannot count on stable legislative coalitions to negotiate policy (…)" (1998: 68).

4 – Informações obtidas na página web: http://www2.camara.gov.br/

5 – O Colégio de Líderes funciona como uma espécie de órgão auxiliar da mesa diretora da Câmara dos Deputados. Esse colégio, juntamente com o presidente da Câmara dos Deputados, elabora a agenda de apreciação de proposições para o estabelecimento da ordem do dia do plenário e, acima de tudo, interfere substantivamente nas decisões por meio do recurso de tramitação urgente (Figueiredo e Limongi, 1999). Isto significa que o Colégio de Líderes não apenas concentra poder de decisão, como controla a pauta dos trabalhos legislativos.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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LAMOUNIER, Bolívar. Estrutura institucional e governabilidade na década de 90. In: VELLOSO, João Paulo dos Reis (org), O Brasil e as reformas políticas. Rio de Janeiro: Editora José Olympio, 1992.

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SARTORI, Giovanni. Nem presidencialismo, nem parlamentarismo. São Paulo: Revista Novos Estudos Cebrap, nº. 35, p. 48-86, 1993.

Páginas webs consultadas

Câmara dos Deputados: http://www2.camara.gov.br/

PNUD: http://www.democracia.undp.org/Default.asp

Tribunal Superior Eleitoral: http://www.tse.gov.br

 

 

 

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