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Antiguidade Clássica

 

Grécia
A civilização grega surgiu ao sul da península balcânica, no Mediterrâneo. Em função do seu solo pobre, uma saída encontrada pelos gregos foi o comércio marítimo e a expansão para outros territórios, a estender-se, então, por diversas ilhas da região e por pontos litorâneos da Ásia Menor (atual Turquia). Semelhantemente a outras civilizações da antiguidade, o que comumente se chama de Grécia Antiga era composta, grosso modo, por várias cidades-estados, denominadas pólis (singular)/póleis (plural), que começaram a surgir em c.2000 a.C. Cada pólis tinha a sua própria autonomia política, econômica e administrativa. Em comum, tinham a religião, o idioma e a organização familiar e econômica.
Da Grécia Antiga, a sociedade ocidental herdou, no âmbito cultural, a filosofia, que buscava entender o mundo de forma racional, e teve em Sócrates, Platão e Aristóteles os seus principais filósofos. Além disso, destaca-se o teatro, que tinha a função educativa e repercutia fortemente entre a população. À época, os atores eram todos homens e interpretavam com máscaras. Os gêneros teatrais eram a comédia e a tragédia, sendo que várias peças chegaram à atualidade, como Édipo Rei e Antígona, de Sófocles, e Prometeu Acorrentado, de Ésquilo. 

 

A divisão usual da História da Grécia é a que segue-se:

 

 

Período Homérico (Séculos XII a.C. – VIII a.C)
Dá-se tal nome pelo fato das obras de Homero (Ilíada, que narra a guerra de Troia) e a Odisseia (dedicada ao retorno do herói Ulisses para Ítaca, sua ilha de origem) terem servido como importantes fontes históricas para a reconstituição de sua História.

 

 

Arcaico (entre os séculos VIII a.C. – VI a.C.)
Sucintamente, nessa fase houve o surgimento da pólis e a fundação de colônias em partes da atual Itália e Turquia. A aristocracia agrária comandava a política grega e as cidades-estados – chegaram a mais de uma centena, sendo as mais conhecidas as rivais Esparta (na península do Peloponeso e que tinha a especificidade da agricultura ser uma das principais fontes de sua economia. Além disso, era uma sociedade extremamente militarizada) e Atenas (na península balcânica e com economia voltada, também, ao comércio marítimo).

 

 

Clássico (séculos V a.C. – IV a.C.)
A este período costuma-se vincular o apogeu da democracia na Grécia Antiga, mais especificamente em Atenas. Os cidadãos gozavam de ampla liberdade e o voto era direto e universal para todos. Entretanto, é válido destacar quem os atenienses entendiam por cidadão. Esses eram os homens acima de 18 anos e filhos de pais atenienses e livres – a excluir, portanto, as mulheres e crianças, os escravos e estrangeiros, resultando que, em determinados momentos, em torno de 90% dos habitantes da pólis estavam alijados da participação política.
Concomitantemente, Atenas era o principal centro comercial e cultural grego, tendo, ainda, uma política expansionista, a interferir nos destinos das demais cidades-estados. É desse período a guerra do Peloponeso (431 – 404 a.C.), que foi protagonizada pelas duas principais cidades da Grécia Antiga, Atenas e Esparta. O conflito teve consequências negativas na civilização grega, como o seu enfraquecimento militar.

 

 

Helênico (séculos III a.C. – II a.C.)
Desse período destaca-se a invasão da Macedônia e o enfraquecimento de diversas cidades-estados. É dessa fase a atuação político-militar do macedônico Alexandre, o Grande, que uniu o seu povo e os gregos contra o inimigo que ambos compartilhavam, a Pérsia, liderada por Dario III. Alexandre impôs uma série de derrotas ao seu rival, conquistando a Ásia Menor (libertando, então, os gregos que ali viviam da dominação persa), o Egito (fundando, ali, Alexandria, que, rapidamente, se tornou o principal centro comercial do Mediterrâneo) e, por fim, derrotou os persas na Mesopotâmia, em 331 a.C.
Alexandre, o Grande, foi educado pelo filósofo Aristóteles e, assim, a cultura grega era-lhe familiar, tendo sido importante em sua formação intelectual e forma de interpretar as sociedades do seu tempo. Como estratégia de dominação de áreas tão distantes e distintas entre si, que iam do Mediterrâneo às raias do Himalaia e do rio Indo, o macedônico realizava a fusão das culturas grega com as locais, criando, assim, uma nova manifestação cultural, o helenismo, predominantemente grego, mas com uma gama de aspectos orientais.
Com o falecimento de Alexandre em 323 a.C., o seu Império foi dividido, e a Grécia viu-se separada do Egito, da Mesopotâmia e da Ásia Menor. O grande Império que passou a destacar-se com o fim do da Macedônia foi o Romano.

 

 

Roma Antiga
Primeiramente, a cidade de Roma foi a sede do maior império da Antiguidade. Em sua extensão máxima, o Império Romano chegou a ter, aproximadamente, 6.500.000 km2 (comparando-se a territórios da atualidade, o brasileiro tem 8.515.767,049 Km² e o da União Europeia 4.324.782 Km²). Detecta-se, então, que áreas tão distantes entre si como a Península Ibérica e a Palestina estiveram sob o controle romano. Em termos populacionais, o Império Romano chegou a ter 88.000.000 de almas (comparativamente, o Vietnã, 14º país mais populoso do mundo tem, aproximadamente, 90.549.390 habitantes. A Alemanha, 15º, 81.471.834. O Brasil, em 5º lugar, já ultrapassou a marca de 200.000.000, sendo que a região Sudeste traz números próximos ao do referido Império em seu auge populacional: 81.565.983).
Dos romanos, a sociedade ocidental contemporânea recebeu uma série de influências, como no campo do direito, no universo religioso, com o cristianismo, no âmbito linguístico (além dos idiomas neolatinos, do qual o português faz parte, línguas como o inglês e o alemão receberam influência do latim falado, escrito e propagado por Roma) e na organização política (apesar das diferentes releituras que cada sociedade fez de instituições e termos romanos ao longo do tempo, como senado, república, ditadura, plebiscito, etc).
Ainda no campo das releituras, mesmo séculos após o fim de Roma, em vários períodos históricos, são buscadas referências à referida sociedade. Movimentos intelectuais, como o Renascimento, tiveram a Roma Antiga como importante referencial. O fascismo de Mussolini utilizou-se desta civilização do passado, tratando, equivocadamente, a Itália fascista como uma espécie de sucessora do Império Romano.
Uma vez tendo exposto nos parágrafos anteriores aspectos introdutórios referentes a Roma Antiga, as próximas linhas serão dedicadas à divisão mais usual da História política Romana.

 

A ocupação da península itálica
Primeiramente, a ocupação da região data de, aproximadamente, 2.000 a.C. Os primeiros habitantes eram os italiotas (latinos, sabinos, samnitas, dentre outros) e, depois, após processo migratório, foram para a península etruscos (Norte) e gregos (Sul). Roma teria nascido como ponto estratégico para a proteção de povoações dos latinos situados na parte central da península. 

 

Monarquia (753 – 509 a.C.)
Pouco se sabe deste período, porém, é dele que surge a lenda de Rômulo e Remo, os dois irmãos que, abandonados, ainda bebês, foram amamentados por uma loba e, em sua fase adulta, protagonizaram a mítica história de fundação da cidade.
Acredita-se que Rômulo foi o seu primeiro rei. Posteriormente, vieram seis reis, uns de origem latina, outros, etruscas e, ainda, teria havido aqueles que eram sabinos. O rei de Roma tinha seu poder dividido com o legislativo, composto pelo Senado, que, a seu turno, congregava os patrícios mais destacados. Havia, também, a Assembleia Curiata, ou Cúria, que deveria ratificar ou não as decisões do Senado, sendo formada, semelhantemente, por patrícios.
Após o exposto, é válido perguntar-se, quem foram os referidos patrícios? Qual sua posição na hierarquia social da monarquia romana? Além da política, a que mais dedicavam-se nesta sociedade do passado? Resumidamente, estes indivíduos eram membros da aristocracia rural e estavam no topo da pirâmide social. Além deste grupo, a sociedade romana era composta por plebeus, que se dedicavam ao comércio, à agricultura, ao artesanato, ao pastoreio, e eram o grupamento mais numeroso de então. Os clientes viviam debaixo das redes de proteção de um patrício e, em troca, ofereciam serviços como militares e administrativos. Por fim, na base da pirâmide social, estavam os escravos, provenientes de guerras ou de plebeus endividados.
Em 509 a.C., o rei de Roma era de origem etrusca, porém, em um contexto em que a península itálica assistia à decadência do Império Etrusco. Aproveitando-se de fatores internos e externos a Roma, os senadores conseguiram depor o monarca e, através de um golpe, estabeleceram a República. O poder político já não precisava ser compartilhado com o rei e os patrícios fortaleceram-se ainda mais. 

 

República (509 – 27 a.C.)
República, do latim, res publica, ou seja, coisa pública. O Senado era a sua principal instituição, legislando e decidindo os rumos internos e externos de Roma. As Assembleias votavam projetos, tratavam de assuntos religiosos e eram responsáveis pela nomeação de representantes de cargos públicos – como os magistrados (compostos, por exemplo, por cônsules, que estavam à frente do Senado e da Assembleia, pretores, vinculados à administração da justiça e censores, conectados ao censo, à contagem da população, e definidoras de critérios que mensuravam a renda dos romanos).
Neste período, o poder dos patrícios era significativamente forte e estes tinham importante participação nas instituições políticas de Roma. As desigualdades entre o mencionado grupamento social e os plebeus resultaram em convulsões político-sociais, que resultaram em benefícios de indivíduos pertencentes à plebe na sociedade romana. Como exemplo houve a participação no Senado, a possibilidade de realização de casamentos entre patrícios e plebeus (Lei Canuleia, 445 a.C.), o fim da escravidão por dívidas (Leis Licínias, 367 a.C.), entre outros.
Ao longo dos séculos que compuseram a República, a plebe logrou direitos na sociedade romana e algumas possibilidades de ascensão social. Agrega-se que, nesta fase, Roma conquistou toda a península itálica, a Ibérica, Grécia, partes do atual Oriente Médio e ocorreram as Guerras Púnicas (em função da expansão e consequentes conflitos com os cartagineses, de origem fenícia).
Sucintamente, a referida expansão implicou em uma série de mudanças na sociedade romana. O aumento do número de escravos levou ao desemprego em diversos setores. Habitantes de várias cidades migraram em direção ao interior. O comércio entre o centro do Império e as províncias fez surgir abastados negociantes interessados em participar da definição dos rumos políticos de Roma, o que não interessava aos patrícios. Estas transformações associadas à desigualdade social, ao crescimento desordenado das cidades e à ausência de terras para os cidadãos contribuíram enormemente para o aumento da tensão social e houve o consequente enfraquecimento da República. 
Concomitantemente, em razão das diversas conquistas de Roma, os militares ganharam destaque nessa sociedade. O prestígio desse segmento social levou-o a intervir mais fortemente na política e, na década de 80 a.C., o general Sila tornou-se Ditador. Após sua saída do poder, novas convulsões políticas, até que, em 60 a.C., uma junta militar composta por Júlio César, Pompeu e Crasso, conhecida como o Primeiro Triunvirato, passou a controlar a República. No entanto, a estabilidade não foi duradoura.
Crasso faleceu em 53 a.C. e, em seguida, Júlio César e Pompeu passaram a disputar o poder, até que César proclamou-se, em 46 a.C., Ditador Vitalício, no entanto, neste contexto de instabilidade, seu governo não foi duradouro. O Senado opunha-se à concentração de poder nas mãos do ditador e, então, houve a conspiração em que Brutus e Cássio assassinaram Júlio César nas escadarias da instituição.
Pensando, com o citado plano, que retomaria o controle da República, o assassinato elaborado pelo Senado teve efeito oposto. A morte de Júlio César causou comoção em Roma, o que levou os seus partidários ao poder, através da criação do Segundo Triunvirato. Seus membros eram Marco Antônio, Otávio e Lépido. Porém, um novo governo não significou estabilidade política.
Lépido foi afastado do poder. Marco Antônio tornou-se responsabilidade pela parte Oriental de Roma. Otávio, da Ocidental. Entretanto, a divisão não impediu conflitos entre os membros do Segundo Triunvirato. Marco Antônio, aliado de Cleópatra VII, rompeu com Otávio. O resultado foi favorável a este que acabou por receber, do Senado, os títulos de príncipe e de imperador. A partir daí, Otávio intitulou-se Augusto, o divino. Iniciava-se, assim, o Império Romano.  

 

Império (27 a.C. – 476 a.C.)
Este período é subdivido em Alto Império (século I a.C. – III d.C.) e Baixo Império (século III – V d.C.). Na primeira fase, a expansão territorial romana prosseguiu e houve o desenvolvimento econômico, o comércio prosperou com a construção/aperfeiçoamento de portos e estradas e houve importante desenvolvimento intelectual, que, como exemplo, podem ser citadas as obras do poeta Virgílio, do escritor Horácio e do historiador Tito Lívio.
Durante o governo de Otávio Augusto (27 a.C. – 14 d.C.), personagem tido como o primeiro imperador de Roma, houve, na Palestina, o nascimento de Jesus Cristo, personagem entendido pelos cristãos como o messias, a segunda pessoa da Trindade, o Deus que se fez homem para, na Cruz, expurgar os pecados da humanidade, salvando, então, aqueles que, pela fé, o reconhecerem como Senhor de suas vidas, e, ainda, o Cristo que, ao terceiro dia, ressuscitou e hoje (e para sempre) reina no topo de toda “hierarquia” espiritual e terrena. Afora aspectos doutrinários, ressalta-se a importância do credo – mesmo que, muitas das vezes, modificado ao longo dos séculos – para a formação da sociedade Ocidental.
Ainda no que refere-se ao cristianismo, no Alto Império houve o governo de Nero (54 d.C. – 68 d.C.), o último imperador da dinastia julio-claudiana, que, em torno de 64 d.C., iniciou implacável perseguição aos cristão pelo fato do grupo adorar somente a um único Deus (trino, formado pelo Pai, pelo Filho e pelo Espírito Santo) e, assim, não aderir aos deuses romanos. Séculos depois, o cristianismo tornou-se a religião oficial do Império. 
Comumente, quando trata-se desse período, ainda aborda-se a importância da mão-de-obra escrava para a economia imperial, veicula-o à política do “pão e circo” e, também, à utilização do latim como língua oficial do Império, com o objetivo de unificar terras tão distintas e distantes entre si. A centralização político-administrativa é, igualmente, tida como uma das características desta fase.
Em relação à decadência do Império Romano, esse processo não deixa de estar associado a fatores como a sua própria expansão. Para a manutenção dos custos de efetivos militares em áreas tão vastas, eram necessários vultuosos recursos financeiros. Concomitantemente, houve a redução no número de pessoas escravizadas, diminuindo a sua oferta e havendo a elevação de seu preço. O trabalho livre tornou-se mais barato e, pouco a pouco, os mais pobres foram substituindo os cativos. Muitos destes homens mais desfavorecidos encontravam-se em áreas rurais e trabalhavam em troca de proteção e sobrevivência, não podendo abandonar as terras, sendo que essa dramática situação acabou por tornar-se hereditária.
A crise atingiu a produção de alimentos, com consequente aumento dos preços e inflação, queda do consumo, o abandono, por parte de significativos contingentes demográficos, das cidades em direção ao campo e, por fim, parte dos recursos financeiros restantes foram canalizados para a parte oriental do Império, onde eram obtidas mercadorias daquela região.
Se por um lado os romanos viam-se obrigados a enfrentarem sérias adversidades econômicas, por outro havia uma crise política, com conflitos entre os setores sociais que controlavam o Império, a saber-se, os senadores e os chefes militares. A movimentação de tropas levou que fronteiras ficassem desguarnecidas, contribuindo para que os povos classificados como bárbaros pelos romanos gerassem distúrbios nas raias do Império.
Além disso, buscando atender aos interesses de diversos atores políticos e amenizar a crise, o imperador Diocleciano (284 – 305) criou a Tetrarquia, dividindo o Império entre quatros generais, minimizando substancialmente o poder do Senado. O imperador ficou responsável pela administração da parte Oriental e Maximiano da Ocidental, sendo que cada um deles tinha o auxilio de um general, designado césar. O império passou a ter, então, dois augustos e dois césares.
Esta primeira divisão não foi duradoura. O imperador Constantino pôs termo à Tetrarquia, passando a reinar sozinho, anulou, em 313, a perseguição aos cristãos, permitindo-lhes a liberdade religiosa e, ainda, levou, em 330, a capital do Império para a região mais rica, o Oriente, com a criação de Constantinopla (atual Istambul).
Paralelamente, a parte ocidental esfacelava-se e os bárbaros adentravam territórios de Roma. Buscando conter o processo de decadência romana, o imperador Teodósio transformou o cristianismo na religião oficial do Império, em 391, bem como o dividiu novamente em duas partes. A ocidental com capital em Roma e a oriental em Constantinopla. O Império do Ocidente durou até 476, quando os bárbaros conquistaram a sua capital. O do Oriente teve vida mais duradoura, até o século XV, sob o nome de Império Bizantino.

Antiguidade Oriental

Antiguidade Oriental
Como já apontado, nesse recorte estão inseridas uma série de sociedades. No entanto, pela vastidão e complexidade do tema, na presente seção serão apresentadas algumas delas, tendo como critério de seleção aquelas que são mais difundidas junto à sociedade contemporânea e, usualmente, são mais abordadas em livros, teses e dissertações.

 

Egito
Normalmente, o que é designado como Egito Antigo pode ser dividido em vários períodos, devido às características de cada uma de suas fases, dispensando, consequentemente, um entendimento monolítico de todas as fases da História desta sociedade do passado. A seguir, uma divisão da História do Egito Antigo proposta pelo egiptologista J. Martin Plumley, da Universidade de Cambridge:


Baixo Egito e Alto Egito
Unificação: 3.200 – 2.800 a.C.

Período Arcaico 
(c.3.100 – 2.700 a.C.)

Reino Antigo: Mênfins 
(c. 2.700 – 2.500 a.C.)

Reino Médio: Tebas
(c.2.134 – 1786 a.C.)

Reino Novo (c.1575 – 1087 a.C.)

Período Tardio (c.1087 – 332 a.C.)

Nova divisão
Alto e Baixo Império

Conquista pelo exército da Pérsia (525 a.C.)

Alexandre o Grande (332 a.C.)/Ptolomeu (322 a.C.)/Província Romana (30 a.C.)

A princípio, mais do que datas, nomes e decorar as capitais de cada fase da História do Egito, o importante é entender, a partir desse caso, que cada fase vai guardar particularidades, mas, também, semelhanças uma entre as outras. Além disso, que as sociedades não são monolíticas e que, com o passar do tempo, mesmo com fatores de continuidade, existem os de ruptura, que caracterizam, assim, cada época.
Resumidamente, o Egito desenvolveu-se ao longo do Nilo, que servia como meio de transporte, lingando o Alto e o Baixo Egito, grosso modo, Norte e Sul, permitindo a extensão da fronteira sul até o atual Sudão – de onde os egípcios chegaram a extrair ouro. Em virtude do rio, os egípcios desenvolveram a irrigação para incrementar a agricultura, diques para conter suas cheias e reservatórios de água. No âmbito externo, tinham contato e transações comerciais com povos que habitavam a região do atual Oriente Médio.
Agrega-se que o Egito teve mais de trinta dinastias, faraós (reis com caráter divino, que recebiam a adoração dos seus súditos e, ao mesmo tempo, eram sumo sacerdotes), sendo este indivíduo considerado o próprio Estado, que, a seu turno, era teocrático. No topo da pirâmide social estavam, além dos faraós, os sacerdotes, a aristocracia guerreira e os escribas. Em uma economia agraria e pastoril, a base era formada por artífices, camponeses e escravos.
Por fim, sobre o Egito Antigo é correto afirmar que, neste período histórico, havia significativo conhecimento da medicina (comparativamente a outros povos da época) em virtude do processo de mumificação (que envolvia aspectos religiosos) e consequente contato com o corpo humano; foram construídas as conhecidas pirâmides de Gizé (que são templos funerários e pela necessidade de fazer obra de tão alto porte em curto período, a construção impactou negativamente a economia); o emprego da matemática para a construção das pirâmides; e até mesmo indícios de atividades de proteção/amparo que alguns autores fazem analogia com atividades securitárias da atualidade, pois pedreiros contribuíram para uma espécie de fundo coletivo, a fim de ajudá-los em casos de “acidentes de trabalho”, como os que recorrentemente ocorriam nas obras das pirâmides.

 

 

Mesopotâmia

Sobre a Mesopotâmia menciona-se, primeiramente, que o termo é proveniente do grego, significando, em português, entre rios. Neste caso, refere-se à área entre o Tigre e o Eufrates – os mesmos rios que estão presentes na narrativa bíblica (Genesis 2), sendo esta a região da localização do Jardim do Éden de acordo com o livro sagrado cristão. Na atualidade, a Mesopotâmia antiga confunde-se com parte do território do Iraque.
Grosso modo, a Mesopotâmia foi ocupada por vários povos. Os mais citados são os sumérios, acádios, amoritas, assírios e caldeus, que desenvolveram, por vários séculos, atividades mercantis, culturais (como a escrita e a literatura) e político-administrativas, como as diversas teocracias espalhadas pela região.
Em torno de 2.000 a.C., a cidade da Babilônia iniciou um significativo processo de desenvolvimento e, ainda, exerceu influência nas urbes em seu entorno. Porém, foi no período do reinado do amorita Hamurábi (c.1792 – 1750 a.C.), que o poderio babilônico expandiu-se ao longo da Mesopotâmia.
Sobre o referido rei, este é conhecido pelo Código do Hamurábi, encontrado em 1901, em Susa, no atual Irã, por arqueólogos franceses, sendo, hoje, parte do acervo do museu do Louvre, em Paris. Entendido como o principal legado mesopotâmico em termos de lei, com 282 artigos, que versavam sobre aspectos relativos à medicina de então, questões familiares, como o divórcio (podendo este ser, inclusive, demandado pela mulher), econômicas (com a previsão de que participantes de um empreendimento comercial, como mercadores, se associassem para ressarcir aquele que sofresse alguma avaria em suas viagens comerciais) e políticas, contendo as obrigações do líder máximo da Babilônia para com os seus súditos.
Ainda sobre o Código, com esse o rei agia no sentido de promover a unidade jurídica dos seus domínios, bem como este conjunto de leis tinha como princípio a leio de Talião (palavra derivada do latim talionis, que significa “como tal”, “idêntico”), ou seja, “Olho por olho, dentre por dente”. Assim, a punição baseava-se na reciprocidade do crime e da pena.
Também durante o seu reinado, Hamurábi teve como princípios políticos-administrativos a organização do Estado, a burocracia centralizada e o objetivo de recompor economicamente os seus domínios. Concomitantemente, o rei esteve envolvido em vários conflitos pelo controle da Mesopotâmia, sendo que, após a morte de Hamurábi, a Babilônia entrou em decadência.
Entre os séculos IX e VIII a.C. os assírios dominaram regiões da Babilônia, bem como da Síria, Palestina e Egito. Ao mesmo tempo associado por parte da historiografia relativa à Antiguidade à extrema violência de suas ações militares, o Império Assírio teve em Nínive uma grande biblioteca, cujo acervo estava escrito em tabletes de argila – fato, inclusive, que permitiu que parte de suas obras chegasse à atualidade.
Com o óbito do rei assírio Assurbanipal (690 – 627 a.C.), o caldeu Nabopolossar (625 – 605 a.C.) liderou, juntamente com outros povos da Mesopotâmia, levante contra o domínio dos assírios. Nínive foi destruída e Nabopolossar migrou para a Babilônia e transformou a cidade na capital do segundo Império da Babilônia, também designado como Neobabilônico. Nessa época houve, no período de 605 – 562 a.C., o reinado de Nabucodonosor II (c.634 – 532 a.C.) – personagem que também consta da narrativa bíblica – sendo uns dos agentes responsáveis pelo exílio do povo hebreu na Babilônia.
O Império Neobabilônico contribuiu para o conhecimento científico de então. Em virtude dos credos religiosos vinculados aos astros, na Babilônia de Nabucodonosor II desenvolveram-se estudos sobre os corpos celestes. Assim, a partir de questões vinculadas ao universo religioso, houve o desenvolvimento da astronomia e da matemática. Ampliou-se, igualmente, nestes tempos, os saberes relacionados à medicina e à farmacologia.
A cidade da Babilônia chegou a ter mais de 200.000 habitantes – aproximadamente o mesmo número de almas que municípios brasileiros como Cabo Frio (RJ), Passo Fundo (RS) e Chapecó (SC) abrigam e, na Europa, Cascais (Portugal), Bourdeaux (França) e Pádua (Itália) possuem. Apesar do alto número de habitantes para a época e do desenvolvimento intelectual que a Babilônia logrou, o segundo Império teve duração efêmera. Em 539 a.C. foi invadido pelos persas, liderados por Ciro e, a partir de 330 a.C., a região caiu sob o jugo grego. 

 

 

 

Hebreus

Também originários da região da Mesopotâmia, mais precisamente de Ur, na Caldeia, estão os hebreus. Não é a única, mas uma importante fonte (e de fácil acesso à sociedade ocidental contemporânea) para a reconstituição de parte da história deste povo é a Bíblia. Encontra-se, no Velho Testamento, mais especificamente no livro de Gênesis, o surgimento dos hebreus, com o patriarca Abraão (c. 1.800 a.C.) – sendo o personagem bíblico contemporâneo ao amorita Hamurábi, trabalhado anteriormente.
Abraão estava inserido em uma cultura politeísta e, conforme relatado em Gênesis, YHWH (Javé/Jeová/Em hebraico, יהוה‎) revelou-se ao patriarca como o único Deus, sendo, à altura, o monoteísmo algo extremamente novo e uma especificidade do povo que estava a ser formado a partir do caldeu. Na aparição, Deus prometeu a Abraão e à sua descendência as terras da Palestina, bem como criar, a partir deles, um povo numeroso, incontável como as estrelas do céu.
Uma vez na terra prometida, Abrãao e seus descendentes viviam da agricultura e do pastoreio, até que, em torno de 1.700 a.C., em um contexto de adversidades, estes emigraram para o Egito, onde terminaram sendo escravizados pelos faraós por aproximadamente 400 anos.
Por volta de 1.300 a.C., segundo a tradição judaico-cristã, Deus escolheu Moisés como libertador dos hebreus. Na fuga do Egito e da perseguição das tropas de Faraó, de acordo com o livro de Gênesis, Deus abriu o mar Vermelho para os hebreus fugirem do cativeiro egípcio. No deserto, deu-lhes os Dez Mandamentos. A partir deste código de conduta, os hebreus ganhavam regras religiosas, como cultuar, adorar e servir somente ao único e verdadeiro Deus, YHWH, que havia revelado-se séculos antes a Abraão, e, também, normas morais, como não matar, não furtar, não adulterar e não cobiçar o que é do próximo.
Após a morte de Moisés, seu sucessor, Josué, liderou os hebreus na missão em direção à Terra Prometida. O livro de Josué narra estes adventos, encontrando-se aí episódios como a destruição das muralhas de Jericó (tida como a mais antiga cidade da História, tendo surgido na Palestina em torno de 9.000 a.C.) e a conquista da terra que Deus prometera séculos antes ao patriarca Abraão.
Uma vez estabelecidos na Terra Prometida, os hebreus foram governados por Juízes (uma teocracia que durou aproximadamente 450 anos) e, posteriormente, pelos reis Saul (c.1020 a.C), Davi (1004 – 965 a.C.) e Salomão (965 – 930 a.C.). Esses reinados duraram cerca de 100 anos, perpassando os séculos XI e X a.C. Segundo a tradição bíblica, Salomão é o homem mais rico de toda a Terra até os dias de hoje. O reinado de Davi foi um período de apogeu dos hebreus – inclusive a bandeira do atual Estado de Israel faz menção ao referido monarca, com sua estrela gravada. Também foi nos tempos deste rei que Jerusalém tornou-se a capital do reino de Davi.
Segundo os relatos bíblicos, Davi errou inúmeras vezes, porém, o seu verdadeiro arrependimento e a sua intensa busca a YHWH acabaram por fazer-lhe um homem segundo o coração de Deus. Desse modo, surgiu a promessa divina de levantar da descendência de Davi o Messias (II Samuel 7:12), o redentor de Israel e da humanidade, o Cristo – para os cristãos, esse descendente é Jesus, o primogênito de José e Maria (ambos descendentes de Davi), o Deus que encarnou e nasceu da virgem para salvar o homem de suas misérias terrenas e espirituais, bem como para dar a salvação eterna a todo aquele que crer que Ele seja o Messias  (Mateus 1:1, Lucas 3:23-38, Atos 2:29-30, 2 Timóteo 2:8). O Jesus dos cristãos ainda foi definido por João Batista como “o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo”(João 1:29).
Retomando os tempos de Salomão, mais especificamente à questão da sucessão ao trono de Israel, pode-se afirmar que este foi um processo turbulento, que culminou na divisão do antigo reino de Davi em dois: o do norte, Israel, com capital em Samaria, tendo como rei Jeroboão, e o do sul, Judá, sendo Jerusalém a sua capital, e Roboão, filho de Salomão, o seu rei. As tramas envolvendo a cisão de Israel e os aspectos políticos e militares desse tema da História estão no Antigo Testamento, mais especificamente em I Reis.
Na década de 720 a.C., a expansão dos assírios levou-os a conquistar Israel, levando consigo vários dos seus habitantes para a Assíria. Em 586 a.C., durante o reinado de Nabucodonosor II, o Império Neobabilônico conquistou Judá, destruiu Jerusalém e levou para o exílio boa parte da população hebreia. Só permaneceram na região os mais pobres. Os mencionados acontecimentos estão em II Reis, bem como nos livros bíblicos de diversos profetas, que, segundo a tradição judaico-cristã, foram usados por YHWH para advertir aos hebreus que os seus maus caminhos, contrários aos padrões espirituais e morais divinos, culminariam na sua subjugação aos seus inimigos. Assim, Amós e Oseias profetizaram para Israel e Joel, Isaias, Miqueias, Naum, Habacuque, Sofonias e Jeremias trouxeram revelações divinas aos habitantes e lideres políticos de Judá.
No exílio babilônico surgiram conhecidos personagens da tradição judaico-cristã, como, por exemplo, o profeta Daniel, que por ser de família abastada de Jerusalém fez parte da corte de Nabucodonosor II; seu contemporâneo Ezequiel, que, no exílio, profetizou o retorno dos cativos à sua terra de origem; e Esdras e Neemias, que estiveram envolvidos no retorno dos exilados a Jerusalém – após decreto do rei da Pérsia, Ciro, de c. 538 a.C., que permitiu o retorno dos judeus à cidade santa.
A região da Palestina ainda passou pelos domínios persa (450 – 333 a.C.), macedônico (333 – 323 a.C.), egípcio (323 – 198 a.C.), sírio (198 – 166 a.C.) e romano (a partir de 63 a.C.).

 

 


Fenícios

Comumente, sobre os fenícios, esses estabeleceram-se, em aproximadamente 3.000 a.C., na área que abarca partes do que hoje é o Líbano e a Síria. Sua organização política dava-se através de cidades-estados, que, muitas das vezes, rivalizavam entre si. Economicamente, em função de ocuparem uma estreita faixa de terra do atual Oriente Médio e terem significativo território banhado pelo Mediterrâneo, a opção marítima foi adotada por este povo, que destacou-se pela atividade mercantil, estabelecendo uma série de colônias em áreas do norte da África e do sul da Europa.
Observa-se, então, que os fenícios chegaram a realizar intercâmbios comerciais com áreas tão distantes entre si como a Península Ibérica e o Reino de Israel. Além disto, entre os fenícios havia os trabalhos livre e escravo.
No que refere-se às principais cidades, podem ser mencionadas Biblos (2.500 a.C.), Sidon (1.500 – 1.300 a.C.) e Tiro (do século XII ao VI a.C.), que tiveram seu auge em função das atividades comerciais marítimas nos períodos apresentados. Por demandas da atividade mercantil, em substituição aos hieróglifos, os fenícios desenvolveram uma escrita própria, com 22 letras, que, posteriormente, foi adotado por gregos e romanos, resultando, em período bastante posterior, no alfabeto da língua portuguesa e, igualmente, de tantos outros idiomas do Ocidente.
A decadência de Tiro deu-se em função da concorrência de comerciantes gregos e de Cartago – fundada pelos fenícios no norte da África. Os cartagineses acabaram por conquistar diversas colônias fenícias em solos europeu e africano. Igualmente, a região ocupada pelos fenícios no atual Oriente Médio foi invadida por persas, macedônios e por Alexandre, o Grande.

 

 

Pérsia
De uma maneira geral, quando fala-se da Pérsia, faz-se analogia com o atual Irã, país que abriga parte importante dos vestígios da referida civilização antiga. No século VI a.C., tendo o imperador Ciro à frente, os persas estenderam-se em direção à Ásia Menor e à Babilônia. Cambises e Dario I, sucessores de Ciro e, respectivamente, seu filho e neto, expandiram a fronteira até o norte da África e alcançaram as margens do Danúbio, na Europa, e do Indo, na Ásia Central. Por outro lado, malograram no intento de conquistar a Grécia.
Resumidamente, a estratégia de dominação persa consistiu em negociações políticas com os elementos provenientes das áreas conquistadas, permitindo, assim, que diversos atores locais comandassem as regiões subjugadas e mantivessem suas tradições. Porém, não pode-se ignorar que os invasores estabeleciam exigências aos povos conquistados. Esses deveriam pagar tributos obrigatórios ao Imperador persa e, ainda, conviviam com a coerção militar.
Como os demais impérios e reinos tratados nos tópicos anteriores, o Persa também sucumbiu frente a uma nova força que surgia no mundo antigo: o Império Macedônico, em 330 a.C..

Padre António Vieira: algumas questões sobre o sermão da sexagésima

Fábio Ferreira
Padre Antônio Vieira nasceu em Lisboa no ano de 1608 e veio com a sua família para o Brasil, mais precisamente para a Bahia, em 1614, quando tinha apenas seis anos de idade. Pouco tempo depois, ingressou no Colégio dos Jesuítas, do qual não mais se afastou. Seu primeiro sermão foi o Sermão XIV da série Maria, Rosa Mística, pregado em 1633, e dois anos após, foi ordenado sacerdote.

Na resistência moral à invasão holandesa na Bahia, o Padre Vieira teve papel importante, que pode ser constatado através dos seguintes sermões com os respectivos anos em que foram proferidos: Sermão de Santo Antônio, 1638; Sermão da Visitação de Nossa Senhora a Santa Isabel, 1638 e o Sermão pelo Bom Sucesso das Armas de Portugal contra as de Holanda, 1640.

Em 1641, logo que soube que o país onde nascera havia libertado-se do domínio espanhol, viajou para Portugal, na denominada “embaixada de fidelidade” ao novo rei. No Reino, participou ativamente da vida política da época, colocando-se em defesa dos cristãos-novos e suscitando o ódio da Inquisição, tendo problemas com esse segmento da Igreja Católica. Sua defesa aos cristãos-novos fica explicita na “Proposta a El-Rei D. João IV”, que também continha um plano de recuperação econômica para o Portugal. No ano seguinte, foi nomeado pregador régio.

Em 1649, sofreu a ameaça de ser expulso da Ordem dos Jesuítas, no entanto, D. João IV fez oposição àquela sanção. Anos depois, regressou ao Brasil, estabelecendo-se no Maranhão onde passou a dedicar-se à evangelização dos índios e à defesa destes contra os colonos. Tal conflito culminou com sua expulsão e de toda a Companhia no ano de 1661, quase dez anos depois do seu regresso ao Brasil. Retornando a Portugal, foi perseguido e processado pela Inquisição. Conseguiu livrar-se dos seus problemas com a Inquisição, que segundo Amora (2000) foi “conseguida por meios políticos” e assim “partiu para Roma, onde obteve a revisão de seu processo e voltou a conquistar ( no Vaticano e nas reuniões literárias da rainha Cristina da Suécia ), os antigos triunfos de excepcional pregador”.

Vieira voltou a Portugal em 1678, e no ano seguinte dá início a publicação de seus Sermões Completos. Ao retornar definitivamente à Bahia em 1681, reviu e organizou seus sermões para publicação. Padre Antônio Vieira morreu no dia 18 de Julho de 1697, no Colégio da Bahia, com 89 anos de idade.1

Sobre a sua literatura, pode-se classifica-la como pertencente ao período barroco. Sua obra constitui-se de cerca de 200 sermões2, 500 cartas – importantes documentos históricos que abordam a situação da Colônia, a Inquisição, os cristão-novos, a relação entre Portugal e Holanda, entre outros fatos – e, ainda, profecias. Considera-se que o melhor de sua obra encontra-se nos sermões que, em linguagem simples e sem torneios de estilo, revelam extraordinário domínio da língua, imaginação, sensibilidade, humanidade e convicções.

Utilizando-se da retórica jesuítica no trabalho das idéias e conceitos, Vieira mostrou-se um barroco conceitista, no desenvolvimento de idéias lógicas, destinadas a persuadir o público, e clássico na clareza e simplicidade de expressão. Seus temas preferidos foram: a valorização da vida humana, para reaproximá-la de Deus, e a exaltação do sofrimento, porque nele está o caminho da salvação.

Das obras do Padre Antônio Vieira, vamos destacar o Sermão da Sexagésima, pregado em 16553 na Capela Real, que versa sobre a arte de pregar em suas dez partes. Neste sermão, o Padre Vieira usa de uma metáfora: pregar é como semear. Ao traçar paralelos entre a parábola bíblica sobre o semeador que semeou nas pedras, nos espinhos (onde o trigo frutificou e morreu), na estrada (onde não frutificou) e na terra (que deu frutos), Vieira critica o estilo de outros pregadores contemporâneos seus, considerando que pregavam mal, pois pregavam sobre vários assuntos ao mesmo tempo, logo o resultado era a pregação de nenhum assunto, em decorrência disso, para Vieira, a pregação tornava-se ineficaz, a agradar aos homens ao invés de agradar a Deus.

Possivelmente, tal visão decorre de que é mais fácil pregar para agradar aos homens do que a Deus, pois quem está a ouvir, a seguir a religião, e a construir novos templos, são os homens e não Deus. Quem tem o poder para seduzir com bens materiais aqueles que pregam em nome de Deus – sejam esses pregadores Padres, Freis, Abades… – , é o homem, e não o próprio Deus. Então, é mais fácil pregar para os homens do que para Deus, talvez sendo daí o interesse demasiado em pregar para agradar aos homens. Também são os homens insatisfeitos que podem adotar outra religião – como ocorreu com aqueles que aderiram ao calvinismo, ao anglicanismo ou optaram por seguir o “luteranismo” – ou ainda são os homens que podem decidir por seguir a ala do próprio catolicismo que esteja a pregar da forma que mais convém ao ouvinte.

O assunto básico do sermão, à primeira vista, é a discussão de como é utilizada a palavra de Cristo pelos pregadores. Um olhar mais profundo mostra que o autor vai além do objetivo da catequese, adotando atitude crítica da codificação da palavra. Percebe-se, também, que o Sermão é usado como instrumento de ataque contra a outra facção do Barroco, representada pelos chamados cultistas ou gongóricos.

No Sermão da Sexagésima, Vieira expôs o método4 que adotava nos seus sermões:

1. Definir a matéria.

2. Reparti-la.

3. Confirmá-la com a Escritura.

4. Confirmá-la com a razão.

5. Amplificá-la, dando exemplos e respondendo às objeções, aos “argumentos contrários”.

6. Tirar uma conclusão e persuadir, exortar.

Vale ressaltar o contexto histórico da época do Padre, uma época onde varias atitudes tomadas pelo catolicismo eram apoiadas inclusive pelo próprio poder temporal – já que não é simples separar a Igreja e o Estado português neste momento da história -, como converter almas ao cristianismo.

Nessa época, o mundo assistia: a Santa Inquisição a atuar em pleno vapor, que inclusive fez visitações ao Brasil colonial nas regiões Nordeste e Norte, além de em outras terras pertencentes ao Império Colonial Português como Angola, Madeira e Açores, e vale ainda citar que Goa possuía o seu próprio tribunal do Santo Ofício; também assistia-se a imposição do cristianismo para muitos índios no Brasil; além dos negros africanos que para cá foram trazidos e também foram-lhes imposto o catolicismo.

Considerando o contexto de conversões forçadas da época do Padre Vieira e analisando apenas o sermão que fora pregado em 1655, o padre aparenta ser contra a conversão forçada que imperava no período. No entanto, em alguns sermões ele justifica a escravidão, tanto indígena quanto a negra, com argumentos religiosos, como o de que no juízo final esses escravos terão suas almas salvas, no Céu serão servidos pelo próprio Deus, ou ainda, a comparar o sofrimento dos escravos ao martírio do próprio Cristo.

É bem verdade que Vieira tivera problemas com os colonos no Brasil causados pela questão da escravidão, pois posicionava-se a favor da igualdade que não agradava em nada aos habitantes da Colônia e ao voltar ao Reino, não recebeu da regente Dona Luísa o mesmo apoio que fora dado a ele por D. João IV (que a essa altura já havia falecido), além de a Inquisição ter-lhe proibido em 1663 de pregar em terras portuguesas.

Vieira questionava a escravidão e a desigualdade com argumentos como que um dos Reis Magos era negro5; “hei-de ser vosso senhor, porque nasci mais longe do sol, e que vós haveis de ser meu escravo, porque nascestes mais perto?!”; e que ao ser batizado, todos são iguais perante Deus, meio da irmandade entre todos os seres humanos; e ainda como afirma Bosi “Do ponto de vista da ortodoxia Vieira sabia-se respaldado por vários documentos de papas favoráveis à liberdade dos índios (…)”

No entanto, Bosi ainda mostra que “sob o pretexto de guerra justa, a Igreja permitira o cativeiro…” e Vieira possuía a mesma postura ambígua e contraditória de sua Igreja: “Não é minha tenção que não haja escravos, antes procurei (…) que se fizesse (…) [o] cativeiro lícito”. Pode-se entender que a adoção da idéia de cativeiro lícito foi uma forma de conciliar os interesses, uma concessão por parte de Vieira para amenizar os problemas que estava a ter com os colonos cá no Brasil.

Assim, “chega o momento da proposta conciliadora que Vieira apresenta aos colonos renitentes”, que classifica as populações que tinham a possibilidade de ser escravizadas no Maranhão em três grupos que são “os escravos que já estão na cidade”, que tem o direito de escolher se continuam a trabalhar ou não; “os que vivem nas aldeias de el-rei como livres”; e os que “vivem nos sertões”, que só poderiam ser trazidos aqueles que estivessem presos em tribos inimigas e para serem mortos, é o que justificava a escravidão.

Também é valido ressaltar que o discurso de Vieira para os escravos de origem africana era sempre a comparar o sofrimento deles ao martírio de Cristo, a persuadir os negros com a identificação entre eles e o Deus filho: “Em um engenho sois imitadores de Cristo crucificado: porque padeceis em um modo muito semelhante o que o mesmo Senhor padeceu na sua cruz, e em toda a sua paixão”.

Sobre a escravidão dos povos de África, Vieira ainda afirma, no sermão XXVII, que o sacrifício que estavam a passar era compensador, pois assim essas almas estariam redimidas por terem no passado seguido religiões pagãs ou terem vivido sob o Império Islão, e que o cativeiro era algo somente terreno, além de ser um meio para em um plano superior conseguirem a liberdade, e a liberdade eterna, a liberdade da alma.

Vieira ainda afirmou que “todos aqueles escravos que neste mundo servirem a seus senhores como a Deus (…) no Céu, senão o mesmo Deus em Pessoa, o que os há-de servir”.

Portanto, é evidente a postura contraditória do Padre Antônio Vieira, pois ora ele posiciona-se a favor das populações oprimidas pela escravidão, inclusive a incomodar os colonos – visto o problema que teve com estes no Maranhão, por exemplo -, ora ele justifica a escravidão com argumentos religiosos, principalmente nos discursos para os cativos.

Independente de ter sido a intenção de Vieira ou não, fato é, que argumentos religiosos muitas vezes são usados para tentar manipular populações de acordo com os desejos e as necessidades da classe dominante. Pois ao causar medo nos ouvintes da fúria de um Deus impiedoso ou prometendo para injustiçados e para aqueles que a vida era uma completa desgraça – como no caso dos escravos – uma vida melhor e mais justa em um outro plano, o espiritual, que é superior e eterno, acaba por fazer que essas populações tenham esperança de conseguir a liberdade um dia, nem que seja no pós-morte. Muitos dos argumentos utilizados para os escravos por parte de Vieira podem ser entendidos como uma maneira de “acalmar os ânimos” das vítimas da escravidão, fazendo com que essa população passe a conformar-se com o seu estado de subjugação e projete para um plano superior a solução dos seus problemas, que na verdade eram insolúveis.

Mas por mais que argumentos religiosos tenham tentado fazer com que essas populações aceitassem passivamente a sua situação por estar a serviço de uma Igreja – que era altamente atrelada a um Estado que tinha como base na Colônia a escravidão de índios em um primeiro momento e depois de negros africanos -, ou de classes que tinham interesse na escravidão, se essas populações aceitaram tal discurso religioso quem sabe não é porque tiveram realmente as suas sofridas almas confortadas por ele ou por outros sacerdotes. Por mais resistências em relação ao cristianismo que tenham havido por parte de índios e negros, aceitar a religião do dominador, daquele que o escraviza é algo realmente difícil, e se aconteceu, quem sabe em parte não foi por pregadores dotados de uma grande capacidade de persuasão, como era o caso de Vieira.

Sobre o Sermão da Sexagésima, seu autor interessava saber o motivo de a pregação católica estar surtindo pouco efeito entre os cristãos. “Sendo a palavra de Deus tão eficaz e tão poderosa”, pergunta ele, “como vemos tão pouco fruto da palavra de Deus?” Depois de muito argumentar, Vieira conclui que a culpa é dos próprios padres. “Eles pregam palavras de Deus, mas não pregam a palavra de Deus”, afirma. Dito de outra maneira, o jesuíta reclama daqueles que torcem o texto da Bíblia para defender interesses mundanos. No sermão proferido, o Padre também procura criticar a outra facção do Barroco, logo a utilizar o púlpito como tribuna política.

No entanto, se muitas vezes o Padre Antônio Vieira procurava conduzir a opinião pública de acordo com a sua visão, transformando o púlpito em tribuna política, isto não era uma característica somente sua : “no século XVII, como frisou C. R. Boxer, o púlpito desempenhava também funções que hoje cabem aos jornais, à rádio, à televisão, enquanto instrumentos nas mãos dos governantes.”6

Notas
1 – Disponível em: http://www.vidaslusofonas.pt/padre_antonio_vieira.htm.

2 – PIRES, Maria Lucília Gonçalves. Disponível em: http://www.ipv.pt/millenium/ect8_mluci.htm.

3 – AMORA, Antônio Soares. Sermões: problemas sociais e políticos do Brasil. São Paulo: Editora Cultrix, 2000.

4 – Disponível em: http://www.terravista.pt/portosanto/3161/pantvieira.html

5 – Ver Bosi, Alfredo. A dialética da Colonização, SP: Companhia das Letras, 1992, p.135

6 – Disponível em: http://www.terravista.pt/portosanto/3161/pantvieira.html

Bibliografia e Sítios Consultados

AMORA, Antônio Soares. Sermões: problemas sociais e políticos do Brasil. São Paulo: Editora Cultrix, 2000.

BOSI, Alfredo. A dialética da Colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.

PIERONI, Geraldo. Os Excluídos do Reino: A Inquisição Portuguesa e o Degredo para o Brasil Colônia. Brasília: Editora UnB e São Paulo: Imprensa Oficial, 2000.

SOUZA, Laura de Mello e. O Diabo e a Terra de Santa Cruz: Feitiçaria e religiosidade popular no brasil colonial. São Paulo: Companhia das Letras, ????.

VIEIRA, Padre Antônio. Sermões: texto integral. Distribuído em sala de aula, 2001.

http://www.ipv.pt/millenium/ect8_mluci.htm

http://www.palavraeutopia.com/

http://www.terravista.pt/FerNoronha/1854/vieira1.html

http://www.terravista.pt/portosanto/3161/pantvieira.html

http://www.vidaslusofonas.pt/padre_antonio_vieira.htm