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O General Lecor e a Escola de Lancaster: Método e instalação na Província Cisplatina

Texto de Fábio Ferreira

1. Introdução

O método de ensino desenvolvido pelo quaker Joseph Lancaster (1778– 1838) foi instalado na Província Cisplatina a época em que o General Carlos Frederico Lecor, o Barão da Laguna, esteve a frente do governo da mesma, sendo este o objetivo do trabalho, apresentar brevemente em que consiste tal método e como decorreu a sua instalação na província integrante do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve.

Assim, o item seguinte é referente ao método de ensino desenvolvido por Lancaster, que, a grosso modo, consiste no fato de que um único mestre instrua, com a ajuda de monitores, até mil alunos, e que cada pupilo, em oito meses, possa aprender a escrever, ler e contar1. Foi aplicado em diversas partes do globo, desde a Inglaterra, onde o quaker iniciou o seu emprego, até a Suécia, Peru e Rússia, passando por Portugal, Chile e Brasil. Deste modo, o item aborda a difusão do método em diversas partes do planeta.

Na porção americana dos domínios joaninos, o método esteve presente em várias províncias, como, por exemplo, Minas Gerais, Mato Grosso e, como foi evidenciado, na Cisplatina. Portanto, o terceiro item é referente à implementação da escola e da sociedade lancasteriana na Província Cisplatina.

Assim, o presente artigo, faz breves considerações a respeito da Escola de Lancaster e a sua implementação na então Província Cisplatina, que dá-se durante a administração Lecor.

 

2. O método de Lancaster

O método de ensino de Lancaster, também conhecido como método de ensino mútuo ou monitorial, surge na Inglaterra do final do século XVIII, sendo contemporâneo, por exemplo, à atuação de Johann Heinrich Pestalozzi (1746 – 1827) e do pastor anglicano Andrew Bell (1753–1832) na área da educação.

A respeito de Bell, observa-se que ele divide com Lancaster o crédito de ser o criador do método de ensino mútuo, que constituí no fato de monitores, que são alunos mais avançados e instruídos diretamente pelos mestres, ensinarem a outros educandos. Deste modo, cada monitor tem os seus discípulos, que, segundo Larroyo (1974), variam entre dez e vinte.

Entretanto, Bell e Lancaster iniciam as suas atividades separadamente. O primeiro começa a aplicação do método mútuo em Madras, no ano de 1789, em uma escola instituída pela Companhia das Índias Orientais para os filhos dos soldados britânicos. O segundo emprega o seu método a partir de 1798, na Inglaterra, mais especificamente em Londres, ao criar uma escola para crianças pobres.

É notória a similaridade entre os sistemas de ensino de Lancaster e o de Bell, tanto que atribuí-se aos dois a criação do método mútuo. Contudo, existem diferenças em alguns pontos, como, por exemplo, no fato de que Lancaster

“(…) propunha, de fato, uma educação religiosa aconfessional (undenominational) e o anglicano Bell uma educação no espírito da Igreja oficial, que (…) acabou prevalecendo. Surgindo assim duas sociedades: a Real Instituição Lancasteriana (depois, Sociedade para a Escola Britânica e Estrangeira), e a Sociedade Nacional para a Promoção da Educação dos Pobres nos princípio da Igreja constituída.”2

Sobre as vantagens atribuídas ao método de ensino mútuo está o seu baixo custo, e possibilitar a instrução a um número maior de pessoas em uma sociedade onde há a escassez de mestres. Destarte, estende-se o acesso à educação as classes mais baixas, pois um só professor poderia instruir um grande número de alunos, um número superior comparado com outras metodologias, pois, conforme Larroyo (1974, p.594) afirma, com a atuação dos monitores necessitava-se de menos mestres, devido ao fato de que “Os alunos de toda uma escola se dividem em grupos que ficam sob a direção imediata dos alunos mais adiantados, os quais instruem a seus colegas na leitura, escrita, cálculo e catecismo, do mesmo modo como foram ensinados pelo mestre, horas antes”.

A respeito do método observa Manacorda (1992, p.258) que “(…) em 1811, na Inglaterra, contavam-se quinze escolas com 30 mil alunos” e que, comparado com as escolas tradicionais, o ensino mútuo pode instruir “(…) até mil alunos com um só mestre, frente aos cinqüenta em média instruídos nas classes tradicionais através do ensino individual (…)”.

A respeito do local onde ministravam-se as aulas, observa-se que estas eram realizadas em espaços bastante grandes, em salas espaçosas, com os alunos distribuídos de acordo com o aproveitamento e o mestre a encontrar-se na extremidade, sentado em uma cadeira alta, a supervisionar as atividades. Almeida (2000, p.60) observa que “Durante as horas de aula para as crianças, o papel do professor limitou-se à supervisão (…)” e que estes davam aulas, diretamente, somente aos monitores.

Além do mestre, o inspetor era outro funcionário importante, pois este “(…) se encarrega de vigiar os monitores, de entregar a estes e deles recolher os utensílios de ensino, e de apontar ao professor os que devem ser premiados ou corrigidos.”3

Sobre os utensílios de ensino, são utilizadas pequenas tábuas com areia, onde os alunos escrevem com os dedos, além de lousas, sendo as pequenas para escreverem e as grandes para lerem. Salienta-se também que, no caso dos livros, estes são abolidos, a constituir, deste modo, uma inovação no que tange o emprego de materiais didáticos.

Agrega-se, ainda, a observação de Almeida (2000, p.60) a respeito dos aspectos positivos do método de ensino que está a ser abordado: “A vantagem deste ensino, quando convenientemente instalado, utilizado e equipado, é exercitar a emulação dos alunos e ter pessoal de ensino bem restrito. Tem ainda a vantagem de fazer que nenhuma criança fique desocupada durante as aulas, o que é muito freqüente no ensino simultâneo”

Porém, é válido ressaltar que, embora seja atribuída a possibilidade de expandir a educação através deste método de ensino, Manacorda (1992, p.260), por exemplo, taxa-o de mecânico, de possuir uma disciplina “meio militar e meio industrial”, fomentador da competição entre os alunos e dotado de excesso de espírito militarista. Larroyo (1974, p.594) compara o método à uma fábrica, onde o mestre seria o chefe do estabelecimento industrial, pois o professor “(…) tudo vigia e intervém nos casos difíceis.”

Entretanto, apesar destas observações, o método de ensino mútuo expande-se muito por obra de Lancaster e, segundo Manacorda (1992, p.258), indo além do ensino elementar masculino, sendo adotado pelo “(…) ensino feminino, para a educação de adultos e para as escolas de nível superior, não somente de ´gramática’, mas também de música e ginástica” e, também, ultrapassa as fronteiras da Inglaterra, a espalhar-se pelo mundo anglófono: “(…) em 1806 já existiam centros de ensino mútuo em Nova Iorque, na Filadélfia, em Boston e, em seguida, em Serra Leoa, na África do Sul, na Índia, na Austrália (…)”.

Ainda no que tange a propagação do ensino mútuo, Chizzotti (1996, p.36) observa que “(…) disseminara-se como um novo e revolucionário método de multiplicar a difusão da instrução, espalhando-se em alguns países europeus como meio mais rápido e eficaz de estender a educação gratuita, associando-se ao método a idéia de que fora um dos fatores de sucesso do capitalismo inglês.”

No entanto, este método de ensino não fica restrito a Inglaterra, nem à outras localidades anglófonas. França (1814), Suécia (1817) e Rússia (1824)4 adotam o ensino mútuo. Em Portugal, a sua implementação data de 1815 pelas escolas militares, sendo que, já em 1816, é criada a primeira escola normal a seguir tal método de ensino5. Também em Espanha o exército utilizou-o, sendo este o primeiro intento de alfabetização da instituição, datando tal experiência do período do reinado de Fernando VII, mais especificamente, dos anos de 1821-22.6

No Novo Mundo, por exemplo, em Lima7 inicia-se, no ano de 1822, por ordem do general San Martín, o emprego do ensino mútuo através do método lancasteriano para a instrução primária. Em Caracas, por convite de Bolívar, o próprio Lancaster esteve na cidade na década de 1820, mesma década onde Guadalupe Victoria, primeiro presidente mexicano, uma vez no poder, auxiliou a Sociedade Lancasteriana. Neste mesmo decênio tal sociedade também foi criada no Chile e, ainda, a Constituinte brasileira adota o método de Lancaster, tendo o Imperador D. Pedro I, segundo Chizzotti (1996, p.36), através de um decreto, criado a Escola de Ensino Mútuo.

Entretanto, antes mesmo do decreto do primeiro imperador brasileiro, encontra-se em periódicos da época a procura de professores que lecionem através do método de Lancaster, como, por exemplo, no Diário do Rio de Janeiro, do dia 09 de julho de 18218, onde há tal solicitação. Além disto, em outra edição deste mesmo periódico, mais precisamente a do dia 12 de junho do mesmo ano, pode-se encontrar informações sobre a utilização de tal metodologia em África, Índia e América.

Observa-se, ainda, que na Província Cisplatina é fundada, em 1821, a sua Sociedade Lancasteriana, sendo a adoção do método de Lancaster por esta parte do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve o tema que constituí o próximo item do trabalho.

 

3. A instalação na Província Cisplatina

A Província Cisplatina, que, como já foi dito anteriormente, corresponde à atual República Oriental do Uruguai, é criada e anexada a monarquia portuguesa em 1821, no Congresso Cisplatino, mesmo ano em que constitui-se a sua Sociedade Lancasteriana.

Tal sociedade é criada durante a administração de Carlos Frederico Lecor, que desde 1817 está a frente do governo português instalado em Montevidéu.

Outro personagem que esteve ao lado de Lecor na implementação desta metodologia de ensino na Cisplatina foi o padre oriental Dámaso Antonio Larrañaga, freqüentemente associado à cultura e de ser o difusor da mesma no que é hoje o Uruguai. Segundo Narancio (1992), o sacerdote é uma das figuras mais destacadas da história deste país, sendo o fundador da Biblioteca Pública de Montevidéu e autor de várias obras científicas, literárias, históricas, religiosas e políticas. Pacheco e Sanguinetti (1985, p.415), a respeito do padre, afirmam que era “(…) destacado hombre de ciencia, no aventajado por ninguno de sus contemporáneos del Río de la Plata.”

Entretanto, antes mesmo de 1821 a administração luso-brasileira toma outras medidas referentes à educação. Cita-se, como exemplo, Abadie e Romero (1999, p.341) que afirmam que “Ya en los primeros meses de la administración lusitana, el Cabildo de Montevideo se ocupó de la rehabilitación de la Escuela Publica”. Deste modo, contrariam Felde (1919), que considera que a dominação lusa não teve nenhuma influência aportuguesadora no atual Uruguai, porque para tal é necessário escolas, professores, industria, artes, enfim, benefícios materiais e intelectuais, que a ocupação portuguesa não deixou. Esta teria sido estritamente militar.

Portanto, a ocupação portuguesa promove ações no âmbito da educação, sendo a introdução do método de ensino de Lancaster um indício de tal ato. Entretanto, a manutenção do castelhano na Cisplatina está vinculada as bases acordadas no Congresso Cisplatino de 1821, em que seria mantido o espanhol na nova província portuguesa.

Soma-se, ainda que, a Escola de Lancaster, segundo o historiador uruguaio Walter Rela9, pode ser taxado como um dos aspectos positivos do governo Lecor na Cisplatina, entretanto, sem ignorar o papel do oriental António Damaso Larrañaga.

Sobre a implementação propriamente dita do método de Lancaster, ela deve-se a chegada a Montevidéu de um inglês, que estava em Buenos Aires a propagar o método, o protestante e vendedor de Bíblias James Thomspson, “(…) propagandista del método que prestigiaba la Sociedad Lancasteriana de Londres.”10

Thompson, que chega a Montevidéu em 20 de abril de 1820, em epístola à sociedade londrina e citada por Abadie e Romero (ibid., p.342), afirma que ao chegar a cidade, o governador, o general Lecor, estava em Maldonado, e que então fora recebido por Larrañaga “(…) cura principal, hombre liberal y amigo particular del Gobernador”, que comprometeu-se a fazer o possível a favor da implementação do método que o inglês estava a propagar.

O papel do padre na implementação do método lancasteriano na Cisplatina e a sua relação com os ocupantes luso-brasileiros é assim tratado por Pacheco e Sanguinetti (1985, p.415): “Aún cuando los apremios de la hora lo llevaron a militar en la política portuguesa, Larrañaga aprovechó su condición especial de hombre de ciencia y de sacerdote, para llevar a cabo bajo dicha dominación, la implantación de la enseñanza lancasteriana o de enseñanza mutua (…)”

Assim, segundo estes autores, a relação de Larrañaga com os ocupantes luso-brasileiros seria baseada em uma forte dose de pragmatismo, e dentro desta postura, teria sido implementado o método de Lancaster na Cisplatina.

Devido a atitude de Larrañaga e a aprovação do Cabildo, Lecor autoriza a implementação do método no território que está sob a sua autoridade. É aprovada, inclusive, a construção do edifício onde a escola funcionaria, contudo, pela escassez de fundos, adota-se o primeiro piso do Forte para a sede da escola pública.

O espanhol José Catalá y Codina, que atuara com esta metodologia de ensino em Buenos Aires e que, segundo Pacheco e Sanguinetti (1985), era homem “de reconocida competencia”, é escolhido por Thompson para atuar na preparação da Sociedade Lancasteriana de Montevidéu e, uma vez inaugurada a escola, é o seu diretor.

Como matérias, a escola dirigida por Catalá y Codina lecionava “(…) lectura, escritura, aritmética, gramática y doctrina cristiana” e o ensino não era obrigatório

“(…) porque la daba una sociedad privada. Sería gratuita para los pobres, los ricos pagarían 6 reales al mes, pero si eran suscriptores sólo pagarían 5 pesos al año. (…) La edad mínima del alumno para ingresar sería de 6 años y las horas de clase de 7 a 10 y de 4 a 5; pero en Junio, Julio, Agosto, y Setiembre serían de 8 a 11 y de 2 a 4 y 30. Estaban prohibidos los castigos corporales o afrentosos.”11

A Sociedade Lancasteriana de Montevidéu foi constituída, segundo Abadie e Romero (1999, p.342), no dia 3 de novembro de 1821, tendo como presidente da sociedade o general Carlos Frederico Lecor, “(…) Juan José Durán y Juan Correa, como vicepresidentes; Francisco Solano de Antuña y Paulino Gonzáles Vallejo, como secretarios; Carlos Camuso, como tesorero y Juan Méndez Caldeyra, Jerónimo Pío Bianqui, Ildefonso García, Luciano de las Casas, Manuel Argerich y Francisco Juanicó, como vocales.”

É válido observar que dois dos membros da citada sociedade, Juan José Durán e Jerónimo Pío Bianqui, neste mesmo ano de 1821, integraram o Congresso Cisplatino – assim como Larrañaga –, sendo, inclusive, o primeiro o presidente do congresso onde foi votada a anexação do território oriental ao Reino Unido.

Assim, a Escola é fundada no dia 4 de novembro, dia de São Carlos Borromeo, em homenagem à Carlos Frederico Lecor, contando com a presença do próprio, além de outras autoridades e da população.

Entretanto, a duração da Escola de Lancaster na Província Cisplatina não é duradoura. Em 1822 é declarada a independência do Brasil e as tropas que ocupam a província – portuguesas e brasileiras –, dividem-se. Montevidéu fica sob o domínio dos lusitanos, e a campanha sob o controle das tropas fiéis a D. Pedro I e lideradas por Lecor. Trava-se uma luta entre estas duas forças.

A citada cisão e o conseqüente embate entre as tropas ocupadoras vem a afetar a Escola de Lancaster, pois, “Cuando en 1823 las dificultades políticas recrudecieron con motivo de la querella luso-brasileña, el director Catalá y el presbítero Lázaro Gadea fueron desterrados (…) Desgraciadamente, ello trajo por consecuencia el desquicio de la Escuela, la disolución de la sociedad que la sostenía, y por último el cierre del establecimiento.”

Assim, no ano de 1825, a Escola de Lancaster cerra as suas portas por fatores econômicos e pela falta de apoio social, já que os membros da sociedade diminuíram profundamente, de 130 que ela chegou a ter, para apenas 4. Além disto, a escola pública de Montevidéu, ao adotar o método de Lancaster, tinha a capacidade de ter cerca de 1000 alunos, enquanto que, na realidade, sempre esteve por volta de apenas cem.12 Então, as portas da escola se fecham, e inicia-se, em 1825, a luta pela separação da Cisplatina do Brasil, que mergulha o território em mais três anos de guerra.

Contudo, após a Independência da Cisplatina, o governo do Uruguai retoma o método lancasteriano de ensino mútuo, e as escolas deste país ficam sob a direção de Catalá y Codina, seguindo em voga tal metodologia até o ano de 1840.13

 

4. Conclusão

Assim sendo, o método de ensino mútuo, que teve como um dos seus grandes difusores ao redor do mundo a Sociedade ligada ao quaker Joseph Lancaster, esteve presente em diversos países, sejam eles da Europa, América ou até mesmo da Oceania.

Observa-se que o método veio ao encontro a uma necessidade que havia de alfabetizar a população, e que, se tal escola tinha os seus equívocos e, ainda, se possuía uma lógica meio militar, meio industrial, ela só prevaleceu pela escassez de mestres, sendo, assim, válida a intenção de estender o acesso à educação a diversas camadas da sociedade.

Observa-se ainda que no momento em que o método mútuo é desenvolvido por Lancaster, o analfabetismo estava presente em países europeus e nos EUA, pois muito da adoção do método de Lancaster era para fazer com que alunos aprendessem a ler, escrever e contar.

A respeito da escola na Cisplatina, é valido observar que ela teve vida curta, assim como a própria província, que, a partir de 1825 mergulha em uma guerra. Entretanto, observa-se que a criação da sua Sociedade Lancasteriana e a adoção do método de Lancaster não distanciam-se temporalmente de outras partes do globo, pois em França, Portugal e Espanha, por exemplo, a adoção dá-se, respectivamente, em 1814, 1815 e 1821/22, conforme demonstrado anteriormente. A instituição de tal metodologia em Lima, México e Caracas também é da mesma década que na Cisplatina, assim como na Rússia, Chile e Brasil.

Deste modo, pode-se perceber que o emprego de tal método na Cisplatina de Lecor dá-se em um contexto onde em diversas partes do mundo adota-se tal metodologia. Esta questão pode ser entendida como uma evidência de que tal ocupação teve alguma preocupação em gerar benesses ao território oriental, território este que poucos meses antes da criação da Sociedade Lancasteriana torna-se mais uma província dos domínios dos Bragança.

Entretanto, as razões para tal criação podem estar vinculadas a diversas razões, como a um projeto de Lecor para realizar melhorias nos novos domínios da monarquia portuguesa ou poderia, ainda, ser uma maneira de atender, agradecer e manter a cooptação aos orientais que votaram a anexação de tal território ao Reino Unido.

Entretanto, devido às mudanças na conjuntura política da Cisplatina, finda-se a Escola de Lancaster e da Sociedade de mesmo nome nesta província. Contudo, é ainda válido observar que mesmo com tais mudanças políticas na região e a criação da República do Uruguai, tal metodologia que fora empregada durante o governo de Lecor continua a ser adotada no governo republicano e independente, a permanecer até 1840 no Uruguai.

 

5. Notas

01 – Tal informação é transmitida pelo Cabildo de Montevidéu a Lecor e diz respeito ao que estava a ser feito na Europa. Informação disponível em: http://www.crnti.edu.uy/museo/paghist.htm

02 – MANACORDA, Mario Alighiero. História da Educação: da antiguidade aos nossos dias. São Paulo: Cortez; Autores Associados, 1992, p.258.

03 – LARROYO, Francisco. História Geral da Pedagogia. Tomo II. São Paulo: Editora Mestre Jou, 1974, p.594

04 – Disponível em: http://www.btinternet.com/~skua/school/frames.html

05 – Disponível em: http://educar.no.sapo.pt/modelos.htm

06 – Disponível em: http://www.mde.es/mde/mili/mili8.htm

07 – Disponível em: http://www.homenajear.com:8080/Homenajear/Efemerides/efemerides_x_fecha?dia=20&mes=9

08 – Diário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 09 de julho de 1821, p.54. Rolo: PR – SPR 5 (1). Acervo Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro.

09 – RELA, Walter. Entrevista concedida em 04/03/2004. In: Revista Tema Livre, ed.08, 23 abril 2004. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

10 – ABADIE, Washington Reyes e ROMERO, Andrés Vázquez. Crónica general del Uruguay. La Emancipación, vol. 3. Montevidéu: Banda Oriental, 1999, p.341.

11 – Disponível em: http://www.crnti.edu.uy/museo/paghist.htm

12 – Disponível em: http://www.rau.edu.uy/uruguay/cultura/histoweb1.htm

13 – Disponível em: http://www.crnti.edu.uy/museo/paghist.htm

 

6. Bibliografia e sítios consultados

ABADIE, Washington Reyes e ROMERO, Andrés Vázquez. Crónica general del Uruguay. La Emancipación, vol. 3. Montevidéu: Banda Oriental, 1999.

ALMEIDA, José Ricardo Pires de. Instrução pública no Brasil (1500-1889): história e legislação. São Paulo: EDUC, 2000.

ARAÚJO, Orestes. Historia de la Escuela Uruguaya. Disponível em: http://www.crnti.edu.uy/museo/paghist.htm

CHIZZOTTI, Antônio. A constituinte de 1823 e a educação. In: FÁVERO, Osmar. A educação nas constituintes brasileiras 1823-1988. Campinas-SP: Editora Autores Associados, 1996.

DUARTE. Paulo de Q. Lecor e a Cisplatina 1816-1828. v. 2. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1985.

FELDE, Alberto Zum. Proceso Histórico Del Uruguay. Montevideo: Maximino Garcia, 1919.

FERREIRA, Fábio. Breves considerações acerca da Província Cisplatina: 1821 – 1828. In: Revista Tema Livre, ed.06, 23 agosto 2003. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

___________________. A Presença Luso-Brasileira na Região do Rio da Prata: 1808 – 1822. In: Revista Tema Livre, ed.03, 22 out. 2002. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

LARROYO, Francisco. História Geral da Pedagogia. Tomo II. São Paulo: Editora Mestre Jou, 1974.

MANACORDA, Mario Alighiero. História da Educação: da antiguidade aos nossos dias. São Paulo: Cortez; Autores Associados, 1992.

NARANCIO, Edmundo M. La Independência de Uruguay. Madrid: Mapfre, 1992.

ORANTES, Alfonso. El método de enseñanza mutua de lancaster en américa latina, reconstruyendo su historia con una hoja de ruta. Disponível em: http://www.ucv.ve/ftproot/humanidades/xjornadasinvesteduc/resumenes/Area%20Hist%C3%B3rico.doc.

PACHECO, M. Schurmann e SANGUINETTI, M.L. Coligan. Historia del Uruguay. Montevidéu: Editorial Monteverde, 1985.

 

Para obter mais informações na Revista Tema Livre relacionadas ao primeiro quartel do século XIX, basta clicar nos ícones abaixo: (Em ordem alfabética)

Entrevista com a prof. Drª. Francisca Azevedo.

Entrevista com o prof. Dr. José Murilo de Carvalho.

Entrevista com o prof. Dr. Walter Rela.

Breves considerações acerca da Província Cisplatina: 1821-1828.

As incursões franco-espanholas ao território português: 1801-1810.

A política externa joanina e a anexação de Caiena: 1809-1817.

A Presença Luso-brasileira na Região do Rio da Prata: 1808-1822.

Moeda e Crédito no Brasil: breves reflexões sobre o primeiro Banco do Brasil (1808-1829)

A trajetória política de Artigas: da Revolução de Maio à Província Cisplatina.

Conheça outros artigos disponíveis na Revista Tema Livre na seção "Temas".

Prof. Dr. James Naylor Green (California State University)

A seguir, a entrevista que o brasilianista da California State University James Naylor Green concedeu à Revista Tema Livre, no dia 30 de julho de 2003, durante o XXII Encontro Nacional de História, em João Pessoa, na Paraíba. Na entrevista, o historiador fala da oposição ao regime militar brasileiro nos Estados Unidos, da sua atuação como militante em movimentos contra a Guerra do Vietnã e aos regimes militares latino-americanos, além dos seus trabalhos a respeito da América Latina. 

O brasilianista James N. Green durante a sua conferência no Simpósio.

O brasilianista James N. Green durante a sua conferência no Simpósio.

 

Revista Tema Livre – Primeiramente, qual o tema da sua conferência que será proferida hoje?

James Naylor Green – Eu vou falar sobre a oposição à ditadura militar brasileira, que foi realizada nos Estados Unidos nos anos 60/70. 

RTL – E como ocorreu essa oposição nos Estados Unidos?

Green –Primeiro, houve um contato de um grupo de brasileiros com clérigos e acadêmicos norte-americanos, em 69, pedindo ajuda para denunciar internacionalmente a tortura e a repressão no Brasil. Esses acadêmicos e clérigos montaram um comitê para tentar divulgar informações sobre a situação política no Brasil e enfrentaram um certo boicote, um bloqueio, uma filtração da mídia americana, que realmente não acreditava e não exigia provas da questão da tortura. Então, eles montaram todo um esquema de colocar artigos denunciando as torturas, fazendo outras atividades para romper esse bloqueio da informação da grande mídia norte-americana e, realmente, lograram fazer isso. Hoje à noite vou falar mais sobre a atividade dos brasilianistas, ou seja, os acadêmicos norte-americanos que estudam o Brasil, e que cumpriram um papel fundamental nessas campanhas de denúncia à ditadura militar, apoiando os abaixo-assinados, colocando avisos pagos no “The New York Times” denunciando, por exemplo, a prisão do Caio Prado Junior em 70, ou seja, tentando criar uma nova imagem do Brasil. O Brasil, antigamente, sempre foi visto como país tropical, de carnaval, de Carmem Miranda, dos índios, e essas pessoas tentaram colocar no imaginário americano outro tipo de realidade sobre o que estava acontecendo no Brasil nos anos mais difíceis da ditadura militar. 

RTL – E surtiu efeito?

Green – Eu acho que sim, ou seja, você não vai poder ver um efeito claro, direto, dramático. Mas, por exemplo, houve toda uma preparação, um trabalho, em 70, para influenciar um senador do Congresso Americano, que realizou, em 71, uma CPI sobre o apoio militar do governo americano ao Brasil. Então, esse senador, Franklin Church, realizou essa CPI em maio de 71, onde várias pessoas apresentaram provas da tortura no Brasil, a situação da repressão, etc e tal, onde eles tentaram fazer uma ligação entre a ajuda militar, a polícia, e essa tortura. O que, na verdade, não ficou muito claro porque não tinham acesso à documentação para provar isso naquela época. Mas, de qualquer modo, isso cria todo um impacto político no Congresso, na sociedade, em Washington, onde se realizou essa CPI e aqui no Brasil também. Os militares ficaram muito chateados com essa CPI, achando que era uma intervenção nos assuntos internos do país, mas, no ano seguinte, o governo americano, o senador americano apresenta no Congresso uma lei, que não foi aprovada, rompendo a ajuda militar ao governo brasileiro. Um ano depois, em 73 e, depois, em 74, com a crise do presidente Nixon com os escândalos de Watergate, houve uma mudança da composição do Congresso, e muitos congressistas começaram a apoiar esta medida de tirar a ajuda militar aos governos que estavam violando os direitos humanos. Neste caso, o Brasil foi o exemplo mais claro naquela época, foi alicerce de todo um trabalho posterior, denunciando a repressão no Brasil. E, com o golpe no Chile, em 73, que foi muito dramático e chocante, o trabalho do Brasil se expande para o resto da América Latina, então cresce a solidariedade, os grupos, e as pessoas que estão fazendo este trabalho. 

RTL – Falando sobre o apoio norte-americano ao regime militar brasileiro, como ele ocorreu?

Green – Bom, no primeiro momento, houve um apoio político antes do golpe de 64. Por exemplo, uma coisa clássica e que é chocante, é que o governo americano já estava canalizando milhões e milhões de dólares para a aliança para o progresso, para ajudar programas de desenvolvimento, com a idéia de que era fundamental combater o comunismo com alternativas de desenvolvimento etc e tal. Assim, eles canalizaram esse dinheiro em vários estados do nordeste onde tinham governadores da direita, e eles boicotaram qualquer apoio financeiro aos governos da esquerda, como Miguel Arraes, em Pernambuco, para que esses governadores beneficiados aproveitassem nas campanhas eleitorais, ou seja, um projeto nobre sempre ajuda na divulgação de um candidato para governador. Então, houve uma interferência direta de meter-se em assuntos internos do país nesse sentido, por parte do governo americano, para manipular a situação política no país. Esse é um exemplo. 

Está bem trabalhado o apoio que o governo americano deu imediatamente depois do golpe de 64 ao novo governo, ou seja, reconhecendo os militares antes mesmo do Jango sair do país. João Goulart ainda estava na sua fazenda no sul, o Congresso decreta que ele havia abandonado o seu cargo, mas ele estava ainda no país, já estava se retirando da presidência, e o governo americano Johnson reconhece o novo governo, todo ilegalmente, mas que estava procurando uma aparência de legalidade. Sabemos que, indiretamente, eles deram sinais aos militares que o governo americano ia apoiar o golpe de 64, e mandaram um barco com petróleo, gás e armas, para que se fosse necessário, se estourasse uma guerra civil, apoiar os militares. Neste caso, quer dizer, quando ficou claro que os militares realmente já tinham consolidado o seu controle sobre a situação, eles retiraram esse apoio que estava sendo mandado para o Brasil. 

Depois, eles mandaram milhões e milhões de dólares para apoiar a economia do novo governo, o de Castelo Branco e o começo do de Costa e Silva, que tiveram problemas econômicos sérios, muita inflação, e o governo americano ajudou muito para tentar dar uma estabilidade à economia brasileira, para sustentar o regime militar. E, na verdade, em 68, 69, após o AI-5, eles vacilaram um momento, vamos retirar o nosso apoio a esse governo, mas resolveram, assim, continuar com o reconhecimento diplomático ao governo militar. 

Em 76, 77, um novo discurso, um discurso sobre os direitos humanos, o governo de Jimmy Carter, então esse discurso de Jimmy Carter vem do trabalho que nós, os ativistas, eu era militante deste movimento, fizemos no público americano, que ele vai apropriando para a campanha eleitoral dele, para mostrar que ele é moral, religioso, que Nixon era um corrupto, um cara imoral, então vai ter um novo rumo a política exterior dos Estados Unidos. 

RTL – Conte-nos a sua experiência como ativista.

Green – Pois bem, eu era um jovem ativista, no movimento contra a Guerra do Vietnã, era estudante universitário entre 68 e 72, participava ativamente, fui preso várias vezes nas manifestações em Washington contra a Guerra do Vietnã e, em 70, eu já tinha caracterizado que a próxima intervenção norte-americana talvez fosse na América Latina. Então, eu e um grupo de pessoas começamos a formar um coletivo, um grupo de estudos para estudar a América Latina. Eu fui para o México para aprender espanhol, me interessava muito as condições da América Latina e, justamente, conheci por acaso um brasileiro exilado, Marcos Arruda, que foi torturado, conseguiu asilo nos Estados Unidos, a mãe dele morava lá, e ele conseguiu ficar nos Estados Unidos e organizou um comitê, “Committee Against Repression in Brazil”, Comitê Contra a Repressão no Brasil, que organizou um protesto contra o Médici na Casa Branca, quando ele foi visitá-la em 71. Me integrei neste grupo em 73, e fizemos todo um trabalho sobre Brasil e, após o golpe de 11 de setembro de 1973, sobre a situação no Chile e, depois, na Argentina, Uruguai e no resto da América Latina. 

RTL – Qual foi o impacto na sociedade norte-americana do fim do regime militar?

Green – Na verdade, infelizmente, o público americano desconhece a realidade brasileira, sabe muito pouco, não acompanha… E mesmo os universitários, que tem uma certa educação, não sabem sobre esta realidade, então o trabalho que foi realizado naquele momento, o trabalho que eu faço como presidente da Associação de Estudos Brasileiros, como professor de história do Brasil lá, é difícil, é contra a corrente, porque há pouca informação. O que eles conseguiram naquela época da ditadura foi criar uma segunda imagem do Brasil, além da garota de Ipanema e carnaval, um país de terror, de tortura, então conviviam duas imagens do país entre as pessoas que liam os jornais e prestavam a atenção e lembravam que o Brasil era na América Latina e não na África etc e tal. Então, na verdade, eu acho que foi pouca informação sobre esse processo de queda da ditadura militar, também porque foi um processo muito lento, não houve momentos dramáticos, assim, de mobilizações massivas. Houve as mobilizações pelas diretas, que saíram nos jornais, as pessoas que acompanhavam podiam saber o que estava acontecendo, não houve o impacto, vamos dizer, da Revolução Sandinista, ou da Revolução do Iran, que enfrentaram diretamente os interesses americanos, então, estão sempre nos noticiários, esta é uma diferença grande. País muito importante, enorme, mas 80% da população americana, infelizmente, não sabe que se fala o português no Brasil, por exemplo. 

RTL – Qual a inserção do historiador na sociedade norte-americana?

Green – Na verdade, o historiador não tem um peso como, talvez, os historiadores aqui tenham, no sentido de que um historiador da USP, facilmente possa fazer uma coluna na Folha de São Paulo e ser conhecido, a sua voz ser importante etc e tal. Nos Estados Unidos tem alguns historiadores, intelectuais que são importantes nos meios intelectuais, quando eles falam em uma questão política, eles são ouvidos porque tem um certo prestígio, mas eu acho muito mais dispersa esta influência, este efeito na sociedade. 

RTL – Finalizando, como o Sr. vê a internet como meio de divulgação da história?

Green – Eu, que ensino história, acho fabuloso e ruim ao mesmo tempo. Por exemplo, meus alunos agora não sabem ler livros, eles só lêem a internet, facilmente você dá uma tarefa deles fazerem uma pesquisa e eles vão sugando da internet essa informação, sem reflexão, copiando, é muito complicado controlar isso. Então, tem o acesso imediato à informação, mas não existe uma maneira de avaliar quais fontes são verídicas e tem valor, de outras que são coisas que qualquer pessoa colocou em uma página, você entrou por uma frase, aparece essa página, você vai lendo aquilo e acha que isso tem um valor, um peso importante, então isso é um problema sério. Por outro lado, facilita muito a pesquisa. Por exemplo, eu estava procurando várias pessoas, um padre que foi preso em 68, eu vi o nome dele no “The New York Times”, eu queria entrevistá-lo, e, de repente, através da internet, eu o localizei, fizemos contato e ele foi entrevistado. Então, a possibilidade de contato imediato é fabulosa. Outro exemplo é que existe a possibilidade de um intercâmbio muito mais rico entre historiadores brasileiros e de outros países, então, eu tenho laços enormes com centenas de acadêmicos brasileiros através da internet, então há um intercâmbio muito rico neste sentido. Isto é bom, isto é muito bom! 

 

 


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A trajetória política de Artigas: da Revolução de Maio à Província Cisplatina

Texto de Fábio Ferreira

1. Introdução

Artigas en la Ciudadela: óleo de Juan Manuel Blanes (1884).

Artigas en la Ciudadela: óleo de Juan Manuel Blanes (1884).

José Gervasio Artigas, nascido em Montevidéu no dia 19 de junho de 17641, é considerado herói nacional uruguaio pela sua atuação na então Banda Oriental na década de 1810, liderando o movimento pela emancipação da mesma e rechaçando a presença espanhola, o centralismo buenairense, e as ocupações luso-brasileiras do atual Uruguai.

Assim, para tratar brevemente da trajetória política de Artigas na década de 1810, o corte temporal do presente trabalho dá-se no período que vai da Revolução de Maio de 1810, que forma a conjuntura para que o caudilho oriental ascenda politicamente na sua região, até a anexação da Banda Oriental ao Brasil sob o nome de Província Cisplatina, em 1821, é escolhido pelo fato de a esta época ser bem próxima da derrota de Artigas e, também, por este ato representar a legalização da dominação luso-brasileira na região, presença esta sempre hostilizada pelo caudilho.

Pode-se também entender o trabalho como um breve relato dos acontecimentos políticos ocorridos na Banda Oriental no período de 1810-1821, tendo a frente o maior caudilho da margem esquerda do Rio da Prata, José Gervasio Artigas.

Enfim, o próximo item é dedicado à ascensão política do caudilho no período posterior ao 25 de maio até a sua chegada ao poder em 1815, englobando as suas relações e desta região com os seus visinhos: Buenos Aires, as Províncias Litorâneas e o Brasil.

O item que se segue é dedicado ao período de 1815-1817, quando Artigas está à frente do território oriental e as suas políticas econômico-sociais para a região, além de incluir-se aí as articulações para o derrube do caudilho.

O quarto item aborda a perda por parte de Artigas de Montevidéu para as tropas do general Lecor, representante do governo português sediado no Rio de Janeiro, e a derrota final do caudilho oriental em Entre Rios, além da região pela qual Artigas batalhou pela emancipação ser anexada ao Brasil sob o nome de Província Cisplatina.

Assim, nas linhas a seguir, encontram-se algumas considerações sobre Artigas e o atual Uruguai na década de 10 do século XIX.

2. A ascensão de Artigas no pós-1810

Bandeira de Artigas: até os dias de hoje, um dos símbolos nacionais da República Oriental do Uruguai.

Bandeira de Artigas: até os dias de hoje, um dos símbolos nacionais da República Oriental do Uruguai.

Anteriormente ao movimento de mayo de 1810 em Buenos Aires, que tem as suas repercussões na Banda Oriental, conforme será mostrado adiante, Artigas já desempenha funções militares na sua região, tendo ingressado no Corpo de Blandengues2, em 1797, onde ascende sucessivamente, obtendo várias patentes, como a de capitão, por exemplo; ou quando ocorre a invasão inglesa de Montevidéu, em 1807, ele organiza as forças de resistência no interior.

Neste período anterior a Revolução de Maio, mais precisamente no período 1801-1802, Artigas, por denominação do vice-rei, acompanha o naturalista espanhol Felix de Azara – que está oficialmente na região em virtude da questão dos limites americanos entre Portugal e Espanha na região do Rio da Prata – pelo interior da Banda Oriental, sendo que tal contato com o espanhol vem a influenciar o pensamento de Artigas no que tange a área econômico-social3.

Assinala-se ainda que nestes primeiros anos do século XIX, Artigas, pela função que exerce, circula pelo interior da Banda Oriental, conhecendo-a geograficamente, mas também, a sua população, seja no que diz respeito as suas condições de vida, anseios, e temores, seja no que refere-se ao estabelecimento de relações cordiais com essa gente, além de que, neste período, a sua reputação junto aos membros da administração espanhola é positiva.

Lynch (1989, p.96) define o Artigas de antes de 1810 da seguinte maneira:

“Artigas había nacido en una familia de terratenientes y militares criollos en Montevideo, y empezó su vida como fiero líder de gauchos malos, una banda de cuatreros y contrabandistas que operaban cerca de la frontera brasileña. Aprovechando su experiencia se alistó en una fuerza oficial española, el Cuerpo de Blandengues organizado para limpiar al país de forajidos y de contrabandistas. (…) En 1810 era un hombre de cierta categoría en la Banda Oriental y un reconocido líder gaucho”.

Em 25 de Maio de 1810 ocorre em Buenos Aires a Revolução que fica conhecida como a de luta pela emancipação da mesma, e que tenta acabar com a dominação espanhola em todo o Vice-Reino do Rio da Prata. Buenos Aires, capital do antigo domínio colonial, busca manter toda a extensão do Vice-Reino sob o seu comando, no que malogra, pois do que foi o domínio espanhol surgem diversos países independentes, entretanto, isto não impede que, até meados do século XIX, Buenos Aires tente levar, muitas das vezes gerando conflitos armados internos, a sua supremacia até as províncias mais distantes do que é hoje a Argentina.

Voltando ao período posterior ao rompimento dos portenhos com a junta espanhola, Artigas, segundo Calógeras (1998, p.417), no dia 28 de fevereiro de 1811 rompe com a Espanha, a abandonar as fileiras do exército cujo qual fazia parte, e alia-se com os insurgentes de Buenos Aires, sendo designado pelos mesmos como o homem da revolução na Banda Oriental, recebendo a patente de Tenente-Coronel.

Os estancieiros são um importante ponto de apoio que Artigas e o seu movimento possuem na Banda Oriental, pois esses donos de terras confiam no caudilho pelo fato dele ser originário de uma família de estancieiros e na capacidade militar do mesmo, devido aos seus sucessos em impor a lei e a ordem no campo antes de 1811.

Já os comerciantes, majoritariamente, posicionam-se contra Artigas e favoráveis a Espanha, por crerem que ficando ao lado dos europeus poderiam conseguir vantagens monopolistas junto aos seus aliados ibéricos.

As tropas que objetivam o fim do domínio espanhol na região de responsabilidade de Artigas obtém vitórias pela campanha e povoados menores, sendo grande baluarte da dominação espanhola Montevidéu, onde está o vice-rei Elío4, fiel à Espanha, que chega a receber apoio financeiro, inclusive, segundo Francisca Azevedo, de Carlota Joaquina5, para a resistência realista desta cidade.

As tropas de Artigas e de Buenos Aires, aliadas, cercam Montevidéu e, como conseqüência deste ato, Elío recorre a ajuda da corte portuguesa instalada no Rio de Janeiro, que envia, segundo Padoin (2001), quatro mil homens para o auxílio dos realistas, tendo a frente o general Diego de Souza.

Observa-se que, segundo Ferreira (2002), D. João presta tal apoio a argumentar que as perturbações na Banda Oriental estavam a causar turbulências na fronteira com o Rio Grande, e de que com tal marcha, estaria a garantir o domínio dos Bourbon, casa a que pertencia a sua esposa, Carlota Joaquina.

Ainda sobre a incursão portuguesa de 1811, Padoin (2001) observa que Artigas entendia-a como parte do projeto expansionista dos invasores, tendo, inclusive, alertado ao cabildo de Montevidéu no que diz respeito a tal intento, baseando-se no Correio Brasiliense, onde Hipólito José da Costa chama a atenção para tal risco.

Porém, Calógeras (1998), salienta que Artigas tem o desejo de reaver a área das Missões, que no ano da primeira incursão joanina a Banda Oriental já é de posse portuguesa, sendo esta uma razão a influir na decisão do príncipe regente em marchar na direção do território oriental.

Elío e os portenhos, em 20 de outubro de 1811, assinam um acordo, em que os segundos comprometem-se a abandonar a Banda Oriental, cessar o seu apoio a Artigas e, ainda, reconhecem o domínio espanhol na região. Em tal trato, estipula-se também a retirada das tropas portuguesas daí.

Portugal, que fora chamado por Elío ao conflito, mas não foi convidado para as negociações entre o mesmo e Buenos Aires, permanece na Banda Oriental, a ignorar o que foi estabelecido pelas duas partes contratantes. Ambos não tem poder para que as tropas portuguesas evacuem a área e, assim, recorrem a Inglaterra, único país capaz de fazê-lo, seja militar, seja diplomaticamente.

Como o desejo dos patriotas portenhos de que as forças joaninas saíssem da Banda coincide com os interesses ingleses para a mesma, seja em razão do seu comércio na região, seja pela aliança com Espanha – que entendia a margem esquerda do Prata como sua – contra Napoleão, Castlereagh, secretário britânico de assuntos exteriores, e Lord Strangford, ministro inglês no Rio de Janeiro, defendem os interesses de sua coroa. Assim, Portugal retira as suas tropas da Banda Oriental do Rio da Prata.

Porém não é só Portugal que tem dificuldade em aceitar o acordo celebrado entre o representante de Espanha e Buenos Aires, Artigas também a possuí: vê que os seus aliados portenhos ignoraram-no, deixando a Banda Oriental nas mãos dos espanhóis, não havendo espaço para a independência da mesma e, assim, parte para Entre Rios, sendo acompanhado de diversos populares, no episódio que fica conhecido como Êxodo do Povo Oriental e que Artigas é aclamado Chefe dos Orientais.

Padoin (2001, p.46) observa que a partir de tal rompimento, inicia-se o projeto da “(…) formação de uma Liga Federal, contando com o apoio de Entre Ríos, Santa Fé, Corrientes e regiões de Córdoba, independentes das Províncias Unidas do Rio da Prata”.

No que refere-se aos seguidores do líder dos orientais, Lynch (1989, p.98) afirma que “Artigas salió de su patria con 4.000 hombres. Le seguían además 4.000 civiles, temerosos de las represalias españolas y de la brutalidad portuguesa, un pueblo que buscaba la independencia en el exilio, dejando tras de sí una tierra quemada y un campo vacío.”

O autor ainda atribui que com tal atitude Artigas coloca-se indubitavelmente como líder do movimento de independência oriental. A margem esquerda do Prata, em qualquer negociação com Buenos Aires, a partir de então, poderia negociar em pé de igualdade, e não como uma província subordinada; e, por fim, esse grupamento que parte com o caudilho é o núcleo de uma nação independente.

Em 1813, Buenos Aires convoca uma Assembléia Constituinte onde as províncias, teoricamente, teriam voz, entretanto, neste momento, o grupamento que está a governar as Províncias Unidas e comandam a cimeira são os centralistas, facção contrária à autonomia provincial face Buenos Aires.

Devido à convocação portenha, Artigas realiza o Congresso Oriental, com a função de definir o posicionamento dos orientais em Buenos Aires. O resultado de tal reunião é o estabelecimento das “Instrucciones del Año XIII”, que contém a reivindicação da agora, sob o ponto de vista de Artigas, Província Oriental – e não mais Banda – pela independência, república e federalismo.

Sobre o projeto que propunha as “Instrucciones”, Lynch (ibid., p.100) observa que:

“(…) eran el proyecto de un sistema en el cual las provincias tendrían plena soberanía; ésta incluiría la autonomía económica y también el poder de reclutar sus propios ejércitos. El armazón federal sería extremadamente débil, y el gobierno central despojado de todos los medios de controlar a las provincias. Reduciría al Río de la Plata a una aglomeración de miniestados gobernados por insignificantes caudillos y estancados en su propia incapacidad (…)”

Padoin (2001, p.49 e 50) sobre as propostas de Artigas através das instruções do ano XIII afirma que: “(…) tentou-se estabelecer uma proposta federalista de relações, na qual a adoção de um pacto confederal poderia controlar os interesses centralistas de Buenos Aires e garantir a soberania da Banda Oriental (…)” e

“A partir desse posicionamento, a Província Oriental, para unir-se às Províncias Unidas do Rio da Prata somente através de um pacto Confederal, no qual a sua soberania e independência (Artigos 10 e 11) seriam mantidas (…) Observamos que nessas Instruções há um firme propósito de reafirmar e declarar a independência em relação à Coroa espanhola bem como de adotar uma forma de governo republicano como garantia dos direitos de liberdade, de segurança e de soberania a cada província.”

Calógeras (1998, p.427) define as conclusões a que chegam os orientais em tal congresso liderado por Artigas como “(…) a antítese do pensamento de Buenos Aires: República e federação, contra Monarquia e centralismo”, além de que a relação estabelecida com os portenhos deveria ser de pacto e não de obediência.

É válido observar que Artigas, segundo Lynch (1989), foi fortemente influenciado pela constituição norte-americana e, Padoin (2001) afirma que, em 1811, ele possuía uma tradução da mesma.

Uma vez tendo o projeto para a inserção da Província Oriental nas Províncias Unidas, os deputados orientais partem para Buenos Aires, no entanto, uma vez nesta cidade, a Assembléia não os recebe pelo teor da sua proposta, o que leva a Artigas romper definitivamente com os portenhos, e a declarar guerra aos mesmos, apoiado pelos caudilhos das províncias litorâneas.

Buenos Aires ataca Montevidéu e, em 20 junho de 1814, Vigodet, substituto de Elío, é derrotado e, três dias depois, as tropas vitoriosas ocupam a cidade oriental, lideradas por Alvear. Entretanto, segundo Golin (2002, p.279), Artigas interpreta a presença portenha como uma força de ocupação, porém, isso não impede que em 9 de julho o caudilho oriental assine um tratado com Alvear, onde “Reabilitava a sua honra e reputação; concedia-lhe o posto de comandante da campanha e da fronteira. (…) Artigas passou a se responsabilizar pela organização da província, reunindo a sua assembléia provincial e procedendo à escolha de delegados à Constituinte das Províncias Unidas”.

No entanto, mesmo com a assinatura do acordo, Artigas não abandona a sua posição favorável ao federalismo, o que desagrada Buenos Aires, que decide romper com o caudilho oriental e destruí-lo definitivamente. Artigas reage, e obtém o apoio de outros caudilhos provinciais. Assim, os portenhos, em Montevidéu, têm que contar com a oposição artiguista desde a campanha, que por sua vez obtém aliados na cidade capitulada, além de que o conflito é levado a outras partes das Províncias Unidas.

No final de 1814 os portenhos já haviam sofrido várias derrotas e, em janeiro de 1815, abandonam Montevidéu e Entre Rios, no que culmina com a ocupação da primeira por Artigas.

3. Artigas no poder: 1815 – 1817

Mapa do Protetorado de Artigas

Mapa do Protetorado de Artigas

Como foi dito anteriormente, as forças artiguistas ocuparam Montevidéu com a saída dos portenhos desta cidade e, assim, Artigas governa toda a Província Oriental em 1815, agora a Pátria Velha, criando, junto com Santa Fé, Entre Rios, Corrientes e Córdoba, a Liga Federal, com o intento de oporem-se a centralista e unitarista Buenos Aires. Por este fato, Artigas é reconhecido pelo título de “Protector de los Pueblos Libres”.

Sobre a união destas províncias, Lynch (1989, p.100) observa que “El ‘protectorado’ en realidad no fue nunca más que una incómoda asamblea de caudillos locales, cada uno de los cuales miraba de reojo a su vecino, al igual que a Buenos Aires”.

Apesar de aparentemente Artigas estar à frente da Liga, na prática, o seu poder está delimitado ao território oriental, arrasado e destruído pelos anos de guerra, o que dificulta o seu governo. Porém, uma vez no poder, toma diversas medidas para recuperar a Província Oriental, através do restabelecimento do comércio e dos campos, ambos assolados pelos conflitos no interior do seu território, conforme Lynch (ibid.) assinala, quando cita que a produção de alimentos dos orientais não era suficiente para abastece-los, tendo que importar cereais, entretanto, o comércio, debilitado, fazia com que uma quantidade ínfima adentrasse o país.

Diante desta situação caótica, Artigas toma medidas para revitalizar o comércio, realizando acordos com os britânicos, em que os portos de Montevidéu e Colônia passam a ser abertos para eles. O de Maldonado também não é esquecido pelo protetor dos povos livres, que age no sentido de recupera-lo, entretanto, sem negocia-lo com os ingleses.

No campo, o caudilho promove a reforma agrária, expropriando as terras dos seus oponentes e passando-as para os grupamentos mais desfavorecidos da sociedade oriental que apoiaram-no, porém, sob certas condições, conforme explicita Padoin (2001, p.54):

“(…) Artigas fez a expropriação das terras e do gado daqueles que se opuseram às suas forças. As terras foram distribuídas, em forma de pequenas propriedades, àqueles que lhe apoiaram e, entre eles, os que se encontravam na condição de despossuídos e desclassificados da sociedade de então, como indígenas, gaúchos, escravos libertos, etc. (…) Os que as recebiam deviam cultivar as terras e/ou recuperar o rebanho, sob o risco de reverter a terra para o controle do Estado que se formava (…)”.

A autora ainda afirma que com tais atitudes, Artigas retalia os seus “(…) inimigos e pretendia (…) garantir o desenvolvimento econômico da região, além de garantir o efetivo (soldados) para as lutas armadas”.

Lynch (1989) afirma que a falta de contingentes leva a Artigas aceitar em suas tropas escravos negros, tanto de sua província, quanto do sul do Brasil, e, assim, os cativos ganham uma espécie de emancipação, o que não agrada aos proprietários de terras.

Outra questão que não agrada aos estancieiros é o programa de Artigas, de cunho reformista, voltado para as classes mais pobres da sociedade oriental, que receberam terras e gado do governo estabelecido em Montevidéu.

Ainda sobre a política agrária de Artigas à época em que está no poder, Bushnell (2001, p.151 e p.152) afirma que o caudilho “(…) introduziu uma das medidas mais interessantes e originais do período da independência” e que “(…) Artigas foi aclamado o primeiro grande ‘reformador agrário’ da América do Sul (…)”, entretanto, sem ignorar que o caudilho necessita que estas terras estejam a produzir, e que Artigas crê que a melhor maneira para que isto ocorra é entregando-as a pequenos proprietários.

No que tange a administração propriamente dita, o caudilho busca formar uma Confederação com base nas instruções do ano XIII, além de dividir a autoridade com a estrutura herdada do período colonial espanhol, o Cabildo, sendo tal compartilhamento, segundo Padoin (2001), a representação do campo, personificada em Artigas, e dos núcleos urbanos, no Cabildo, além de que o primeiro representa a vontade popular.

As medidas tomadas na margem esquerda do Prata desagradam ao poder estabelecido no lado direito: Buenos Aires vê, pela ação de Artigas, o seu projeto de exercer o controle sobre as demais províncias ameaçado, o que prejudica os seus interesses econômicos e políticos.

Artigas não causa desagrados somente no Rio da Prata, na Guanabara, a corte aí instalada desde 1808, também não vê com bons olhos o governo do caudilho oriental. A insatisfação causada por Artigas em ambos os governos é demonstrada por Padoin (ibid., p.55): “(…) o domínio da Banda Oriental e a constituição da Liga Federal com suas ações e determinações a partir de concepções federalistas e republicanas, como forma de Estado, provocou reações tanto por parte dos portenhos quanto dos luso-brasileiros”.

Assim, já em 1815, começam os preparativos militares, sob o comando do general Carlos Frederico Lecor, por parte do governo português sediado no Rio de Janeiro, para atacar a Banda Oriental.

No ano seguinte, as tropas lideradas por Lecor adentram o território oriental, tendo como justificativa as constantes perturbações a fronteira com o Rio Grande por parte dos artiguistas e o desrespeito para com a mesma, além de que o projeto do Protetorado de Artigas incluía esta região brasileira. Além destas justificativas, soma-se o velho anelo lusitano de estender seus domínios ao Rio da Prata6. Lynch (1989) ainda observa que os ocupadores adentraram o território prometendo levar paz e prosperidade aos orientais.

A opor-se a Portugal, segundo Padoin (2001), Buenos Aires coloca-se contrária ao ataque luso-brasileiro, porém não possui forças para deter as tropas joaninas, limitando a sua atuação a tentativa de Pueyrredón de demover Portugal da idéia, no que malogra; Frutuoso Rivera também tenta impedir as tropas de Lecor através da força, e é igualmente derrotado no seu intento de impedir a presença luso-brasileira no território de Artigas.

Já Lynch (1989) afirma que os portenhos viam positivamente a queda de Artigas e de suas propostas federalistas, mesmo que para derrotar o caudilho e o seu projeto, Portugal viesse a entrar em cena, tendo Pueyrredón sido conivente com os invasores pela queda do inimigo comum.

Lima (1996, p.387) ainda observa que Buenos Aires poderia prestar socorros a Montevidéu, entretanto, não o faz em virtude de Artigas, opositor a subjugação aos portenhos, porém “O auxílio seria concedido do melhor grado se Montevidéu anuísse em incorporar-se ao organismo político das Províncias Unidas; mas perante suas veleidades persistentes de separação, Buenos Aires preferia esquivar-se (…) mandando todas suas forças disponíveis para os lados do Chile e decidindo a invasão capitaneada por San Martín”.

O Cabildo de Montevidéu, diante destes fracassos, não faz frente aos ocupadores, ao contrário, pede aos mesmos que ocupem a cidade pacificamente.

Diante das circunstâncias, Artigas abandona Montevidéu e parte para a campanha para comandar uma guerra de guerrilha contra os luso-brasileiros, apesar de que, segundo Carneiro (1946), a esta altura, Artigas encontra-se debilitado pela sua idade e pelo cansaço e, na verdade, já não comanda mais as suas tropas pessoalmente.

Em relação a Artigas frente ao poder da sua região, Carneiro (ibid., p.26) ainda observa que “Soubesse Artigas manejar os bastidores da política sul-americana, fosse mais diplomata e menos sonhador como soldado, estaria garantida a emancipação do Uruguai desde 1815”. Entretanto, não foi isto o que ocorreu.

4. A ocupação e a anexação portuguesa e o declínio de Artigas: 1817-1821

Carlos Frederico Lecor: representante de D. João na ocupação de Montevidéu, personificando o antagonismo ao general Artigas.

Carlos Frederico Lecor: representante de D. João na ocupação de Montevidéu, personificando o antagonismo ao general Artigas.

O general Lecor chega a Montevidéu no dia 20 de janeiro de 1817, ocupando-a. Entretanto, as tropas de Artigas não dão-se por vencidas e cercam a cidade, porém, é inútil, e, assim, Artigas jamais terá Montevidéu de volta, o que não impede que os artiguistas continuem a resistir a presença estrangeira no interior do território oriental, nem que ocorram ataques as Missões e a fronteira do Rio Grande.

É válido observar que a partir da perda de Montevidéu o caudilho oriental passa a enfrentar problemas de ordem pessoal que, por sua vez, interferem na sua vida política, sendo o seu tormento particular já iniciado no ano da conquista de Montevidéu pelos portugueses: “(…) Artigas não estava bem de saúde, daí entregando-se à bebida, que por sua vez tinha como resultado a piora do seu estado, e, paralelamente, sua popularidade caía, tanto que, já em meados de 1818, locais como a antiga Colônia do Sacramento, Maldonado e o curso do rio Uruguai já estavam em mãos lusas.”7

Sobre a impopularidade de Artigas, Padoin (2001, p.58) observa que “(…) o pensamento antiartiguista começou a crescer, inclusive por parte de alguns caudilhos das províncias litorâneas, desgastados com o prejuízo das guerras e sedentos por obterem o apoio de Buenos Aires como forma de assegurarem os seus interesses. A guerra afetara tanto a riqueza monetária das cidades, dificultando o comércio, quanto a zona rural com a escassez do gado vacum e cavalar”.

Lynch (1989, p.103) ainda mostra que os setores mais altos da sociedade oriental apóiam aos portugueses e, ao abordar o posicionamento dos estancieiros, o autor assinala que a razão deste suporte dá-se porque esses proprietários estão “(…) posiblemente alarmados por el primitivo populismo de Artigas, tranquilizados por los valores sociales señoriales del Brasil, y satisfechos por la vuelta de la ley y el orden al campo” e, assim, apóiam ao general Lecor.

Lima (1996) também observa que Lecor sabe tirar proveito da situação, pois à medida que o poderio de Artigas encolhe no território oriental e o seu cresce, a população demonstra-se mais favorável aos ocupadores, e, assim, o general português militariza a população e organiza-a contra o caudilho.

Artigas abre duas frentes de batalha. Além da frente contra os luso-brasileiros, citada anteriormente, o caudilho envolve-se em conflitos com Buenos Aires, pois os centralistas desta cidade tentam acabar com os caudilhos da Liga Federal, entretanto, os portenhos saem derrotados do embate.

Paralelamente, as tropas artiguistas começam a sofrer várias baixas em 1819. Andresito é capturado e levado como prisioneiro para o Rio de Janeiro; Rivera muda de lado, a aliar-se ao exército inimigo, vindo a ser Barão do Império do Brasil; os Oribe também abandonam Artigas; Lavalleja é feito prisioneiro no ano seguinte.

1820 é o ano do agravo da já complicada situação de Artigas: em 22 de janeiro as forças luso-brasileiras impõem-lhe a derrota de Tacuarembó, que leva o caudilho a refugiar-se na província de Entre Rios, que, aliada a Santa Fé, derrota Buenos Aires em 1 de fevereiro, no embate contra os centralistas portenhos citados anteriormente.

Apesar dos federalistas terem vencido a peleja, isto não significa que foi algo positivo para Artigas, ao contrário, o caudilho oriental perde o controle sobre os litorâneos, que, por sua vez, não possuem interesse em manter uma guerra junto com Artigas com o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve.

Entretanto, não era isto que Artigas esperava quando os seus antigos subalternos venceram, Artigas cria que eles negociariam com os portenhos a formal declaração de guerra aos ocupantes da região que ele denominava de Província Oriental. Enganou-se. Quando sabe do conteúdo do Tratado de Pilar, em uma cópia enviada por Ramirez, caudilho de Entre Rios, revolta-se contra o mesmo, achando que foi traído.

Artigas marcha para o ataque a Entre Rios, a saquear povoados e enfrenta Ramirez em las Guachas, travando-se o embate decisivo entre os dois caudilhos em 24 de junho de 1820 em Las Tunas, quando o de Entre Rios derrota definitivamente José Gervasio Artigas.

Sobre o embate entre Ramirez e Artigas, Lynch (1989, p.103) observa que o primeiro “(…) aceptó armas procedentes de Buenos Aires y se volvió con fuerza salvaje contra su antiguo aliado, derrotándolo en el campo de batalla, y empujándolo hacia las soledades del norte de Corrientes.”

Assinala-se ainda que o caudilho oriental recebe propostas de anistia por parte do governo luso-brasileiro, sendo-lhe oferecido o exílio no Rio de Janeiro, e do norte-americano, que, através do seu cônsul em Montevidéu, propõe a Artigas o refugio em seu país. No entanto, Artigas nega as duas ofertas, partindo em direção ao Paraguai.8

O caudilho atravessa o rio Paraná com alguns fiéis, mas não sem antes declarar o fim da guerra, em 5 de setembro, porém, o homem que governou a Província Oriental, chega à outra margem do Paraná desprovido de bens materiais e riqueza, sendo que, segundo Duarte (1985), Artigas entrega a um soldado de sua confiança a única e última coisa de valor que resta-lhe: a quantia de 4.000 pesos, para que fosse enviado a Lavalleja, no Rio de Janeiro, para que pudesse ser amenizado o martírio dos seus companheiros presos na principal cidade do Brasil.

Artigas, chegando ao país em que foi buscar refugio provisório, apresenta-se às autoridades locais, e assim que Francia, ditador paraguaio, sabe da presença do oriental em seu território, considera-o seu prisioneiro, a alojar-lo, em um primeiro momento, em Assumpção e, depois, em Curuguaty, distante e miserável povoado do Paraguai, onde permanece até 1840, quando Francia morre.9

É válido ainda observar que no ano seguinte a chegada de Artigas no Paraguai, em 1821, é realizado, na Província Oriental, o Congresso Cisplatino, em que é votada, não sem grandes articulações políticas, a anexação do território pelo qual Artigas guerreou pela emancipação ao Brasil, sob o nome de Província Cisplatina.

Entretanto, a esta altura, Artigas está impossibilitado de tomar qualquer atitude contra a anexação, pois está nas mãos de Francia. Após a morte do ditador paraguaio, praticamente vinte anos após o Congresso Cisplatino, o governo substituto ao do falecido permite que Artigas vá viver em Ibiray, porém sem deixar de monitora-lo. O líder de outrora, em sua nova morada, mantém o estilo de vida que tem desde o início de sua vida no Paraguai: uma vida modesta, de homem do povo, pacata, até o dia da sua morte, 23 de setembro de 1850.

Sobre os últimos anos da vida do caudilho, Calógeras (1998, p.431), seu simpatizante, conforme pode ser constatado a seguir, descreve-a da seguinte maneira:

“Quando, nos dias últimos de sua existência, ia a começo a revisão do processo histórico que o queria ferretear de crimes na Independência americana, e Uruguai, agradecendo a seu maior filho, lhe quis prodigalisar carinhos e provas de reconhecimento, a graça que solicitou foi deixarem-no morrer em sua chácara (…) abandonado e pobre, cultivando suas plantas e distribuindo os frutos aos mais pobres do que ele.

Superior ainda no seu desprezo das fúteis honrarias humanas, e da inexistente gratidão de seus compatriotas…

E (…) só e desconhecido, o chefe dos Orientais e Protetor dos Povos Livres, o grande caluniado, impávido, entregou a sua alma (…) ao Criador de todas as coisas.”

Artigas, que passou os últimos trinta anos de sua vida em tais condições, cinco anos depois da sua morte é lembrado pelos seus conterrâneos, que transladam os seus restos mortais para Montevidéu, repatriando-os no Panteão Nacional.

5. Conclusão

Assim sendo, José Gervasio Artigas, oriental de Montevidéu, batalhou, durante a década de 1810, período da sua vida política, pela autonomia da região que já foi a Banda Oriental, Província Oriental, Província Cisplatina e, hoje, República Oriental do Uruguai.

Entretanto, no período em que está a desempenhar o seu papel político de destaque, vê por muito pouco tempo a sua proposta sendo concretizada, e mesmo quando a vê, é em um contexto de crise, com o interior do país destroçado e a ameaça de uma incursão estrangeira, que acaba a ocorrer em 1816, sendo que Artigas fica a frente do governo oriental no ano anterior, e perdendo-o para os luso-brasileiros que conquistam Montevidéu em 1817. Quer dizer, o caudilho esteve durante muito pouco tempo a comandar a sua região e seu povo.

Percebe-se que, uma vez no poder, Artigas preocupa-se em recuperar a economia do território sob sua jurisdição, a revitalizar o comércio e a produção rural, além de atender a demandas sociais, mesmo que ao atender aos mais desfavorecidos economicamente estivesse a atender seus aliados.

Constata-se também que o caudilho tem um projeto político-econômico para a Província Oriental, seja no âmbito interno, como foi dito acima, seja no externo, ao estabelecer a sua relação com Buenos Aires – a da tentativa de manter uma autonomia, mas em um governo confederado – Espanha e Portugal – de independência – e a Liga Federal, um acerto com outras regiões do antigo Vice-Reino do Rio da Prata que rejeitavam o projeto centralista portenho.

O caudilho da margem oriental do Rio da Prata era um homem que tinha um projeto político para a sua região, que, uma vez no poder, tentou coloca-lo em prática, além de que era uma pessoa que tinha um conhecimento externo à campanha, pois, em 1811, já possuía uma tradução da constituição norte-americana, que veio a influenciar-lo, além de que, com a recomendação que faz ao cabildo a época da primeira incursão joanina na Banda Oriental, a alerta-lo dos objetivos expansionistas do príncipe-regente, Artigas baseava-se no Correio Brasiliense e, acrescenta-se, que utilizou corretamente a opinião de Hipólito da Costa, pois, realmente, D. João possuía tais interesses na margem esquerda do Prata.

Finalizando, Artigas é bastante diferente do perfil do caudilho traçado pela historiografia liberal, que tem como grande representante Sarmiento, que taxa esses líderes de ignorantes e incultos, sedentos de poder, sem um projeto de nação. Artigas, que realmente não obteve uma instrução universitária, não encaixa-se na figura do caudilho desenhado pelos liberais, pois tinha um projeto para a Província Oriental, lia materiais produzidos em outras partes do globo, além de ser uma pessoa que possuía uma boa leitura do que estava a ocorrer a sua volta, basta lembrar da sua advertência em relação a incursão luso-brasileira de 1811, basta recordar que não submeteu-se ao centralismo portenho, prejudicial para a sua província.

6. Notas

01 – Disponível em: http://www.artigas.org.uy/artigas.html

02 – Unidade militar que dentre as suas funções tinha a de polícia e vigilância.

03 – Disponível em: http://www.artigas.org.uy/artigas.html

04 – Francisco Javier Elío o Jaureguizar y Olondriz (04/03/1767 – 04/09/1822), após o advento de maio de 1810, recebe o título de vice-rei do Rio da Prata e governa desde a Banda Oriental.

05 – Entrevista concedida por Francisca Azevedo em 10/04/2003. In: Revista Tema Livre, ed.05, 23 abril 2003. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

06 – Para maiores detalhes, ver: FERREIRA, Fábio. A Presença Luso-Brasileira na Região do Rio da Prata: 1808 – 1822. In: Revista Tema Livre, ed.03. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

07 – FERREIRA, Fábio. A Presença Luso-Brasileira na Região do Rio da Prata: 1808 – 1822. In: Revista Tema Livre, ed.03. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

08 – Disponível em: http://www.oni.escuelas.edu.ar/olimpi99/guerrasincuartel/artigas.htm

09 – Disponível em: http://www.artigas.org.uy/artigas.html

7. Bibliografia e sítios consultados

AZEVEDO, Francisca L. Nogueira. Biografia e Gênero. In: Guazzelli, Cesar Augusto Barcellos et. al. (orgs.) Questões de Teoria e Metodologia da História. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 2000.

__________ Entrevista concedida em 10/04/2003. In: Revista Tema Livre, ed.05, 23 abril 2003. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

BUSHNELL, David. A Independência da América do Sul Espanhola. In: BETHELL, Leslie (org.) História da América Latina: da Independência até 1870. v. III. São Paulo: EDUSP; Imprensa Oficial do Estado; Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2001.

CALÓGERAS, J. Pandiá. A política exterior do Império. Edição fac-similar. Brasília: Senado Federal, 1998.

CARNEIRO, David. História da Guerra Cisplatina. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1946.

DUARTE. Paulo de Q. Lecor e a Cisplatina 1816-1828. v. 2. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1985.

FERREIRA, Fábio. A Presença Luso-Brasileira na Região do Rio da Prata: 1808 – 1822. In: Revista Tema Livre, ed.03. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

GOLIN, Tau. A fronteira: governos e movimentos espontâneos na fixação dos limites do Brasil com o Uruguai e a Argentina. Porto Alegre: L&PM, 2002.

LIMA, Oliveira. D. João VI no Brasil. Rio de Janeiro: Topbooks, 1996.

LYNCH, John. Las Revoluciones Hispanoamericanas: 1808-1826. Barcelona: Editorial Ariel, 1989.

PADOIN, Maria Medianeira. Federalismo Gaúcho: fronteira platina, direito e revolução. Coleção brasiliana novos estudos, v. 3. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2001.

SCHMIDT, Benito Bisso. A biografia histórica: o “retorno” do gênero e a noção de “contexto”. In: Guazzelli, Cesar Augusto Barcellos et. al. (orgs.) Questões de Teoria e Metodologia da História. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 2000.

VAINFAS, Ronaldo. Dicionário do Brasil Imperial (1822 – 1889). Rio de Janeiro: Objetiva, 2002.

XAVIER, Regina Célia Lima. O desafio do trabalho biográfico. In: Guazzelli, Cesar Augusto Barcellos et. al. (orgs.) Questões de Teoria e Metodologia da História. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 2000.

Lançamento do livro “Justiça Fardada: o general Peri Bevilaqua no Superior Tribunal Militar (1965-1969)”

O historiador Renato Lemos a autografar um exemplar do seu livro.

O historiador Renato Lemos a autografar um exemplar do seu livro.

Organizado pelo historiador Renato Lemos, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o livro “Justiça Fardada: o general Peri Bevilaqua no Superior Tribunal Militar (1965-1969)” teve o seu coquetel de lançamento realizado no Salão Nobre do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da citada universidade na noite do dia 31 de março de 2004.

No livro encontram-se 33 habeas corpus de personagens ligados a distintos segmentos da sociedade brasileira, como intelectuais, sindicalistas e até mesmo pessoas comuns. Pode-se ler na publicação os habeas corpus de figuras como Fernando Henrique Cardoso, Darci Ribeiro, José Dirceu, Florestan Fernandes e Vladimir Palmeira.

A respeito da pesquisa, Lemos comenta: “Meu interesse surgiu quando trabalhava no Museu Casa de Benjamin Constant e os filhos do general resolveram doar o acervo do pai ao museu. Desde então, estabeleci contato com a documentação e com o personagem, fazendo-os eixo de meus projetos na UFRJ.”

Para a realização do trabalho, o historiador pesquisou no Arquivo Peri Constant Bevilaqua, composto pelas já citadas doações, além de cópias de documentos cedidos pelo Superior Tribunal Militar (STM), e que está disponível no Museu Casa de Benjamin Constant, no Rio de Janeiro, aberto à consulta.

Sobre o general Bevilaqua (1899 – 1990), neto de Benjamin Constant, que atuou na implementação da República, sua carreira militar tem início no ano de 1917, quando adentra a Escola Militar de Realengo, no Rio, e, a partir daí, presencia e atua em diversos momentos relevantes da história política brasileira do século XX, como, por exemplo, quando a Junta Pacificadora, da qual integrava a secretaria, depõe o presidente Washington Luís; foi também um dos trinta generais que prepararam um manifesto, em 23 de agosto de 1954, exigindo a renúncia de Getúlio Vargas; e quando Jânio Quadros renuncia a presidência, dividindo o campo político-militar em contrários e favoráveis a posse do seu vice, João Goulart, Bevilaqua posiciona-se a favor da solução constitucional, além de ser contrário ao bombardeio que o Ministério da Guerra, para beneficiar os golpistas, ordenou ao Palácio do Governo gaúcho, de onde o então governador Leonel Brizola liderava a Cadeia da Legalidade.

Com a instalação do regime militar, em 1964, e a chegada de Castelo Branco a presidência, Bevilaqua permanece como chefe do Estado Maior das Forças Armadas, entretanto, não deixa de divergir das opções econômicas e repressivas do novo governo, inclusive, a posicionar-se contra o primeiro Ato Institucional do citado regime. Em 15 de fevereiro de 1965, dois decretos presidenciais mudam a posição do general dentro do governo: é exonerado da chefia que ocupava desde a época de Jango e é nomeado ministro do Superior Tribunal Militar, onde não abandona a sua postura, continuando, assim, a divergir de diversos posicionamentos do governo.

A respeito da trajetória política de Bevilaqua, Lemos afirma que “Na minha opinião, o general é a encarnação do militar legalista do período 46-64, com todas as contradições que a postura legalista encerra, em especial diante dos processos de lutas sociais. Depois de 1964, ele foi, com certeza o que de melhor havia na oposição militar ao regime ditatorial.”

Assim, no STM, Bevilaqua concedeu diversos habeas corpus, posicionou-se contra o Ato Institucional nº 2 e foi a favor da liberdade dos perseguidos pelo regime vigente, o que levou, em janeiro de 1969, ao seu afastamento arbitrário do STM, com base no AI-5, três meses antes de completar 70 anos, quando se reformaria compulsoriamente, tendo, também, as suas condecorações militares confiscadas, devolvidas apenas em 2002, doze anos após o seu falecimento.

capa_justiçaCapa do livro “Justiça Fardada: o general Peri Bevilaqua no Superior Tribunal Militar (1965-1969)”.
Organizador: Renato Lemos
Editora: Bom Texto
Nº de páginas: 367
Formato: 16x23cm

 

 

 

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Considerações acerca das revoltas mineiras setecentistas

Litografia, de 1827, de autoria de Rugendas tratando do tema da mineração e intitulada

Litografia, de 1827, de autoria de Rugendas tratando do tema da mineração e intitulada “Lavragem de ouro em Itacolomi, Minas Gerais”

Texto de Carlos Leonardo Kelmer Mathias

E lá nas Minas…

(..) a terra parece que evapora tumultos; a água exala motins; o ouro toca desaforos; destilam liberdades os ares; vomitam insolências as nuvens; influem desordem os astros; o clima é tumba da paz e berço da rebelião; a natureza anda inquieta consigo, e amotinada lá por dentro, é como no inferno1.

O que pulsava por detrás desse “inferno” – que a primeira vista nos remete a uma terra de ninguém – era uma incipiente sociedade cuja formação revela, para além de suas “dores”, uma das facetas da lógica do Antigo Regime, a saber, uma contínua situação de barganha que, por seu turno, remete a negociações e mercês.

‘Tumultos’, ‘motins’, ‘desaforos’, ‘insolências’, ‘rebelião’… ‘inferno’: revolta.

No alvorecer das Minas, final do século XVII início do século XVIII, um enorme surto demográfico concorreu às descobertas de veios auríferos. Dentre os vários indivíduos presentes nas Minas no início de colonização havia membros da elite carioca, poderosos paulistas envolvidos na captura do gentio e alguns fulanos que conseguiram acumular, acolá de consideráveis cabedais, prestígio junto ao povo, mesmo não sendo, naturalmente, originários das melhores famílias da terra, quer portuguesa, quer colonial2.

Estes potentados disputavam entre si o privilégio de primeiros descobridores e povoadores das Minas, o que lhes rendeu, por parte da coroa, sesmarias, ordens de Cristo, cargos e patentes3. Contudo, tais potentados não estavam sozinhos em seus intentos, aliavam-se a eles ouvidores, juízes, militares de carreira, agregados de homens livres pobres, além de seus próprios séqüitos de negros – via de regra armados e contrariando desígnios régios4.

No desenvolver da sociedade mineira, essa situação foi caracterizando a formação de redes clientelares com interesses comerciais capazes de movimentarem ligações que se estendiam desde Minas até Lisboa, passando por Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador5. Um dos pontos interessantes a serem percebidos nessas redes são as estratégias utilizadas por esta “elite mineira” – as vezes com apoio do próprio governador, que, não obstante proibição régia, realizava tratos comerciais na colônia – para atingir seus objetivos nessa sociedade, caracterizada por Assumar de “inferno”, e por nós de Antigo Regime.

Não é meu objetivo neste artigo aprofundar-me na análise de tais estratégias, embora acredite que através de uma pesquisa nesse sentido seja possível uma melhor compreensão não só do processo de implantação do poder metropolitano em Minas, como também da lógica de funcionamento dessa sociedade enquanto parte de um todo maior, o Império Português. Nesse sentido, limitar-me-ei apenas a um ponto dessas estratégias: a revolta. Não apenas a revolta por si só, mas enquanto espelho de uma situação de barganha.

A sociedade mineira abriu novos campos sociais, carreiras públicas e privadas possibilitando a Coroa aliviar a sede de méritos e retribuições de seus súditos6. As mercês concedidas em Minas possuíam, também, outros propósitos7.

O dom no Antigo Regime integrava um universo normativo caracterizado por atos beneficiais que estruturavam as relações políticas, formando a chamada economia moral do dom, que estava na base de práticas informais de poder, como por exemplo, as redes clientelares. O funcionamento dessa economia do dom assentava-se em três valores básicos: dar, receber e restituir tríade, que regia a natureza das relações sociais e, por conseguinte, das relações de poder. Como não podia deixar de ser, as trocas regidas por tal sistema eram profundamente desiguais, donde mercês eram dadas em troca de submissão política8. Em linhas gerais, a prática de concessão de mercês tinha início com o rei e ia sendo transmitida a pessoas de menor hierarquia de forma a reproduzir o poder e hierarquizar, os sujeitos, inserindo-os em relações de favor e dependência9.

A concessão de privilégio, recompensa e mercê foi amplamente utilizada pela coroa portuguesa em sua expansão marítima, de modo a beneficiar a própria Coroa. Contudo, havia certos contratempos em toda esta lógica do dom.

Com o uso já costumeiro da retribuição – prática que se iniciou nas guerras de Reconquista – o rei, muitas vezes, via-se na “obrigação” do agraciamento a um dado serviço prestado por seu súdito10. Figurando como personagem central de todas as redes clientelares, competia ao rei restituir os vassalos com as honras e mercês proporcionais a seus serviços. Na visão destes últimos, prevalecia a idéia de contrato, na da coroa, a idéia de imperium11; do embate entre tais visões surgiam, muitas vezes, quizumbas. Freqüentemente os súditos vinham requerer uma dada mercê, alegando terem arriscado a própria vida na defesa dos reais interesses, terem gastado cabedal de suas fazendas nestes serviços ou coisas do tipo. Caso o rei e seus conselheiros não interpretassem da mesma forma, e aquele lhes negasse a mercê, os súditos, muitas vezes, sublevavam-se12. A importância da retribuição pode ser atestada nos vários motins que eclodiram em Minas nos seus 30 primeiros anos, palco dos colonos que percebiam um desnivelamento entre as remunerações recebidas e os serviços prestados13.

Nesta sociedade de Antigo Regime, os mecanismos de distribuição do poder eram caracterizados pela formação de redes clientelares e pelas trocas de favores entre as partes envolvidas. Disto conclui-se que o sentimento de pertença ao Império era profundamente marcado pela participação do súdito no governo – o acesso a cargos da governança – e pela concessão de honras e mercês. Originava-se daí uma das formas de centralização administrativa14.

A idéia de pertença dos súditos ao império, originando em uma melhor situação de governabilidade, fica melhor entendido tendo por base o que se denominou “economia política de privilégios”15.

Admite-se que para além de retribuir os serviços prestados pelos súditos na defesa do bem comum, o sistema de concessão de mercês e privilégios estreitava os laços de sujeição e o sentimento de pertença daqueles para com o Império. Por efeito, garantia-se melhores bases de governabilidade e, quiçá, de centralização administrativa. Tal dinâmica contribuía para formar uma dada noção de pacto e de soberania intrinsecamente ligada, como não podia deixar se ser, a valores e práticas do Antigo Regime. Daí depreende-se a chamada economia política de privilégios16.

Após a constituição da sociedade colonial, as elites utilizaram diferentes estratégias – dentre as quais, políticas de alianças, sistema de mercês e luta pelos cargos concelhios – para se manterem no topo da hierarquia econômica e administrativa da colônia e, assim, terem instrumentos para negociar com a Coroa17. Em Minas, isso não parece ser diferente, embora o quadro fosse um pouco mais “agitado”.

A revolta em Minas colonial era lócus por excelência de negociação e, também, de concessão de mercê. Nos primórdios dos descobrimentos auríferos, a Coroa não possuía contingente militar suficiente para fazer frente aos grandes potentados com suas redes clientelares e séqüitos negros. Como enfrentar as várias revoltas que varreram Minas desde seu alvorecer até 1736? Negociando, cooptando potentados para desarticular as redes clientelares e utilizando-se do chamado sistema de concessão de mercês. Tais estratégias, assim como a própria eclosão da revolta, perpassavam uma contínua idéia de negociação, aonde ambos os lados buscavam auferir, dentro do limite do possível, os maiores proventos em benefício próprio18.

O envolvimento dos agentes régios nos negócios coloniais e a inserção da elite local em cargos da governança foram fatores cruciais para aumentar a influência da colônia na política ultramarina, levando a metrópole a ter que respeitar os sistemas de autoridades estabelecidos na colônia sob pena de enfrentar fortes resistências. Tal situação impediu que a autoridade régia fosse imposta de cima para baixo, mas sim construída em um processo de negociações, barganhas recíprocas entre o centro e a periferia19.

Fruto das Grandes Navegações, da Reforma e do próprio Renascimento, a ordem social perde seu ornamento de estabilidade e passa a ser vista baseada em acordos provisórios aos quais os homens chegam com o intuito de, em cada conjuntura, evitar a anarquia e manter a paz. O homem, mais dinâmico, passa a modelar suas relações sociais e políticas de acordo com suas vontades, e a sociedade adquire feições de um pacto, cujas cláusulas dependem das partes integrantes, de forma que o governo estabelecido seja justo20.

De um lado temos uma elite colonial ávida por garantir seu lugar no topo da hierarquia econômica e administrativa com todas conseqüências daí advindas, do outro temos o homem barroco luso, imbuído de vontade e razão próprias que, uma vez afastado de seu rei e com poder para tal, lança-se na aventura do trato comercial na colônia. Tais retas, longe de serem paralelas, são convergentes e, num certo sentido, complementares. Cria-se, a partir de tal convergência, uma perfeita situação de negociação entre centro e periferia.

Relativo às revoltas, essas eram mecanismos de negociação dos súditos com interesses locais afetados pela política régia, levando a coroa, muitas vezes, a não reprimir violentamente os conflitos sob pena de colocar em risco “o equilíbrio das hierarquias, ameaçando as dependências e trocas clientelares, premissa fundamental no ultramar”21. Especificamente em Minas nos seus primeiros anos, a Coroa, haja vista as dificuldades que teria para controlar a área, percebeu a necessidade de contemporizar no tocante ao enfretamento das revoltas envolvendo homens brancos livres. Neste sentido, negociar com os vassalos era condição sine qua non para manter a acomodação entre estes e as autoridades régias22.

Na época em que a coroa ainda não detinha as plenas condições de cobrança do quinto, as negociações pareciam favoráveis aos colonos23. Mais especificamente, “na fase de ganhos elevados com a mineração; a Coroa lucrou menos com os tributos”, em contrapartida, lá pelos idos de 1730, quando a extração era mais dispendiosa, os habitantes de Minas foram mais “penalizados”24.

Para além de uma visão centrada simplesmente no quesito tributação – leia-se extração do excedente colonial – acredito que para uma melhor compreensão dos “mais favorecidos” com tais negociações, faz-se necessário levar em conta, também, os objetivos, as trajetórias, as estratégias e os reais ganhos dos envolvidos nesse processo, ou seja, somente um estudo mais detalhado da composição social da elite mineira e de suas redes clientelares ligadas à Lisboa será possível aventar melhores conclusões não somente acerca das negociações imperiais, mas também acerca do próprio processo de implantação do poder metropolitano em Minas e como essa elite se portou frente a tal processo. Devemos ter em mente que as elites somente conseguiam se sustentar enquanto elite utilizando-se de estratégias e, conseqüentemente, de redes clientelares. É neste sentido que o estudo dessa elite nos possibilita compreender as redes clientelares mineiras no início do século XVIII, pois tais redes não são dadas, mas se modificam de acordo com as estratégias.

Do que foi acima dito, gostaria apenas de salientar que no alvorecer das Minas o processo de implantação do poder metropolitano não pode ser pensado tendo como norte considerações acerca da tributação ou da incessante busca metropolitana pelo máximo excedente possível. Nesse processo, a Coroa enfrentou revoltas, negociou e concedeu mercês aos colonos, evidenciando, além de uma complexa sociedade de Antigo Regime, um complexo processo de implantação do poder, poder esse que possui, no mínimo, três faces: revolta, negociação, mercê.

No período compreendido entre 1694 e 1736, Minas presenciou nada menos do que 46 movimentos sublevacionistas25. Desses 46 levantes, 37 ocorreram entre 1694 e 1720 e, mais especificamente, entre 1717 e 1720 – período em que o governo das Minas esteve sob a responsabilidade de Dom Pedro Miguel de Almeida Portugal, Conde de Assumar – ocorreram 16 levantes26, ou seja, 35% dos levantes ocorridos até 1736 estiveram concentrados em 4 anos.

Em um contexto tão conturbado urge a questão do porquê da eclosão de tantos levantes. Bastante divergentes são as explicações para tal questionamento, o que demonstra o quão complexa e dinâmica era a sociedade mineira nos seus primeiros tempos.

Eis a questão que norteia nossos estudos: por que um potentado arriscaria cair em desgraça com o rei, perder seus bens, ser degredado para Angola ou Moçambique planejando, participando, financiando e incitando não somente um, mas vários levantes em Minas? A resposta a esta questão vai além da constatação de se o poder estatal estava ou não presente, se o abastecimento de fato se consumaria e se as formas acomodativas seriam respeitadas ou não. Sigamos pelos caminhos das mercês

No que tange especificamente aos levantes, a Coroa utilizou-se das mercês para aplacá-los, para tentar quebrar alianças e para minar a oposição a seu governo com a cooptação dos revoltosos. As concessões mais comuns nestes casos eram de postos civis e militares e honrarias a indivíduos estratégicos, especialmente os hábitos de ordens militares27, além de perdão aos amotinados. A Coroa utilizava mercê para negociar com os sublevados e agraciar aqueles que ajudavam na contenção de tais sublevações. Resta ressaltar o lugar e a importância da negociação neste processo.

No título desse artigo lê-se “revolta, negociação, mercê: as três faces do poder em Minas colonial”. Contudo, a face de maior importância neste processo é, sem dúvida, a negociação.

A premissa de que parto para sustentar essa opção refere-se ao fato de eu considerar a negociação ocupante do lugar central nesta tríade, ou seja, tanto a revolta quanto a mercê não podem ser analisadas sem ter a noção de negociação como substrato comum. Até pelo menos 1736, avento a hipótese de que nenhuma, ou quase nenhuma, revolta possa ser entendida se não for enquanto um complexo jogo de interesses e alianças que variavam conforme os ocupantes dos cargos mais importantes da administração régia. Minha hipótese se torna muito clara analisando as conclusões que Campos obtém dos diferentes governos mineiros até 1736. Segundo a autora, ao se depararem com uma situação de desrespeito, os governadores reagiram das mais diferentes formas:

(…) “dom Fernando Martins Mascarenhas de Lencastre recuou; Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho preferiu a cooptação; dom Brás Baltasar optou pelo recuo alternado com uma política de neutralidade diante de conflitos e lutas de facções que colocavam em risco sua autoridade; dom Pedro Miguel de Almeida desarticulou e destruiu redes de clientela; dom Lourenço de Almeida agregou em torno de si redes de clientela formada dentre os cooptados potentados e novos migrantes enriquecidos em Vila Rica; e Martinho de Mendonça complementou o processo de destruição de redes de clientelas dos primeiros povoadores de Minas”28.

Aonde entra a negociação nestas diferentes formas de governo? As várias redes clientelares que existiam em Minas muitas vezes eram inimigas umas das outras, tendo interesses concorrentes e sendo tratadas de formas diferentes pelas várias autoridades régias não só em Minas, mas também na Bahia – incluindo o vice-rei do Brasil e integrantes da corte em Lisboa.

O que estas diferentes formas de governo de fato evidenciam são na verdade três movimentos, sendo que os dois últimos são corolários do primeiro: 1) as diferentes formas utilizadas pelos governadores para negociar com a elite que integrava estas redes clientelares; 2) as diferentes formas que os governadores utilizavam para se inserirem nesta elite; 3) as diferentes formas utilizadas pelos governadores para defenderem seus próprios interesses em Minas. Nenhuma revolta é fruto de geração espontânea; nasce dos interesses de potentados que incitam o povo ou utilizam-se de seus próprios cativos e agregados para colocá-la em prática.

Neste sentido, as formas de tratar as revoltas envolviam negociações que resultavam no favorecimento de certos interesses em detrimento de outros. As mercês, via de regra, iam para os favorecidos, geralmente potentados cooptados pela Coroa, ou seja, possuíam interesses confluentes aos interesses régios ou de seus funcionários.

Pelo menos no alvorecer mineiro, a negociação estava presente em quase todos os setores dessa sociedade caracterizando-se enquanto uma das faces do poder. As outras duas, revolta e mercê, figuravam enquanto faces do poder na medida em que eram instrumentos de negociação.

A negociação está no centro dessa sociedade e a revolta e a mercê interagem com ela, formando uma complexa dinâmica de funcionamento que, acredito, está inserida dentro dos moldes do Antigo Regime.

Patrimônio da Humanidade pela UNESCO, Ouro Preto, antiga Vila Rica, ainda guarda os vestígios da arquitetura colonial e barroca do Brasil.

Patrimônio da Humanidade pela UNESCO, Ouro Preto, antiga Vila Rica, ainda guarda os vestígios da arquitetura colonial e barroca do Brasil.

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01 – DISCURSO histórico e político sobre a sublevação que nas Minas houve no ano de 1720. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 1994, Estudo crítico de Laura de Mello e Souza, pp. 59.

02 – Casos emblemáticos são Manuel Nunes Viana, Pascoal da Silva Guimarães, Manoel Rodrigues Soares dentre outros.

03 – CAMPOS, Maria Verônica. (2002), Governo de mineiros: “de como meter as Minas numa moenda e beber-lhe o caldo dourado” 1693 a 1737. São Paulo: USP, FFLCH (Tese de doutoramento inédita), pp. 30-105.

04 – “[…] e porque é preciso evitar esta desordem, mando que nenhum negro cativo entre nesta Vila com bordão de nenhuma casta nem também com nenhuma arma de nenhuma qualidade […]. APM, SC 27, fl. 65. BANDO de D. Lourenço de Almeida para todas as vilas deste governo das minas em 31 de maio de 1730. Também o Conde de Assumar relata a situação de negros armados em Minas, ressalvando que eles tinham a […] confiança de seus senhores, que não só lhes fiavam todo o gênero de armas, mas encobriam as suas insolências e os delitos […]. APM. SC 04, fls. 587-596. SOBRE a sublevação que os negros intentaram a estas Minas. Carta do Governador ao Rei de Portugal de 20 de abril de 1719”.

05 – Campos, Maria Verônica, op. cit., passim.

06 – ALENCASTRO, Luiz Felipe de. (2000), O trato dos viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul. São Paulo: Companhia das Letras, pp. 302-303.

07 – Ressalvamos que a análise que ora se segue não é passível de restrição à sociedade mineira, mas ampliável a todo Império luso.

08 – HESPANHA, Antônio M. & XAVIER, Ângela B. “As redes clientelares”. (1998), In: José Tengarrinha (org.). História de Portugal: o Antigo Regime. Lisboa: Editorial Estampa, pp. 340-342.

09 – Sobre a idéia da graça enquanto categoria do poder, manifestação do direito e da justiça, ver Antônio Manuel Hespanha, As vésperas do Leviathan: instituições e poder político. Portugal – século XVII. Coimbra: Almedina, 1994, p. 282-287 e 489-498.

10 – HESPANHA, Antônio M. & XAVIER, Ângela B, op. cit., pp. 347.

11 – Campos, Maria Verônica, op. cit., pp. 19.

12 – Caso emblemático foi o de Pero de Hates Henequim, ver Adriana Romeiro. Um visionário na corte de D. João V: revolta e milenarismo em Minas Gerais. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2001.

13 – Campos, Maria Verônica, op. cit., pp. 371.

14 – Idem, ibidem, pp. 43-44.

15 – BICALHO, Maria F. B., FRAGOSO, João & GOUVÊA, Maria. (2000), “Bases da materialidade e da Governabilidade no Império: uma leitura do Brasil colonial”. Penélope, n 24, Lisboa, pp. 75.

16 – Destacamos que tal conceito faz parte de um todo maior denominado “economia do bem comum” que, devido aos interesses deste artigo, não cabe aqui discutir. Para outras considerações acerca da economia do bem comum e da economia política de privilégios, ver João Fragoso, “A nobreza da República: notas sobre a formação da primeira elite senhorial do Rio de Janeiro (séculos XVI e XVII)”. In: Topoí: Revista de História. Rio de Janeiro, vol. 1, 2000, p. 45-122. Do mesmo autor, A nobreza vive em bandos: a economia política das melhores famílias da terra do Rio de Janeiro, século XVII – algumas notas de pesquisa, Rio de Janeiro, Departamento de História, UFRJ, 2003 (texto inédito), Maria de Fátima Gouvêa, “Redes de poder na América portuguesa: o caso dos homens bons do Rio de Janeiro (1790-1822)”. In: Revista Brasileira de História. São Paulo, vol. 18, n 36, 1998, p. 297-330, Maria Fernanda Bicalho, A administração colonial: debate historiográfico e algumas questões teóricas, mimeo

17 – BICALHO, Maria F. B., FRAGOSO, João & GOUVÊA, Maria, op. cit., pp. 67.

18 – Apenas a título de nota, outro campo muito importante de negociação era as câmaras municipais com suas elites locais que, através de petições, mantinham uma integração política no espaço imperial MONTEIRO, Nuno Gonçalo. (2001), “Trajetórias sociais e governo das conquistas: notas preliminares sobre os vice-reis e governadores-gerais do Brasil e da Índia nos séculos XVII e XVIII”. In: Maria F. Bicalho; João Fragoso & Maria de Fátima Gouvêa (orgs.). O Antigo Regime nos trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI – XVIII). Rio de Janeiro: civilização brasileira, pp. 283.

19 – GREENE, Jack P. (1994), Negotiated authorities: essays in colonial political and constitutional history. The University Press of Virginia, pp. 11.

20– __________. As estruturas políticas em Portugal na época moderna. (2000), In: TENGARRINHA, José (org). História de Portugal. Bauru, SP: EDUSC; São Paulo, SP:UNESP, pp. 119-120.

21– FIGUEIREDO, Luciano. “O império em apuros: notas para o estudo das alterações ultramarinas e das práticas políticas no império colonial português, séculos XVII e XVIII”. (2001), In: Júnia Furtado (org.). Diálogos oceânicos: Minas Gerais e as novas abordagens para uma história do Império Ultramarino Português. Belo Horizonte: HUMANITAS, pp. 229-244.

22 – ANASTASIA, Carla & SILVA, Flávio M. da. “Levantamentos setecentistas mineiros: violência coletiva e acomodação”. (2001), In: Júnia Furtado (org.). Diálogos oceânicos: Minas Gerais e as novas abordagens para uma história do Império Ultramarino Português. Belo Horizonte: HUMANITAS, pp. 309.

23 – Campos, Maria Verônica, op. cit., pp. 76.

24 – Idem, pp. 415.

25 – Idem, pp. 390-404.

26 – Idem, pp. 390-398.

27 – Idem, pp. 175.

28 – Idem, pp. 385-386.

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A política externa joanina e a anexação de Caiena: 1809-1817

Texto de Fábio Ferreira

1. Introdução

D. João de Bragança

O presente trabalho tem como objetivo abordar brevemente a anexação de Caiena pelo príncipe regente português D. João no contexto europeu e sul-americano do início do século XIX e as características da ocupação joanina na região, dialogando, sempre que possível e em determinados aspectos, com as incursões realizadas pelo príncipe na Banda Oriental.

Assim, o próximo item, para a melhor compreensão do estabelecimento de uma possessão francesa na América do Sul, é dedicado ao corte temporal que compreende entre o primeiro estabelecimento francês no território do atual Brasil, mais especificamente na Baia de Guanabara, até a transmigração da Corte portuguesa para a mesma região.

O terceiro item diz respeito às duas regiões anexadas por D. João durante o seu reinado americano: Caiena e a Banda Oriental, explicitando as razões e as argumentações em torno de tais empreendimentos.

No item seguinte, a capitulação de Caiena e a administração portuguesa da mesma são abordadas, havendo, inclusive, uma breve comparação com o governo do general Lecor em Montevidéu.

O Congresso de Viena e a devolução de Caiena aos franceses são questões apresentadas no item cinco do trabalho, além das manobras por parte dos diplomatas de Portugal e França na restituição e restabelecimento dos limites entre os domínios dos dois países na América.

Assim sendo, nas linhas que se seguem, encontram-se informações a respeito da anexação de Caiena pelos portugueses, sem ignorar o contexto internacional, a geo-política e a política externa joanina na primeira vintena do século XIX.

 

2. O Período Colonial: De Villegaignon ao príncipe regente D. João

Mapa francês da baía de Guanabara, c. 1555.

Mapa francês da baía de Guanabara, c. 1555.

 

A demonstração do interesse francês na América do Sul dá-se já no século XVI com a ocupação da área que é hoje a cidade do Rio de Janeiro pelos gauleses e a fundação da França Antártica em 10 de novembro de 1555, tendo Villegaignon como vice-rei1.

Porém, a ocupação francesa na Guanabara não é duradoura: Em 15 de março de 1560, Mem de Sá ocupa o forte francês na região, culminado com o triunfo português. Apesar do malogro deste primeiro intento, a França não desiste dos seus objetivos no continente sul americano.

Em 1604, novamente há a presença francesa no continente com a expedição de Daniel de la Touche, senhor de La Ravardière, que explora a costa da Guiana e, no ano seguinte, recebe a nomeação para colonizar Caiena2. Entretanto, ela é destruída alguns anos mais tarde pelos portugueses, que queriam fazer valer o tratado de Tordesilhas de 14943. Em 1608 e 1617 há novas tentativas de dominar a mesma região, respectivamente por Robert Harcourt e Edward Harvey, porém todas as duas fracassam.4

Mesmo com tais acontecimentos, os franceses, em 1612, fundam no Maranhão a França Equinocial e o forte de São Luís, tendo a frente do novo projeto La Ravardière e François de Rassily. No entanto, o destino do empreendimento gaulês em terras sul americanas não é diferente dos anteriores: Em 16155, mais uma vez, os portugueses derrotam os franceses.

É válido observar que a defesa do território ao norte do continente sul-americano dá-se durante a União Ibérica (1580 – 1640), quando o rei de Espanha, Felipe II, passa a ser também o monarca de Portugal e seus domínios ultramarinos. Porém, a defesa dos domínios espanhóis na América fica a cargo dos portugueses, conforme explicita Furtado (p.86) “Aos portugueses coube a defesa da parte dessa linha [das Antilhas ao Nordeste brasileiro] ao sul da foz do Amazonas. Dessa forma, foi defendendo as terras de Espanha dos inimigos desta que os portugueses se fixaram na foz do grande rio, posição-chave para o fácil controle de toda a imensa bacia.”. Com o fim da união entre as duas Coroas, a América portuguesa vê-se além dos limites de Tordesilhas. Assim, segundo Vainfas (2000, p.572) “(…) foi no período da dominação filipina que se alargaram as extensões da futura América Portuguesa (…)”

E, neste mesmo período, a era dos Felipes, mais precisamente em 1626, que é constituído, segundo Jorge (1999), o núcleo original do que virá a ser a Guiana Francesa: às margens do rio Sinamari é constituída a primeira colônia gaulesa, que, em 1634, é transferida para a ilha de Caiena.

Ainda segundo o mesmo autor, a manutenção de Caiena nas mãos dos franceses vem a ser uma tarefa árdua para estes:

“(…) no novel estabelecimento malograram-se sucessivamente todos os reiterados ensaios de colonização até 1656, quando a ilha de Caiena foi ocupada pelos holandeses que a exploraram até 1664, data de sua retomada pelos franceses. Os ingleses expulsaram-nos em 1667, ocupando-a até que dela se reapoderaram os holandeses em 1674. Da reconquista pelo vice-almirante conde d’Estrées, em 1676, data a sua ocupação definitiva pela França.”6

Sobre as adversidades da região, é válido observar que, citando Ciro Cardoso, Gomes e Queiroz (2002, p.32) comentam que “(…) as dificuldades de colonização da Guiana Francesa eram diversas: relevo acidentado, correntes marítimas dificultando a navegação, epidemias e pragas nas plantações, subpovoamento, pobreza crônica, etc. Enfim, o fracasso inicial da colonização teve fatores geo-ecológios e históricos.”

As primeiras tentativas de delimitar as fronteiras entre a Guiana Francesa e o Cabo Norte, parte do atual estado brasileiro do Amapá, datam de 16337. Em 1640, com a Restauração, Portugal volta a existir como país independente, e os limites da dominação gaulesa – apesar de todas as adversidades que ela sofreu – na região citada com a América Portuguesa têm como fruto inúmeras discussões entre os dois países europeus ao longo do século XVII.

Segundo Jorge (1999), para os portugueses, o limite entre os seus domínios e o dos franceses era o rio Oiapoque ou Vicente Pinzón, em virtude da doação feita por Felipe IV de Espanha, em 1637, à Bento Maciel Parente da Capitania do Cabo Norte. Porém, para os franceses, os limites entre as possessões dos dois países não dava-se pelo Oiapoque, criam que a França tinha direitos sobre a margem setentrional do Amazonas devido as cartas-patentes concedidas, em 1605, a La Ravardière.

No decorrer do século XVII várias são as atitudes por parte da França que demonstram o seu interesse na região entre o Amazonas e o Orinoco, na atual Venezuela, como, por exemplo, quando os franceses perdem Caiena para os holandeses e, sem possuir território algum nas Guianas, Luís XIV nomeia o duque de Ampville vice-rei da América, tendo tal área entre os dois rios estado sob a sua jurisdição, e também a criação de diversas companhias de comércio que abrangem a área que vai desde as margens do Amazonas até as do Orinoco.8

Diante do impasse, que chega a resultar em conflitos armados entre os dois países, Portugal e França optam pela negociação, que inicia-se em Lisboa no ano de 1698. No entanto, segundo Jorge (1999, p.57), devido à falta de conhecimento de ambas as Coroas litigiosas sobre a região, um tratado provisório é assinado em 4 de março de 1700 por Portugal e França, em que

“(…) deixou em suspenso a atribuição do território compreendido entre a ponta de Macapá e o cabo do Norte e daí pelo litoral até o Oiapoque, permitindo aos nacionais dos dois países estabelecer-se livremente entre aquele rio e o Amazonas, sem que nenhuma das duas Coroas pudesse, por este fato, reivindicar um direito de soberania ou instalar postos militares ou comerciais que implicassem tomada de posse. Esse modus vivendi, baseado na neutralização provisória do território contestado, seria mantido até a conclusão de um ajuste definitivo.”

Porém, conforme evidencia o autor citado acima, devido ao posicionamento português na Guerra de Sucessão espanhola, ao lado da Inglaterra e Holanda e contra a França e Felipe V da Espanha, o tratado provisório é anulado, sendo que tal limite só é definido pelo Tratado de Utrecht, de 11 de abril de 1713.

Por este tratado, garantido pela Inglaterra, segundo Carvalho (1998), a França renuncia as terras do Cabo Norte, assim como a qualquer pretensão em relação à navegação do Amazonas, sendo as duas margens deste rio de navegação única e exclusiva da marinha portuguesa, além do trânsito de Caiena para o sul do Vicente Pinzón ser proibido, igualmente havendo a proibição dos lusos comerciarem na citada cidade.

Porém, segundo Gomes e Queiroz (2002) os franceses não cumpriam o Tratado de Utrecht, o que não era de desconhecimento dos portugueses, e Abreu (1998, p.197) afirma que os gauleses encontraram maneiras de burlar tal trato, “(…) descobrindo mais de um Vicente Pinzón e mais de um Oiapoque, de modo a aproximarem-se o mais possível do Amazonas, seu verdadeiro e constante objetivo.”

Conforme demonstra Jorge (1999, p.59) ao longo do século XVIII, por parte de várias autoridades francesas na Guiana, diversos rios são entendidos como o Vicente Pinzón e o Oiapoque, sempre com o mesmo objetivo citado por Abreu, porém “(…) Portugal e, depois, o Brasil, sempre e invariavelmente, sustentavam que o rio Japoc ou Vicente Pinsão do Tratado de Utrecht era o mesmo e único Oiapoque ou Vicente Pinzón, universalmente conhecido com este nome desde 1596, que se lança no oceano Atlântico ao oeste do cabo de Orange, limite (…) formalmente aceito pelo [Tratado] de Utrecht em 1713”

Após a Revolução Francesa (1789) e a chegada do príncipe regente D. João ao poder (1792), no período de 1797 a 1802, várias são as tentativas de acordo entre portugueses e franceses sobre os seus limites na América, como, por exemplo, o de Paris de 1797 que não é ratificado por Portugal pelo fato de ir contra os seus interesses, e o de Amiens, de 1802, que exclui o país ibérico das negociações, logo o não reconhecimento do tratado.9

Assim, a tentativa por parte da França de estender a Guiana Francesa e o desrespeito à soberania lusitana, em que acordos são celebrados sem a participação de Portugal, são reflexos da posição frágil em que o país chega ao século XIX, além da conjuntura européia, com a polarização de forças entre a Inglaterra e a França napoleônica, que intimidava todo o continente.10

É válido também ressaltar que no período que compreende o final do século XVIII e os primeiros anos do XIX, Portugal, devido ao complicado xadrez europeu, vê-se envolvido em várias guerras, mesmo sempre tendo tentado levar ao máximo uma política de neutralidade. Tropas portuguesas, por exemplo, marcham contra a França, em 1793, na Campanha do Rossilhão, incorporadas ao exército espanhol e, em 1801, Portugal é invadido pelos aliados de outrora, com apoio militar francês, no episódio conhecido como Guerra das Laranjas, em que a praça de Olivença, território português, cai nas mãos do visinho e inimigo.11

Sobre a situação enfrentada por Portugal e o seu reflexo nos tratados e no espaço americano, Jorge (1999, p.60) afirma que “os seus negociadores [dos tratados] não tiveram em mira interpretar o pensamento do Tratado de Utrecht, mas, impor a Portugal, enfraquecido pela guerra, limites novos no território da Guiana.”

Evidentemente, não podemos ignorar as dinâmicas das populações locais na definição de fronteiras, conforme explicitam Gomes e Queiroz (2002) em seu trabalho, entretanto, nesta tentativa de expansão francesa, pode-se constatar a política européia e a utilização de tratados para definições de espaços no continente americano.

 

3. As Anexações Joaninas: Caiena e a Banda Oriental

Napoleão Bonaparte: tentativa de impedir a Europa de negociar com a Inglaterra.

Como foi dito anteriormente, Portugal adentra o século XIX envolvido nas intrigas européias, porém, sempre a buscar a neutralidade. Sobre tal fato, Vicente (1996, p.34) afirma que “D. Maria, o Príncipe Regente e os ministros portugueses entendiam que a neutralidade era a melhor política (…)”. Ferreira (2003) também mostra que “Mesmo em 1803 [com] novos conflitos terem se estabelecido entre a França e a Inglaterra, Portugal consegue permanecer em uma posição que convém-lhe: a de neutralidade. Continua aliado dos ingleses e em paz com os franceses.” Até mesmo Carlota Joaquina, esposa do príncipe regente, tem a mesma postura, segundo Francisca Azevedo, sempre a objetivar a neutralidade portuguesa, inclusive as suas cartas ao pai, Carlos IV, rei de Espanha, seguem esta linha.12

Porém, a política de neutralidade acaba por tornar-se inviável, seja por questões internas, como a força que o partido francês ganha em Portugal, seja por externas, como os desejos expansionistas de Napoleão e a aliança do país ibérico com a Inglaterra.

Diante destes fatos, Junot, a obedecer ordens do líder francês, marcha em direção ao território português, a adentra-lo pela Beira Baixa no dia 17 de novembro de 180713. Sete dias depois, a Corte fica ciente do ocorrido e, assim, a família real parte de Lisboa em direção ao Rio de Janeiro doze dias após a entrada dos franceses no território português. 14

A transmigração da Corte para o Brasil, realizada com apoio inglês, e que segundo Azevedo (2002) torna-se um dos objetivos de Canning desde que assume o Ministério das Relações Exteriores do seu país, não é o único fato da história luso-brasileira neste momento que tem a participação de Londres. Segundo Goycochêa (1963) há a possibilidade do plano da invasão da Guiana Francesa ter sido formulado na capital britânica.

Independentemente se tal incursão foi planejada ou não na Inglaterra, o autor demonstra que D. Rodrigo15, antes mesmo da transferência da Corte para o Rio, já propunha a hostilização da possessão francesa no extremo setentrional da América do Sul.

Lima (1996, p.287), ao citar uma correspondência de 1801 do ministro para o príncipe regente, evidência que há o interesse napoleônico, já nesta época, de transformar a Guiana em uma poderosa colônia que, para D. Rodrigo, seria fatal para o Pará e conseqüentemente para o Brasil.

Assim, feita a travessia do Atlântico, D. João declara guerra a França e anula os tratados celebrados anteriormente com tal país. Sobre tal atitude do príncipe regente, Calógeras (1998, p.243) afirma que “Nulos e de nenhum efeito declarou-os (…) D. João, em seu Manifesto de 1º de maio de 1808, ao romper relações e entrar em guerra contra Napoleão.”

Uma vez tento declarado guerra aos invasores de Portugal, D. João prepara o ataque da possessão dos seus inimigos no continente sul-americano. Conforme explicita o autor, partem do Pará, no dia 6 de novembro de 1808, as hostes comandados pelo tenente-coronel Manoel Marques, que conquista Caiena em 12 de janeiro de 1809.

Sobre os objetivos joaninos em tal anexação, Silva (1986) afirma que a defesa do litoral norte do Brasil, preocupação de D. Rodrigo, é uma das razões de tal atitude por parte do governo português instalado no Brasil; outro argumento era o restabelecimento de limites entre a Guiana Francesa e a América portuguesa de acordo com os interesses lusitanos; além de visar a aniquilação de qualquer ponto gaulês na América do Sul.

Já as razões e justificativas da outra anexação joanina durante a sua estada no Brasil, a da Banda Oriental, ocorrida pela primeira vez em 1811 e em uma segunda no ano de 1816, são outras.

Primeiramente, é válido observar que o desejo de D. João em conquistar essa área faz parte do velho desejo lusitano de possuir ao menos um ponto no Rio da Prata, anelo este que pode ser constatado desde o século XVI e manifesto ao longo dos séculos seguintes16. O temor de que da América espanhola emanassem “(…) as idéias dos ‘novos tempos’ franceses”17 para a região do sul do Brasil é igualmente outra razão apontada por Silva (1986).

Também é pertinente destacar que houveram especulações de que Napoleão – que em 1808 aprisiona toda a família real espanhola, exceto Carlota Joaquina – desejaria conquistar para si o que foi o domínio dos Bourbons na América, além da tentativa do mesmo em subjugar Montevidéu, conforme narra Azevedo (2002, p.177): “[Chegam a esta cidade] delegados franceses com despachos de Napoleão (…) informando da abdicação de Carlos IV em favor de Jose Bonaparte e exigindo a aclamação do rei também nas colônias. [Entretanto] Fernando VII [irmão de Carlota Joaquina] fora proclamado rei e os emissários franceses foram banidos da cidade.”

Porém, é interessante observar que uma vez sob domínio português, há o silêncio por parte de Napoleão para recuperar a Guiana, pois a França não envia esforço militar algum para tentar reaver a possessão perdida, sendo que Lima (1996) atribui tal postura ao fato dos franceses terem como maior inimigo a Inglaterra, a marinha mais poderosa da época. Outra razão que talvez também possa ser apontada como contribuídora para a não tentativa de refutar os portugueses da ilha de Caiena pode ser que Napoleão, por estar tão comprometido com as suas conquistas e guerras na Europa, não tinha condições de atuar no sentido de retomar a Guiana Francesa.

Outro ponto a observar-se no que diz às duas invasões à Banda Oriental e a sua justificativa, é a de que os luso-brasileiros estavam a buscar os limites naturais da América portuguesa. Na incursão de 1811, o direito dos Bourbons na região do Prata é evocado, além do fato de Montevidéu, reduto pró-Espanha, e, por essa razão, estar sob ataque portenho18, que visava conquistar a Banda Oriental, o que acarretou no pedido de ajuda dos montevideanos aos luso-brasileiros e também à perturbações na fronteira com Rio Grande.

Em 1816 as violações continuaram, além de que a região estava a ser governada por Artigas, que na interpretação do Rio de Janeiro o seu governo era sinônimo de anarquia, além da preocupação geopolítica do Rio da Prata tornar-se um bloco político espanhol19. Assim, o General Lecor, veterano das guerras napoleônicas na Europa, marcha em direção à Banda Oriental, conquistando Montevidéu em 20 de janeiro de 181720.

A geopolítica, assim como na região do Prata, também foi um fator que contribuiu para que as tropas luso-brasileiras marchassem em direção à Caiena, conforme explicita Silva (1986) quando cita a preocupação que D. Rodrigo tinha na proteção do litoral norte do Brasil.

Tal receio não é ignorado por Lima (1996, p.286), que mostra o ministro de D. João tendo como questão de suma importância a integridade territorial do Brasil, “(…) e que sob este ponto de vista nenhuma capitania lhe merecia igualmente maior cuidado que a do Pará, em consideração do perigo da proximidade dos franceses num momento de inimizade com a França, e da ameaça da questão sempre aberta do Oiapoque.” Logo o aniquilamento da dominação francesa na Guiana torna-se relevante para o governo português devido a posição estratégica que os gauleses obtinham na América do Sul.

Lima (ibid.) também demonstra em seu trabalho o reconhecimento de D. Rodrigo de que os grandes rios das capitanias amazônicas interligavam-nas com o Mato Grosso; o fácil acesso ao interior do Brasil que o domínio destas citadas capitanias garantiam; além do potencial econômico que possuíam. Quer dizer, uma eventual perda desta região poderia significar grande estrago na configuração do domínio português na América, sendo que quem possuía um ponto bem próximo a esta região e que era hostil ao príncipe D. João era Napoleão Bonaparte.

Evidentemente, as relações de Portugal com a Espanha eram igualmente hostis, além dos dois países possuírem vastos limites na América, porém, em 1808, no mesmo ano da chegada da Corte portuguesa ao Rio de Janeiro, a Espanha sucumbe diante de Napoleão, não constituindo ameaça ao governo português sediado no Brasil e, a partir de 1810, começam os movimentos na maioria das colônias americanas, em que as mesmas não aceitam a dominação das Cortes espanholas.

A Inglaterra, evidentemente, possuía tais condições, porém, era aliada dos portugueses, além do fato de que D. João, uma vez no Brasil, tomou as conhecidas medidas que beneficiaram os aliados britânicos. Assim, os ingleses não teriam razão para atacar os seus aliados, por sua vez, os espanhóis, que diversas vezes ao longo da história envolvem-se em conflitos com os portugueses, tinham que resolver muitos problemas dentro do seu território metropolitano e colonial, logo a dificultar bastante um eventual ataque a Portugal na América, sendo a França o único país que tinha razões para tal atitude e em tais condições.

 

4. A capitulação de Caiena e a dominação portuguesa

Mapa atual: em rosa, o planalto das Guianas, que perpassa pela Venezuela (Guiana Espanhola), Guiana (Guiana Inglesa), Suriname (Guiana Holandesa), Guiana Francesa e Amapá (Guiana portuguesa).

Conforme foi dito anteriormente, D. João, ao chegar ao Brasil, declara guerra à França, sendo o ataque a Caiena o primeiro ato joanino de hostilidade a Napoleão. Entretanto, primeiramente, Portugal trata de redefinir as fronteiras do Brasil com a Guiana Francesa de acordo com o Tratado de Utrecht, para depois adentrar o território guianense, conforme demonstra Goycochêa (1963, p.127):

“Os limites entre o Brasil e a Guiana Francesa, em tais condições, voltaram ao rio Oiapoque ou de Vicente Pinzón, combinados no Congresso de Utrecht em 1713. O que foi estabelecido em Paris (1797), em Badajoz e em Madrid (1801) e mesmo em Amiens (1802), foi anulado, deixou de existir.

Impunha-se depois, como revide à invasão de Portugal, que fosse levada a guerra até ao território indiscutivelmente francês, do Oiapoque ao Maroni, inclusivemente à ilha de Caiena onde é a capital (chef-lieu) da colônia, que se sabia guarnecida e fortificada.”

A expedição que realiza o ataque a Guiana é organizada pelo capitão-general do Pará, José Narciso de Magalhães de Menezes, contando, inicialmente, segundo Lima (1996), com 400 homens e, após passagem pela ilha de Marajó, 500, que partem, sob o comando do tenente-coronel Manuel Marques – que ganhou destaque na guerra entre Portugal e Espanha de 180121, lidera, na incursão à Caiena, as tropas terrestres – em direção ao extremo norte brasileiro.

O papel da Inglaterra ao lado de Portugal em tal invasão não pode ser ignorado, pois, segundo Goycochêa (1963), o ministro do exterior inglês, George Canning, esteve envolvido na articulação de tal ataque junto a D. Rodrigo, além da força naval anglo-lusitana, comandada por James Lucas Yeo, sobrinho de Sidney Smith, ter tido atuação neste advento contra Napoleão e os seus súditos.

As forças que partiram de Marajó chegam ao cabo Norte em 12 de novembro de 180822, a apossarem-se, segundo Calógeras (1998), da margem direita do Oiapoque exatamente um mês depois e, assim, continuam em direção a Guiana Francesa. Victor Hugues, o governador francês de Caiena, ao saber do que estava a ocorrer, envia esforços militares para a fronteira, esforços estes que, segundo Lima (1996) contavam com apenas 40 homens, que não conseguem conter os seus oponentes, e acabam recuando.

Porém, paralelamente, em Caiena, é organizada a defesa da cidade com os diminutos recursos disponíveis pelos franceses. Tais preparos são citados por Lima (ibid., p.292): “(…) em Caiena se faziam preparativos de defesa (…) que (…) constavam de 511 europeus de tropas escolhidas, 200 pardos livres e 500 escravos adrede recrutados, além de um brigue de 14 peças e 80 homens de equipagem. Não era portanto desproporcionado o pessoal de terra, e no dizer dos documentos franceses eram bastantes os víveres e as provisões bélicas.”

Entretanto, a defesa preparada pelos franceses é inútil: a 6 de janeiro de 1809 as hostes saídas do Pará chegam a Caiena, desembarcando aí no dia seguinte, sendo que o governador acaba por assinar a rendição cinco dias após o desembarque23.

Lima (1996) observa que, os portugueses, antes de assinarem o trato com o governador de Caiena, ameaçam estabelecer um sistema em que os escravos da possessão francesa que pegassem em armas contra os senhores guianenses e atacassem as propriedades dos mesmos seriam libertos após o derrube do poder francês na ilha, sendo muito mais por esta razão, e não pela força, que Victor Hugues, possuidor da maior plantação da Guiana Francesa, assina a rendição.

O governador rendido, membros da administração civil e militar, além das suas respectivas famílias e criadagem, retornam para a França, tendo o seu custo bancado pelo príncipe regente. Uma vez de volta à França, segundo Silva (1986), a rendição do antigo governador de Caiena acaba por culminar na prisão perpétua do mesmo.

Sobre a punição de Victor Hugues, Lima (1996, p.292) destaca que

“O conselho de inquirição nomeado pelo imperador dos franceses culpou Victor Hugues de imprevidência e frouxidão na organização da defesa e na operação militar, permitindo por suas delongas o desembarque que lhe não teria sido difícil impedir, e recuando com a flor das tropas antes mesmo do primeiro revés, para assinar às pressas, sem convocar conselho de guerra nem reunir ou consultar as autoridades civis, as condições de uma capitulação cujo teor demonstrava que os aliados não contavam tanto com a imediata eficiência dos seus esforços.”

No tocante a conquista de Caiena pelos portugueses e a sua interpretação negativa por parte do Governador do Pará, Silva (1986, p.) observa que

“Os termos da capitulação foram criticados pelo Governador do Pará, que não concordava com eles, sobretudo no tocante à libertação dos escravos guianenses, os quais se incorporaram no exército aliado, e no referente à vigência única do Código Napoleônico, preferindo o estabelecimento de áreas jurídicas nas quais a autoridade de D. João VI pudesse agir. Não obstante, em janeiro de 1809, lavraram-se os termos da posse definitiva portuguesa da Guiana, embora esta nunca tenha chegado a ser declarada oficialmente parte integrante do território brasileiro, mantendo os guianenses o seu vínculo às leis napoleônicas e não às portuguesas.”

A manutenção das leis napoleônicas no novo território dominado por Portugal podem ser melhor compreendidas se analisadas sob a perspectiva dos objetivos joaninos na anexação de Caiena. Além das razões citadas anteriormente, como, por exemplo, a retaliação aos franceses pela invasão do território peninsular e a anulação da força dos mesmos na América do Sul, Lima (1996) afirma que Portugal não visa com tal advento uma conquista definitiva de Caiena, ao contrario de Montevidéu, onde, nas palavras do autor, os objetivos seriam imperialistas. Anexando o domínio francês, o governo estabelecido no Rio de Janeiro pretendia, no futuro, ao fim das guerras, ter com o que barganhar em convenções e tratados do pós-guerra, e, também, o restabelecimento dos limites entre Brasil e Guiana Francesa de acordo com o Tratado de Utrecht.

Apesar da vitória sobre os franceses, a situação militar portuguesa em partes do território da Guiana não é das mais favoráveis, inclusive, a reconquista em si não sendo impossível, ao contrário, os gauleses não teriam tido muitas dificuldades, porém Portugal tem como aliado o maior poderio naval da época, o que acaba por garantir-lhe a posse da nova conquista e inibir um ataque francês.

Uma vez Caiena sendo capitulada, Manuel Marques, o líder das tropas de terra, administra-a provisoriamente. Já nos primeiros dias da nova administração caienense o governador português constata essa deficiência militar pela qual o novo domínio luso passa, com as forças de ocupação debilitadas, com muitos homens doentes e, diante de tal fato, demanda ao Governador do Pará mais tropas, no que é atendido.

Sobre a atuação de Manuel Marques no comando da Guiana Francesa, Lima (1996, p.298) taxa-a positivamente, afirmando que

“Para administrar a colônia (…) recorreu a um conselho ou junta consultiva e deliberante composta dos habitantes mais reputados pela sua inteligência e probidade, sendo logo por esse meio regulado o valor da moeda portuguesa comparado com a francesa, para não embaraçar as transações mercantis; estabelecido um imposto de patente sobre todas as casas de negócio, para com o seu produto se pagar o soldo à guarnição, e adotadas outras providências urgentes de bom governo.”

O autor ainda cita que diante da desobediência de um grupamento militar desejoso de voltar para o Pará e de abandonar Caiena – ninho de febres malignas, nas palavras do mesmo – Manuel Marques repreende os descontentes apenas com a sua palavra e prestígio militar.

Em março de 1810 assume a administração de Caiena o desembargador João Severiano Maciel da Costa24, que tem a sua atuação elogiada por Jorge (1999, p.61), a afirmar que a mesma “(…) contribuiu poderosamente para o desenvolvimento do comércio naquela região e mereceu as mais lisonjeiras referências de historiadores franceses da Guiana.”

Já Silva (1986) e Lima (1996) demonstram que o governo de Maciel da Costa (1810-1817) gerou tanto detratores, quanto simpatizantes, sendo grande opositor da administração o jornal Correio Brasiliense, que acusava-o de déspota, corrupto e arbitrário. No entanto, “(…) outras fontes mostram-no como um bom administrador, modernizador do centro urbano de Cayenne, tendo-se interessado em fazer remeter ao Brasil grandes quantidades das especiarias da região: cravo, canela, noz moscada, pimenta (…) [e] mudas de uma espécie nativa de cana, ‘a caiena’ (ou caiana) que floresceria nas zonas canavieiras brasileiras.”25

O governo de Maciel da Costa é elogiado com entusiamo por Lima (1996, p.298), conforme pode ser constatado no seguinte trecho:

“A administração de Maciel da Costa (…) constitui uma página honrosa do reinado americano de Dom João VI. Os seus conhecimentos jurídicos e outros, a sua ciência da língua francesa, a sua lhaneza, espírito de justiça e atividade burocrática fizeram dele (…) um governante geralmente tido por modelo, que deixou muito agradáveis recordações quando a possessão foi restituída à França e os antigos senhores a reocuparam.

Não ficou todavia a administração portuguesa extreme de queixas contra ela. Os descontentes são inevitáveis e porventura alguns justicáveis, apesar da colônia ter aproveitado materialmente, quando mais não fosse pela livre exportação e venda com lucros dos seus gêneros coloniais, amontoados inutilmente nos armazéns durante os anos de guerra em que a Inglaterra varria de inimigos os mares com suas esquadras.”

O tratamento dado à administração portuguesa na Guiana é plausível de comparação com a da Banda Oriental, que teve a sua frente, desde 181726, o general Carlos Frederico Lecor, mais tarde Barão e Visconde de Laguna. Ambas geraram construções díspares e, a representar a positiva, destaca-se o viajante Saint-Hilaire (2002, p.187) que, em 1820, esteve em Montevidéu, e em seu diário faz a seguinte observação da administração do general português:

“(…) Montevidéu goza de profunda paz [enquanto Buenos Aires vivia o oposto]. Não mudaram as formas de administração; nem aumentaram os impostos, e a receita é aplicada às necessidades do país e ao pagamento dos funcionários espanhóis. O general escuta e faz justiça a todos, favorece, o quanto pode, os habitantes da região, mantendo uma disciplina severa entre as tropas. [E] É o governo português que [as] paga (…)”

Tratando a ocupação portuguesa da Banda Oriental com, no mínimo, certa reserva – isso quando não é rechaçada – é o que se encontra entre autores uruguaios como Felde (1919) e Acevedo (1933). Como exemplo, Felde trata as medidas por parte do governo luso-brasileiro que visavam tornar a Banda Oriental parte integrante do Brasil e que acabaram por ter apoio de uruguaios, como um pragmatismo dos seus conterrâneos, que tendo o seu país arrazado pelo período de guerra, não tem outra opção senão aceitar a dominação portuguesa, com os aspectos positivos da mesma sendo silenciados.

Outra comparação que pode ser feita entre a ocupação joanina do extremo norte com a do sul é que, embora a segunda tenha tido objetivos imperialistas, caso malograsse, e D. João tivesse que abandonar a conquista platina, ele não exitaria em redefinir a fronteira com a Banda Oriental de acordo com as suas conveniencias, de maneira que não conseguiu na Europa27. Quer dizer, a demarcação territorial conforme os seus interesses também foi preocupação do príncipe regente ao ocupar a Guiana Francesa, que antes de ocupá-la, estende a fronteira de acordo com o Tratado de 1713, conforme foi citado anteriormente.

Ressalta-se também que no sul, Lecor encontra uma região envolvida em guerras no seu interior há algum tempo, debilitada por esta razão, ao contrário do que Manuel Marques depara-se na Guiana Francesa, entretanto, na Banda Oriental há a resistência de uma figura como Artigas, que tinha respaldo popular, um projeto de um país independente na região platina, e que peleja contra a presença luso-brasileira até 1820, ao contrário de Victor Hugues, que assina em janeiro de 1809 a rendição e volta para a França no mês seguinte a capitulação de Caiena.

Entretanto, tanto Artigas, quanto Victor Hugues, são punidos pelos seus fracassos: O primeiro, após a sua derrota, é entregue ao presidente paraguaio Gaspar Rodrigues de Francia, que o confina no Convento de la Merced, saindo meses mais tarde para uma chácara no interior, onde fica a trabalhar a terra com dois escravos;28 já Victor Hugues, julgado pelo regime napoleônico, paga o preço do seu trato com os portugueses com a prisão perpétua.

 

5. O Congresso de Viena e o fim da soberania portuguesa em Caiena

João Severiano Maciel da Costa: governador portugués de Caiena.

Com a queda de Napoleão Bonaparte, começam as discussões diplomáticas em torno da Guiana Francesa. Em 1814, no Tratado de Paris, realizado já no governo de Luís XVIII, esboça-se a possibilidade de Portugal vir a devolver tal região29.

Os gauleses tentam redefinir a fronteira de acordo com o tratado de 1797, entretanto, os portugueses não aceitam tal proposta, levando a questão para o Congresso de Viena (1815), onde a discussão entre os dois países dá-se na delimitação ou não pelo rio Oiapoque. Portugal quer tal rio como fronteira, os franceses querem ultrapassá-lo, a avançar em território que os portugueses entendiam como seu, porém já a fazer concessões no sentido de ocupar uma parcela menor do atual Amapá.

Ainda no Congresso, Portugal tenta condicionar a devolução da Guiana à de Olivença, perdida para a Espanha na Guerra das Laranjas, já que, segundo Silva (1986, p.391) “Deixara de ter qualquer sentido a retenção da longínqua e dificultosa conquista já que, após o retorno à Monarquia, em França, a Guiana não representaria mais, ao olhar da Corte do Rio de Janeiro, um enclave de onde poderiam irradiar, diretamente, as idéias revolucionárias, trajendo em seu bojo virtuais ameaças aos (…) Braganças.”

No entanto, ao final do Congresso, Portugal não consegue a restituição de Olivença, e compromete-se a devolver a Guiana aos franceses, porém sem marcar a data da devolução, conforme demonstrado por Jorge (1999, p.61): “(…) se declarava que a entrega efetuar-se-ia quando as circunstâncias o permitissem, por ser uma convenção particular entre as duas cortes, procedendo-se amigavelmente (…)”

Apesar de ter acordado com a devolução, Portugal consegue que o limite entre o seu domínio americano e o francês de-se pelo Oiapoque, conforme o Tratado de Utrecht de 1713, como pode-se constatar nos artigos CVI e CVII do Ato Geral do Congresso de Viena, extraindo-se a seguir trecho do 107º referente ao Oiapoque como o limite: “(…) S.A.R. le prince régent du Portugal et du Brésil, pour manifester d'une manière incontestable sa considération particulière pour S.M.T.C., s'engage à restituer à Sadite Majesté la Guiane française jusqu'à la rivière d'Oyapock (…) limite que le Portugal a toujours considérée comme celle qui avait été fixée par le traité d'Utrecht.”30

Sobre o acerto realizado na Austria para a devolução da Guiana Francesa e a definição do Oiapoque como fronteira, Lima (1996, p.359) afirma que: “Terá a corte do Rio naturalmente preferido que a questão da fronteira houvesse ficado resolvida, exatamente segundo as suas vistas, no Congresso de Viena, sem mais discussões, dúvidas e sofismas. Obtiveram porém pelo menos os seus plenipotenciários um ponto importantíssimo (…) que era a estipulação da entrega apenas até ao Oiapoque (…)”

O autor ainda observa que é enviado ao Rio de Janeiro, para resolver a restituição, o duque de Luxemburgo, e que mesmo com o acordado em 1815, a França ainda nutre esperanças de chegar ao menos à boca do Amazonas ou de obter maior profundidade territorial, além de que havia o temor em Paris de que o Rio não devolvesse Caiena, nem as propriedades particulares confiscadas ou ocupadas pelos portugueses na Guiana.

Luxemburgo visa resolver logo as pendências com o Rio, além de sair da cidade com a devolução resolvida, entretanto, o governo português está sempre a buscar o retardamento da definição da restituição, pois só a faria quando estivesse certo de que seria realmente o Oiapoque o limite, tendo-o como definitivo, o que a França queria como provisório.

Enquanto ocorrem estas discussões, no ano de 1816, Maciel da Costa, a receber ordens do Rio, devolve os bens dos franceses da Guiana que foram sequestrado pelo fato de não aderirem à dominação portuguesa, e terem ido viver em países inimigos.

Após a delonga, que tem como palco não só a América, mas também a Europa, a entrega de Caiena aos franceses vem a ser resolvida em um tratado celebrado em 28 de agosto de 1817, em Paris, onde “(…) o governo português comprometeu-se a restituir, dentro de três meses, o território da Guiana Francesa até o rio Oiapoque; nele também se determinou a nomeação de uma comissão mista para proceder à fixação definitiva dos seus limites ‘conforme o sentido do artigo 8º do Tratado de Utrecht e as estipulações do Ato do Congresso de Viena.’”31

O governo de Maciel da Costa em Caiena finda-se em 8 de novembro de 181732, após uma dominação portuguesa de oito anos, que teria deixado simpatizantes franceses a lamentarem-se com o fim da mesma, e gerado o seguinte comentário do novo governador francês, Jean-François Carra Saint-Cyr33: “(…) é espantoso (…) que franceses, vendo drapejar as cores nacionais, signo da dominação francesa, vertam lágrimas de saudade pela dominação anterior; faço votos por que, ao término de minha administração, receba demonstrações semelhantes.”34

Uma vez Caiena estando em mãos francesas, os mesmos acabam por agir conforme já esperava a diplomacia lusitana: sempre a postegar a demarcação entre os limites das duas coroas no extremo setentrional da América do Sul.

Segundo Jorge (1999) a indefinição permanece até o final do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, adentrando o Império (1822-1889) e, havendo, já na República, conflitos no extremo norte brasileiro pela região do Contestado, levando, inclusive, em 1895, a invasão francesa do Amapá35.

A questão da Banda Oriental também não termina no período joanino, pois após tornar-se parte do Brasil com o nome de província Cisplatina, a mesma, em 1825, rebela-se contra a dominação brasileira, a tornar-se independente em 1828 com o nome de República Oriental do Uruguai, havendo também o Brasil problemas na definição das fronteiras com o novo país durante o século XIX e a atuação dos diplomatas dos dois países em tal questão.

 

6. Conclusão

Mapa da Guiana Francesa (1763). No detalhe, vê-se a Ilha de Caiena.

Assim sendo, a anexação de Caiena torna-se relevante se entendida dentro de um processo mais amplo, o da questão da política externa joanina, que consiste também na ocupação do território da Banda Oriental e a integração da mesma ao Reino Unido como província Cisplatina em 1821.

As incursões joaninas a essas duas regiões fronteriças aos extremos do Brasil são passíveis de comparação, da mesma forma que o é, por exemplo, a administração de Maciel da Costa em Caiena e a do general Carlos Frederico Lecor em Montevidéu, havendo pontos de interseção – e distanciamento, obviamente – entre os governos desses dois homens designados por D. João para administrar as suas novas conquistas no espaço sul-americano.

No que diz respeito a anexação de Caiena por parte do príncipe regente é válido observar que muito poucas são as informações sobre tal feito tanto na historiografia brasileira quanto na portuguesa, havendo mais dados da conquista joanina em autores mais antigos do país americano, como, por exemplo, Oliveira Lima, Araújo Jorge e Goycochêa, sendo que na do país europeu, em trabalhos como o de Saraiva ou do Dicionário de Torres, as informações encontradas são muito breves.

Até mesmo no trabalho de Sarney Costa, e nas informações disponíveis no sítio da internet do governo do estado do Amapá, ambos de cunho regional, tratam da história da região amazônica, e não aprofundam a ocupação de Caiena de 1809, a abordar com maior enfase questões referentes ao período colonial ou do final do século XIX.

Assim, concluí-se que a história da anexação de Caiena a mando do príncipe regente é algo ainda por escrever, podendo buscar como fonte, por exemplo, as correspondências entre os administradores portugueses da Guiana e o governo do Rio de Janeiro; assim como a de diplomatas, sejam eles do governo português estabelecido no Brasil, da França ou da Inglaterra e os seus respectivos governos; igualmente, se houver, relatos de contemporâneos da anexação, como foi a de Saint-Hilaire sobre a Banda Oriental. A imprensa da época também pode ser utilizada, tanto a do Brasil, quanto a de Portugal, França, Inglaterra e Guiana, para encontrar a repercussão que tal ato e a gerência de Caiena por parte dos portugueses obtiveram nos jornais do início do século XIX; a utilização do acervo da seção de manuscritos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro e os fundos do Arquivo Nacional localizado na mesma cidade, além do acervo do Itamarati, também podem contribuir para o estudo, assim como a ida aos seus correspondentes no Pará, Caiena, Lisboa, Paris e Londres.

 

7. Notas

1 – VAINFAS, Ronaldo. Dicionário do Brasil Colonial (1500 – 1808). Rio de Janeiro: Objetiva, 2000, p. 584.

2 – Op. cit., p. 342.

3 – http://www.guyane.fr.st/

4 – SARNEY, José; COSTA, Pedro. Amapá: a terra onde o Brasil começa. Brasília: Senado Federal, 1999.

5 – VAINFAS, Ronaldo. Dicionário do Brasil Colonial (1500 – 1808). Rio de Janeiro: Objetiva, 2000, p. 227.

6 – Op. cit., p. 56.

7 – http://www.amazonpress.com.br/amapa/dedoc/ap31052001.htm

8 – SARNEY, José; COSTA, Pedro. Amapá: a terra onde o Brasil começa. Brasília: Senado Federal, 1999.

9 – JORGE, A. G. de Araújo. Rio Branco e as fronteiras do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1999.

10 – FERREIRA, Fábio. As incursões franco-espanholas ao território português: 1801-1810”. In: Revista Tema Livre, ed.05, 23 abril 2003. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

11 – Op. cit.

12 – AZEVEDO, Francisca. Entrevista concedida em 10/04/2003. In: Revista Tema Livre, ed.05, 23 abril 2003. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com.

13 – FERREIRA, Fábio. As incursões franco-espanholas ao território português: 1801-1810”. In: Revista Tema Livre, ed.05, 23 abril 2003. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com.

14 – Op. cit.

15 – Dom Rodrigo nasce em 1755 e tem como padrinho o marquês de Pombal. Em 1778, é nomeado diplomata junto à corte da Sardenha e mais tarde, já em Portugal, torna-se ministro do Ultramar. D. Rodrigo ainda foi secretário de Estado da Marinha e Domínios Ultramarinos de 1796 a 1801, presidente do Real Erário de 1801 até 1803, e ministro da Guerra e Negócios Estrangeiros de 1808 a 1812, sendo que recebe o título de conde de Linhares no ano de 1808. Diante da possibilidade da fragmentação do Império Português, D. Rodrigo recorre às novas idéias ilustradas para propor novas soluções, entretanto, devido à mentalidade tradicional existente na sociedade portuguesa de então, ele encontra vários obstáculos. Partidário da Inglaterra e defensor da concepção de um império luso-brasileiro, tem papel atuante na transferência da Corte para o Rio de Janeiro e na assinatura dos tratados de 1810, sendo que a última medida demonstra a opção pelo Brasil como sede do império português. Vem a falecer em 1812 na cidade do Rio de Janeiro. (Vainfas, 2002.)

16 – Para maiores detalhes ver FERREIRA, Fábio. A Presença Luso-Brasileira na Região do Rio da Prata: 1808 – 1822. In: Revista Tema Livre, ed.03, 22 out. 2002. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

17 – SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Apêncice In: MAXWEL, Kenneth. Condicionalismos da independência do Brasil. In: SERRÃO, José; MARQUES, A.H. Oliveira (coord.). Nova História da Expansão Portuguesa, volume VIII. Lisboa: Estampa, 1986, p. 391.

18 – Buenos Aires estava em processo de emancipação frente as Cortes Espanholas

19 – Para maiores detalhes ver FERREIRA, Fábio. A Presença Luso-Brasileira na Região do Rio da Prata: 1808 – 1822. In: Revista Tema Livre, ed.03, 22 out. 2002. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

20 – Op. cit.

21 – Para maiores detalhes do episódio conhecido como Guerra das Laranjas, ver: FERREIRA, Fábio. As incursões franco-espanholas ao território português: 1801-1810”. In: Revista Tema Livre, ed.05, 23 abril 2003. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

22 – SARNEY, José; COSTA, Pedro. Amapá: a terra onde o Brasil começa. Brasília: Senado Federal, 1999.

23 – LIMA, Oliveira. D. João VI no Brasil. Rio de Janeiro: Topbooks, 1996.

24 – Nasce no ano de 1760, em Mariana, Minas Gerais, e a sua formação é de bacharel em leis pela Universidade de Coimbra. Maciel da Costa, em 1821, com a ida de D. João VI para Portugal, acompanha o monarca, porém é impedido pelas cortes de adentrar o país, voltando para o Brasil, onde foi um dos agentes do Império. Esse personagem ainda é senador e ministro, além de receber, primeiramente, o título de visconde e, depois, marquês de Queluz. Possuidor de várias publicações, em uma delas coloca-se a favor da abolição do tráfico negreiro para o Brasil, além de propostas para o fim do comércio desumano. http://www.arqnet.pt/dicionario/queluzm.html

25 – SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Apêncice In: MAXWEL, Kenneth. Condicionalismos da independência do Brasil. In: SERRÃO, José; MARQUES, A.H. Oliveira (coord.). Nova História da Expansão Portuguesa, volume VIII. Lisboa: Estampa, 1986, p. 391.

26 – FERREIRA, Fábio. A Presença Luso-Brasileira na Região do Rio da Prata: 1808 – 1822. In: Revista Tema Livre, ed.03, 22 out. 2002. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

27 – LIMA, Oliveira. D. João VI no Brasil. Rio de Janeiro: Topbooks, 1996.

28 – VAINFAS, Ronaldo. Dicionário do Brasil Imperial (1822 – 1889). Rio de Janeiro: Objetiva, 2002, p. 424.

29 – SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Apêncice In: MAXWEL, Kenneth. Condicionalismos da independência do Brasil. In: SERRÃO, José; MARQUES, A.H. Oliveira (coord.). Nova História da Expansão Portuguesa, volume VIII. Lisboa: Estampa, 1986.

30 – 107 do Congresso de Viena, disponível em: http://www.histoire-empire.org/articles/congres_de_vienne/acte_du_congres_de_vienne_09.htm

31 – JORGE, A. G. de Araújo. Rio Branco e as fronteiras do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1999, p.61.

32 – http://www.worldstatesmen.org/Fr_Guiana.html

33 – http://www.worldstatesmen.org/Fr_Guiana.html

34 – SARNEY, José; COSTA, Pedro. Amapá: a terra onde o Brasil começa. Brasília: Senado Federal, 1999, p.134.

35 – http://www.amapa.gov.br/amapa-historia/historia-inicio.htm

 

8. Bibliografia e Sítios Consultados

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AZEVEDO, Francisca. Entrevista concedida em 10/04/2003. In: Revista Tema Livre, ed.05, 23 abril 2003. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

CALÓGERAS, J. Pandiá. A Política Exterior do Império. Ed. Fac-similar, v.I. Brasília: Senado Federal, 1998.

CARVALHO, Carlos Delgado de. História Diplomática do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1998.

DICIONÁRIO Histórico, Corográfico, Heráldico, Biográfico, Bibliográfico, Numismático e Artístico. v. III. Portugal: João Romano Torres, 1904-1915. Disponível em: http://www.arqnet.pt/dicionario.html

FELDE, Alberto Zum. Proceso Histórico Del Uruguay. Montevideo: Maximino Garcia, 1919

FERREIRA, Fábio. A Presença Luso-Brasileira na Região do Rio da Prata: 1808 – 1822. In: Revista Tema Livre, ed.03, 22 out. 2002. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

_________ As incursões franco-espanholas ao território português: 1801-1810”. In: Revista Tema Livre, ed.05, 23 abril 2003. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. São Paulo: Editora Nacional, 1977.

GOMES, Flávio dos Santos; QUEIROZ, Jonas Marçal. Entre Fronteiras e Limites: identidades e espaços transacionais naa guiana brasileira – séculos XVIII e XIX. In: Estudos Ibero-Americanos. Porto Alegre: PUCRS, v. XXVIII, número I, 2002.

GOYCOCHÊA, Luís Felipe de Castilhos. A diplomacia de dom João VI em Caiena. Rio de Janeiro: G.T.L., 1963.

JORGE, A. G. de Araújo. Rio Branco e as fronteiras do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1999.

LIMA, Oliveira. D. João VI no Brasil. Rio de Janeiro: Topbooks, 1996.

SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Apêncice In: MAXWEL, Kenneth. Condicionalismos da independência do Brasil. In: SERRÃO, José; MARQUES, A.H. Oliveira (coord.). Nova História da Expansão Portuguesa, volume VIII. Lisboa: Estampa, 1986.

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SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem ao Rio Grande do Sul. Brasília: Senado Federal, 2002.

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VAINFAS, Ronaldo. Dicionário do Brasil Colonial (1500 – 1808). Rio de Janeiro: Objetiva, 2000.

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VICENTE, António Pedro. Do rossilhão às invasões francesas, In: TEIXEIRA, Nuno Severiano. O Poder e a Guerra 1914 – 1918. Lisboa: Editorial Estampa, 1996.

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http://www.amazonpress.com.br

http://www.guyane.fr.st

http://www.histoire-empire.org

http://www.worldstatesmen.org/Fr_Guiana.html

 

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Entrevista com a prof. dra. Francisca Azevedo. Breves considerações acerca da Província Cisplatina: 1821-1828. As incursões franco-espanholas ao território português: 1801-1810. A Presença Luso-brasileira na Região do Rio da Prata: 1808-1822. Moeda e Crédito no Brasil: breves reflexões sobre o primeiro Banco do Brasil (1808-1829)

E, na seção fotos, a exposição virtual Imagens de Portugal: Palácio de Queluz Conheça outros artigos disponíveis na Revista Tema Livre na seção "Temas".

Lançamento do livro “Carlota Joaquina na Corte do Brasil”

Foto do coquetel de lançamento do livro.

Foto do coquetel de lançamento do livro.

“Carlota Joaquina na corte do Brasil”, livro da historiadora da UFRJ Francisca Azevedo, editado pela Civilização Brasileira, teve seu lançamento na Livraria da Travessa, Ipanema, no dia 19 de novembro último.

Buscando um novo olhar sobre a personagem, abandonando as análises que caracterizam-na como vulgar, inculta e adultera, Francisca Azevedo, que teve como fonte de pesquisa 1.453 documentos – como cartas, por exemplo, sendo estas correspondências ativas, passivas e correlatas –, apresenta uma Carlota que é articuladora e líder política, que rompia com as relações tradicionais de gênero da época, porém sem ignorar os aspectos humanos da personagem.

Além da história da própria Carlota Joaquina, paralelamente, o livro trata das relações internacionais da época, que, dentre os seus acontecimentos, há a invasão da Península Ibérica por Napoleão Bonaparte, a transmigração da família real portuguesa de Lisboa para o Rio de Janeiro e o interesse joanino em estender seus domínios até o Rio da Prata.

Assim sendo, a autora, com o seu trabalho, contribui com a investigação histórica, dando uma nova perspectiva de análise à Princesa do Brasil.

livrocarlotaCapa do livro “Carlota Joaquina na corte do Brasil”.
Autor: Francisca L. Nogueira de Azevedo
Editora: Civilização Brasileira
Nº de páginas: 400
Formato: 14x21cm
Preço: R$40,00.

 Leia na integra a entrevista concedida por Francisca Azevedo à Revista Tema Livre, onde a autora fala em primeira mão do seu livro.

– Também veja as fotos do Palácio de Queluz, em Portugal, onde Carlota viveu e morreu.
Conheça artigos referentes ao período/tema disponíveis na Revista Tema Livre:
– Breves considerações acerca da Província Cisplatina: 1821-1828
– As incursões franco-espanholas ao território português: 1801 – 1810
– Moeda e Crédito no Brasil: breves reflexões sobre o primeiro Banco do Brasil (1808-1829)

– A política externa joanina e a anexação de Caiena: 1809-1817.
– A Presença Luso-brasileira na Região do Rio da Prata: 1808-1822.

Breves considerações acerca da Província Cisplatina: 1821-1828

Texto de Fábio Ferreira

1. Introdução

Bandeira do Estado Cisplatino Oriental

Bandeira do Estado Cisplatino Oriental

O presente artigo propõe-se a tratar brevemente os curtos anos de existência da província brasileira da Cisplatina, no território que hoje é a República Oriental do Uruguai, além da influência que a sua existência como parte do Império exerceu nas relações Brasil – Províncias Unidas do Rio da Prata (atual Argentina) no contexto da década de 1820, e a repercussão da província brasileira nas Províncias Unidas e, primeiramente, no Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve e, depois, no Império Brasileiro.

Assim, o próximo item é dedicado à anexação da Banda Oriental ao Reino Unido sob o nome de província Cisplatina, onde são mostradas as articulações políticas por parte do general Lecor para a realização da incorporação.

A influência portenha e dos Trinta e Três Orientais no processo que vem a desencadear a Guerra da Cisplatina, além das articulações políticas dos primeiros em atrair para o conflito Simón Bolívar e os Estados Unidos são tratados no terceiro item do artigo.

O trabalho aborda a seguir a guerra propriamente dita, a partir da declaração da mesma por parte do Brasil, em 1825, aos argentinos; e, também, das negociações políticas, com a participação da Inglaterra, pela emancipação da Cisplatina.

Assim, nas próximas linhas encontrar-se-ão informações acerca do primeiro conflito externo do Brasil e Argentina independentes na região platina, além dos seus fatos precursores.

2. A Província Cisplatina

Mapa do Império do Brasil com a Cisplatina em vermelho.

Mapa do Brasil joanino com a Cisplatina em vermelho.

A região do atual Uruguai, que adentra o século XIX como parte do Vice-Reino do Rio da Prata, a partir de 1817, devido ao projeto expansionista joanino na região platina e ao processo de independência desencadeado nos países hispano-americanos que tem como grande marco o ano de 1810, caí sob o domínio da monarquia portuguesa instalada no Rio de Janeiro.1

À frente dos ocupadores, a governar, primeiramente Montevidéu, depois, em virtude da resistência artiguista, o resto do território oriental, está o general Carlos Frederico Lecor, veterano das guerras napoleônicas que, com o fim dos conflitos na Europa, parte para a América.

A administração Lecor é taxada positivamente por Saint-Hilaire (2002), naturalista francês que esteve na região em 1820; e Lynch (1989) designa-a como favorável aos grandes estancieiros e comerciantes de Montevidéu, conseguindo o apoio dos primeiros pelo restabelecimento da ordem e do respeito à propriedade e, dos segundos, pela estabilidade e pela política de porto aberto.

Em 1821, mais precisamente no dia 16 de abril2, pouco antes de D. João VI retornar para Portugal, é autorizada a realização do Congresso Cisplatino, que teria como função decidir se a Banda Oriental seria anexada ao Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve, ou tornar-se-ia um país independente ou, ainda, se a mesma acabaria como parte de um outro governo.3

Segundo Golin (2002), Lecor não teria aceito as outras duas alternativas que não fosse a de incorporar a Banda Oriental ao Reino Unido e, para isto, altera o número de deputados e o critério de seleção dos mesmos para o Congresso, além de articular com os diversos orientais que teriam voz no encontro.

Assim, a cimeira, que ocorre de quinze de julho a oito de agosto de 18214, tem diversos dos seus membros comprometidos com a posição de Lecor e, como resultado, a aprovação da incorporação da Banda Oriental ao Brasil sob o nome de Província Cisplatina, podendo-se afirmar que o general português teve grande importância na ampliação do território brasileiro até o Rio da Prata.

Silva (1986, p.393) define o Congresso como uma manobra para legitimar a ocupação da Banda Oriental, já que Lecor obtém “(…) o apoio do Conselho Municipal de Montevidéu e de representantes de várias outras localidades (…) dando-lhe um sentido, não de conquista, mas de incorporação no Reino Unido (…) com a aprovação de um Congresso Nacional do Estado Oriental do Rio da Prata”.

O questionamento da idoneidade da votação pela incorporação também está presente em Lynch (1989, p.103), destacando-se o seguinte trecho: “En julio de 1821 un Congreso Oriental subordinado al nuevo régimen votó la incorporación de la Provincia Oriental al imperio portugués como Estado Cisplatino (…)”

A anexação da Cisplatina dá-se, segundo Carvalho (1998), com a região arrasada em razão das guerras que ela foi palco desde 1810, tendo o seu setor produtivo sido devastado e a população bastante reduzida, havendo, nos orientais, um sentimento muito mais de pragmatismo ao unir-se com o Brasil do que ideológico ou subserviente ao Reino Unido.

No entanto, apesar do empenho de Lecor para a anexação e conseqüente ampliação do território brasileiro, na Corte, alguns setores não são favoráveis, sendo que a mesma não é ratificada por D. João VI, que a esta altura já está em Portugal. A reprovação à atitude de Lecor em Lisboa deve-se à preocupação de que a incorporação viesse a acarretar em problemas com Fernando VII, além de que a mesma fora fruto de articulações secretas entre o general e José Bonifácio, no contexto do rompimento do Brasil com o Reino Unido, que de fato vem a ocorrer formalmente no 7 de setembro de 1822.

Com a independência do Brasil, a província Cisplatina vê-se dividida entre os que apóiam a manutenção da sua união com o Brasil, e aqueles favoráveis a mantê-la sob o controle de Portugal, havendo a cisão dos ocupadores entre imperiais e lusitanos.

Os que optam por D. Pedro, têm a frente o general Lecor; as tropas fiéis à D. João VI são lideradas pelo brigadeiro Álvaro da Costa de Souza Macedo, que acreditam que a Cisplatina é, de direito, pertencente a Portugal. Diante do posicionamento antagônico entre as tropas, Lecor parte para Canelones, ficando Montevidéu sob o controle dos lusitanos.

Entretanto, mesmo com os embates, Lecor não se vê impedido de articular com os caudilhos platinos, como o faz com o de Entre Rios, em 1822, e com os diversos líderes da costa do Uruguai, sempre visando a manutenção da presença brasileira na região e o rechaço aos oponentes do seu projeto.

Segundo Carneiro (1946), Lecor, em Canelones, obtém o apoio de diversas figuras orientais, como Rivera5 e Lavalleja6, além de vários governos da campanha e de Colônia e Maldonado. Uma vez obtendo tal suporte, parte para o cerco por terra de Montevidéu. Por mar a cidade é cercada pelo almirante Rodrigo Lobo e por uma esquadra oriunda do Rio de Janeiro e, sitiados, os portugueses, que tinham ao seu lado os Oribe, não resistem por muito tempo.

A questão da independência brasileira face Portugal é complexa, não só na área que constitui a última conquista luso-brasileira, mas em todo o Brasil, até mesmo antes do sete de setembro. Tal cisão seja na Cisplatina, seja no resto do território brasileiro, havendo a não adesão em torno de um projeto único, acaba por dividi-los entre os que optam por Portugal e os que escolhem a independência.

A diferença de projetos para o Brasil, partindo de dentro do próprio país antes mesmo de 1822, é explicitado por Proença (1999, p.36) no seguinte trecho: “[Há] uma nítida separação entre as províncias do Norte, em torno da Baía, que se mantinham fiéis às Cortes, as do Sul separatistas e apoiantes de D. Pedro, e a zona de Pernambuco onde a situação se ia tornando mais confusa, pela existência de uma facção bastante numerosa que perfilhava, não só a separação de Portugal como uma modificação do sistema político brasileiro.”

A diversidade existente no Brasil também é apresentada por Ramos (2002, p.39), citando Macaulay:

“Havia no Brasil quem desejasse um governo central no Rio porque sentia que isso servia melhor as suas necessidades. D. Pedro queria ser imperador, José Bonifácio queria ser primeiro-ministro, milhares de advogados, agricultores e comerciantes da área do Rio – S. Paulo – Minas Gerais preferiam um governo que estivesse ao seu alcance a um governo sediado do outro lado do Atlântico. Os ricos e os políticos activos das províncias distantes entretanto não identificavam necessariamente os seus interesses com os do Rio; no extremo Norte, no Maranhão e no Pará, os laços com Lisboa eram muito fortes (…)”.

A demonstração da inexistência de uma unidade nos antigos domínios portugueses no Novo Mundo em torno de D. Pedro após o sete de setembro é igualmente demonstrado por Saraiva (1993, p.364): “Uma parte da América do Sul continuava fiel a Portugal, sem reconhecer a autoridade do novo imperador: em Montevidéu, um general afirmou reconhecer apenas o poder do rei e na Baía o general Madeira mantinha as cores portuguesas.”

Assim, a província Cisplatina encontra-se dividida entre imperiais e lusitanos, tendo os últimos abandonado a região do Prata somente em fevereiro de 18247 e, Lecor pisa em Montevidéu, a liderar as tropas brasileiras, em 2 de março do mesmo ano, sendo a Cisplatina, segundo Bethell (2001), o último reduto da resistência lusitana na América.

Com a volta de Lecor para Montevidéu, Carneiro (1946, p.36) narra que “(…) jurou-se a constituição política do Império promulgada por D. Pedro I. Por essa constituição o Estado Cisplatino, em situação de confederado, passava a fazer parte do Brasil”.

Entretanto, a contenda entre portugueses e brasileiros, e a retirada dos primeiros do território, acaba por fortalecer o grupamento que objetiva o desligamento da Cisplatina ao Brasil, conforme explicita Golin (2002, p.332): “(…) a retirada das disciplinadas tropas lusitanas enfraqueceu o exército de ocupação. Imediatamente, o movimento pela autonomia da Banda Oriental intensificou suas confabulações, agitou a população e, no ano seguinte, em 1825, desencadeou a sublevação.”

Constatação idêntica faz Duarte (1985), ao afirmar que após a saída dos portugueses e a conseqüente cisão nas tropas de Lecor, os contingentes militares do general ficam em estado lamentável e, ainda, salienta que se foi possível a manutenção da presença brasileira na Cisplatina após a divisão das tropas de ocupação, foi pela habilidade política de Lecor.

Paralelamente ao processo de independência do Brasil e a vitória dos imperiais na Cisplatina, em Buenos Aires são iniciadas as articulações para que as Províncias Unidas reconquistassem o território que, desde 1810, desejavam que fosse seu: a outra margem do Rio da Prata.

Assim sendo, o intento portenho de acabar com o domínio brasileiro na região que outrora fora parte do Vice Reino que tinha Buenos Aires como capital, e o papel desempenhado pelos 33 orientais na independência da província Cisplatina serão abordados no próximo item do trabalho.

3. A participação portenha na emancipação da Cisplatina e os Trinta e Três Orientais

“Juramento de los Treinta y Tres Orientales”, obra do uruguaio Juan Manuel Blanes (1830-1901).

O desejo de Buenos Aires, após a Revolução de Maio de 1810, em conquistar a área do atual Uruguai pode ser evidenciado ao longo desta década, quando, por exemplo, os portenhos apóiam os intentos de Artigas contra os realistas, em 1811, ou quando controlam Montevidéu, em 1814, só abandonando-a por não resistirem à oposição artiguista. As incursões ao território oriental cessam após a invasão comandada por Lecor, em 1816.

Porém, com o advento da independência do Brasil e a sua repercussão na Cisplatina, em 18238, ganha força, nas Províncias Unidas, a idéia de guerrear contra o país recém independente, sendo que, em 4 de agosto, Santa Fé assina um tratado com o cabildo de Montevidéu para expurgar a presença brasileira da Cisplatina e no dia 21 do mesmo mês, Mansilla, governador de Entre Rios no período de 1821-24, que anteriormente assinara tratos com Lecor, intima o antigo tratante a abandonar a província brasileira localizada no Prata.

Um pouco antes das hostilidades com Santa Fé e Entre Rios, as Províncias Unidas enviam, em janeiro de 1823, José Valentim Gomes para negociar com o Rio de Janeiro o que os portenhos entendiam como a restituição da Banda Oriental, entretanto, segundo Carvalho (1998, p.57) “o emissário encontrou decidida repulsa a respeito da separação da Cisplatina do Império”.

A questão envolvendo esse território entendido por brasileiros e argentinos como seus, não faz com que somente as Províncias Unidas enviem emissários para o Rio. O governo sediado nesta cidade envia, em tal período, missões para Buenos Aires e Assunção com o objetivo de aproximar-se mais destes governos, porém malogra em seu intento. Na primeira, o enviado brasileiro só não perde por completo a viagem pelo fato de espionar os liberais refugiados naquela cidade e, na cidade paraguaia, inicialmente sequer é recebido por Francia e, quando o é, de nada resulta o encontro.

Os esforços portenhos não fazem com que Lecor abandone a província anexada, mas mesmo diante da permanência do general, não desistem da desocupação da mesma e, com tal intento, apóiam o plano de Lavalleja de atacar a Cisplatina e rechaçar os brasileiros desta localidade.

No entanto, o primeiro intento do oriental malogra, sendo ele rechaçado da margem esquerda do Prata por Frutuoso Rivera, que, quando Juan Manuel Rosas9 vai à Cisplatina visando uma nova insurreição, debanda para o lado dos portenhos, porém permanecendo no exército brasileiro até o novo ataque de Lavalleja, quando passa a agir ao lado dos insurretos. Ao mudar de lado, Carneiro (1946) afirma que Lecor coloca a cabeça de Rivera a prêmio, assim como a de Lavalleja, a 2.000 e 1.500 pesos respectivamente.

A nova investida tem como ponto de saída a Argentina, e de chegada o atual Uruguai, mais precisamente Agraciada, no dia 19 de abril de 1825, sendo o grupo hostil aos súbitos de D. Pedro I conhecido como Os Trinta e Três Orientais.10

Sobre a chegada e os objetivos do grupo em relação a Cisplatina, Carneiro (ibid, p.38) narra que “(…) às 11 horas da noite, realizavam o desembarque (…) Ao desfraldar a sua bandeira tricolor, com o lema ‘Libertad o muerte’, que os uruguaios empunhariam até 1829, revogando a de Artigas (…) o chefe dos orientais não deixava patente senão que os seus projetos eram de união com as Províncias Unidas (…) e não de independência da Banda Oriental”.

Esse grupo, segundo Lynch (1989), com a sua travessia, visa ativar o latente movimento emancipatório dentro da Cisplatina, tendo os Trinta e Três, com tal ação, o objetivo de anexar a então província brasileira com as Províncias Unidas, entretanto, com alguma espécie de autonomia. Os objetivos portenhos não são muito diferentes, querendo o território à esquerda do Prata para si. O autor ainda observa que o grupo liderado por Lavalleja era financiado por estancieiros da província de Buenos Aires.

Calógeras (1998, p.409), sobre os intentos dos insurgentes, afirma que, inspirado no projeto artiguista, “Lavalleja vinha com o velho programa de Artigas, que todos os pro-homens da província oriental partilhavam: a confederação dentro no quadro das Províncias Unidas”.

Entretanto, o autor frisa que há diferenças substanciais entre os dois projetos: o do caudilho que atuou na Banda Oriental na década de 1810 não aceitava a incorporação a Buenos Aires sem definir previamente um pacto para a união; já o grupo de Lavalleja decreta a reincorporação as Províncias Unidas de maneira incondicional.

Este novo ataque de Lavalleja tem melhor sorte que o primeiro: as tropas brasileiras ficam confinadas praticamente em Montevidéu e Sacramento e, a 25 de agosto de 1825, a assembléia reunida em Florida pelos insurgentes, proclamam “nulos todos los actos de incorporación y juramentos arrancados a los pueblos de la Provincia Oriental [e] quedaba libre e independiente del Rey de Portugal, del Emperador del Brasil y de qualquiera outro poder del universo”11.

É válido salientar que, segundo Carneiro (1946, p.40), os Trinta e Três, ao desembarcarem, não gozavam de crédito, ao contrário, “A ação dos patriotas uruguaios foi tomada como uma loucura ou como ingênua imprudência.”, entretanto, o autor ainda observa que o exército brasileiro estava comprometido por causa da rebelião de Pernambuco, o que acarreta em diversas derrotas.

O sucesso da investida leva a embates entre o cônsul brasileiro em Buenos Aires e o governador desta cidade, que nega a participação portenha na incursão à província Cisplatina e, ainda, ao ataque à representação brasileira na cidade. Tal fato é demonstrado por Carvalho (1998, p.58) no seguinte trecho: “Em Buenos Aires, era atacado o consulado brasileiro (29 de outubro) e o nosso representante transladava-se para Montevidéu. Já então a ofensiva uruguaia era apoiada por tropas argentinas, apesar de nota diplomática conciliadora e cordial (…)”

O ataque de 29 de outubro e a participação dos buenairenses neste curioso ato de hostilidade ao Brasil são detalhados por Calógeras (1998, p.416) da seguinte maneira: “(…) às dez e meia da noite, uma turba guiada por uma banda, de música, e aos gritos de ‘morram os portugueses, morra o Imperador do Brasil, morram os amigos do tirano, morra o Consul’, tinha atacado impunemente o consulado”. O autor ainda afirma que tal ato teve o revide de soldados da marinha brasileira, que desrespeitam, no Rio, a bandeira argentina.

A rivalidade para com os brasileiros não fica estrita a manifestações a porta do consulado em Buenos Aires. Soma-se a isso o fato de que a cidade serve de refúgio aos opositores brasileiros na Cisplatina, conforme relata Carneiro (1946) que, quando a polícia de Lecor descobre conspiradores contra o Império, muitos deles fogem é para tal núcleo urbano argentino.

Neste mesmo ano de 1825, segundo Golin (2002) as Províncias Unidas tentam trazer Simón Bolívar12 para o conflito do Rio da Prata, intimando o Brasil a desocupar a margem esquerda do rio e, caso não o fizesse por bem, teria que fazer à força. Uma vez tendo sucesso a empreitada, Bolívar e seus aliados marchariam até o Rio de Janeiro, deporiam D. Pedro I e proclamariam uma república.

Bolívar chega a cogitar a sua participação nessa união de forças contra o Império, porém, devido a problemas na região que libertou do domínio espanhol, opta por permanecer aí, tendo sido a sua participação no evento apenas diplomática, via o seu representante no Rio de Janeiro, que crítica o expansionismo brasileiro.

Não é só Simón Bolívar que os portenhos tentam trazer para o seu lado e contra o Império: Segundo Carvalho (1998), o ministro das relações exteriores do governo Rivadavia13 busca apoio nos Estados Unidos, a evocar a Doutrina Monroe e a vincular D. Pedro I a Portugal e, assim, sob esta ótica, o conflito teria a interferência européia, o que é rechaçado pela doutrina. Entretanto, o intento de Buenos Aires não é vitorioso, pois os Estados Unidos entendem o embate entre os dois países como americano e não europeu.

Mesmo diante destes fatos e das derrotas brasileiras nas batalhas do Rincón das Gallinas e do Sarandí – tendo à frente Frutuoso Rivera –, o Brasil não oficializa a guerra, a tratá-la como uma insurreição dentro da sua província localizada no Rio da Prata.

Lavalleja, segundo Carneiro (1946), querendo terminar logo com os embates, chega, inclusive, a propor a Lecor, após a vitória de Rivera em Rincón das Gallinas, a intervenção do veterano das guerras napoleônicas junto ao Imperador para que fossem retiradas do território oriental as tropas brasileiras, porém, o militar nega-se a tal.

Entretanto, em 4 de novembro de 1825, o Império recebe o comunicado de que as Províncias Unidas entendiam a Cisplatina como parte do seu território e, assim, o Rio de Janeiro declara guerra aos portenhos em 10 de dezembro de 1825. A resposta argentina é dada menos de um mês depois: É declarada guerra ao Brasil no primeiro dia de 1826.

4. A Guerra Cisplatina: 1825-1828

Lecor: o general comanda Montevidéu de 1817 até meados da década de 1820.

Lecor: o general comanda Montevidéu de 1817 até meados da década de 1820.

Apesar do Brasil ter declarado guerra aos argentinos em 1825 e, eles, aos brasileiros no primeiro dia do ano seguinte, ambos os envolvidos sabiam que estavam a adentrar em uma ação bélica já desgastados, devido aos seus processos de independência e, no caso das Províncias Unidas, soma-se o embate interno entre Unitários e Federais que trouxe-lhes grandes prejuízos.

O Império, neste conflito, objetiva manter a sua configuração, além de possuir um projeto político de não permitir a criação de grandes países no continente e, com a eventual perda da Cisplatina para as Províncias Unidas, esta, obviamente, teria o seu território ampliado.

Soma-se a tal questão a preocupação do controle do estuário do Rio da Prata, acesso muito mais eficaz ao oeste do Rio Grande, Santa Catarina, Paraná e sudoeste do Mato Grosso, do que o terrestre e, caso o Rio da Prata ficasse nas mãos das Províncias Unidas, o Império temia pela sua integridade nas áreas brasileiras citadas acima.14

No entanto, Calógeras (1998) taxa o conflito bélico pela manutenção da Cisplatina como uma preocupação dinástica de D. Pedro I e não como anseio dos brasileiros, sendo a guerra contrária aos desejos dos últimos, que precisam de estabilidade e paz para progredirem, além de boas relações com os seus vizinhos hispânicos para evitar contendas.

O conflito, desde o seu início, não é apoiado pela Inglaterra, havendo, inclusive, a sua intervenção para que ele não ocorresse ou fosse abreviado, no entanto, os ingleses não são bem sucedidos neste momento, conforme demonstra Lynch (1989, p.105): “(…)Gran Bretaña tenía una considerable influencia sobre los gobiernos de Río de Janeiro y de Buenos Aires, pero no había sido capaz de impedir la guerra y encontraba dificultades para restablecer la paz.”

Entretanto, isto não significa que a Inglaterra seja favorável a manutenção da Cisplatina sob o poder imperial, nem argentino, ao contrário, interessa-lhe a criação de um terceiro estado na região, conforme explicita Padoin (2001, p.62):

“Enquanto isso, ou por detrás desse panorama de rivalidades estava a atuação inglesa, preocupada com o crescimento e fortalecimento dos novos Estados que estavam se estruturando (…) especialmente do Brasil e da Argentina (…) Caso fosse consumada a vitória de um desses Estados, não só fortaleceria suas pretensões hegemônicas, como seria ‘o senhor’ no domínio do comércio para o mercado mundial, especialmente nessa importante Bacia do Prata. Assim, a Inglaterra (…) apoiou através de sua habilidade diplomática a independência da Banda Oriental/Cisplatina, mantendo seu tradicional espaço de influência”.

Ainda sobre a participação inglesa em tal advento, Carvalho (1998, p.58 e 59) afirma que “Canning [ministro inglês] era favorável à separação da Cisplatina. [Em 1826] deu-se a primeira intervenção britânica. Sugeria a cessão da Banda Oriental mediante indenização e declaração de independência de seu território. A recusa de D. Pedro o fez considerar como um inimigo da Inglaterra.”

A guerra, segundo Golin (2002), teve respaldo popular no Brasil, ao menos no seu início. Nas Províncias Unidas idem, pois quando Rivadavia cogita tirar o seu país do conflito, dando a hegemonia da área litigiosa aos brasileiros através de um tratado, a população de seu país veta a idéia.15

Porém, esse não é o posicionamento de Rivadavia no seu discurso ao assumir o poder, ao contrário, mostra-se favorável ao conflito bélico, que, por sua vez, não é uma unanimidade no país que guerreia com o Brasil.16

No Império, a unanimidade em torno dos seus também não ocorria: Lecor, que passa a ser taxado de incompetente devido às derrotas brasileiras, e o governador do Rio Grande, brigadeiro José Elpidio Gordilho Velloso de Barbuda, mostram publicamente as suas divergências em virtude do conflito.

Assim, dessa guerra, Lecor sai derrotado: em 12 de setembro de 182617 substituí-o a frente do exército imperial o tenente-general Filiberto Caldeira Brant Pontes, que, quatro meses mais tarde, recebe o título de marquês de Barbacena.

Padoin (2001) observa que não é só do lado brasileiro que figuras políticas saem derrotadas do conflito, como foi com Lecor. O embate, do lado argentino, leva ao enfraquecimento dos unitários, que estão no poder na figura de Rivadavia, e ao fortalecimento dos federalistas, agremiação a qual Rosas é ligado.

A repercussão negativa, no Brasil, é crescente, fato é que, D. Pedro I, dois meses após a substituição de Lecor, vai até a Cisplatina devido à impopularidade da guerra, e antecipa a sua volta para o Rio de Janeiro em virtude do falecimento de sua esposa, Dona Leopoldina18.

É válido observar que neste momento a guerra já é bastante questionada no Império, a contribuir no desgaste da imagem do Imperador, sendo tal associação feita por Bethell e Carvalho (2001), e observada por Ramos (2002, p.55) da seguinte maneira: “(…) este conflito e o seu resultado funcionou contra o imperador no espírito dos seus novos súbditos, ‘pois o povo não podia perceber nenhum sentido nessa guerra’. Além disso, ‘o recrutamento para a tropa foi enérgico e provocou constrangimentos e indignações sem conta’, recorda Francisco Iglesias.”

No entanto, o conflito platino não é o único fator desgastante da imagem de D. Pedro I, soma-se à guerra a questão da sucessão em Portugal, por causa do falecimento de D. João VI a 10 de março de 182619 e o temor por parte dos brasileiros da recolonização, já que o seu imperador torna-se o rei D. Pedro IV em Portugal e chegou, inclusive, a cogitar a união das duas coroas. A insatisfação dos seus súditos americanos é demonstrada, mais uma vez, em Ramos (ibid.):

“(…) no caso da herança portuguesa, ao saber-se rei, D. Pedro IV julgou (…) que era possível guardar as duas coroas. Tal facto violava a Constituição de 1824, não convinha nem apetecia aos brasileiros por parecer um acto de recolonização. De resto, o Conselho de Estado rejeitou (…) tal possibilidade. (…) D. Pedro (…) abdicou [o trono português] em D. Maria da Glória [porém] pareceu insatisfatória para os interesses do Brasil, pois logo se pensou (…) que os interesses de D. Pedro se iam dividir entre os problemas de Portugal e os do império.”

Assim, a imagem do primeiro Imperador do Brasil torna-se cada vez mais desgastada. A situação em Portugal não encerra-se com a carta de 1826 nem com a sua abdicação em favor da filha de apenas sete anos; na Cisplatina, a guerra continua com os seus problemas para os brasileiros: derrotas, convocações compulsórias, contratação de mercenários, enfim, a contenda estava a consumir as divisas imperiais, além de trazer problemas com a Inglaterra e França, no que será mostrado mais adiante.

A situação interna das Províncias Unidas também não era das mais tranqüilas à época do conflito. Lynch (1989) observa que a constituição centralista de 1826, promulgada por Rivadavia, gera conflitos com as províncias e com os federalistas, fazendo com que o líder portenho tenha a necessidade de retirar tropas do palco da guerra para pelejar no interior do seu território.

Sobre a repercussão do embate nos dois países em conflito, Padoin (2001, p.61) afirma que “Essa guerra provocou a instabilidade de Buenos Aires, com o enfraquecimento dos unitários no poder (…), além de no Brasil o Governo Imperial ser pressionado por críticas quanto aos gastos feitos em uma luta que servia para dar continuidade à política anterior da Coroa portuguesa”.

No Império, a manter a guerra e a buscar a solução do contingente insuficiente, o Imperador encontra como solução para tal problema a contratação de mercenários, na sua maioria, europeus pobres que visam vida melhor na América.

Entretanto, tal decisão, segundo Bethell e Carvalho (2001, p.705), não foi das mais acertadas por parte de D. Pedro I, ao contrário, “(…) foi desastrosa, pois, além de não evitar a derrota, gerou no Rio de Janeiro, em junho de 1828, o motim de vários milhares de mercenários irlandeses e alemães.” sitiando a cidade por dois dias.

Sobre o mecenato, Lemos (1996, p.115) afirma que “O grosso dos mercenários foram mesmo os alemães recrutados (…); colonos que, fugindo da hedionda miséria européia, sujeitavam-se ao serviço militar brasileiro, por algum tempo, como forma de pagar a viagem para cá, e cujo manifesto interesse eram campos e lavouras.”

O autor também afirma que tal premissa é válida para os soldados, não os oficiais, pois os últimos viriam para o Brasil pelo “estilo aventureiro” ou, ainda, veteranos das guerras napoleônicas que estavam desempregados e, na busca de empregos, pleiteavam a vinda para o Brasil.

Observa-se que a marinha brasileira também incluí-se como força onde seus quadros foram compostos por homens contratados para a Guerra Cisplatina, assim como os portenhos, conforme afirma Lemos (ibid, p.141), que após fazer tal afirmação descreve a marinha dos oponentes do Brasil da seguinte maneira: “(…) a esquadra buenairense era comandada pelo irlandês William Brown e guarnecida unicamente por europeus, auxiliados por alguns índios (…)” e, diante desse fato, o autor salienta o papel importante dos mercenários, em ambos os lados, na guerra pela Cisplatina.

A participação de ingleses em ambas as forças navais também pode ser constatado em Waddell (2001), que afirma que na busca de recompensas, muitos acabam por abandonar a marinha mercante do seu país de origem e, assim, ingressam na guerra, sendo os ingleses, segundo Bethell e Carvalho (2001), a maioria dos marinheiros de ambos os lados.

No que diz respeito às forças navais, o Brasil, maior marinha latino-americana à época, sofre várias derrotas no Prata pelo fato das suas embarcações serem inadequadas para o rio que as batalhas tinham palco.20 Porém, apesar dos fracassos, o Brasil chega a bloquear Buenos Aires, no que gera a insatisfação inglesa e francesa, que vêem os seus negócios na região prejudicados.

Principalmente para a Inglaterra, país cuja livre navegação do Prata era fundamental para o seu interesse comercial, o conflito entre os dois países americanos torna-se prejudicial, pois os dois maiores compradores dos seus produtos no novo mundo estavam mergulhados nessa contenda, além da dúvida de como seria solucionada a navegação do citado rio em circunstâncias beliculosas, daí a mediação inglesa desde o início do conflito.

Sobre o envolvimento britânico no conflito, e de como o mesmo prejudica-os, gerando o interesse pela paz, Lynch (1989, p.105) observa que:

“(…) Gran Bretaña tenía ‘motivos de interés propio al igual que benevolencia’ para buscar una fórmula de paz. La guerra estaba perjudicando el comercio británico en el Atlántico sur y los comerciantes sufrían graves pérdidas debido al bloqueo brasileño de Buenos Aires y al aumento de la piratería. Y políticamente Canning daba una curiosa importancia a la conservación de al menos una monarquía en las Américas, salvando a Brasil de si mismo y de sus vecinos republicanos.”

Soma-se ao citado acima, a preocupação britânica de que havia a possibilidade do Brasil ou das Províncias Unidas recorrerem a ajuda dos Estados Unidos e, uma vez recebendo o apoio norte-americano, este país teria vantagens comerciais em detrimento da Inglaterra.

Então, cada vez mais, com o passar e a indefinição da guerra, é conveniente aos ingleses, e também as duas partes beligerantes, o estabelecimento da paz e, assim, a diplomacia britânica, tanto no Rio de Janeiro, quanto em Buenos Aires, começa a trabalhar neste sentido. Pela parte do governo brasileiro, discute tal questão, conforme pode ser constado em Carvalho (1998), o Marquês de Queluz, que durante o período joanino foi o administrador português de Caiena.

Paralelamente ao empate entre os dois países sul americanos na guerra, Rivera, em 1828, conforme narra Lynch (1989), recruta forças guerrilheiras e, a avançar pelo rio Uruguai, conquista as missões brasileiras, tendo, assim, com que negociar junto ao Brasil. Tal invasão, segundo Carvalho (1998), também resulta no retardamento da assinatura de um acordo entre brasileiros e argentinos, pois diante da conquista do território dos inimigos, os segundos passam a postergar a solução definitiva do caso.

No que tange o ataque de Rivera ao Brasil, Padoin (2001, p.62) afirma que mais do que ter um instrumento de barganha para com o Império, conforme cita Lynch (1989), Rivera tem como propósito “(…)torna-las [as missões brasileiras] mais uma das Províncias Unidas, conforme o projeto artiguista”, além de que, com tal ataque, o governo brasileiro acaba por abrir mão do controle da Cisplatina.

Diante de tais fatos, o tratado de paz entre o Brasil e as Províncias Unidas do Rio da Prata, mediado pela Inglaterra, é assinado em 27 de agosto de 1828, quando ambos desistem das suas pretensões na região que outrora fora a Banda Oriental e que foi a província Cisplatina. Fica acordado o reconhecimento de um novo país na região litigiosa, a República Oriental do Uruguai.

Ainda sobre o acordo em que os dois países americanos reconhecem a independência da então província Cisplatina, é válido salientar que a Inglaterra recebe o aval de navegar livremente pelo estuário do Rio da Prata pelo período de quinze anos.21

Sobre o acordo celebrado entre as duas partes beligerantes, e a independência da província Cisplatina como Uruguai, destaca-se o seguinte trecho de Lynch (1989, p.105 e p.106): “El vehículo de la independencia [da Cisplatina] fue la mediación británica que se inició en 1826 y reforzó los esfuerzos de los patriotas. (…) Fue un reconocimiento de los hechos el que Brasil y las Provincias Unidas firmaran un tratado de paz (27 de agosto de 1828), declarando la independencia de la Provincia Oriental. En 1830 el Estado Oriental del Uruguay tuvo su primera constitución, que culminó y completó la lucha por la independencia.”

Entretanto, o autor observa que o novo país independente estava longe dos ideais de Artigas, esquecendo a reforma agrária, e havendo a exclusão do sufrágio de diversos setores da sociedade, que participaram inclusive da guerra pela cisão com o Brasil, como, por exemplo, peões, vaqueiros, trabalhadores assalariados, soldados rasos e gaúchos.

5. Conclusão

Bandeira dos 33 orientais: as cores vermelha, azul e branca já eram usadas desde os tempos de Artigas, não só na Província Oriental, mas, também, em outras partes do Prata.

Bandeira dos 33 orientais: as cores vermelha, azul e branca já eram usadas desde os tempos de Artigas, não só na Província Oriental, mas, também, em outras partes do Prata.

Assim sendo, a província Cisplatina torna-se parte integrante do Império Brasileiro menos por questões ideológicas do que pragmáticas, havendo por parte dos orientais o desejo da resolução da situação de penúria que estavam a enfrentar, pelo seu território ter sido palco de conflitos desde 1810.

Sobre o não aportuguesamento da região, Ferreira (2002) citando Felde, afirma que a ocupação luso-brasileira foi efetivamente militar, ignorando a possibilidade de realizar benefícios materiais e intelectuais na área ocupada.

No que tange a Guerra Cisplatina, ela pode ser entendida como um conflito entre duas nações em processo de formação, no caso, Brasil e Argentina, que a esta época estavam a definir o seu território nacional, tentando manter, na maioria das vezes, a hegemonia de cidades que foram a capital dos antigos domínios coloniais sobre o país independente, além da manutenção da configuração do território colonial: no caso brasileiro, o Rio de Janeiro luta para manter a sua supremacia sobre as demais províncias e, no argentino, Buenos Aires sobre o antigo Vice Reino do Rio da Prata,.

Pode-se dizer que neste aspecto a formatação do Brasil Imperial assemelha-se praticamente com a recebida de Portugal em 1822, tendo sido perdida apenas a Província Cisplatina. Já as Províncias Unidas não conseguem manter a configuração do Vice Reino em 1810, pois o domínio colonial platino dos espanhóis, hoje, forma o Paraguai, parte da Bolívia, Uruguai e Argentina, além de que a configuração do último esteve diversas vezes comprometida, havendo, ao longo do século XIX, vários momentos de cisão, como quando as suas províncias fecham com Artigas, abandonando Buenos Aires, ou quando a mesma, em meados do século, separa-se do resto do país.

Evidentemente, o Brasil do século XIX também passa por momentos em que a sua integridade esteve em jogo, seja durante o período de D. Pedro I, seja durante a regência, porém, o resultado final foi a integridade e a manutenção – exceto no caso da Cisplatina – das configurações herdadas em 1822.

Ressalta-se ainda que a Guerra contribuiu para o desgaste de figuras de ambos os lados, no Brasil, de Pedro I, que abdica em 1831 com a sua imagem comprometida, nas Províncias Unidas, dos unitários, que assiste a chegada ao poder do federalista Rosas, que permanece aí até 1852, governando ditatorialmente, entretanto, contribuindo enormemente para a formatação da atual Argentina.

O resultado da Guerra foi favorável aos britânicos, que vêem o seu projeto da criação de um estado “tampão” no Rio da Prata, favorecendo os seus interesses comerciais nesta parte do globo. Evidentemente, tal criação não era o desejo do Brasil e das Províncias Unidas ao início do conflito, entretanto, com o Uruguai, os brasileiros saem do Rio da Prata – conforme desejavam os argentinos e os ingleses – e as Províncias Unidas não estendiam o seu território a outra margem do rio – o que não anelavam os brasileiros e ingleses. Pode-se perceber na assinatura do trato entre os dois países beligerantes forte dose de pragmatismo, pois já não possuíam condições para pelejar e se não obtinham a configuração territorial ideal ao fim do conflito, ao menos não permitiam que o seu rival também a obtivesse.

Entretanto, os conflitos na região do Prata não terminam com a Guerra da Cisplatina, durante o século XIX vários são os embates travados entre os quatro países da região, Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, além da questão da demarcação de limites entre os países dessa região virem sempre a tona e a ocorrência da intervenção de um na política do outro, como, por exemplo, os partidos uruguaios colorados e blancos receberem, respectivamente, o apoio dos brasileiros e argentinos, e o apoio dado aos farroupilhas por facções uruguaias e por Rosas.

Finalizando, o conflito cisplatino dá-se no contexto da formação de dois países, Brasil e Argentina, sendo a primeira grande guerra das nações em formação, além de repercutir internamente de forma negativa para os seus governos.

6. Notas

1 – Para maiores detalhes, ver: FERREIRA, Fábio. A Presença Luso-Brasileira na Região do Rio da Prata: 1808 – 1822. In: Revista Tema Livre, ed.03. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

2 – GOLIN, Tau. A fronteira: governos e movimentos espontâneos na fixação dos limites do Brasil com o Uruguai e a Argentina. Porto Alegre: L&PM, 2002, p.328.

3 – Disponível em: http://www.ufpel.tche.br/fae/siteshospedados/A17TAMBARA.htm

4 – GOLIN, Tau. A fronteira: governos e movimentos espontâneos na fixação dos limites do Brasil com o Uruguai e a Argentina. Porto Alegre: L&PM, 2002, p.328.

5 – Frutuoso Rivera é natural de Montevidéu, tendo nascido nesta cidade em 1788. Luta ao lado de Artigas, depois do Brasil, que promove-o de coronel a brigadeiro, e a partir de 1825 contra o mesmo. É o primeiro governante do Uruguai independente, até 1834, funda o partido Colorado, teoricamente mais próximo ao Brasil, e retorna ao poder em 1838. Nos anos de 1840 luta contra Rosas e tenta mais uma vez voltar ao poder em seu país, no que fracassa, exilando-se na capital do Império. Em 1853 integra uma junta governativa do seu país, porém, no ano seguinte, falece. Vainfas (2002, p.303) define-o como exemplo da “(…) oscilação das identidades políticas e nacionais da Cisplatina, entre o Brasil e o Uruguai, bem como a constante inversão de papéis e alianças que marcaria muitas lideranças política dessa ex-província brasileira, espremida entre o Brasil e a Argentina.”

6 – Juan Antonio Lavalleja (1784-1853), considerado um dos 33 orientais, lutou ao lado de Artigas, no que culminou, por um curto tempo, na sua prisão por parte do novo governo que se instala na Banda Oriental, ficando preso durante três anos na ilha das Cobras, no Rio de Janeiro, e ganha a sua liberdade em 1821. Após os adventos de 1825-1828, disputa a presidência do seu país com Rivera, entretanto é derrotado e exila-se em Buenos Aires, de onde alia-se com Oribe contra aquele que derrotou-o no pleito. Na guerra civil que dura de 1843 à 1851 é aliado dos Blancos contra os Colorados. Chegaria ao poder via a junta designada para comandar o seu país em 1853, porém falece antes. CARNEIRO, David. História da Guerra Cisplatina. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1946 e Disponível em: http://www.bartleby.com/65/la/Lavallej.html e http://www.todo-argentina.net/biografias/Personajes/juan_antonio_lavalleja.htm

7 – GOLIN, Tau. A fronteira: governos e movimentos espontâneos na fixação dos limites do Brasil com o Uruguai e a Argentina. Porto Alegre: L&PM, 2002, p.332.

8 – Op. cit., p.100.

9 – Nascido em 1793 na província de Buenos Aires, chega a frente das Províncias Unidas em 1829, permanecendo aí até 1852. É válido observar que é um personagem controverso na historiografia argentina, na qual gerou construções dispares, como, por exemplo, a de Domingo Sarmiento, contemporâneo de Rosas, que em seu livro “Civilização e Barbárie” ojeriza-o; e a interpretação dada pelo revisionismo histórico, que resgata a figura de Rosas, em um intento de modificar a galeria de heróis nacionais. Vários dos autores do revisionismo defendiam Rosas, a atribuirem-lhe legitimidade popular; defensor da soberania nacional contra os interesses imperialistas franceses e ingleses; e a sua tirania era justificada pela sua contribuição a unidade nacional. Assim, esse personagem histórico fomentador de tantas construções dispares na historiografia de seu país, chegou ao poder sob a bandeira do federalismo, apoiou os farroupilhas contra o Império, e declarou guerra ao Brasil em 1851, termina a sua vida exilado em Londres depois que perde o poder na Argentina. Vem a falecer na capital inglesa em 1877.

10 – Segundo Carneiro (1946), dos 33 orientais, na verdade, 17 o eram. Onze eram argentinos, dois africanos, um paraguaio, outro francês e, ainda, um era brasileiro.

11 – CARVALHO, Carlos Delgado de. História diplomática do Brasil. Coleção Memória Brasileira, v. 13. Brasília: Edição fac-similar. Senado Federal, 1998, p.58.

12 – Simón Bolívar nasce em Caracas em 24 de julho de 1783. Estuda no exterior e, na sua formação, sofre influência de Rousseau e Napoleão Bonaparte. Ao retornar a sua cidade de origem, participa dos movimentos de emancipação da atual Venezuela, assim como dos atuais Panamá, Colômbia, Equador, Peru e Bolívia. Fica conhecido como “El Libertador”. Após ser presidente de diversos países que ele participa da independência da Espanha, Bolívar morre em 17 de dezembro de 1830, em uma fazendola perto de Santa Marta, Colômbia. Disponível em: http://www.its.utas.edu.au/users/creyes/simon_bolivars_home_page.htm e http://www.auburn.edu/~jfdrake/teachers/gould/bolivar.html e http://www.bolivarmo.com/history.htm

13 – Bernardino Rivadavia (Buenos Aires, 20/05/1780 – Cádiz, Espanha, 02/09/1845), ligado ao partido Unitário, ocupa a presidência das Províncias Unidas de 08/02/1826 à 07/07/1827. Disponível em: http://www.historiadelpais.com.ar/

14 – Disponível em: http://www.rio.rj.gov.br/multirio/historia/modulo02/cisplatina.html

15 – Disponível em: http://www.historiadelpais.com.ar

16 – GOLIN, Tau. A fronteira: governos e movimentos espontâneos na fixação dos limites do Brasil com o Uruguai e a Argentina. Porto Alegre: L&PM, 2002.

17 – Op. cit., p.126.

18 – A esposa de D. Pedro I falece em 8 de dezembro de 1826.

19 – Disponível em: http://www.arqnet.pt/dicionario/joao6.html

20 – Disponível em: http://www.geocities.com/ulysses_costa2000/oconflitonacisplatinap.html

21 – Disponível em: http://www.rio.rj.gov.br/multirio/historia/modulo02/cisplatina.html

7. Bibliografia e sítios consultados

BETHELL, Leslie. A independência do Brasil. In: BETHELL, Leslie (org.) História da América Latina: da Independência até 1870. v. III. São Paulo: EDUSP; Imprensa Oficial do Estado; Brasília: Fundação Alexandere de Gusmão, 2001.

BETHELL, Leslie; CARVALHO, José Murilo de. O Brasil da independência até metade do século XIX. In: BETHELL, Leslie (org.) História da América Latina: da Independência até 1870. v. III. São Paulo: EDUSP; Imprensa Oficial do Estado; Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2001.

CALÓGERAS, J. Pandiá. A política exterior do Império. Edição fac-similar. Brasília: Senado Federal, 1998.

CARVALHO, Carlos Delgado de. História diplomática do Brasil. Coleção Memória Brasileira, v. 13. Brasília: Edição fac-similar. Senado Federal, 1998.

CARNEIRO, David. História da Guerra Cisplatina. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1946.

DICIONÁRIO Histórico, corográfico, heráldico, biográfico, bibliográfico, numismático e artístico. v. III. Portugal: João Romano Torres, 1904-1915. Disponível em: http://www.arqnet.pt/dicionario.html

DUARTE. Paulo de Q. Lecor e a Cisplatina 1816-1828. v. 2. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1985.

FERREIRA, Fábio. A Presença Luso-Brasileira na Região do Rio da Prata: 1808 – 1822. In: Revista Tema Livre, ed.03. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

GOLDMAN, Noemi; SALVATORE, Ricardo (comp.). Caudillismos Rioplatenses: nuevas miradas a un viejo problema. Buenos Aires: Editorial Universitária de Buenos Aires, 1998.

GOLIN, Tau. A fronteira: governos e movimentos espontâneos na fixação dos limites do Brasil com o Uruguai e a Argentina. Porto Alegre: L&PM, 2002.

LEMOS, Juvêncio Saldanha. Os mercenários do imperador: a primeira corrente migratória alemã no Brasil (1824-1830). Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1996.

LIMA, Oliveira. D. João VI no Brasil. Rio de Janeiro: Topbooks, 1996.

LYNCH, John. Las Revoluciones Hispanoamericanas: 1808-1826. Barcelona: Editorial Ariel, 1989.

PADOIN, Maria Medianeira. Federalismo Gaúcho: fronteira platina, direito e revolução. Coleção brasiliana novos estudos, v. 3. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2001.

PROENÇA, Maria Cândida. A independência do Brasil. Lisboa: Colibri, 1999.

RAMOS, Luís António de Oliveira. D. Pedro imperador e rei: experiências de um príncipe (1798 – 1834). Lisboa: Inapa, 2002.

SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem ao Rio Grande do Sul. Brasília: Senado Federal, 2002.

SARAIVA, José Hermano. História de Portugal. Lisboa: Alfa, 1993.

SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Apêndice In: MAXWEL, Kenneth. Condicionalismos da independência do Brasil. In: SERRÃO, José; MARQUES, A.H. Oliveira (coord.). Nova História da Expansão Portuguesa, volume VIII. Lisboa: Estampa, 1986.

VAINFAS, Ronaldo. Dicionário do Brasil Imperial (1822 – 1889). Rio de Janeiro: Objetiva, 2002.

WADDELL, D.A.G. A política internacional e a independência da América Latina. In: BETHELL, Leslie (org.) História da América Latina: da Independência até 1870. v. III. São Paulo: EDUSP; Imprensa Oficial do Estado; Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2001.

– Para obter mais informações na Revista Tema Livre relacionadas ao primeiro quartel do século XIX, basta clicar nos ícones abaixo:
(Em ordem alfabética)

Entrevista com a prof. dra. Francisca Azevedo.

As incursões franco-espanholas ao território português: 1801-1810.

A Presença Luso-brasileira na Região do Rio da Prata: 1808-1822.

Moeda e Crédito no Brasil:
breves reflexões sobre o primeiro Banco do Brasil (1808-1829)

E, na seção fotos, a exposição virtual Imagens de Portugal: Palácio de Queluz.

As Incursões Franco-Espanholas ao Território Português: 1801-1810

Por Fábio Ferreira

1. Introdução

Tropas francesas nos combates em Portugal na primeira década do século XIX.

O presente artigo objetiva fazer um breve relato sobre as incursões franco-espanholas ao território português no período de 1801 a 1810. Este corte temporal foi selecionado pelo fato de que 1801 é o ano em que ocorre a primeira incursão, no episódio que ficou conhecido como a Guerra das Laranjas, e 1810 o ano da última invasão francesa, liderada por Masséna.

A Guerra das Laranjas, realizada pelos espanhóis, que contavam com o apoio da França de Napoleão, será abordada no próximo item do trabalho, juntamente com a conjuntura do país até as vésperas do bloqueio que a França tenta impor aos ingleses no continente europeu e que tem conseqüências em Portugal.

O terceiro item abrange desde a tentativa de Napoleão de impor o citado bloqueio e a resposta britânica aos franceses, até a transmigração da família real portuguesa para o seu Vice Reino americano, o Brasil.

O item seguinte é dedicado à primeira ocupação francesa de Portugal, que fica sob o comando de Junot, e a atuação de D. João, fora do antigo reino, que dá continuidade a uma monarquia européia em território americano.

A segunda e a terceira invasões francesas, que seguem-se a de Junot, lideradas por Soult e por Masséna respectivamente, são abordadas no quinto item do trabalho e, também, em menor escala, o Congresso de Viena e a criação do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves.

Assim, a seguir, serão abordadas as invasões sofridas pelo território português nos primeiros anos do século XIX e as relações de tais incursões com os acontecimentos do resto da Europa, mais especificamente com as potências de então, França e Inglaterra e a rival e vizinha Espanha. Além das implicações das ações militares do primeiro decênio do século XIX no Velho Mundo, analisar-se-á o impacto destes acontecimentos no continente sul-americano, em especial, no Brasil.

2. A Guerra das Laranjas e os antecedentes das invasões de 1807

Napoleão Bonaparte: tentativa de impedir a Europa de negociar com a Inglaterra.

Portugal adentra o século XIX em uma posição delicada dentro do cenário político europeu, pressionado por duas grandes potências, Inglaterra e França, e assiste-se a busca, já na última década do século anterior, de uma neutralidade em relação a esses dois países. Segundo Vicente (1996, p.34), “D. Maria, o Príncipe Regente e os ministros portugueses entendiam que a neutralidade era a melhor política (…)”. No entanto, tal opinião não impediu que Portugal firmasse tratados com a Espanha e a Inglaterra, por exemplo, nem que marchasse contra a França, incorporado ao exército espanhol, como o fez Portugal, no ano de 1793, na Campanha do Rossilhão.

Manuel Godoy1, condutor da política externa espanhola, alinha-se a França pelo tratado de Santo Ildefonso em 18 de agosto de 17962 e, segundo o autor citado anteriormente, a condução que o espanhol deu a política externa do seu país só veio a ter resultado objetivo em Portugal no ano de 1801.

Em tal ano, Napoleão Bonaparte visando atacar os interesses dos seus rivais britânicos, dirige as suas atenções ao único aliado da Grã-Bretanha no continente europeu: Portugal. Assim, a França e a Espanha assinam um tratado em que intimam “(…) Portugal a abandonar inteiramente a aliança inglesa, abrir os portos aos navios franceses e espanhóis e fecha-los à Inglaterra, entregar à Espanha uma ou mais províncias ultramarinas para garantia da devolução de Trindade, Mahón e Malta, a indenizar a Espanha e a França pelas despesas da guerra e a rever os limites com a Espanha.”3 Se Portugal negasse tais exigências, viria a ser atacado pela Espanha e, caso a dominação castelhana fosse vitoriosa, a Espanha cumpriria as reivindicações do tratado.

Segundo Lima (1996, p.35), Carlos IV não tinha razões pessoais para atacar o seu genro, o príncipe regente D. João4, tendo feito a contra gosto a incursão a Portugal, entretanto, o seu primeiro ministro “(…) não tinha iguais escrúpulos [e as] aspirações [de Godoy] à realeza se tinham concretizado no velho reino de Afonso Henriques, que numa mais larga aspiração nacional toda a Espanha cobiçava anexar(…)”.

Portugal vai buscar a ajuda inglesa, no entanto, o primeiro-ministro da Inglaterra, Lord Grenville, nega o socorro pedido pelos lusos, e mais, ainda retira dois regimentos ingleses que estavam em Portugal, a alegar que precisava deles na Irlanda. Mesmo em tal situação, Portugal rejeita o ultimato franco-espanhol.

Assim, em 20 de Maio de 1801 o Alentejo é invadido, a praça de Olivença, sem a mínima resistência do seu governador, cai, segundo Vicente (1996, p. 38) no julgo dos inimigos já “Às 10 horas do primeiro dia de hostilidades(…)”. Em seguida é Juromenha que é entregue, sem o disparo de um único tiro. Campo Maior e Elvas resistem, mas o resultado é que todo o Alentejo cai nas mãos dos espanhóis.

Esse episódio fica conhecido como a Guerra das Laranjas, que, ainda segundo Vicente (ibid., p.39) “Lenda ou história, o facto é que se diz que foi por debaixo dos muros de Elvas nesse triste mês de Maio de 1801 que um grupo de soldados colheu dois ramos de laranjeira que Godoy enviou à Rainha Maria Luísa. Outra versão (…) diz que foi o próprio Godoy que cortou um galho de laranjeira para enviar à mulher de Carlos IV como símbolo da sua conquista.”

Sobre a Guerra das Laranjas, Bebiano (1993, p.253) destaca que o exército português, comandado pelo octagenário duque de Lafões, estava mal armado, equipado e dirigido, sendo que já no primeiro dia de dezembro do mesmo ano da guerra é buscado para as forças armadas lusitanas um plano de reformulações.

Ainda é valido ressaltar que a ação espanhola no episódio da Guerra das Laranjas contaria inclusive com o apoio militar da França, pois Leclerc5 foi designado o comandante das forças francesas que iriam apoiar o exército da Espanha no ataque à Portugal, porém, o rápido desfecho desse advento, impede a ação do comandante francês. Sobre a ação de Leclerc, Vicente (1996, p.39) afirma que,

“Se este corpo militar [o francês] se limitou a observar as fronteiras sem as violar, o facto deve-se tão só à circunstância de Manuel Godoy, desejoso de uma glória que pressentia fácil, se ter postado à frente das tropas espanholas invasoras, arvorado em generalíssimo, com o fim de, sozinho, colher os louros da vitória. (…) A fácil conquista de Portugal (…) iria conceder-lhe bom justificativo para as altas posições alcançadas [no Estado espanhol].”

Assim, a guerra que atravessa três semanas6, tem a paz assinada em 7 de junho7, na conferência de Badajoz8, porém, sem a ratificação de Napoleão Bonaparte. Um novo tratado é celebrado em 29 de setembro de 18019, mais pesado para Portugal que o de junho, entretanto, evita que o país seja invadido mais uma vez. Nesse contexto, é cedida à Espanha Olivença, e à França a Guiana, territórios até hoje pertencentes a estes dois países, sendo o primeiro como uma cidade espanhola e o segundo como um departamento ultramarino francês.

As relações entre Portugal e a França, segundo Saraiva (1993, p.296), só alcançam a normalidade após a paz de Amiens, assinada entre franceses e ingleses no ano de 1802 e, assim, o autor afirma que “A política portuguesa de neutralidade conjugada com a aliança parecia ter triunfado.”

Mesmo em 1803 novos conflitos terem se estabelecido entre a França e a Inglaterra, Portugal consegue permanecer em uma posição que convém-lhe: a de neutralidade. Continua aliado dos ingleses e em paz com os franceses. Importa produtos da Inglaterra e reexporta parte deles para França e Espanha. Portugal não só exporta para esses dois países, como também para os seus aliados ingleses. “O porto de Lisboa servia assim de pulmão económico para os países em guerra e poderia ser útil a todos enquanto fosse neutral.”10

No entanto, a aparente posição confortável de Portugal a beneficiar-se das contendas entre franceses e ingleses com a neutralidade vê-se ameaçada: o partido favorável à França cresce, e muitos objetivam o alinhamento à política continental, que, na opinião destes partidários, era a única maneira de evitar a guerra.

É valido ressaltar que, nesse momento, a França tem a sua hegemonia no continente europeu reconhecida, é vista como uma potência militar, e as suas instituições são consideradas legitimas, ao contrário do poder absoluto dos reis, que passa a ser questionado. Assim, esses fatos ajudam a compreender a postura de um grupamento de portugueses que buscavam alinhar Portugal com a França. Nesse momento, além do partido francês, há em Portugal o inglês, que divide o país em dois grupos antagônicos.

Nesse contexto, em julho de 1803, ocorrem os motins de Campo de Ourique que, segundo Saraiva (1993, p.298), para os diplomatas residentes em Lisboa, foi uma tentativa dos grupos mais liberais deporem o regente e adotarem uma política considerada mais moderna; e Saraiva ainda cita Luz Soriano, historiador, que caracteriza o momento como o primeiro ato político para implementar no governo português algumas medidas liberais.

Saraiva ainda salienta que tais motins não foram realizados pelos partidários da França, e sim da Inglaterra, que para manterem a sua influência no governo pensavam em afastar o príncipe regente D. João. O malogro desses atos teve como conseqüência o afastamento de Lisboa de vários fidalgos considerados de tendências liberais; a prisão de Gomes Freire, envolvido no advento, na Torre de Belém; e a proibição de que outro participante da conspiração comparecesse à corte: o duque de Sussex, filho de Jorge III, rei da Inglaterra.

Outra tentativa de depor o príncipe surge em 1805 e tem como líder ninguém menos que a princesa D. Carlota Joaquina11. É alegado que o príncipe regente está debilitado mentalmente e, assim, a regência passaria ao comando de sua esposa. Entretanto, D. João consegue permanecer no poder, a frustrar os planos daqueles que visavam a sua destituição do trono português. A partir desse episódio, D. João e D. Carlota passam a viver separadamente. O príncipe em Mafra e a princesa em Queluz.12

Entretanto, nesse mesmo ano de 1805, segundo Hermann (2002), houve pressões de Napoleão e de Junot13 para que Portugal rompesse com a Inglaterra, o que não ocorre. Ainda segundo a mesma autora, começam a circular boatos sobre uma possível invasão francesa em Portugal, e a nobreza encontra-se dividida entre os dois partidos: inglês e francês. Assim, os anos que virão, devido ao grande xadrez europeu, serão turbulentos para Portugal, para o príncipe regente e para o povo português. Devido à complexidade do tema, ele será abordado no próximo item do trabalho.

3. Do bloqueio à transmigração da corte

William Carr Beresford: o irlandês teve destacado papel contra Bonaparte em Portugal.

Apesar dos boatos de uma possível invasão francesa a Portugal em 1805, ela não se concretiza neste ano, nem no ano seguinte. Portugal continua a manter a sua política de neutralidade, apesar de, em 1806, segundo Vicente (1996), a Espanha já declarar que não seria possível por muito tempo Portugal manter tal posicionamento.

Nesse mesmo ano de 1806, mais especificamente no dia “(…) 21 de novembro (…) um decreto francês considerou as Ilhas Britânicas ‘em estado de bloqueio’, proibindo todo o comércio e correspondência com aquele país e ordenando o apresamento de quaisquer embarcações inglesas ou procedentes das suas colónias.”14. Com tal medida, Napoleão visa aniquilar a Grã-Bretanha, no entanto, tal ação provoca a reação dos britânicos, que “[declararam] o bloqueio não somente das costas, mas igualmente dos portos e rios do Elba até Brest.”15. Assim, a Inglaterra, a 07 de Janeiro de 180716, também faz o seu bloqueio aos franceses.

Napoleão, nesse momento, não preocupa-se só em impor o bloqueio aos ingleses, os seus objetivos convergiam para atacar os potenciais aliados da ilha, que também eram potências marítimas. Assim, a Suécia, Dinamarca e Portugal são os países que se enquadram em tal situação, e ameaçados pelo líder francês.

Com o ataque aos potenciais aliados britânicos, Napoleão pretendia não só implantar o bloqueio dos portos aos ingleses, era também seu anelo apoderar-se das marinhas de guerra dos três países citados, que, caso caísse em suas mãos, facilitaria bastante um ataque francês as Ilhas Britânicas.

Sobre tais pretensões em Portugal, Ramos (2002,p.13) afirma que “(…) a esperança de conquistar a armada lusitana, que de utilidade seria nos confrontos navais com Inglaterra.” contribuía para que Napoleão desejasse invadir o país. Então, caso a França obtivesse sucesso na empreitada de usurpar as naus, tanto as portuguesas, quanto as suecas e dinamarquesas, os franceses conseguiriam superar em números a poderosa força naval britânica. Vale observar a tabela17 que se segue para melhor visualizar o projeto de Napoleão, onde está o Reino Unido na primeira coluna, os países neutros na outra e a França e seus aliados na última.

 

País/Naus País/Naus País/Naus
Reino Unido/103 Dinamarca/20 França 37
  Portugal/13 .Rússia/36
  Suécia/12 Espanha/24
    Holanda/6
Total 103 Total 45 Total 103

 


Assim, caso viesse a usurpar as naus dos países da segunda coluna, a França teria 148 em suas mãos, enquanto que Napoleão acreditava que 155 seria o número suficiente para vencer os ingleses. Entretanto, os seus intentos na Suécia malogram, o que distância-o mais do número que acreditava ser necessário para realizar a sua incursão às Ilhas Britânicas. O ataque inglês a neutra Dinamarca, e a conseqüente entrega da frota de guerra dinamarquesa à Inglaterra, afasta ainda mais Napoleão Bonaparte do seu objetivo de alcançar as 155 naus. Porém, Portugal continua com a sua frota naval, e atraente aos olhos do imperador da França.

Paralelamente, Portugal não adere aos bloqueios imposto pelos franceses, nem pelos ingleses. Segundo Vicente (1996, p.41) “(…) a declaração de Londres (…) parecia não se dirigir a Portugal.”

Nesse contexto, segundo Saraiva (1993, p.300), “(…) em meados de 1807, Napoleão deu instruções a Talleyrand, ministro dos Estrangeiros da França, para intimar Portugal a aderir ao bloqueio, sob pena de ocupação do nosso território por um exército espanhol. (…) Na mesma ocasião foi dada ordem para o apresamento dos navios portugueses que se encontravam nos portos de Nantes, Baiona, Antuérpia, Cherburgo, Caen (…)”. No dia 29 de Julho do mesmo ano18, Napoleão ordena a criação do Corpo de Observação da Gironda, e conforme afirma Vicente (1996, p.41), conta com 30.000 homens, que tem como general Junot e, assim, caso Portugal não venha a ceder ao ultimato da França, virá a ser invadido.

Sobre os benefícios que a França napoleônica obteria com tal invasão, além da citada anteriormente referente às naus, Ramos (2002, p.12) afirma que

“Com a conquista de Portugal, Napoleão reforça o bloqueio continental e preserva a Ocidente o dispositivo militar que estava a engastar na Península. Por sua vez, os exportadores gauleses estabelecidos no reino acalentam a esperança de tirar partido da situação, substituindo os seus rivais ingleses, enquanto os industriais da França contam com as vantagens decorrentes do controlo de uma área de entrada de artigos britânicos de contrabando destinados aos mercados de Espanha e doutros países. (…) Além de que Portugal passaria a constituir um refém a utilizar em negociações, outrossim resultando da sua ocupação a perda por Inglaterra ‘de bases de abastecimento (…) que facilitavam (…) as manobras da sua frota’. E é de admitir (…) que a atracção das riquezas coloniais portuguesas tenha seduzido o imperador (…)”

No que diz respeito a ameaça de tal invasão, é valido extrair do texto de Saraiva (1993,p.300) o comentário do Conde de Ega, embaixador português em Paris, sobre a intimação dada à Coroa Portuguesa: “Ou Portugal há-de fechar os seus portos aos Ingleses e correr o risco de perder por algum tempo a posse das suas colónias, ou o Príncipe Nosso senhor, abandonando o seu reino na Europa (…) irá estabelecer no Novo Mundo uma nova monarquia que, bem que possa vir a ser um império da maior consideração, produzirá uma semelhante medida a maior de todas as revoluções no sistema geral político.”

Tal comentário evidencia a situação que Portugal encontra-se neste momento, ou perde as suas colônias, mais ricas em sua totalidade do que o reino, ou entrega o reino aos franceses e transforma uma das colônias, no caso o Brasil, em um novo reino, algo inédito até então.

Mesmo diante do ultimato da França napoleônica, Portugal só adere à intimação francesa quase dois meses depois da criação do Corpo de Observação da Gironda: 25 de Setembro.19 No entanto, as medidas práticas contra os ingleses nunca foram realizadas.20 Assim, Napoleão faz com que suas tropas marchem em direção a Portugal, sendo que tal invasão também seria uma justificativa perfeita para a ocupação militar da Espanha.21 Segundo Saraiva (1993), essa pretensão de Napoleão leva-o a assinar o Tratado de Fontainebleau, secretamente, com os espanhóis, a 27 de outubro de 1807.

Divisão de Portugal de acordo com o tratado de Fontainebleau (1807).

Em tal acordo, França e Espanha dividem Portugal em três partes: a Lusitânia Setentrional, que teria como capital o Porto, e ainda englobaria as províncias de Entre Douro e Minho, seria dado à um neto de Carlos IV como indenização pela cessão do reino da Etrúria (Toscana) à França; o reino de Algarves, um principado, formado pelo Algarve e pelo Alentejo, que ficaria sob o comando do ministro espanhol Godoy; e, por fim, o Centro do País, constituído nessa divisão por Trás os Montes, Beiras e Estremadura, sendo a região que poderia vir a ser restituída aos Bragança em troca de colônias espanholas que estivessem nas mãos inglesas, mas, até então, o Centro ficaria sob dominação francesa. Segundo Saraiva (1993), Carlos IV seria o soberano protetor desses três estados. Em relação às colônias, Hermann (2002, p.110) afirma que “As colônias portuguesas seriam divididas entre a França e a Espanha e o rei de Espanha seria o imperador das ‘Duas Américas.’”

Sobre o tratado, a citada autora ainda afirma que ele “(…) explicitava o custo da resistência portuguesa à adesão aos franceses, ao mesmo tempo em que revolvia a ferida de uma nova submissão de Portugal a Espanha [a referir-se a União Ibérica em 1580].” Ainda em relação a esse acordo celebrado entre franceses e espanhóis, Saraiva (1993) expõe que, provavelmente, tal acordo nunca esteve nos planos de Napoleão, ele só o fizera para justificar a entrada de tropas de significativa importância no território espanhol, o que era conveniente aos seus planos para a Espanha. Lima (1996) também evidencia que a França ia “invadindo” e “ocupando” lentamente as terras espanholas.

O autor também cita o interesse de Napoleão nos domínios coloniais da Espanha, sendo que, segundo Azevedo (2002, p.177), aportam em Montevidéu, após o aprisionamento dos Bourbon, “(…) delegados franceses com despachos de Napoleão (…) informando da abdicação de Carlos IV em favor de Jose Bonaparte e exigindo a aclamação do rei também nas colônias. [Entretanto] Fernando VII fora proclamado rei e os emissários franceses foram banidos da cidade.”

Um pouco antes ao fato citado acima, na Europa, as tropas francesas atravessam a fronteira com a Espanha, em direção a Portugal, no dia 18 de Outubro de 1807.22 Tais tropas pisam em solo português, mais precisamente na fronteira da Beira Baixa no dia 17 de Novembro.23 Os invasores não são recebidos com hostilidades, já que o objetivo é fazer crer que tal incursão não é um ataque a Portugal, porém, a presença estrangeira causa surpresa na população, que também não os trata como inimigos.

A notícia chega à Corte no dia 24 de Novembro24, quando as hostes francesas encontram-se em Abrantes. Entretanto, a essa altura, as tropas de Junot encontram-se em estado lastimável: com fome, descalços e estropiados, além de numericamente inferior de quando saíram da França. Segundo Bebiano (1993, p.254), essas tropas eram compostas por homens que “já não tinham forças para marchar mesmo ao som do tambor.”

Então, diante da iminência de um ataque francês, é decido executar o plano que fora acordado e apoiado previamente com os ingleses: a transferência da corte para o Rio de Janeiro. No dia 26 de novembro25 é decretada a ida da família real para o Brasil.

É valido ressaltar que, o plano de uma transferência não surge devido às ameaças napoleônicas. Segundo Ferreira (2002), ela já fora discutida anteriormente por figuras como o Padre António Vieira e Sebastião José, o Marquês de Pombal. Azevedo (2002, p.163) evidencia que “Desde o século XVII, no período da Restauração (1640), ela aparece nas conversações políticas (…) se pensaria nessa alternativa por ocasião do terremoto (…) e, depois, durante a invasão do país em 1792.” Porém, a transferência só vem a ser posta em prática devido à incursão de Napoleão.

No dia 29 de novembro de 1807, a família real portuguesa junto com uma comitiva de aproximadamente 15.000 pessoas partem de Lisboa, tendo feito o seu embarque em Belém em direção ao Brasil. Maxwel (1986, p.382) narra que “A esquadra portuguesa estava pronta e o tesouro, os arquivos e o aparelho burocrático estavam a bordo, a postos para a retirada através do Atlântico.”

Sobre a iniciativa da família real partir para o Brasil, Vainfas (2000, p.557) afirma que

“A decisão atendia aos interesses do aliado inglês, encurralado pelo bloqueio marítimo que a França lhe impusera (…) mas articulava-se também com o projeto de um império luso-brasileiro, exposto por D. Rodrigo [anglófilo] por volta de 1797-98. Alertado pela independência das colônias inglesas (1776) e alarmado com os rumos da Revolução Francesa, o ministro enfatizava a mútua dependência dos diferentes domínios da Coroa portuguesa e o ‘sacrossanto princípio’ da sua unidade, mas propunha, ao mesmo tempo, uma série de medidas para aliviar a dominação metropolitana.”

Em relação aos interesses britânicos na ida da família real para a América, Azevedo (2002, p.163) narra que

“(…) desde que Canning [primeiro-ministro inglês] assume o Ministério das Relações Exteriores, a idéia da transferência da Corte portuguesa para América é uma das finalidades mais relevantes de sua diplomacia, eminentemente comercial. O ministro vê que a transmigração da Corte bragantina (…) proporcionaria aos exportadores ingleses um contato mais direto com o Brasil, eliminado as burocracias e as complicações da intermediação de Lisboa.”

A autora ainda afirma que um dos argumentos utilizados para convencer D. João a partir para a América por parte de Lord Strangford, embaixador inglês em Portugal, foi o de existir a possibilidade da monarquia portuguesa apoderar-se das colônias espanholas no Rio da Prata, antigo anseio lusitano.

De fato, uma vez no Rio de Janeiro, D. João coloca em prática as suas pretensões para a região platina. Segundo Azevedo (2002, p.166) “(…) tão logo a Corte tenha-se instalado (…) dom Rodrigo [dá] andamento ao plano de invasão, mesmo antes de ter notícias sobre a emboscada de Bayona, que resultou no aprisionamento de toda a família real espanhola por Napoleão Bonaparte (…)”. A autora ainda cita que há correspondências por parte de homens ligados aos Bragança, por exemplo, com o Cabildo de Buenos Aires, havendo pela parte lusa o ignorar a soberania espanhola na América. Ainda é valido ressaltar que durante a estada de D. João no Rio, a monarquia portuguesa vem a realizar incursões na região do Prata, inclusive anexando o atual Uruguai em 1816.26

Retornando a saída da família real de Lisboa, Lima (1996, p.43) afirma, em relação a tal ato, que “(…) é muito mais justo considerar a transladação da corte (…) como uma inteligente e feliz manobra política do que como uma deserção covarde.”, o que não diferencia muito do que Vicente (1996, p.42) o caracteriza: “(…) uma atitude estratégica feliz que, independentemente das conseqüências futuras que levariam esta colónia [o Brasil] a independência evitou, na ocasião, a detenção do governo e a tomada de posse da coroa portuguesa, por parte da França.”.

Sobre o mesmo episódio e a sua repercussão, Ramos (2002, p.14) evidência que “Embora a mudança da capital para a América do Sul constitua aos olhos da história uma medida acertada – pois garantiu, segundo René Rémond, o ‘princípio e a existência do Estado’, tal qual o farão em 1940 vários governos europeus ante o avanço hitleriano – não deixa de ser exacto que na época a decisão régia provocou acesa discussão e deu azo a desencontradas reacções (…)”.

Vale observar que tal sorte não teve a família real espanhola, que vem a ser aprisionada por Napoleão Bonaparte e, conseqüentemente, vê a independência de algumas colônias americanas, como a Argentina e o México, que já em 1810 têm o processo de independência iniciado, apesar de ter sido cogitada a transferência da monarquia espanhola para o segundo país. A respeito de tal transferência, Lima (1996, p.39) observa que Napoleão “(…) fazia aconselhar a Carlos IV e ao príncipe da Paz a fuga para a América, à imitação do astuto exemplo fornecido [por] Portugal. O plano neste caso era tão somente o de desmoralizar aos olhos da impulsiva e leal população espanhola a realeza nacional, pois que ordem era dada ao almirante francês em Cadiz para obstar à viagem.”

Com a vacância deixada pela partida de D. João para o Brasil, Portugal passa a ser governado por um Conselho de Regência, que tinha como membros figuras de uma certa importância, selecionados, segundo Saraiva (1993, p.304), por “(…) sua competência pessoal, que revelam a preocupação de assegurar a governação efectiva dos assuntos civis mesmo sob a dominação francesa.”

Esse conselho, segundo Hermann (2002, p.111), “(…) determinava que estariam assegurados todos os privilégios dos nacionais, comprometia-se com a conservação da paz do reino e em assistir o imperador dos franceses dando-lhes ‘tudo que lhes for preciso, enquanto se detiverem neste Reino (…)’” Diante de tal trecho, pode-se perceber o intento de manter a política da neutralidade, pois os franceses não são taxados de invasores, nem há ordens para rechaçar a sua presença em Portugal; e também pode-se encontrar a indução de um caráter temporário em tal invasão.

Aquarela de Henry L'Évêque: embarque de D. João e da família real portuguesa para o Brasil.

Sobre o mesmo tema, Saraiva (1993, p.303) afirma que o regente procurava “(…) evitar as violências da guerra. No decreto (…) descrevia-se a invasão como uma marcha de tropas estrangeiras no interior do território português, e (…) ordenava-se que se fizesse tudo para conservar o Reino em paz (…)” Mesmo estando a partir para o Brasil, fugir de possíveis hostilidades com os franceses – independentemente se essa foi ou não a intenção de D. João – era, evidentemente, benéfico para a população reinol, pois ela não embarcou para a América, ficou em Portugal, a mercê do domínio e de possíveis retaliações napoleônicas.

4. Portugal e a ocupação por Junot

Pedro José de Almeida Portugal (3.° Marquês de Alorna e 5.° Conde de Assumar): caso de nobre português que aderiu aos franceses e lutou por Napoleão na Rússia, onde morreu em 1813.

A família real parte. Ficam em Lisboa grande parte da população, alguns militares, e os ‘afrancesados’, que encaravam tal incursão positivamente, a acreditarem que tal dominação traria a “(…) modernização das estruturas políticas nacionais.”27

Junot, quando estava em Cartaxo, recebe a notícia da transmigração da corte e, mesmo com todas as dificuldades que as tropas teriam em locomover-se devido ao inverno, decide marchar para tentar impedir tal partida.

Entretanto, em Sacavém, os franceses encontram-se com a Junta da Regência, que dá a Junot as boas vindas. O francês, a caminho de Lisboa, não encontra nenhuma demonstração de hostilidade a sua presença. Marcha como que em um país aliado. Segundo Hermann (2002, p.111), os partidários da Inglaterra partiram com D. João, e os da França ficaram em Portugal, “(…) fazendo as ‘honras da casa’ para Junot, oferecendo-lhe inclusive o lugar de presidente da Academia de Ciências de Lisboa – além de colaborar com oficiais para as tropas do ‘protetor’”.

Sobre a simpatia de alguns setores da sociedade portuguesa à ocupação francesa, Saraiva (1993, p.306) observa que “Para alguns, vinha mesmo como um libertador: era a Revolução que, com ele, chegava enfim a Portugal. (…) as invasões francesas foram o primeiro episódio das lutas entre o absolutismo e o liberalismo no nosso país.”

O exército francês pisa em Lisboa no dia 30 de novembro28, no dia seguinte a partida da família real, entretanto, Junot atravessa a cidade rapidamente em direção à Torre de Belém e, obviamente, chega tarde de mais para apanhar D. João e a frota que partira para o Brasil.29

Igualmente como no caminho a Lisboa, ao chegar na cidade, os franceses não encontram demonstrações de hostilidades, que, segundo Bebiano (1993, p.254) “Não se pode, pois, falar de uma derrota desonrosa, dado que não houve sequer combate: aquilo que hoje pode espantar é a fidelidade resignada às instruções do príncipe regente e o pavor paralisante mostrado diante do gigante napoleônico.”

O militar francês Jean-Andoche Junot

Ao instalar-se em Lisboa, Junot, segundo Saraiva (1993, p.306) “(…) anunciou uma nova era de liberdade e de progresso, prometeu a abertura de estrada e canais (…), administração eficaz, saneamento financeiro, asilos para os pobres, escolas para o povo.” Ainda segundo o mesmo autor, as classes cimeiras da sociedade portuguesa aderiram as promessas de Junot.

Já Ramos (2002) e Vicente (1996), expõem o caráter depredatório e opressor da presença francesa, que, segundo o primeiro, destruiu casas, fábricas e colheitas, sendo que os gauleses não pouparam sequer as igrejas, depredando-as, e o segundo, que evidencia que devido à presença francesa houve saques a palácios, tanto os da Coroa30 quanto os de particulares que partiram para o Brasil com D. João; os militares portugueses que ficaram no país terem sido incorporados, ao menos a maioria deles, ao exército francês, sendo que, muitos deles, vão lutar inclusive na Rússia; a imposição aos lisboetas de uma série de contribuições; e o episódio em que é hasteada a bandeira francesa em detrimento da portuguesa no Castelo de São Jorge.

Sobre tal episódio, Hermann (2002) afirma que ele gerou revolta na população, que não conformou-se em ver a bandeira de Portugal ser tirada do Castelo. A autora ainda narra que na rebelião o povo dava gritos de “Viva Portugal” e “Morra a França” e evocavam as cinco chagas de cristo – presentes na bandeira de Portugal até os dias de hoje – que por sua vez rememoravam a batalha de Ourique, de 1139, mito da origem da nacionalidade portuguesa. Segundo Saraiva (1993), a represaria por parte dos franceses deu-se através de tiros, que não cessaram até ao anoitecer.

Em 1 de fevereiro de 1808, abandona-se o intento de neutralizar militarmente o território português, e o Conselho de Regência é extinto, dando lugar ao Conselho de Governo, sendo que o último é constituído por membros do primeiro, tendo como diferencial Junot presidindo o novo conselho. Assim, Junot passa a governar o país como representante de Napoleão Bonaparte. Ainda nesse mesmo dia, a dinastia de Bragança é destituída. “As insígnias da Casa de Bragança foram retiradas de todos os documentos oficiais, que passaram a ser assinados ‘em nome de S. M. o Imperador dos Franceses, Rei de Itália, Protetor da Confederação do Reno’”31

Apesar da dominação francesa em Portugal, o partido francês, segundo Saraiva (ibid.), estava dividido em facções rivais. Um grupo de afrancesados, diante da destituição dos Bragança, encontrava-se cheia de dúvidas a respeito de quem viria a ser o novo monarca. Vários nomes foram cogitados, inclusive o de Junot. Esse grupamento de partidários da França chegaram inclusive a redigir “(…) uma súplica dirigida ao imperador na qual se diziam intérpretes e depositários dos votos da Nação e pediam a Napoleão que admitisse os Portugueses entre o número dos seus fiéis vassalos; se (…) isso não fosse possível, pediam ao imperador que designasse um príncipe para ocupar o trono português.”32

Um outro grupo de afrancesados tenta nesse momento a obtenção de uma constituição para Portugal, assinada por Napoleão. Esse grupo “(…) declarou que o que tinha a pedir era uma constituição e um rei constitucional, da família do imperador.”33

É valido ressaltar a observação de Hermann (2002) em relação aos afrancesados desejosos de um príncipe da linhagem de Napoleão, já que originalmente ele era um opositor ao Antigo Regime – mas que no decorrer dos episódios torna-se imperador aos moldes do regime que era opositor – e é pedido a ele um herdeiro de sangue nobre para comandar Portugal.

Em 2 de Maio de 180834, a revolta contra os franceses ocorre na até então aliada Espanha, em virtude da nomeação de José Bonaparte, irmão do imperador francês, como rei, em detrimento de Carlos IV. Assim, as tropas espanholas que estavam em Portugal, que adentraram o país coligadas com o exército francês, são chamadas de volta a Espanha.

O episódio contrário à dominação francesa não ocorre só no país vizinho. No dia 16 de junho de 180835, dia de Corpus Christi, começam, no Porto, as agitações populares. Segundo Vicente (1996) o movimento estende-se pelo norte do país com rapidez. Saraiva (1993) narra que ao chegar em Bragança as notícias do Porto, dobram-se os sinos das igrejas em comemoração ao levante. O povo brada vivas ao príncipe regente. Hermann (2002) também mostra em seu texto que no mesmo dia que no Porto, o movimento eclode em Lisboa, quando a procissão sai sem a imagem de São Jorge, o padroeiro, a causar indignação na população. Os populares ao receberem a notícia da chegada de uma esquadra inglesa ao Tejo agitam-se.

O movimento no Porto é derrotado, porém, por todo o país as agitações se espalham, a ocorrerem, em várias localidades, vivas ao príncipe regente e ataques populares as autoridades legitimas. Nessas rebeliões, há tentativas de, por exemplo, matar o juiz de fora e os novos governantes de determinadas regiões; destruição de arquivos da Câmara, onde havia registro de dividas da população rebelde; e constituição de Juntas governamentais compostas por populares. Vale ainda observar que esses movimentos tiveram como lideranças pessoas que não pertenciam ao topo da hierarquia lusitana, e sim, sapateiros, taberneiros, estudantes e jornaleiros, e a participação de estratos como os camponeses.36

Ainda sobre as hostilidades à presença francesa em Portugal, é valido ressaltar o caso de Coimbra e Olhão narrado por Saraiva (1993). No levante realizado na primeira, aonde mais tarde o governo da cidade vem a ser entregue ao vice-reitor da Universidade, contou com a participação de José Bonifácio de Andrade e Silva, que mais tarde vem a ter papel de destaque no Brasil. Em Olhão, dois pescadores, em uma pequena embarcação, partem para o Rio de Janeiro para levar a notícia da restauração no Algarve ao príncipe regente, e que conseguem chegar vivos à cidade brasileira.

As tropas inglesas, que segundo Bebiano (1993, p.255) contam com cerca de 13.500 homens, desembarcam em Portugal, e unem-se aos locais, sob o comando de Arthur Wellesley37, vencendo os franceses nas batalhas de Roliça e Vimeiro, sendo a última no dia 21 de agosto.38

Os franceses localizados em Portugal encontram-se em uma situação delicada, pois as rebeliões pelo interior do país afloram, e eles não têm como conte-las, além do fato dos súditos de Napoleão estarem incomunicáveis com a França, pois por terra não é possível, já que a Espanha está mergulhada em uma insurreição, e por mar, há o bloqueio inglês.

Diante de tal situação, Junot propõe aos ingleses um armistício, que após um período de negociação, é assinado no dia 30 de Agosto, e fica conhecido como a Convenção de Sintra, por ter aí sido realizada, pondo termo a primeira invasão francesa.

Vale observar que da formulação de tal acordo os portugueses são excluídos. Ele é formulado entre ingleses e franceses, que tem como resultado a partida das tropas do exército da França em embarcações da Inglaterra. Os gauleses levam consigo suas armas, bagagens e os produtos dos saques que realizaram em Portugal. Porém, no norte, há resistência por parte da população aos roubos realizados pelos franceses, que, segundo Saraiva (1993, p.315) “A população, enfurecida, não permitiu a saída dos navios enquanto não se fez a verificação das bagagens, para recuperar o produto dos saques.”

O mesmo autor ainda evidência que com tal acordo, Junot beneficia-se por salvar as suas tropas da destruição completa, e os ingleses por obterem a cidade de Lisboa e as fortalezas do Tejo sem pelejarem.

Assim, a Junta da Regência reassume o poder do país, entretanto, aqueles que obtiveram maior destaque colaborando com os invasores franceses são substituídos.

Paralelamente, enquanto Portugal vive tempos turbulentos, D. João governa, comparativamente, de forma tranqüila no Brasil. Devido à transmigração para o Rio de Janeiro, segundo Lima (1996), os Bragança não passam pelas humilhações que a família real espanhola enfrenta quando é capturada por Napoleão, e mais, D. João constituía uma ameaça viva ao sistema napoleônico.

Uma vez na antiga colônia, o príncipe regente continua a agir como um soberano, seja “(…) através de atitudes como a anexação de Caiena em 1809 e as intervenções efetuadas na Banda Oriental [atual Uruguai].”39, seja através dos benefícios realizados no Brasil, como a Biblioteca Nacional e a criação do primeiro Banco do Brasil, instituído pelo príncipe através do Alvará de 12 de outubro de 1808.40

Sobre a criação da instituição bancária, Muller e Lima (2002) afirmam que o início de suas operações é um marco não só para o Brasil, mas para Portugal também, pois é a primeira instituição bancária portuguesa, criada, ao que parece, nos moldes do projeto do Banco Nacional Bragantino, sugerido por D. Rodrigo41 em 1797 ao príncipe regente, que recusa-o.

Segundo Ramos (2002), D. João cria no Rio de Janeiro uma série de novas instituições, como, por exemplo, o Arquivo Militar, o Erário Régio, e a Mesa do Desembargo do Paço, além do já citado Banco do Brasil. O príncipe regente permite a existência de fábricas e industrias, são criados os cursos de medicina, de comércio e de belas artes, e, no ano de 1808, é criada a Gazeta do Rio de Janeiro.

Paralelamente, conforme explicita o autor citado acima, há o comprometimento com a Inglaterra, no Tratado do Comércio de 1810, de extinguir o tráfico negreiro gradualmente, e, conforme mostra Proença (1999, p.19), pelo artigo 10 “(…) D. João consentia na abolição gradual do comércio de escravos passando este a ser permitido apenas a Portugal e unicamente para o Brasil pela falta de população nesta colónia.”.

A autora ainda observa que revoga-se a proibição à imigração que não seja a portuguesa para o Brasil e, dessa forma, D. João incentiva a vinda de suíços, sicilianos e alemães, mais que a dos próprios portugueses – para não despovoar o reino – preparando a abolição da escravatura. Evidentemente, isso não significa que cessa a imigração lusa para o Brasil, pois segundo Ramos (2002), nesse período é iniciada a vinda de imigrantes açorianos para a América Portuguesa.

Jean-de-Dieu Soult liderou os militares de Napoleão na segunda invasão militar a Portugal.

Então, diante de tais fatos, pode-se perceber que a transferência da Corte para o Rio de Janeiro permitiu que as atividades da monarquia portuguesa não cessassem devido à primeira invasão napoleônica, realizada por Junot em 1807.

Napoleão, realmente, conseguiu ocupar o território português, mas não subjugar a coroa portuguesa – como fez com a espanhola – que, uma vez radicada no Brasil, protege-se das ameaças constantes da tumultuada Europa. A situação no velho mundo encontra-se tensa, ao ponto de mesmo os franceses tendo assinado a Convenção de Sintra com os ingleses, e as tropas napoleônicas terem saído de Portugal em 1808, no ano seguinte, a França vir a realizar uma nova incursão ao território português, a chamada segunda invasão, liderada pelo general Soult42, que será tratada no próximo item.

5. Da 2ª invasão francesa ao Reino Unido de D. João I

O militar francês André Masséna que comandou a terceira incursão napoleônica ao território luso.

Como já foi apresentado anteriormente, os franceses saem de Portugal em 1808. Porém, isso não impede que, em fevereiro de 180943, um novo exército napoleônico marche solo português adentro.

O general Soult, francês considerado “l’une des plus belles carrières militaires de l’époque”44 e que estava na Espanha a pelejar contra as hostes britânicas, ao vencê-los, adentra o território português pelo Minho e, mesmo tendo encontrado resistência, chega ao Porto no dia 29 de Março de 1809, sendo a conquista dessa cidade, devido às recusas a rendição, extremamente sangrenta.

Segundo Saraiva (1993, p.316), mesmo tendo permanecido por pouco tempo no Porto, Soult conquistou a simpatia da população, tendo recebido do atuante partido afrancesado, a seguinte mensagem, não muito diferente das da época de Junot: “Que aqueles povos tinham o trono por vago e dele decaída a Casa de Bragança; que suplicavam por isso a Sua Majestade o Imperador e Rei que se dignasse nomear um príncipe de sua casa ou qualquer outro de sua escolha para reger os povos e reinar em Portugal.” O que difere do período em que Junot estava em Portugal é o descontentamento pela ausência da família real, que virá a crescer a partir de então até a década de 1820.

O citado autor ainda mostra que a essa altura circula no Porto um folheto que reclama da ausência do príncipe regente e da política para com os vassalos que ficaram em Portugal, lamentando-se do descaso para com aqueles que davam suas vidas para a restituição do trono à D. João. O folheto também critica a organização da economia anglo-brasileira que está neste momento a excluir Portugal, sendo que tais ressentimentos também só serão agravados nos anos que se seguem.

Enquanto os afrancesados faziam os seus jogos políticos e pelo Porto circulavam folhetos com as reclamações como a mostrada acima, a resistência, no Norte, a essa nova dominação francesa continua, o que dificulta a ação dos invasores. Nesse contexto, a Inglaterra envia reforços aos portugueses rebelados e, em maio do mesmo ano, os generais Wellesley e Beresford aproximam-se, com cerca de 25 000 homens45, do Porto. Diante de tais adversidades, Soult e a sua tropa deixam a cidade para evitarem a sua destruição e, segundo Bebiano (1993), só mantém-se intactas por estarem sempre a fugir do combate frontal.

Sobre os reforços ingleses e a retirada de Soult, Vicente (1996, p.43) afirma que “(…) de Inglaterra chegavam reforços, cujo comando foi dado a Artur Wellesley, depois Duque de Wellington. Soult, ameaçado, teve de retirar-se, escapando habilmente aos ataques de Wellington e de Beresford, até se internar na Galiza.”

Assim, o poderio militar inglês domina Portugal. Porém, o país atravessa uma crise econômica, e encontra-se incapacitado de pagar as suas despesas militares. A Inglaterra oferece ajuda, propondo-se a pagar um terço dessas despesas, mas o Duque de Wellington teria que ser admitido na Junta de Regência, o que não tarda a acontecer. Uma vez na Junta, torna-se a figura predominante.

A presença inglesa em Portugal era vista por Napoleão como uma ameaça ao seu domínio da Europa e, em virtude de tal concepção, em 1810, o Imperador decide por atacar mais uma vez a Península Ibérica para expulsar os britânicos dessa parte da Europa.

O comando do exército que deveria invadir Portugal pela terceira vez foi dado a Masséna46, que adentra o país em 24 de julho de 181047, pela fronteira da Beira, e parte em direção de Lisboa. Segundo Bebiano (1993), essas tropas que iniciam a sua marcha pelo país em 1810 são contingentes superiores numericamente aos anteriores. A caminho de Coimbra, na altura da serra do Buçaco, trava-se uma batalha entre as tropas anglo-lusas e francesas, sendo que os invasores são derrotados nesse episódio, entretanto, isso não impede que os franceses realizem um saque em Coimbra.

As tropas francesas continuam a marchar em direção a Lisboa, dispostas a tomar a capital. No entanto, diante das linhas de Torres Vedras, sistema defensivo utilizado pelos ingleses, Masséna vê-se incapaz de continuar com os planos de chegar a Lisboa e, como não recebera reforços da França durante todo o inverno, inicia a retirada de Portugal em abril de 1811, o que não impede que novos embates sejam travados, pois as forças anglo-lusas o perseguem, a impor-lhe derrotas em Pombal, Redinha e Foz do Arouce.48 Porém, a guerra não é finda aí, na Espanha os conflitos continuam, inclusive com a participação de soldados portugueses.

A partir de então, até 1814, são travados inúmeros combates entre as forças anglo-lusa-espanholas, comandadas por Wellington, contra os franceses no território da Espanha, que tem como resultado a derrota das tropas napoleônicas. As mesmas tropas que vencem os franceses na Espanha, adentram a França pela fronteira sul, e os derrotam, definitivamente, em Toulouse.

Em 1815, é realizado o Congresso de Viena, que, segundo Vicente (1996,p.45) “assume papel importante numa nova estruturação da Europa, ao tentar reorganiza-la e ao impor-lhe uma paz que, na altura, se considerava definitiva.”

É valido frisar que as potencias vencedoras obtiveram vantagens na redefinição do mapa europeu e que o governo sediado no Rio de Janeiro, apesar das dificuldades encontradas, consegue ter seus representantes admitidos no Congresso. As ordens aos representantes de Portugal, por parte da monarquia bragantina, eram a de seguir as diretrizes britânicas, havendo conflitos somente com a França, que exigia a devolução da Guiana, e com a Espanha, que reclamava a de Montevidéu.

Portugal, devido às negociações realizadas em decorrência do Congresso, devolve à França a Guiana. Já a cidade localizada no Rio da Prata, os diplomatas portugueses condicionam a sua devolução a restituição de Olivença, perdida à época da Guerra das Laranjas, e o Congresso, segundo Proença (1999), pelo artigo 105, é favorável à devolução da localidade aos portugueses, assim como outras perdidas aos espanhóis pelo Tratado de Badajoz.

Entretanto, a permuta nunca ocorre. A presença lusitana na região do Prata estende-se de Montevidéu, conquistando vários outros sítios, como Maldonado e Sacramento, até que, em 1821, o atual Uruguai é anexado ao Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, como província cisplatina.49 Olivença, como já foi dito, até hoje pertence à Espanha e, segundo Saraiva (1993), da presença portuguesa na povoação, só se conserva a arquitetura de estilo manuelino.

A questão da escravidão também é debatida no Congresso, talvez sendo o único ponto em que Portugal encontra-se ao lado da França e da Espanha e não da Inglaterra.

Mapa das invasões napoleônicas ao território português.

Com o fim do Congresso, Saraiva (ibid.) narra que Portugal, mantido sob tutela inglesa desde a saída de Masséna, começa a reivindicar a volta da família real. No entanto, D. João não demonstra interesse em retornar, mesmo pressionado pela Inglaterra, que toma tal posicionamento por ser favorável, devido aos seus interesses particulares, ao processo de independência das colônias da América. Os britânicos chegam a enviar por conta própria uma divisão naval ao Rio de Janeiro para transportar novamente a Corte para Lisboa, mas D. João nega-se a partir, além de protestar contra tal procedimento inglês.

Assim, com a presença de D. João no Rio de Janeiro, em 16 de dezembro de 181550, é constituído o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, e o Brasil “ (…) seria (…) a residência permanente do monarca. (…) [e no] território europeu (…) o trono seria ocupado pelo príncipe herdeiro. [Assim] adoptou-se nova bandeira [e] Na inscrição de um fontanário (…) de Guimarães (…) D. João VI é (….) designado pelo título de D. João I de Portugal, Brasil e Algarves.”51 Entretanto, a história foi outra, e a união dos dois países sob o comando de “D. João I” não foi duradoura.

6. Conclusão

Bandeira do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves.

Assim sendo, o território português, no primeiro decênio do século XIX, tem a sua soberania desrespeitada pelos outros países europeus, em parte, pela decorrência dos complicados jogos políticos que a Europa estava a passar neste momento, dividida entre duas grandes potências, Inglaterra, a maior marinha do mundo a época, e a França, que dominada por Napoleão Bonaparte era temida em todo o continente.

Também é válido ressaltar que tais incursões ao território português, seja na Guerra das Laranjas, seja nas três invasões francesas, ou ainda, a ameaça, por parte da Inglaterra, de tomar as colônias lusas ao redor do mundo, não deve-se a uma questão de uma fraqueza, de uma debilidade lusa ou do seu príncipe regente D. João.

Tais violências e ameaças sofridas por Portugal nos primeiros anos do século XIX são perfeitamente entendidas se analisadas dentro do contexto europeu da época em que diversos países são invadidos e caem sob o julgo de Napoleão Bonaparte, ou ainda, como foi o caso da Dinamarca, neutra, e que teve Copenhagen bombardeada pelos britânicos, que usurparam as suas naus antes que Napoleão o fizesse, a desrespeitar completamente a soberania do país nórdico.

Portanto, com a transferência da Corte para o Brasil, D. João, mesmo que não estando no território metropolitano e sim em uma antiga colônia, não deixa a Coroa portuguesa cair nas mãos de Napoleão, que dominou praticamente toda Europa, tendo chegado inclusive a aprisionar monarcas, como o espanhol, sendo que com a partida para o novo mundo, D. João evitou tal humilhação.

Também destaca-se que a transferência do príncipe regente para o Brasil não é taxada pejorativamente nem pelos historiadores portugueses, nem pelos brasileiros, que foram estudados para o presente trabalho, ao contrário, como foi explicitado no decorrer do texto, é tratado como uma atitude sagaz do príncipe regente. Ressalta-se que até o próprio Napoleão, inimigo do príncipe, segundo Lima (1996), ao persuadir os Bourbon a irem para a América, usa como exemplo o “astuto” ato de D. João.

Assim, sobre o regente, é valido ressaltar que até onde foi possível ele levou a política da neutralidade, e Portugal sempre que pode tirou benefícios de tal posição, seja através de evitar ao máximo as incursões francesas ao seu território; seja da manutenção do império ultramarino que não foi atacado pela maior potencia naval da época; seja ao exportar os produtos ingleses para os rivais dos britânicos, como a Espanha e a França, e a obter lucros com tal intermediação.

O príncipe, no Brasil, realizou inúmeros benefícios para o país, mais precisamente para a cidade do Rio de Janeiro, sendo que tais atitudes, geralmente são tratadas pelos historiadores portugueses, com uma certa melancolia, como os fatores que levaram a independência do Brasil, sempre a reconhecer a dependência que a metrópole tinha em relação à antiga colônia.

Também é valido observar que as incursões napoleônicas a Portugal tiveram conseqüências não só no território brasileiro, mas também em outros países do continente sul americano, já que D. João invade a Guiana em retaliação à invasão de Napoleão ao reino; realiza duas incursões no atual Uruguai, uma em 1811 e outra em 1816, sendo a última mais duradoura, e que resulta na anexação da então Banda Oriental ao Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, em 1821; e ainda, é levantada, á época, a hipótese de instituir em Buenos Aires uma monarquia comandada por D. Carlota Joaquina, que, caso tivesse vingado tal plano, mais tarde viria a formar com o Brasil um grande bloco luso-espanhol, que seria liderado por um herdeiro do casal.

No que diz respeito ao território português, Saraiva (1993) caracteriza a Guerra Peninsular dos primeiros anos do século XIX como a mais violenta enfrentada por Portugal, sendo a península palco da disputa hegemônica da Europa, e que paralisou o desenvolvimento da industria, do comércio, enfim, da economia de Portugal e Espanha, ao passo que o mesmo não houve com a Inglaterra e França. Esses dois últimos países puderam continuar com os processos de desenvolvimento em seus territórios, ao contrário dos ibéricos. Ainda segundo o mesmo autor, aumentou-se a diferença do desenvolvimento português face aos países mais desenvolvidos do continente.

Com tais incursões, Portugal assiste a migração de famílias do campo para as cidades; fome; miséria; inúmeras vidas ceifadas em combates e chacinas; o fim do exercício da autoridade por parte dos portugueses; comarcas onde a justiça não foi administrada; e até as áreas litorâneas do país, que sempre foram as mais poupadas dos combates, desta vez foram as que mais sofreram, pois neste momento, a fronteira entre os blocos em luta não foi a terrestre, e sim a marítima. O país também vivencia um “vazio político”, como caracteriza Saraiva, em decorrência da vacância do trono e dos altos escalões da sociedade civil que, segundo o autor, dificultava a reconstrução da vida nacional portuguesa.

Após as invasões napoleônicas, o país viveu sob a tutela inglesa, que não tirou Portugal do triste estado em que vivia. Todos os recursos financeiros eram empregados pelos britânicos na defesa e não na solução de outros problemas que assolavam o território lusitano.

Finalizando, Portugal adentra o século XIX em uma situação preocupante, ameaçado por uma invasão estrangeira. Entretanto, os primeiros anos de tal século são negativos para o país, que vê concretizar-se em 1801 uma incursão da rival Espanha, apoiada pela França napoleônica; em 1807 assiste a primeira invasão franco-espanhola liderada por Junot, e a saída da família real para uma colônia – apesar de ser a mais rica de suas colônias, mais ainda assim uma colônia –; em 1809 e 1810 novas invasões francesas e, após o julgo francês, o britânico; os tratados assinados com a Inglaterra por D. João no Brasil que colocam o país americano em relação direta com os súditos ingleses, e não com Lisboa; e, mais tarde, a elevação da antiga colônia a Reino Unido, e a sinalização da permanência do monarca no Rio de Janeiro, em detrimento de Lisboa.

Batalha do Buçaco (1810): forças anglo-lusas contra Masséna.

7. Notas

1 – Manuel de Godoy y Alvarez de Faria Rios Sanchez Zarzosa nasce no dia 12 de maio de 1767, em Castuera, Badajoz, Espanha. Em 1784, em Madrid, ingressa nas Guardas do Corpo do Rei e, no ano seguinte, estabelece relações de amizade com os príncipes das Astúrias, que tornam-se monarcas de Espanha em 1788. Assim, Godoy ascende em sua carreira, até que em 15 de Novembro de 1792 é nomeado primeiro-ministro. Devido à execução de Luís XVI em França, espanhóis e franceses entram em guerra, que termina quando Godoy assina a paz de Basiléia, em julho de 1795. Por tal negociação, o primeiro ministro espanhol ganha o título de príncipe da paz. Ao aliar-se com a França pelo tratado de Santo Ildefonso, declara guerra aos ingleses, mas a frota espanhola é destruída, inclusive havendo a ajuda lusa para tal desfecho. Em março de 1801 torna-se o comandante-chefe do exército que vem a atacar Portugal em maio. O desenrolar dos fatos não são como a Espanha previa e, em torno de Fernando VII, herdeiro do trono, começa a formar-se um partido contrario ao príncipe da paz. Em 18 de Março de 1808, Godoy é demitido por Carlos IV devido a um motim popular, organizado em Aranjuez pelos amigos de Fernando VII, que posicionam-se contra o primeiro ministro. Mesmo assim, Godoy acompanha Carlos IV no exílio até a sua morte, em 1819. A partir daí vai viver em Paris, onde morre anos mais tarde, em 4 de outubro de 1851. Disponível em: http://www.arqnet.pt/exercito/godoy.html

2 – Disponível em: http://www.arqnet.pt/exercito/godoy.html

3 – SARAIVA, José Hermano. História de Portugal. Lisboa: Alfa, 1993, p.295.

4 – O príncipe nasce em 13 de maio de 1767, em Lisboa, e, em 1788, devido ao falecimento do seu irmão, D. José, é declarado herdeiro do trono. D. João, devido à doença de sua mãe, D. Maria, dirige o reino a partir de 1º de fevereiro de 1792. Assume a regência oficialmente no dia 14 de julho de 1799, quando são perdidas as esperanças de D. Maria restabelecer-se de sua doença. Sua mãe vem a falecer em 1816, mais precisamente no dia 16 de março e, assim, o príncipe D. João é aclamado e coroado no dia 6 de fevereiro 1818, a tornar-se rei do Reino Unido, e ganha o título de D. João VI. Após passar alguns anos no Brasil, devido a invasão de Napoleão a Portugal, volta ao seu país de origem, adentrando o Tejo no dia 3 de julho de 1821, e jura a Constituição no dia 1º de outubro de 1822. Sua esposa, aliada com o seu filho D. Miguel, realizam inúmeras tentativas de usurpar-lhe o trono, o que culmina com o exílio do filho – conselho dos embaixadores inglês e francês – e, em uma nova revolta, a prisão da esposa. Pelo decreto de 6 de Março de 1826, D. João VI nomeia uma Junta de Regência, presidida pela sua filha D. Isabel Maria. D. João VI, O Clemente, 27º rei de Portugal, falece em Lisboa, a 10 de Março de 1826. Disponível em: http://www.arqnet.pt/dicionario/joao6.html

5 – Victor-Emmanuel Leclerc nasce no dia 17 de março de 1772, em Pontoise, França, e alista-se no exército de seu país em 1791.Em 14 de junho de 1797, após tornar-se amigo de Napoleão, casa-se com a irmã mais nova deste, Pauline. Leclerc participa ativamente do golpe de estado de 18 Brumário, que coloca o seu cunhado no poder e passa a exercer comandos cada vez mais importantes. Assim, em fevereiro de 1802 chega ao Haiti para pelejar com os negros rebeldes e objetivando o restabelecimento da soberania francesa na ilha. Porém, Leclerc falece no mesmo ano da sua chegada à América, mais precisamente no dia 2 de novembro. A causa da morte do general francês, que participou, por exemplo, de expedições do Egito à Alemanha, não vem a ser nenhum ferimento em uma batalha, e sim a febre amarela, que também atingiu vários outros militares franceses chegados à ilha e que tiveram o mesmo destino trágico. Disponível em: http://www.arqnet.pt/exercito/leclerc.html e http://www.histofig.com/history/empire/personnes/france_leclerc_fr.html

6 – BEBIANO, Rui. Organização e papel do exército, In: TORGAL, Luís; ROQUE, João (coord.). História de Portugal, volume V. Lisboa: Círculo dos Leitores, 1993, p.253.

7 – VICENTE, António Pedro. Do rossilhão às invasões francesas, In: TEIXEIRA, Nuno Severiano. O Poder e a Guerra 1914 – 1918. Lisboa: Editorial Estampa, 1996, p.38.

8 – Tal tratado também engloba o Brasil e, assim, por exemplo, na região sul, os Sete Povos das Missões é recuperado por Portugal, e o arroio Chuí passa a integrar definitivamente a América Portuguesa. FERREIRA, Fábio. A Presença Luso-Brasileira na Região do Rio da Prata:1808-1822. In: Revista Tema Livre, ed.03. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

9 – VICENTE, António Pedro. Do rossilhão às invasões francesas, In: TEIXEIRA, Nuno Severiano. O Poder e a Guerra 1914 – 1918. Lisboa: Editorial Estampa, 1996, p.38.

10 – SARAIVA, José Hermano. História de Portugal. Lisboa: Alfa, 1993, p.297.

11 – Apesar de ser possível encontrar uma série de informações depreciativas em relação à D. Carlota Joaquina, sejam elas em filmes, séries de tv e até mesmo em alguns livros, o que os fatos mostram é que ela foi uma mulher que conseguiu agrupar em torno de si vários partidários, seja em Portugal, em 1805 e na década de 1820, seja na América, no período em que a corte esteve no Brasil. D. Carlota, na América, mantém intensa correspondência com autoridades de localidades como Buenos Aires, Montevidéu, Chile, Peru e México durante o período em que seus parentes estão sem o trono espanhol. Á época da chegada da família real ao Rio de Janeiro há o plano de estabelecer uma monarquia em Buenos Aires sob o comando de D. Carlota, sendo que o projeto carlotista tinha boa recepção no Prata. No Rio de Janeiro houve a atuação de diversos argentinos partidários da princesa e, em um primeiro momento, as pretensões de D. Carlota não eram mal vistas pelos ingleses. Do lado britânico, D. Carlota teve como aliado Sidney Smith, que chegou, inclusive, a preparar uma frota para leva-la para Montevidéu. Esses fatos ajudam a demonstrar o poder de liderança que a princesa exercia em diversos dos seus contemporâneos, sejam eles, por exemplo, portugueses ou argentinos, uruguaios ou mexicanos, porém, todos faziam parte de uma sociedade em que a mulher não tinha um papel de destaque, e D. Carlota foi uma mulher que conquistou tal posição em uma sociedade comandada por homens. Para maiores detalhes, ver: FERREIRA, Fábio. A Presença Luso-Brasileira na Região do Rio da Prata:1808-1822. In: Revista Tema Livre, ed.03. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

12 – Op. cit.

13 – Andoche Junot nasce em 23 de Outubro de 1771 em Bussy-le-Grand, França, alistando-se voluntariamente em 1791. Em 1792 já é sargento, e Napoleão Bonaparte o escolhe como seu secretário, sendo que nesta década obtém várias promoções militares. Em 1800 é governador de Paris e, em 1801, é general de divisão. Em 1805 está em Portugal como embaixador francês. Sai de Lisboa para ir para a Alemanha e, em 1806 é nomeado o Governador Militar de Paris, mas não sem antes ter sido Governador Geral de Parma. Em 1807 ocupa a parte central de Portugal à frente do Corpo de Observação da Gironda e, em março de 1808, é feito duque de Abrantes. A sua atuação em Portugal será tratada mais à frente no presente trabalho. Assim, já estando fora de Portugal, em 1812, mais precisamente na Rússia, é destituído do cargo de comandante por falhas que comete e, no ano seguinte, retorna à França, pois dera provas públicas de loucura – aparecera nu em um baile – onde atira-se de uma janela e morre. Disponível em: http://www.arqnet.pt/exercito/junot.html

14 – SARAIVA, José Hermano. História de Portugal. Lisboa: Alfa, 1993, p.300.

15 – VICENTE, António Pedro. Do rossilhão às invasões francesas, In: TEIXEIRA, Nuno Severiano. O Poder e a Guerra 1914 – 1918. Lisboa: Editorial Estampa, 1996, p.41.

16 – Op. cit., p.41.

17 – Disponível em: http://www.arqnet.pt/exercito/invasao1.html

18 – Disponível em: http://www.arqnet.pt/exercito/invasao1.html

19 – VICENTE, António Pedro. Do rossilhão às invasões francesas, In: TEIXEIRA, Nuno Severiano. O Poder e a Guerra 1914 – 1918. Lisboa: Editorial Estampa, 1996, p.41.

20 – Disponível em: http://www.arqnet.pt/exercito/invasao1c.html

21 – SARAIVA, José Hermano. História de Portugal. Lisboa: Alfa, 1993, p.301.

22 – Op. cit., p.303.

23 – Op. cit.

24 – Op. cit.

25 – HERMANN, Jaqueline. Dom Sebastião contra Napoleão: a “guerra sebástica” contra as tropas francesas. In: Topoi. Revista de História. Rio de Janeiro: Programa de Pós-graduação em História Social da UFRJ / 7Letras, set. 2002, n.5, p.111.

26 – Para maiores detalhes ver: FERREIRA, Fábio. A Presença Luso-Brasileira na Região do Rio da Prata:1808-1822. In: Revista Tema Livre, ed.03. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

27 – SARAIVA, José Hermano. História de Portugal. Lisboa: Alfa, 1993, p.305.

28 – VICENTE, António Pedro. Do rossilhão às invasões francesas, In: TEIXEIRA, Nuno Severiano. O Poder e a Guerra 1914 – 1918. Lisboa: Editorial Estampa, 1996, p.42.

29 – Disponível em: http://www.arqnet.pt/exercito/invasao1d.html

30 – O Palácio de Queluz, por exemplo, foi um deles. Viu seus móveis e pratarias sendo levadas pelos invasores franceses para adornar os palácios que lhes serviam de residência em Lisboa. Em relação ao palácio, é curioso observar que Junot chega a cogitar instalar Napoleão aí e, em virtude de tal fato, inicia novas construções em Queluz. Também é valido observar que nesse mesmo palácio, D. Carlota Joaquina veio ser recolhida após participar de intentos que objetivavam tirar D. João VI do trono em 1824 e, também, foi onde veio a nascer e a falecer D. Pedro IV de Portugal, ou primeiro do Brasil.

31 – HERMANN, Jaqueline. Dom Sebastião contra Napoleão: a “guerra sebástica” contra as tropas francesas. In: Topoi. Revista de História. Rio de Janeiro: Programa de Pós-graduação em História Social da UFRJ / 7Letras, set. 2002, n.5, p.112.

32 – SARAIVA, José Hermano. História de Portugal. Lisboa: Alfa, 1993, p.308.

33 – Op. cit.

34 – Op. cit., p.309.

35 – HERMANN, Jaqueline. Dom Sebastião contra Napoleão: a “guerra sebástica” contra as tropas francesas. In: Topoi. Revista de História. Rio de Janeiro: Programa de Pós-graduação em História Social da UFRJ / 7Letras, set. 2002, n.5, p.112

36 – SARAIVA, José Hermano. História de Portugal. Lisboa: Alfa, 1993, p.310 e p.311.

37 – Wellesley nasce em Dublin, Irlanda, em 1º de maio de 1769. Acumula os títulos de 1º Duque de Wellington, Marquês do Douro, Marquês e Conde de Wellington, Visconde Wellington de Talavera e de Wellington, Barão do Douro ou Wellesley. Morre na Inglaterra em 14 de setembro de 1852. Disponível em: http://www.arqnet.pt/exercito/wellington.html

38 – SARAIVA, José Hermano. História de Portugal. Lisboa: Alfa, 1993, p.315.

39 – FERREIRA, Fábio. A Presença Luso-Brasileira na Região do Rio da Prata: 1808 – 1822. In: Revista Tema Livre, ed.03. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

40 – MULLER, Elisa.e LIMA, Fernando Carlos Cerqueira. Moeda e Crédito no Brasil: breves reflexões sobre o primeiro Banco do Brasil (1808-1829). In: Revista Tema Livre, ed. 01. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

41 – Dom Rodrigo nasce em 1755 e tem como padrinho o marquês de Pombal. Sua educação é de altíssimo nível, tendo freqüentado, inclusive, a Universidade de Coimbra e, em viagem pela Suíça e pela França, teve contato com alguns dos expoentes das Luzes. Em 1778, é nomeado diplomata junto à corte da Sardenha e mais tarde, já em Portugal, torna-se ministro do Ultramar. D. Rodrigo ainda foi secretário de Estado da Marinha e Domínios Ultramarinos de 1796 a 1801, presidente do Real Erário de 1801 até 1803, e ministro da Guerra e Negócios Estrangeiros de 1808 a 1812, sendo que recebe o título de conde de Linhares no ano de 1808. Diante da possibilidade da fragmentação do Império Português, D. Rodrigo recorre às novas idéias ilustradas para propor novas soluções, entretanto, devido à mentalidade tradicional existente na sociedade portuguesa de então, ele encontra vários obstáculos. Busca aliviar várias medidas da metrópole pesadas para as colônias, em especial no que diz respeito ao Brasil, e é defensor da concepção de um império luso-brasileiro. Tem papel atuante na transferência da Corte para o Rio de Janeiro e na assinatura dos tratados de 1810, sendo que a última medida demonstra a opção pelo Brasil como sede do império português. Vem a falecer em 1812 na cidade do Rio de Janeiro. (VAINFAS, 2002.)

42 – Jean de Dieu Soult, nasce no dia 29 de março de 1769 e, em 1785, adentra voluntariamente o regimento da real infantaria. Quatro anos mais tarde, adota as idéias revolucionárias. Após várias promoções, Napoleão o nomeia marechal em 1804 e coronel general da guarda imperial. Em 1808, ano no qual é feito duque de Dalmatie, acompanha Napoleão na Espanha e, vitorioso, ao partir para Portugal, faz especular que ele venha a ser o Rei de Portugal. No entanto, os seus planos malogram, e luta na península até 1812. Um pouco antes de ser banido da França devido à segunda restauração, é ministro da guerra por um curto período de tempo, de 3 de dezembro de 1814 a 11 de março de 1815, função à qual retorna no período de 1830 à 1834. Paralelamente, de 1832 a 1834 também é presidente do conselho de ministros. Mais tarde é nomeado ministro dos negócios estrangeiros e presidente do Conselho. Em 1847, afasta-se do seu cargo definitivamente por razões de saúde, com o glorioso título de marechal general da França. Falece no dia 26 de novembro de 1851, no seu castelo localizado na sua cidade natal, hoje, Saint Amans Soult. Traduzido do francês dos sítios disponíveis em: http://www.histoiredumonde.net/1er_empire/marechal/soult.html, http://perso.club-internet.fr/ameliefr/Soult.html e http://perso.wanadoo.fr/buddyop/napoleon/personnages/marechaux/soult.htm

43 – VICENTE, António Pedro. Do rossilhão às invasões francesas, In: TEIXEIRA, Nuno Severiano. O Poder e a Guerra 1914 – 1918. Lisboa: Editorial Estampa, 1996, p.42.

44 – Disponível em: http://aigleconquerant.free.fr/marechaux.detail/soult.htm

45 – SARAIVA, José Hermano. História de Portugal. Lisboa: Alfa, 1993, p.317.

46 – Andre Masséna nasce em Nice, no dia 6 de maio de 1758, perdendo o pai aos oito anos de idade. Assim, ao treze anos, embarca em uma nau como grumete, sem saber ler nem escrever. Em 1775, engaja-se no regimento real italiano. Já tendo adquirido uma educação sólida e crescido dentro da hierarquia militar, sendo general desde 1793, após uma excelente campanha da Itália do norte, ele passa para o lado de Napoleão Bonaparte e, mais tarde, passa a ser chamado pelo mesmo de "enfant chéri de la victoire", devido a sua atuação. É feito duque de Rivoli em março de 1808. Ao chegar à Península Ibérica, já havia pelejado em localidades como a Itália, Suíça e Alemanha, assim como já houvera ganhado o título de príncipe de Essling em 31 de janeiro de 1810. Após o fracasso em Portugal e de ter retirado-se para a fronteira francesa, é substituído por Marmont. Entretanto, participa de outros episódios bélicos, vindo a falecer em 4 de abril de 1817, em Paris. Traduzido do francês e disponível em: http://perso.wanadoo.fr/buddyop/napoleon/personnages/marechaux/Massena.htm e http://aigleconquerant.free.fr/marechaux.detail/massena.htm

47 – BEBIANO, Rui. Organização e papel do exército, In: TORGAL, Luís; ROQUE, João (coord.). História de Portugal, volume V. Lisboa: Círculo dos Leitores, 1993, p.255.

48 – SARAIVA, José Hermano. História de Portugal. Lisboa: Alfa, 1993, p.318.

49 – FERREIRA, Fábio. A Presença Luso-Brasileira na Região do Rio da Prata: 1808 – 1822. In: Revista Tema Livre, ed.03. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

50 – VAINFAS, Ronaldo. Dicionário do Brasil Imperial (1822 – 1889). Rio de Janeiro: Objetiva, 2002, p.629.

51 – SARAIVA, José Hermano. História de Portugal. Lisboa: Alfa, 1993.

8. Bibliografia e Sítios Consultados

AZEVEDO, Francisca Nogueira. Dom Joaquim Xavier Curado e a política bragantina para as províncias platinas (1800 – 1808). In: Topoi. Revista de História. Rio de Janeiro: Programa de Pós-graduação em História Social da UFRJ / 7Letras, set. 2002, n.5.

BEBIANO, Rui. Organização e papel do exército, In: TORGAL, Luís; ROQUE, João (coord.). História de Portugal, volume V. Lisboa: Círculo dos Leitores, 1993.

DICIONÁRIO Histórico, corográfico, heráldico, biográfico, bibliográfico, numismático e artístico. v. III. Portugal: João Romano Torres, 1904-1915. Disponível em: http://www.arqnet.pt/dicionario.html

FERREIRA, Fábio. A Presença Luso-Brasileira na Região do Rio da Prata: 1808 – 1822. In: Revista Tema Livre, ed.03. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

FERRO, Maria Inês. Queluz: o palácio e os jardins. Londres: Scala Books, 1997.

HERMANN, Jaqueline. Dom Sebastião contra Napoleão: a “guerra sebástica” contra as tropas francesas. In: Topoi. Revista de História. Rio de Janeiro: Programa de Pós-graduação em História Social da UFRJ / 7Letras, set. 2002, n.5.

LIMA, Oliveira. D. João VI no Brasil. Rio de Janeiro: Topbooks, 1996.

MULLER, Elisa.e LIMA, Fernando Carlos Cerqueira. Moeda e Crédito no Brasil: breves reflexões sobre o primeiro Banco do Brasil (1808-1829). In: Revista Tema Livre, ed. 01. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

MAXWEL, Kenneth. Condicionalismos da independência do Brasil. In: SERRÃO, José; MARQUES, A.H. Oliveira (coord.). Nova História da Expansão Portuguesa, volume VIII. Lisboa: Estampa, 1986.

PROENÇA, Maria Cândida. A independência do Brasil. Lisboa: Colibri, 1999.

RAMOS, Luís António de Oliveira. D. Pedro imperador e rei: experiências de um príncipe (1798 – 1834). Lisboa: Inapa, 2002.

SARAIVA, José Hermano. História de Portugal. Lisboa: Alfa, 1993.

VAINFAS, Ronaldo. Dicionário do Brasil Colonial (1500 – 1808). Rio de Janeiro: Objetiva, 2000.

________. Dicionário do Brasil Imperial (1822 – 1889). Rio de Janeiro: Objetiva, 2002.

VICENTE, António Pedro. Do rossilhão às invasões francesas, In: TEIXEIRA, Nuno Severiano. O Poder e a Guerra (1914 – 1918). Lisboa: Editorial Estampa, 1996.

Para obter mais informações na Revista Tema Livre relacionadas ao tema acima, basta clicar nos ícones abaixo:
(Em ordem alfabética)

Entrevista com a prof. dra. Francisca Azevedo.
A Presença Luso-brasileira na Região do Rio da Prata: 1808-1822.
Moeda e Crédito no Brasil:
breves reflexões sobre o primeiro Banco do Brasil (1808-1829)
E, na seção fotos, a exposição virtual Imagens de Portugal: Palácio de Queluz.

Prof.ª Dr.ª Francisca L. Nogueira de Azevedo (Universidade Federal do Rio de Janeiro)

A seguir, a entrevista exclusiva que a historiadora Francisca Azevedo concedeu à Revista Tema Livre no último dia 10, realizada no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade do Brasil (UFRJ). Na entrevista, a historiadora fala do seu livro sobre Dona Carlota Joaquina que será lançado em breve pela Civilização Brasileira, fala da relação da personagem com diversos intelectuais do Rio da Prata, e sobre as representações negativas de Dona Carlota, encontradas tanto na historiografia brasileira, quanto portuguesa. Pode-se, ainda, encontrar comentários sobre o lado humano de Carlota Joaquina, além da relação dela com D. João.

Revista Tema Livre – Em primeiro lugar, a Sra. pode falar da sua trajetória como historiadora?

Francisca Azevedo – Bem, na verdade, eu entrei na história um pouco marginalmente, porque eu fui fazer Belas Artes, nos anos 60, uma época em que a questão política estava muito forte, e grande parte dos professores saiu, foi cassada. Também não foi só por isso, a escola tinha uma grade curricular muito conservadora em relação à arte pela arte, e senti necessidade de uma coisa mais à frente, alguma coisa que eu pudesse entender melhor a sociedade em que estava vivendo, aí eu comecei a fazer história e quando terminei eu fui, por questões familiares, para os Estados Unidos, e lá resolvi fazer mestrado. Fiz na Filadélfia, uma cidade em que tem uma concentração de boas universidades, e optei por história da América Latina, porque já fazia parte do meu contexto de interesse, a questão da Revolução Cubana, eu também sempre gostei muito de movimentos mexicanos, a Revolução Mexicana, principalmente a arte, os muralistas mexicanos, então eu fiz o mestrado em História da América Latina. Voltei, trabalhei um tempo na Universidade Santa Úrsula, comecei a trabalhar inclusive com questões relativas ao movimento operário, fiz um trabalho sobre uma greve que teve em 1903 no Rio de Janeiro tentando fazer conexões, por exemplo, com o movimento operário na Argentina, e depois como eu fiz uma seleção aqui para a Universidade (UFRJ), eu já entrei com outro tipo de preocupação: a questão dos militares. Era uma época de início do movimento de fraqueza do regime militar, havia muita discussão sobre a questão dos militares, regimes militares eram a discussão, então trabalhei um pouco com isso, mas o século XIX sempre foi um século que me chamou muito a atenção, porque eu acho que, hoje eu vou até um pouquinho mais para trás, acho que o século XVIII é um século muito chave para a compreensão da sociedade contemporânea. E aí eu comecei a me interessar pelo século XIX, fiz um projeto que se chamava na época “Os Radicais do Prata” em que eu estudava os movimentos de independência e as interferências do Brasil nesses movimentos. Aí foi uma entrada no século XIX e trabalhar mais com a questão da Independência, principalmente nessa fronteira entre o século XVIII e o século XIX, que sempre me interessou muito a ebulição de idéias, as mudanças radicais na América Latina nesse momento, isso foi, e ainda é um pouco a minha área de interesse.

RTL – E como surgiu o interesse por Dona Carlota Joaquina?

Azevedo – Bem, na verdade, eu não parti do interesse pela Dona Carlota Joaquina. Eu, trabalhando com esses radicais do Prata, principalmente com Belgrano, eu encontrei correspondências dela para o Belgrano e do Belgrano para ela, elogiando muito, e fiquei surpresa, porque na realidade eu, como a maioria dos brasileiros, tinha aquela idéia da Carlota Joaquina, como aquela mulher perversa, ignorante, grosseira, vulgar, de repente eu encontro um dos intelectuais mais respeitáveis da Argentina se correspondendo com ela e pedindo o apoio dela para que ela assuma o governo na região. Quer dizer, achei muito estranho, daí eu comecei a investigar um pouco mais, eu vi que a correspondência não era só de Belgrano, havia um número enorme, eu fui a Buenos Aires, ao Arquivo General de la Nación, lá encontrei inúmeras correspondências dela com a elite intelectual portenha, e falei, poxa, não é possível, então, a curiosidade me levou a pesquisar mais e a dirigir meu projeto. Era tão grande a documentação em relação a ela que eu resolvi dirigir o meu projeto focado nela, quer dizer, era um projeto de história política, de relações internacionais basicamente, mas que tem como núcleo, quer dizer, fio condutor. Na realidade, Carlota Joaquina serviu muito de fio condutor para eu contar essa história, daí muito mais do que uma preocupação de discutir a historiografia se ela é vulgar, ninfomaníaca ou outra coisa. Na realidade, eu a peguei como fio condutor para contar essa história, e ela aparece e ela cresce muito como protagonista nesse tempo, nesse momento, ela própria que se conduziu.

RTL – A Sra. pode explicar um pouco o Projeto Carlotista e a relação dela com essas figuras importantes da América Espanhola?

Azevedo – Olha, o Projeto Carlotista já é denominado assim na documentação. Como Carlota Joaquina era filha de Carlos IV, era a filha primogênita de Carlos IV, e como todos os outros membros da família estavam presos por Napoleão, Carlota Joaquina seria uma solução para ficar à frente de um governo em Buenos Aires. É como eu digo para vocês na aula, na realidade, a monarquia não estava em descrédito, a idéia de uma opção monárquica não estava descartada, a república ainda não era uma opção para esses homens, podia ser para alguns deles, mas para a grande maioria que representava uma força política, a monarquia ainda estava nas cogitações. E, obviamente, Carlota Joaquina estando no Rio de Janeiro, herdeira direta de Carlos IV, seria uma opção. Mas a opção, aí que eu acho que é uma questão importante, havia divergências nos projetos desses portenhos, desses criollos portenhos, com o próprio projeto dela, enquanto ao mesmo tempo que ela se articulava no Rio da Prata, ela estava articulava também com a Espanha, de pegar a regência da Espanha. Porque, o que parece, o que cada vez fica mais confirmado, é que a idéia dela era manter unido o Império Espanhol na América, ela não queria ser Rainha do Rio da Prata, ela queria fazer exatamente o que D. João fez, ela queria ser regente da Espanha a partir do Rio da Prata para tentar desocupar a Espanha, em uma guerra de apoio à guerra contra a invasão francesa, e depois vir a ocupar o cargo, ou entregar ao irmão, algo que ela diz declaradamente… Mas até aí a gente não sabe se ela devolveria ou não, a história conduziu por um outro caminho. Quando ela descobre que, na realidade, eles queriam tornar o Rio da Prata independente sob a sua tutela, ela denuncia isso às cortes, ao governo espanhol e, inclusive, Rodrigues Pena vai ser preso.

RTL – Como era a atuação política de Dona Carlota?

Azevedo – Ela sempre assumiu uma postura política, inclusive, até porque D. João era um homem muito mais reflexivo, muito mais voltado, vamos dizer assim, era um homem mais calculista, ela não, era mais emocional, a Carlota Joaquina era mais uma mulher de emoção, de tomar decisões de uma forma mais direta, mais impulsiva, isso aparecia, era mais rápida a resposta dela. Mas ela, por exemplo, em determinado momento, foi muito hábil em manter uma neutralidade portuguesa. Há várias correspondências entre ela e o pai tentando manter uma neutralidade portuguesa. Quando essa neutralidade é impossível, e que ela vê que ela é derrotada, não só em relação à ajuda espanhola, como dentro da própria corte, ela luta para não vir para o Brasil, realmente. Até porque não era que ela não gostasse do Brasil, assim, particularmente, a troco de nada, na realidade, ela deixava na Europa seus amigos, seus partidários políticos, ela veio quase como uma prisioneira. A idéia, inclusive, inicial, era que D. João viesse sem ela, porque todo o grupo que apoiava D. João acreditava, ou queria fazer acreditar, que ela era traidora de D. João, queria ocupar o lugar de D. João, principalmente a partir da Conspiração de Alfete, que é uma conspiração que D. João está doente, está em Mafra, e ela se articula com a diplomacia francesa e outros grupos para assumir o poder, que é uma prática que já havia acontecido em Portugal antes. Mas o momento era muito tenso, de visões políticas muito intensas, a corte portuguesa estava realmente muito dividida entre pró-franceses e pró-ingleses, essa divisão fez com que a Inglaterra nunca aceitasse muito a postura de Carlota Joaquina, muito direta, os vínculos de Carlota Joaquina com a própria Espanha, muito pró-francesa, complicava o apoio inglês a Carlota Joaquina. Então, nesse sentido, ela foi muito prejudicada, então vir para o Brasil era vir em uma situação de exílio mesmo, de exílio dos amigos, da família, e, obviamente, qualquer ser humano não sente nenhum prazer em viajar nessas condições. E ela era uma mulher assim muito temperamental, depoimentos de pessoas cercadas a ela reconheciam esse caráter assim muito violento dela, muito emocional, ela respondia as coisas de uma forma extremamente emocional, tem várias passagens que mostram isso, por exemplo, quando D. João impede a ela de viajar para o Rio da Prata, ela sabe que tem uma fragata espanhola aqui, ela vai, manda chamar o comandante da fragata, diz, olha, eu vou querer essa fragata, por que eu vou para o Rio da Prata de qualquer maneira, e o almirante então entra em contato com os ingleses, principalmente com Lord Strangford, e diz, eu tenho uma ordem de dona Carlota, e obtém como resposta não, de jeito nenhum, isso é uma ordem dela, D. João disse ao contrário… Então ela é uma mulher que de uma certa forma deixava os homens em uma situação meio desconfortável. Até porque quando ela queria alguma coisa ela queria mesmo, ela ia lutar por aquilo. Por exemplo, ela queria ajudar o Rio da Prata, Montevidéu era praticamente a última resistência espanhola, o governo inglês estava negociando uma paz com Buenos Aires, que era o governo revolucionário, que já tinha optado por uma república. Então, como Montevidéu ainda era a resistência espanhola, ela pede auxilio ao marido, o gabinete não permite, ela tenta buscar dinheiro com empresários do Rio de Janeiro, e não consegue, então ela entrega todas as suas jóias de maior valor para vender. Inclusive, primeiro ela chama os ourives, para ver se esses comerciantes de jóias querem, e eles não querem, então ela entrega ao marquês de Casa Irujo, que era o embaixador espanhol aqui, todas as jóias para serem vendidas para comprar armas e munições para Montevidéu.

RTL – A Sra. pode falar um pouco mais do lado humano de Dona Carlota?

Azevedo – Quer dizer, as cartas permitem isso, porque como eu trabalhei basicamente com correspondência, que é uma fonte histórica muito interessante, porque ela te dá ao mesmo tempo informações por uma época, por um tempo, ela também individualiza o personagem e se remete ao mundo privado. Então, ao ler essas cartas, a gente pode perceber, por exemplo, um lado muito humano de Carlota Joaquina, um lado em que ela sofre muito, ela pede várias vezes socorro ao pai e a mãe para tirá-la de Portugal, ela está sofrendo muito, por exemplo, tem um momento em que ela está grávida, e ela escreve a mãe dizendo que tem medo disso. Tem momentos muito dramáticos quando os filhos estão doentes, que ela escreve sistematicamente para D. João contando a melhora dos filhos… Quando ela mesma fica doente… Então tem um lado muito humano, também tem o outro lado, esse lado dela, por exemplo, de explosão, como o caso do embaixador americano que estava no Rio de Janeiro, ela passa de carruagem, ele não faz a reverência, e ela manda chicoteá-lo. Isso cria um caso diplomático que complicava um pouco a vida de D. João e do governo em geral nesse comportamento que ela tinha. E era sempre, e era por tudo, no cotidiano… Mesmo quando a Dona Leopoldina sabe que D Pedro tem uma amante ela vai procurar Carlota Joaquina, e diz, olha, D. Pedro tem uma amante, na mesma hora ela arruma o casamento da mulher e manda a mulher embora daqui. Carlota era uma mulher de atitudes, de assumir aquilo que ela queria, de enfrentar… Não era uma mulher, por temperamento, reflexiva, embora ela lia bastante, e toda leitura dela era muito questionadora, principalmente ligada à ilustração espanhola, essa ilustração escolástica, mas sempre autores muito questionadores.

RTL – A Sra. pode comentar a abordagem negativa de Dona Carlota, inclusive em filmes e séries de tv?

Azevedo – Eu acho que são duas as vertentes de análise aí. Por um lado você tem que trabalhar muito pensando nas relações de gênero. Carlota Joaquina, de uma certa forma, ela rompia com as relações tradicionais de gênero da época. Porque ela se contrapunha ao marido, discutia com D. Rodrigo, discutia com o embaixador inglês, de homem para homem. Isso é um lado. E outra coisa é você pensar na historiografia liberal, como essa historiografia liberal vai construir, não só em Portugal, como no Brasil também, a imagem de uma mulher, por ela ser absolutista. Embora ela defendesse o absolutismo, em 1812, por exemplo, começa a reunião das cortes, ela é favorável a isso, se coloca a disposição das cortes espanholas, inclusive respeitando-as e declara várias vezes que vai respeitar as cortes. Agora, ela acredita, por exemplo, que o monarca tem que ter poder, porque ele era o poder mediador, mais que moderador, ele era o poder mediador na relação estado nação. Então isso era uma coisa muito clara para ela, e a perda do poder das constituições liberais para ela era uma coisa negativa e ela mantinha isso firme e discutia isso. Então o que a gente vê é que tanto em Portugal, quanto no Brasil, essa historiografia liberal, por Carlota ser absolutista, a negação do próprio absolutismo fez com que colocassem essa imagem, ela seria a figura chave do absolutismo português. No Brasil, o casal real, Carlota Joaquina e D. João, seria tudo o que a gente tinha de negativo contra Portugal, de antimonárquico, estava personificado nesse casal real. Então eu acho que essa é uma questão. Em Portugal, por exemplo, como ela era aquela pessoa que sempre teve desejo de voltar a Portugal, ela é muito bem recebida pelos liberais portugueses, quando ela chega no porto todo mundo aplaude, o entusiasmo era muito mais para ela que tinha a vida inteira desejado voltar, então ela para os portugueses representava aquela pessoa que nunca se conformou de ter ido, enquanto D. João não, não queria voltar. Bem, mas por outro lado, depois ela vai se negar a assinar a constituição liberal. Aí os portugueses também rompem com ela e a historiografia também não é, pelo contrário, é implacável em relação a esta atitude, vai ficar presa, vou ficar presa, vai ser deportada, vou ser deportada, o rei assinou, mas eu não assino, mantendo coesa numa postura que me parece coerente. Acreditava que aquilo era um erro. Por outro lado, o irmão já tinha assumido o reino, assumido o governo da Espanha, já era rei de Espanha, e com muita complicação porque não era fácil no momento em que você ainda tinha forças conservadoras muito presentes, muito fortes, esse duelo entre as forças conservadoras e as forças liberais estava muito presente ainda nesse momento. Isso dificultava a estabilidade política e uma série de coisas.

RTL – E o tratamento dado a ela pela historiografia espanhola e hispano-americana?

Azevedo – Olha, onde a Carlota teve uma atuação política, protagonizou papéis, por exemplo, na Argentina, eles acompanham muito o lado luso-brasileiro. Por que? Porque, na realidade, não interessava, e não interessa de jeito nenhum aos historiadores liberais aceitar que o Belgrano, um dos símbolos da construção do estado nacional argentino, tenha buscado apoio de Carlota Joaquina, irmã do Fernando VII, filha de Carlos IV, quer dizer, é impossível pensar que esse homem tenha buscado o apoio dela. Então, eles procuram esquecer, e tratar, por exemplo, a atuação de Carlota Joaquina vinculada ao expansionismo português na região do Rio da Prata. Politicamente não fazem uma análise dela. Na Espanha, há um trabalho de tese também, creio que dos anos 30, em que procura fazer uma analise através das correspondências, mas também é um desconforto, porque o período do Carlos IV é um período muito negativo na história da Espanha, o período da invasão, período das alianças do Manuel Godoy, que era o grande cérebro do governo Carlos IV, a própria mãe Maria Luiza tem uma memória coletiva muito negativa, então a Espanha também não trata com seriedade, não destaca muito o papel dela, embora Carlota tenha sido cogitada para regente, efetivamente. Aí eu acho que dois problemas são cruciais para a gente analisar. A questão de uma União Ibérica nesse momento, que era cogitado, muito problemático, e a política inglesa que não aceitava uma reorganização das monarquias portuguesa e espanhola.

RTL – E em qual contexto ibérico deu-se o casamento de Dona Carlota e D. João?

Azevedo – Dentro de uma política, que chama política dos pactos de família, se a gente pensar a longo prazo, especular, para Carlos III, porque como ele foi um rei em que na realidade ele teve grande popularidade, ele teve grande impacto, extremamente poderoso, acredito que a questão da União Ibérica esteja por trás disso. Eu acho que isso tem que ser melhor investigado, mas eu acredito que sim. Esse pacto de família em que um príncipe espanhol casava com a princesa portuguesa e vice-versa, o D. João, o príncipe português casava com a Carlota, a longo prazo poderia chegar-se a uma União Ibérica, seria na realidade, a idéia era um pacto de família para se criar uma neutralidade e a paz na Península Ibérica. Mas a idéia de um contexto, ela casa em 1785, quer dizer, no período de grande crise já na Europa e a tentativa de criar um pacto para as monarquias, eu acho que é uma política de Carlos III extremamente hábil, pelo menos criar bolsões de neutralidade na política externa.

RTL – Como era a relação de Dona Carlota com D. João?

Azevedo – Olha, toda a correspondência que eu peguei entre os dois, algumas inclusive muito difíceis, e por mais que você tente considerar que há uma relação protocolar, são correspondências muito, vamos dizer assim, muitas vezes até muito carinhosas. Por outro lado, a gente vê que havia um muro entre os dois, que o próprio gabinete e a própria camarilha de D. João impunha entre o casal. E ela tentava o tempo inteiro burlar isso, ela diz, chegar até ele. Porque ela dizia que se chegasse até ele ela conseguiria o que ela queria. Então, de todo modo, através de intrigas e de uma série de coisas, de afastamento espacial mesmo, impediam o contato do regente com ela. Porque ela dizia, ele é bondoso, mas ele é influenciado, tem, inclusive, uma carta dela para o pai, em que ela diz, ele é bondoso, ele é honrado ele não vai se sujeitar a determinadas coisas. Isso são declaração que ela faz ao pai, que ela faz aos amigos, ela culpa muito mais a camarilha de D. João, as pessoas, os lobatos, o próprio D. Rodrigo, o Lord Strangford, que foi o grande opositor, junto com D. Rodrigo, da ascensão política dela, mas com relação a D. João, não. E a mesma coisa é ele. Tem uma carta, por exemplo, ainda no Brasil, de 1816, que ela estava na capela assistindo uma missa, ela passa muito mal, ela sofria de asma, que naquela época era uma doença grave, ainda é, mas naquela época mais ainda, ela é levada para onde ela ficava, para a chácara de Botafogo, por causa da questão do clima. E lá ela recebe uma carta dele, dizendo que soube do ocorrido, que estava extremamente preocupado com ela, que ele queria saber como ela estava de saúde. E essas cartas, por exemplo, ele escreve diariamente, durante três dias para ela. Eu acredito que alguma dessas cartas tenham ido inclusive de forma secreta, porque também interceptavam a correspondência dos dois.

RTL – E como foi o final da vida dela em Queluz?

Azevedo – Ela praticamente tem um alívio, porque como ela se nega a assinar a constituição portuguesa, que é quase uma cópia da constituição espanhola de 12, primeiro tentam mandá-la para o exílio, mas o estado de saúde dela, ela chama um grupo de médicos, há uma conferência médica que comprova que ela não tem condições, então deixam ela ficar no palácio, mas como prisioneira. Mas com isso ela articula a volta de D. Miguel e ela morre exatamente no auge de D. Miguel.

RTL – E sobre o livro que a Sra. vai lançar…

Azevedo – O livro está no prelo, está na Civilização Brasileira, o título é provisório, que é “Carlota Joaquina na corte do Brasil”, eu não sei se a gente vai manter esse título, e que na realidade, é exatamente aquilo que eu disse anteriormente, a Carlota Joaquina ela é o fio condutor de uma história, o acompanhamento da trajetória de vida dela, mas de uma história muito maior, que é a história de relações internacionais, no momento de invasão da Península Ibérica e no momento da vinda da corte para o Rio de Janeiro. Então, um momento em que a diplomacia é extremamente difícil, uma diplomacia que vai ser muito dirigida pela Inglaterra no momento em que ela traz a família real para cá, e também na Espanha com a invasão napoleônica ela faz um acordo com os espanhóis para manter a resistência e lutar contra os franceses, então a Inglaterra está em uma posição muito privilegiada, nesse momento, e a luta da Carlota Joaquina, a luta política de Carlota. Quer dizer, a vida privada dela aparece, obviamente tem que aparecer, até porque o espaço público e privado era muito tênue, principalmente a vida de uma rainha, a vida de uma rainha era uma vida pública, e como eu também trabalhei muito com as correspondências, basicamente com as correspondências, aí o lado privado aparece, você dessa forma humaniza o personagem. Não dá para dissociar essas duas esferas. Então é a história desse período, eu trabalho basicamente desde o momento da vinda da corte, embora eu, até para contextualizar, vou um pouco para trás, e vai até mais ou menos também 16, quando D. Maria morre, e por outro lado há uma certa calmaria conquistada com o casamento das filhas, e há um certo arrefecimento dessa política platina. Eu trabalho muito no auge do Carlotismo.

RTL – A documentação foi correspondência…

Azevedo – Basicamente correspondência. È muito difícil trabalhar com a historiografia produzida. Por que? Porque como eu disse a você essa historiografia, a portuguesa você ainda encontra uma historiografia escrita por monarquistas absolutistas, você encontra uma historiografia nessa linha. Mas no Brasil não, toda grande produção é uma produção muito tendenciosa, de você encontrar, eu fiz também um trabalho para artigo que mostra muito essas contradições dentro da historiografia, em que consideram ela com grande capacidade de articulação política, mas que isso não era de mulher, como eu falei a você, Calógeras diz que ela tem uma alma masculina infelizmente em um corpo pouco favorecido de mulher, porque as mulheres masculinas não são mulheres bonitas, embora se a gente olhar imagens de mulheres dessa época ela podia não ser das mais bonitas, mas não era das mais feias, enfim, então nesse sentido eu acho que há uma historiografia com muitos problemas para trabalhar, então eu optei pelas correspondências, não só pelas correspondências, mas eu cerquei, como eu trabalhei com o Arquivo de Buenos Aires, principalmente com o arquivo de Petrópolis, que é muito rico, o arquivo da casa imperial, e com o arquivo na Espanha, eu fui a Sevilha, Portugal, mas nesse momento o Arquivo Histórico de Madrid é muito rico principalmente em relação a correspondência familiar. E também numa documentação oficial da Espanha do que foi discutido nas cortes em relação a ela, da Espanha com os oficiais no Rio da Prata, no México, que também encontra um elo de ligação, então nesses arquivos, com essa documentação que eu trabalhei mais, bem mais do que com a historiografia, que serviu para eu questionar, partir. Embora eu não faça isso no livro, mas a partir da leitura da documentação eu fui ainda mais crítica em relação a produção historiográfica.

RTL – Quais foram as maiores dificuldades para realizar o livro?

Azevedo – A documentação. É, assim, como agulha no palheiro, porque eu encontrei cartas, primeiro fechadas, que foram provavelmente interceptadas, e guardadas como estavam. Então eu abri a carta no arquivo de Madrid. Outras eram cartas com códigos. Números. 250, 320, 10, 12… Então, por acaso, essa carta especifica que eu estou falando, eu achei aqui no Rio de Janeiro e encontrei na Espanha já decodificada e eu pude ler por isso. Por outro lado as letras. Você está trabalhando com manuscritos. Outro lado a própria linguagem. No Rio da Prata você ainda não tem uma linguagem nacional formal, você tem uma mescla de português com espanhol, ou o espanhol antigo, cada um escreve nomes diferentes. Então para você cruzar isso tudo e ver quem é quem, tentar decifrar é um trabalho muito árduo.

RTL – Quando o livro deve chegar as livrarias?

Azevedo – Ele está ainda na editora. De acordo com o nosso contrato com a editora, provavelmente, mais tardar, no segundo semestre. Está com essa previsão. A gente ainda não sabe como, mas de acordo com o nosso contrato ela tem essa previsão de saída.

Para obter mais informações na Revista Tema Livre relacionadas ao período acima, basta clicar nos ícones abaixo:
(Em ordem alfabética)

As incursões franco-espanholas ao território português: 1801 – 1810,

A Presença Luso-brasileira na Região do Rio da Prata: 1808-1822,

Moeda e Crédito no Brasil:
breves reflexões sobre o primeiro Banco do Brasil (1808-1829),

E, na seção fotos, a exposição virtual Imagens de Portugal: Palácio de Queluz.

O Projeto de Cidade Republicana: o Rio de Janeiro da Belle Époque

Por Fábio Ferreira

Foto de Marc Ferrez: o Rio de Janeiro em 1889

Foto de Marc Ferrez (1843-1823): o Rio de Janeiro em 1889.

 

1. Apresentação

 

Largo de São Francisco, no centro do Rio de Janeiro: foto de Marc Ferrez de 1895

Largo de São Francisco, no centro do Rio de Janeiro: foto de Marc Ferrez de 1895.

O presente artigo aborda as principais características do projeto de cidade republicana no período da Belle Époque, tendo como foco a então capital federal, o Rio de Janeiro, e as mudanças ocorridas na cidade devido à absorção de um modelo estrangeiro, europeu, mas mais especificamente francês, por parte das elites do Brasil, já que o Rio, a época, era a cidade mais importante do país e símbolo do mesmo.

2. O Rio de Janeiro no limiar do século XX

Rua Primeiro de Março em foto de Marc Ferrez (década de 1890)

Rua Primeiro de Março em foto de Marc Ferrez (década de 1890).

No início do século XX – quando novos valores ganharam força na sociedade brasileira – a cidade do Rio de Janeiro, então Distrito Federal, era um pólo irradiador de cultura para as outras cidades do país, era o local onde as novidades européias chegavam em primeiro lugar, para depois, em alguns casos, adentrarem em outras localidades do Brasil. O Rio era o que pode ser chamado de porta de entrada do país, além de ser o símbolo da brasilidade, tanto nacional, quanto internacionalmente.

Nesse período, ser moderno é estar no Rio de Janeiro e, para obter sucesso em várias áreas, como, por exemplo, na vida intelectual ou cientifica, o pretendente a uma carreira de sucesso deveria estar na então capital federal.

O Rio vivia uma situação privilegiada, pois na cidade encontravam-se sedes de várias instituições de grande importância, como o Banco do Brasil, além de outros bancos nacionais ou estrangeiros, a Bolsa de Valores e, ainda, o Distrito Federal polarizava as finanças nacionais. O Rio também era o núcleo da maior rede ferroviária do país, a maior cidade do Brasil, logo a oferecer mercado consumidor e mão-de-obra as indústrias, além de na virada do século XIX para o XX, no continente americano, ser o 3º maior porto em volume de comércio1.

Todos esses fatos estão no contexto da Belle Époque2, que influenciou várias cidades brasileiras, como, por exemplo, Manaus, Fortaleza, Recife, São Paulo e Rio de Janeiro. Tal influência ocorreu especialmente na absorção de valores da cultura européia, principalmente a francesa, em detrimento da nacional, como demonstrado na afirmação do cronista Luiz Edmundo (apud Pesavento, 1999, p. 191-2):

“Sobre o livro francês, porém, continua imoderado e incondicional. Com que avidez os lemos! Nos colégios, ainda se estuda o novo idioma pelas obras dos clássicos portugueses. Não há biblioteca sem o seu João de Barros encadernado em carneira, as obras de Gil Vicente e de outros marechais das letras lusas, velhos e novos, o infalível busto de Camões em terracota, com uma coroa da mesma massa na cabeça… Contudo, persistimos franceses, pelo espírito, e, mais do que nunca, a diminuir pelo esnobismo tudo o que seja nosso. Tudo, sem a menor exceção. O que temos, não presta: a natureza, o céu, o clima, o amor, o café. Bom, só o que vem de fora. E ótimo, só o que vem da França.”

As crônicas cariocas da Belle Époque – que foi o gênero literário que se impôs nesse período no Rio de Janeiro, tendo como veículo de difusão os jornais e o maior nome em João do Rio – discutem a relação entre o progresso e a tradição, onde o primeiro – e com ele a transformação urbana – é entendido como inexorável, ao passo que o conceito de tradição se relaciona com um alerta à consciência nacional para a preservação dos monumentos do passado da memória e do patrimônio cultural da cidade.

Promover uma industrialização imediata e a modernização do país eram as metas da nova elite republicana, a ocasionar, como resultado, a entrada de capitais ingleses e norte-americanos no Brasil e a mais escandalosa fraude especulativa de todos os tempos no mercado de ações: o Encilhamento.

A cultura da modernidade predominante na Belle Époque é eminentemente urbana, onde a cidade3 é consolidadora de uma nova ordem mundial e se torna, ela própria, tema e sujeito das manifestações culturais e artísticas.

Na cidade é onde as coisas ocorrem e é o lugar da construção da modernidade, ou, melhor dizendo, a metrópole é a forma mais específica de realização da vida moderna.

Dentro dessa visão de modernidade, destaca-se o programa de reformas urbanas das grandes capitais européias, que seguiram o grande modelo de cirurgia material e social constituído por Napoleão III, em que se destacou a figura tirânica de Haussmann, o gestor da Paris burguesa e monumental surgida entre 1853 e 1870. Tais reformas vieram, anos mais tarde, a influenciar o Rio de Janeiro, através de uma remodelação urbana que será abordada nos próximos parágrafos.

3. A Remodelação da Cidade

Avenida Central em construção: na atual Cinelândia, ainda é possível ver o Convento d'Ajuda, demolido em 1911.

Avenida Central em construção: na atual Cinelândia, ainda é possível ver o Convento d’Ajuda, demolido em 1911.

Para atender ao modelo de modernidade estabelecido na época, tornava-se predominante a ação de modificar o aspecto urbanístico das grandes metrópoles, como afirma Lima (2000, p. 179):

“Desde a segunda metade do século XIX, a idéia que faziam os governantes da ação urbanística sobre a cidade era primordialmente solucionar os problemas de circulação e saneamento. Já naquela época, em várias capitais européias, inspiradas nas obras do Barão de Haussmann, foram implantados novos projetos de alinhamentos para as ruas existentes, e inúmeras cirurgias – cortes abruptos do tecido urbano – deram origem a novas avenidas.
De um lado e de outro dessas vias, foram construídos imponentes prédios destinados a substituir as simplórias e insalubres edificações que ocupavam as áreas a renovar. As desapropriações tornavam-se imprescindíveis e as camadas sociais mais baixas eram virtualmente empurradas pra locais menos nobres, afastadas pelos locais atingidos pelas intervenções.”

Para atender às necessidades de modernização da então capital do Brasil, passadas as conturbações dos primeiros anos do regime republicano, o governo de Rodrigues Alves (1903-1907) a aproveitar o momento político favorável e a entrada de capital, oriunda de empréstimos obtidos junto à Inglaterra no Governo de Campos Sales (1898-1902), teve a iniciativa de atender às aspirações de uma elite política desejosa da reforma da cidade do Rio de Janeiro, promovendo um amplo plano de reforma urbanística.4

Paralelamente a toda essa euforia, há a tentativa de modernização e “europeização” do Brasil por parte das elites nacionais, mas o país vivia inúmeros contrastes, que, na opinião dessas pessoas, representavam o atraso, sendo que tais conflitos estavam presentes na cidade que era o símbolo do Brasil.

Avenida Central em construção e o morro do Castelo, demolido, definitivamente, em 1922.

Avenida Central em construção e o morro do Castelo, demolido, definitivamente, em 1922.

Na então capital federal, ocorrem diversas tentativas de mudar inúmeros hábitos da população, principalmente as das camadas de baixa renda, e vários dos câmbios sofridos objetivavam, por exemplo, “civilizar” o carnaval. Vale citar as tentativas de proibir em tal festa o entrudo; transferir esse evento popular para o inverno devido às altas temperaturas do princípio do ano; e a medida mais curiosa, ocorrida em 1909, quando há a proibição da fantasia de índio, muito usada pelas já citadas camadas mais desfavorecidas economicamente do Rio de Janeiro. A elite carioca desejava importar práticas utilizadas no carnaval de Veneza, como as fantasias de arlequim, pierrô e colombina, pessoas nos automóveis a desfilarem pelas ruas da cidade, brigas de confetes… Aspectos considerados mais refinados pelas classes dominantes.

Nesse período há a mudança da vestimenta dos habitantes da cidade, com o abandono da “tradicional sobrecasaca e cartola (…) para (…) [o] paletó de casimira clara e chapéu de palha. O importante agora é ser chic ou smart conforme a procedência do tecido ou do modelo.”5

Outros hábitos também condenados são a serenata e a boêmia, sendo o violão associado com a vagabundagem. As religiões afro-brasileiras e práticas como o curandeirismo e a feitiçaria, por exemplo, também eram consideradas como sinônimo de atraso, havendo tolerância com o kardecismo – basta lembrar as origens francesas de Kardec. Festas populares, como a de Judas e do Bumba-meu-boi, além das barracas de São João também foram alvo de proibições.

Somam-se às imposições já citadas as perseguições “[às] barracas e quiosques varejistas; as carrolas, carroções e carrinhos-de-mão; os freges (restaurantes populares) e os cães vadios”6 e a proibição do trânsito de vacas – que seus donos vendiam de porta em porta o leite desse animal – pela área central após a reforma urbana.

Ao lado de todos os problemas já citados do Rio de Janeiro da República Velha, como o carnaval considerado pelas elites não-civilizado, religiões afro-brasileiras, quiosques, entre outros, havia a área central da cidade, insalubre e colonial, vista pelas elites como resquício de um século passado, da monarquia, que não obedecia a racionalidade geométrica alguma.

Essa área colonial possuía suas ruas estreitas de traçado irregular, becos, casario baixo entremeado de alguns sobrados, e a partir da década de 1880, uma tendência direcionou os pobres7 para as habitações do centro, e os ricos em direção aos bairros mais ao sul e a oeste. A população mais pobre vivia pelas avenidas e em cortiços, que eram os antigos casarões deixados pela burguesia que abandonara o centro para as novas áreas de expansão da cidade.

Diante dessa área considerada degradada pelas elites brasileira, feia, imunda, perigosa, caótica, a identidade urbana do Rio de Janeiro não poderia ser construída. A cidade do desejo negava a cidade real, então a cidade deveria refletir a imagem de uma urbe higiênica, linda e ordenada.

Assim, o discurso higienista não hesitou em apontar as formas populares de moradia localizadas no centro da cidade como a principal fonte de diversas doenças que assolavam o Rio de Janeiro da época. O centro era um verdadeiro antro de doenças, que inclusive maculavam a imagem do país no exterior, e por esse fato é declarada guerra aos cortiços, que passam a ser cerceados por diversas regras impossibilitando a construção de novos e a restringir a reforma dos antigos.

Cada vez mais ficava mais nítida a incompatibilidade da estrutura da velha cidade colonial com as novas formas de articulação urbana impostas pela nova ordem econômica, deixando aberto o caminho para a realização das grandes reformas urbanas que viriam a inserir a cidade e o país nos novos modelos de modernidade predominantes na Europa do século XIX.

Para resolver tais problemas, Rodrigues Alves, que assumiu a presidência em 15 de novembro de 1902, aprovou, com o apoio do Congresso, a Lei 939, que alterou radicalmente a organização municipal do Distrito Federal, inclusive com o prefeito e seu substituto passando a ser indicados pelo presidente da República, sem a anuência do Senado.

Como governante da cidade do Rio de Janeiro, Alves escolheu o engenheiro Pereira Passos, diplomado em Matemática pela Escola Militar e com curso de Engenharia na França, que requisitou carta branca para governar o município. Passos iniciaria, a partir de 1903, um enorme programa de obras, com liberdade de desenvolver um projeto que desse uma imagem cosmopolita ao Rio de Janeiro, nos moldes de Paris.

As autoridades conceberam um plano em três dimensões: a modernização do porto, o saneamento da cidade e a reforma urbana. Um time de técnicos com poderes ilimitados foi então nomeado pelo presidente Rodrigues Alves; sendo eles o engenheiro Lauro Müller para a reforma do porto; o médico sanitarista Oswaldo Cruz8 para o saneamento, e o engenheiro urbanista Pereira Passos, que havia acompanhado a reforma urbana de Paris sob o comando do barão de Haussmann, para a reurbanização da cidade. Os três se voltaram contra os casarões da área central, porque cerceava o acesso ao porto, comprometia a segurança sanitária e bloqueava o livre fluxo indispensável para a circulação numa cidade moderna9. Iniciou-se, então, o processo de demolição das residências da área central.

Vale ressaltar que esta demolição e a conseqüente expulsão das camadas populares sem nenhum plano de apoio, seja através de indenizações em dinheiro ou da acomodação destes em habitações populares, por exemplo, acabaram tendo como resultado a incrementação do início do processo de favelização do Rio de Janeiro. Esses moradores que perderam as suas residências aproveitavam seus destroços e acabaram por construir habitações a utilizarem as encostas dos morros e, embora perseguidos na área central, tinham a tolerância das autoridades nos bairros da Zona Sul e na então distante Copacabana.

O início dessas demolições contou com o apoio de vários membros da intelectualidade nacional, como, por exemplo, Olavo Bilac. Sobre a visão positiva de tal demolição por parte dos intelectuais brasileiros, Pesavento (1999, p. 183) reproduz a seguinte crônica do citado poeta parnasiano:

Foto de Augusto Malta, de 1905, de uma das etapas de inauguração da nova via carioca.

Foto de Augusto Malta, de 1905, de uma das etapas de inauguração da nova via carioca.

“Há poucos dias, as picaretas, entoando um hino jubiloso, iniciaram os trabalhos de construção da Avenida Central, pondo abaixo as primeiras casas condenadas. […] No abrir das paredes, no ruir das pedras, no esfarelar do barro, havia um longo gemido. Era o gemido soturno e lamentoso do Passado, do Atraso e do Opróbrio. A cidade colonial, imunda, retrógrada, emperrada nas suas velhas tradições, estava soluçando no soluçar daqueles apodrecidos materiais que desabavam. Mas o hino claro das picaretas abafava esse protesto impotente. Com que alegria cantavam elas – as picaretas regeneradoras! E como as almas dos que ali compreendiam bem o que elas diziam, no seu clamor incessante e rítmico, celebrando a vitória da higiene, do bom gosto e da arte! (ano 1, nº 3, mar.1904. Kosmos).”

Sobre a revista Kosmos – vale lembrar o papel da imprensa na propaganda a favor desses novos valores da sociedade brasileira –, Pesavento (ibid., p.188) comenta:

“A revista Kosmos criava e difundia uma versão glamourizada da imagem desejada da elite cultural carioca, a qual se considerava no centro da cena nacional, o que não deixava de ter correspondência com a realidade cultural brasileira. Como elite, ela se revestia de autoridade de ‘dizer o país’, dizendo a cidade transformada.”

Para erguer prédio na Av. Central era mister seguir o padrão estabelecido pelos governantes. Projeto da Associação dos Empregados do Comércio do Rio de Janeiro.

Para erguer prédio na Av. Central era mister seguir o padrão estabelecido pelos governantes. Projeto da Associação dos Empregados do Comércio do Rio de Janeiro (AECRJ).

4. A Avenida Central

Dentro do projeto de remodelação da área central do Rio de Janeiro surge a Avenida Central, idealizada por Lauro Muller, como via de ligação entre o novo cais do porto e a Avenida Beira Mar.

Na Avenida Central, a exemplo do modelo haussmanniano, duas praças também estariam interligadas, a Praça Mauá – próxima ao novo porto – e a Praça Floriano (Hoje conhecida por Cinelândia).

Esta obra, criada à imagem dos bulevares franceses, quando foi inaugurada, em 1904, possuía cerca de 30 edifícios prontos e, aproximadamente, 90 em construção. Era um símbolo da modernidade e da busca da identificação do Rio com Paris, ou seja, culta e asseada, habitada por indivíduos sadios e bem vestidos.

As construções para a Avenida Central obedeceram às regras estabelecidas em concurso divulgado em 1903, que previa a destinação obrigatória dos pavimentos térreos a um comércio de luxo e estilo de arquitetura que fizessem os prédios do Rio de Janeiro semelhantes aos de Paris.

A inauguração trouxe entusiasmo para diversas pessoas, valendo citar mais uma vez como exemplo o parnasiano Bilac, que escreve, como demonstra Pesavento (ibid., p.184), a respeito da nova via carioca:

“Inaugurou-se a Avenida. Parece um sonho… Onde estás tu metido, Carrancismo ignóbil, que por tanto tempo nos oprimiste e desonraste? Em que furna lôbrega, que socavão escuro te foste esconder envergonhado? Em vão te procurei, nestes últimos dias e nestas últimas noites de novembro, pela radiante extensão da Avenida formosa […]. Andas, com certeza, homiziado nos becos sujos, em que se mantém ainda a tradição do mau gosto e da imundície: afugentou-te a luz da Avenida, horrorizou-te a alegria do povo, fulminou-te o despeito.(Kosmos, ano 2, nº11, abr.1905)”

Entusiasmado também ficou o escritor português Manoel de Souza Pinto, em sua passagem pelo Rio, conforme cita Pesavento (ibid., p. 182):

À esquerda, a sede da AECRJ. Ao lado, prédio do cinema Pathé. Mais à direita, edifício sede do Jornal do Brasil.

À esquerda, a sede da AECRJ. Ao lado, prédio do cinema Pathé. Mais à direita, edifício sede do Jornal do Brasil.

“O Prefeito Passos é, presentemente, o nome mais sabido, mais repetido, mais criticado e mais elogiado do Rio de Janeiro. É para alguns um deus, e a nova cidade deve-lhe um profundo culto. Para outros, é o extermínio, o carrasco inexorável, um espectro pavoroso. Parece-me, contudo, que todos concordam em que, com todos os seus indispensáveis defeitos e as suas superiores qualidades, é um grande homem. É, pelo menos, o homem do dia, há muitas semanas. (apud Brito Broca, A vida, p.265.)”

As observações do escritor luso demonstram que as ações de Pereira Passos e a “europeização” da cidade não contavam com a unanimidade da população e dos cronistas da época.

Assim, um dos críticos desse modelo importado é Lima Barreto, conforme cita Pesavento (ibid., p. 216):

“A Bruzundanga, como sabem, fica nas zonas tropical e subtropical, mas a estética da escola pedia que eles se vestissem com pele de urso, de renas, de martas e raposas árticas. É um vestuário barato para os samoiedas autênticos, mas caríssimo para os seus parentes literários dos trópicos. Estes, porém, crentes na eficácia da vestimenta para a criação artística, morrem de fome, mas vestem-se à moda da Sibéria.(Lima Barreto, Os bruzundangas, p. 26).”

Pesavento ainda cita que, (ibid, p.218):

“É ainda, por esse aspecto de fachada e de montagem de um cenário teatral, que Lima Barreto aprecia a transformação do Rio de Janeiro. Caricaturando a figura do Barão do Rio Branco e sua ascendência sobre o presidente do país – o “mandachuva” –, Lima Barreto escreveria em Os bruzundangas:

Convenceu-se de que devia modificar radicalmente o aspecto da capital. Era preciso, mas devia ser feito lentamente. Ele não quis assim, e eis que Bruzundanga, tomando dinheiro emprestado, para pôr as velhas casas de sua capital abaixo. De uma hora para outra, a antiga cidade desapareceu e outra surgiu, como se fosse obtida por uma mutação de teatro. Havia mesmo na coisa muito de cenografia (ibidem, p.73)”

5. Conclusão

A avenida na década de 1920.

A avenida na década de 1920.

O conjunto de obras promovido naquela ocasião, não buscava somente o aspecto arquitetônico, mas também expulsar a população pobre do centro da cidade. Visava eliminar a pobreza e dar visibilidade ao modernismo europeu para todos aqueles que circulavam por lá, como, por exemplo, aqueles que chegavam ao Brasil pelo porto localizado na Praça Mauá e iam para a área nobre da cidade, e ainda, para a elite local, que ao sair da zona sul para ir ao exterior, utilizava-se do mesmo porto, tendo que transitar pela área central. Tais mudanças, que objetivavam a eliminação das camadas desfavorecidas e dar um visual europeu a essa área do Rio de Janeiro, era o anseio daqueles que comandavam o plano de remodelação da cidade.

O traçado largo (inclusive com uns metros a mais que determinada via de Buenos Aires, somente por competição com a capital argentina e, assim, para bradar que a avenida brasileira era mais larga ), seus jardins e edificações, a organização espacial e os prédios do Teatro Municipal, Biblioteca Nacional, Escola de Belas Artes, e dos Poderes Legislativo e Judiciário deram também importância e caracterizaram a Avenida Central como marco importante da Belle Époque no Rio de Janeiro. Além disso, propiciou um verdadeiro desfile de modas, com a população exibindo vestimentas de estilo europeu.

No entanto, a Avenida Central e a sua extremidade sul, a Praça Floriano, não dissimulara a um olhar mais atento a verdadeira formação heterogênea, pobre e mestiça da população carioca, que ali continuou a interagir e, ainda, em pouco tempo, ficava à mostra de quem por ali passava, os barracos da Favela da Providência e do morro de Santo Antônio.

Assim, nos primeiros anos do século XX, os valores da sociedade brasileira, ao menos os de sua elite, estavam a mudar, e muitas dessas mudanças refletiam no espaço urbano, principalmente no do Rio de Janeiro, principal cidade do país na época. O país tentava modernizar-se a qualquer custo; livrar-se do passado monárquico e colonial, sempre associados ao atraso; importar um modelo cultural europeu, mais precisamente francês; atrair investidores ingleses e norte-americanos; e, por fim, ter a própria cidade, ter o espaço urbano como símbolo de modernidade, em oposição ao espaço rural, atrelado ao atraso.

6. Notas

Palácio Monroe: antigo prédio do Senado, demolido na década de 1970. Atualmente, no local, praça Mahatma Gandhi.

Palácio Monroe: antigo prédio do Senado, demolido na década de 1970. Atualmente, no local, praça Mahatma Gandhi.

1 – SEVCENKO, Nicolau.Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na Primeira República. Brasília: Brasiliense 1983, p.27.

2 – A Belle Époque ocorreu nos países desenvolvidos da Europa e nos Estados Unidos entre a última década do século XIX até cerca de meados do XX, ocasião em que houveram intensas transformações, a modificar hábitos, convicções e modos de percepção em todo o mundo.

3 – A variedade de produtos e equipamentos e a velocidade com que as inovações invadiram o cotidiano das pessoas caracterizaram essa época, que assistiu a novidades como novos meios de transportes, a eletrificação, indústrias químicas, controle de doenças… Todos estes fatores estavam a alterar profunda e irreversivelmente a sociedade de então. Por volta de 1900 o poder da tecnologia estava muito além do que qualquer outro século jamais sonhara. Não havia precedente histórico para o que se passava, que despertou uma espécie de otimismo.

4 – Que segundo Sevcenko (1983, p.32), ao abordar o caso brasileiro, mostra que para a nossa intelectualidade a sociedade passou a dividir-se em dois blocos antagônicos: o urbano e o rural.

5 – Vale citar que no período imperial, mais precisamente no segundo reinado, houveram diversos planos formulados para ordenar a ocupação do espaço urbano, porém, tais planos malograram.

6 – Mesmo diante de tal fato, foi nesse período que surgiu a Comissão de Melhoramentos da cidade do Rio de Janeiro, primeiro plano mais abrangente para a reforma urbana, quando o governo imperial promoveu uma política que visava à modernização da capital brasileira, influenciada pela reforma bem sucedida do Barão de Haussmann em Paris. A Comissão foi formada em 1874 para a organização de um plano global de reforma urbana da cidade. Seu objetivo era o de combater as constantes epidemias que assolavam o Rio de Janeiro, através de um novo planejamento urbano. Pereira Passos, que na época das reformas de Haussmann estava a completar seu aperfeiçoamento como engenheiro na École dês Ponts et Chaussées, participou da citada comissão. Entretanto, o projeto não saiu do papel.

7 – SEVCENKO, Nicolau.Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na Primeira República. Brasília: Brasiliense 1983, p.31.

8 – op. cit., p.33

9 – A maioria desses habitantes eram negros extremamente pobres, e que além de se concentrar nos antigos casarões degradados localizados no centro da cidade, também viviam nas áreas ao redor do porto.

10 – Naquele momento, a gestão da saúde pública revestia-se de especial importância, uma vez que o novo governo comprometera-se a sanear a capital, que devido a uma série de doenças, como a febre amarela, a varíola e a peste bubônica, estavam a comprometer a política de estímulo à imigração estrangeira e a acarretar enormes prejuízos à economia nacional, dado que os navios que atracavam na capital eram submetidos a freqüentes quarentenas. A reforma sanitária foi confiada a Oswaldo Cruz.
Em maio de 1903, o projeto de lei relativo ao assunto começou sua lenta tramitação no Congresso, sendo duramente combatido pela oposição. O novo regulamento sanitário somente seria aprovado em janeiro de 1904, mesmo assim, bastante mutilado.
Isso não impediu que Oswaldo Cruz desencadeasse, já em abril de 1903, a campanha contra a febre amarela e, no começo de 1904, o combate à peste bubônica. Em 1906, ao encerrar-se o mandato de Rodrigues Alves, as estatísticas de mortalidade e morbidade dessas doenças testemunhavam o êxito das campanhas.
Sua derrota se deu no combate à varíola, travado em 1904. A suspensão da lei que determinara a obrigatoriedade da vacinação anti-variólica após a Revolta da Vacina – que durante uma semana levou milhares de pessoas a saírem às ruas do então Distrito Federal para protestar, enfrentando forças da polícia e do exército e que como saldo, segundo os jornais da época, teve 23 mortos, dezenas de feridos e quase mil presos – faria sentir seus efeitos em 1908, quando violento surto da doença assolou a capital.

A Avenida Central nos primeiros anos após sua inauguração.

A Avenida Central nos primeiros anos após sua inauguração.

11 – Sobre as concepções de cidade, a moderna visa a circulação rápida. No Rio de Janeiro pode-se citar vários exemplos, sendo eles de diversos períodos da história, como a já citada Avenida Central, que mesmo a objetivar a circulação rápida, de um ponto ao outro, havia espaço para a socialização; a Presidente Vargas, construída na década de 1940, também voltada para circulação, porém a visar pouca convivência entre os habitantes da cidade nesse espaço; e, por fim, a Avenida Chile, dos anos de 1960, que visava praticamente nenhum pedestre e nenhuma socialização e, sim, muitos automóveis. Outro caso é o de Brasília, inaugurada em 1960, e construída nessa lógica da rápida circulação através de veículos motorizados, onde o objetivo é o deslocamento através desse meio de transporte.

7. Bibliografia e Sítios Consultados

BENCHIMOL, Jaime Larry. Pereira Passos: um Haussmann tropical. Rio de Janeiro: Biblioteca Carioca, sd.

HISTÓRIA DA VIDA PRIVADA NO BRASIL. v. 3. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: José Olímpio, 1983.

PESAVENTO, Sandra Jatahy. O Imaginário da Cidade: visões literárias do Urbano – Paris, Rio de Janeiro, Porto Alegre. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 1999.

Praça Mal. Floriano (1919): destaque para o Theatro Municipal do Rio de Janeiro. À direita, Museu Nacional de Belas Artes. Entre os dois prédios, a Avenida Rio Branco.

Praça Marechal Floriano (Cinelândia) em foto de 1919: destaque para o Theatro Municipal do Rio de Janeiro. À direita, Museu Nacional de Belas Artes. Entre os dois prédios, a Avenida Rio Branco.

SEVCENKO, Nicolau. A capital irradiante: técnica, ritmos e ritos do Rio. In: História da Vida Privada no Brasil, v. 3. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

__________________. Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na Primeira República. Brasília: Brasiliense 1983.

http://www.historianet.com.br/main/conteudos.asp?conteudo=173

http://www.prossiga.br/oswaldocruz/

http://www.fiocruz.br/coc/fiooc1.html

8. Anexo

A Avenida Rio Branco e prédios remanescentes do período da reforma Passos

Vista geral da avenida Rio Branco.

Vista geral da avenida Rio Branco.

 

 

Trecho final da Rio Branco, a caminho da zona sul. Na foto, pode-se ver parte da praça Floriano Peixoto e do prédio da Biblioteca Nacional (à esquerda).

Trecho final da Rio Branco, a caminho da zona sul. Na foto, pode-se ver parte da praça Floriano Peixoto e do prédio da Biblioteca Nacional (à esquerda). No centro da foto (semicírculo verde), a praça Gandhi, onde outrora existiu o Monroe.

 

 

Prédio da Biblioteca Nacional: fundada pelo príncipe D. João, o prédio da Cinelândia foi inaugurado em 1910.

Prédio da Biblioteca Nacional: fundada pelo príncipe D. João, o prédio da Cinelândia foi inaugurado em 1910.

 

 

 

Rio Branco nº30: inaugurado em 1906, o prédio abrigou a Caixa de Conversão, o Ministério da Fazenda e o Banco Central do Brasil.

Rio Branco nº30: inaugurado em 1906, o prédio abrigou a Caixa de Conversão, o Ministério da Fazenda e o Banco Central do Brasil.

 

 

Museu Nacional de Belas Artes (MNBA): prédio dos tempos de Pereira Passos.

Museu Nacional de Belas Artes (MNBA): prédio dos tempos de Pereira Passos.

 

 

Rio Branco nº88: o café e bar Sympathia funcionou no local da inauguração da avenida até a década de 1980.

Rio Branco nº88: o café e bar Sympathia funcionou no local da inauguração da avenida até a década de 1980.

 

Prédio do Clube Naval. Hoje, o edifício da Rio Branco é a sede social da agremiação.

Prédio do Clube Naval. Hoje, o edifício da Rio Branco é a sede social da agremiação.

 

 

No nº46 da avenida, prédio em estilo eclético que abrigou a empresa Docas de Santos, da família Guinle. Hoje, situa-se, no local, a 6ª Superintendência Regional do IPHAN.

No nº46 da avenida, prédio em estilo eclético que abrigou a empresa Docas de Santos, da família Guinle. Hoje, situa-se, no local, a 6ª Superintendência Regional do IPHAN.

 

 

Centro Cultural da Justiça Federal: inaugurado em 1909, o prédio abrigou o STF.

Centro Cultural da Justiça Federal: inaugurado em 1909, o prédio abrigou o STF.

 

 

Prédio do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, na Cinelândia. A construção teve seu início em 1905.

Prédio do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, na Cinelândia. A construção teve seu início em 1905.

 

 

 

Revolução de 30: fatos precursores

por Fábio Ferreira

1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho objetiva apresentar toda a rede de alianças e jogos políticos que marcaram a sucessão de Washington Luís no pleito ocorrido em 1º de Março de 1930, e que elegeria o presidente do próximo quatriênio.

Assim, o estudo pretende mostrar as articulações precursoras da Revolução de 1930, que leva Getúlio Vargas ao poder, e que governa o país, sem dirupções até 1945.

São apresentadas também as razões que levaram as lideranças estaduais contrárias a São Paulo a aliarem-se e a tomarem o poder, é fundamental entender o contexto dos anos de 1920, daí o próximo item ser dedicado a esse decênio.

Destaca-se ainda, a Aliança Liberal, formada pelos já citados dissidentes, e que lançam Getúlio Vargas candidato a presidência da república, e João Pessoa a vice. Trata também das razões que levam o Rio Grande do Sul, que nesse momento tinha boas relações com o governo federal, a ir para o lado de Minas Gerais – vale citar que esse estado do sudeste saí da situação para virar oposição devido aos problemas sucessórios causados por Washington Luís pela quebrara o pacto do café com leite .

O último item diz respeito a Revolução de 1930, e assim narra como os levantes foram ocorrendo nas diversas partes do país, de norte a sul, a apresentar os fatos ocorridos da Paraíba de João Pessoa ao Rio Grande de Getúlio Vargas, passando pela Minas Gerais de Antônio Carlos Ribeiro de Andrada – presidente desse estado – e a chegada do já citado gaúcho, que veio a governar o país por anos, ao Rio de Janeiro, então Distrito Federal.

Nesse item, também encontra-se a participação de militares que durante a era Vargas vieram a ter destaque como Góes Monteiro, futuro general, mas até então um tenente coronel, e Juarez Távora, responsável pela revolução no nordeste brasileiro.

2. ANTECEDENTES DA REVOLUÇÃO: A DÉCADA DE 1920
Para entender a Revolução de 1930, fato histórico que leva Getúlio Vargas ao poder, e fez com que o país passasse a ser dirigido por esta figura histórica ininterruptamente até 1945, é necessário voltar-se para os anos anteriores a esse acontecimento. Para compreender melhor o ato que levou esse homem que gerou inúmeros admiradores e seguidores, mas também uma série de opositores, seja em vida, seja mesmo após a sua morte, é fundamental analisar os fatos ocorridos na década de 1920.

Pode-se dizer que os anos 20 assistiram a uma série de acontecimentos que vieram a mudar o curso da história do país. Essa década foi palco das Revoltas Tenentistas; da criação do PCB, que recebeu em suas fileiras muitos dos antigos anarquistas; da quebra da bolsa de Nova Iorque, em 1929, que teve conseqüências na economia mundial, inclusive a brasileira; da cisão entre as oligarquias estaduais, a colocar de um lado Minas, Rio Grande do Sul e Paraíba, e do outro, São Paulo; da criação da Aliança liberal; enfim, eventos, que de uma forma ou de outra, vieram influir na Revolução que levou Getúlio Vargas ao poder, e também, tiveram conseqüências na década de 1930.

Dentre essa série de acontecimentos da década de 1920, destaquemos primeiramente as revoltas tenentistas. A eclosão desses levantes militares, que na sua maioria eram compostos por tenentes, daí o nome tenentismo, deve-se a uma série de insatisfações desse setor militar em relação a medidas do governo federal, como, por exemplo, as seguintes: o Presidente Epitácio Pessoa ter nomeado o civil Pandiá Calógeras para o Ministério da Guerra; a carência de armamentos, cavalos, medicamentos, enfim, de uma série de necessidades que o exército possuía e não eram supridas; o soldo era baixo, e não haviam perspectivas de melhor remuneração; e a promoção de um tenente para uma patente mais alta ser demasiado lenta.

Os episódios de maior destaque da insatisfação desses tenentes na década de 1920 foram os do 18 do Forte, no dia 05 de Julho de 1922, tendo como palco Copacabana; os levantes ocorridos em 1924, que mesmo não tendo vitória sobre as forças governistas foi uma revolta significativa; e a Coluna Prestes, que percorreu pouco mais de 24.000 km do território brasileiro, atravessando do Rio Grande do Sul ao Nordeste, chegando ao Mato Grosso, e depois, Prestes adentra a Bolívia, onde refugia-se por alguns anos.

Mesmo não havendo um programa muito definido sobre as suas idéias, apenas linhas gerais, esse movimento liderado basicamente por tenentes objetivava derrubar o governo federal. Dentre as suas convicções estavam propostas ligadas ao nacionalismo e a centralização política. Eram defensores do voto secreto, como também da independência do Poder Judiciário e um Estado mais forte.

Evidentemente, esses militares que confrontavam-se com o governo federal e possuidores do crido de que sua ação fazia parte de uma missão que salvaria o país, tinham opositores dentro do próprio exército. Entretanto, tal antagonismo não foi suficiente para impedir as suas ações, pois vale ressaltar que o movimento dos 18 do Forte foram derrotados por outros militares, e que a Coluna Prestes, durante toda a sua jornada, foi perseguida pelo exército.

Na já citada década, mais precisamente no dia 05 de Março de 1922 , é fundado, em Niterói, o Partido Comunista do Brasil (PCB), a objetivar a substituição da sociedade capitalista pela socialista, através de uma revolução proletária. Na então capital do Estado do Rio de Janeiro, reuniram-se nesse evento intelectuais e alguns operários dessa unidade da federação, e ainda, do Distrito Federal, Rio Grande do Sul, São Paulo e Pernambuco , somando setenta e três militantes . Nas fileiras desse novo partido encontravam-se antigos anarquistas que haviam optado pelo comunismo após a Revolução Russa de 1917.

No entanto, o PCB caí na ilegalidade já no ano de sua fundação, pelas mãos de Epitácio Pessoa, sendo que o partido só volta a legalidade cinco anos mais tarde, em 1927. Assim, forma-se o Bloco Operário, frente eleitoral que consegue colocar um deputado na câmara, Azevedo Lima, porém, nesse mesmo ano, no mês de agosto, o partido volta a ilegalidade.

Sobre a relação da agremiação comunista com Prestes, pode-se dizer que o partido enviara seu secretário geral até a Bolívia para conversar com esse homem que liderara a coluna que fora batizada com o seu nome alguns anos antes. Em 1929, Prestes é convidado a candidatar-se a presidência pelo BOC (Bloco Operário Camponês) , mas ele recusa tal convite, e assim, lançam Minervino de Oliveira, vereador carioca, a presidência da republica, que obtém votação inexpressiva.

No que diz respeito a Revolução de 1930, o PCB não a apoia, por considerar esse evento um embate entre as oligarquias estaduais. Vale citar que o partido desde a eleição não quisera colocar-se nem ao lado do então candidato Getúlio Vargas, nem do seu oponente, Júlio Prestes, daí a indicação de Minervino de Oliveira.

1929 não fora só o ano do convite a Prestes tentar a presidência da República, também foi a data da crise da Bolsa de Nova Iorque, mais precisamente no dia 24 de outubro, que pelo dia da semana que o fato ocorreu, foi batizada de “quinta-feira negra”. Essa foi a maior recessão econômica assistida pelo sistema capitalista até os dias de hoje.

Tal crise, devido a posição central dos EUA no cenário mundial, também trouxe quebradeiras para o sul do equador, não ficando restringida somente aos norte-americanos ou a Europa, por exemplo. Assim, as economias agro-exportadoras, grupo cujo qual o Brasil à época pertencia, foram seriamente afetadas com a crise ocorrida nos Estados Unidos.

Vale citar que como um país exportador de produtos agrícolas, o Brasil sofreu conseqüências, como as importações dos seus produtos – basicamente matérias-primas – diminuírem drasticamente, além dos investimentos estrangeiros no país terem sido retraídos.

Outro acontecimento da década de 1920 que merece destaque, inclusive para melhor entender a Revolução que levou Getúlio Vargas ao poder, é a Aliança Liberal, coligação composta por líderes estaduais dissidentes, e que visava apoiar a candidatura de Vargas a presidência. Devido a importância dessa Aliança, e para ela ter um estudo mais aprofundado, trataremos dela no próximo item.

3. A ALIANÇA LIBERAL
Washington Luís governava o país. Representava São Paulo, sendo que ele já fora presidente desse estado. Então, de acordo com o pacto estabelecido entre as oligarquias mineira e paulista, no que ficou conhecido como pacto do “café com leite”, seu sucessor deveria ser alguém indicado por Minas Gerais.

Entretanto, esse não foi o desejo de Washington Luís. Ele quis como seu sucessor Júlio Prestes, paulista, e assim, devido a postura do presidente da República, ocorreu uma cisão entre as oligarquias dominantes.

Sobre as razões que levaram Washington a ignorar o fato que seu sucessor deveria ser mineiro existem várias suposições, como “para assegurar a continuidade de sua política econômico-financeira, de austeridade e contenção de recursos para a cafeiculltura, o presidente (…) indicou para a sua sucessão o paulista Júlio Prestes” ou ainda, conforme narra Fausto (1972,p.40):

“Não são ainda muito claras as razões da intransigência, que tradicionalmente foi explicada apenas em termos da personalidade de Washington Luís. É possível que a explicação tradicional contenha uma boa parcela de verdade. Tendo em conta a rigidez do sistema, tornando muito difícil o êxito da oposição, o presidente tratou de garantir a continuidade de sua política (…) através da escolha de um sucessor de confiança.”

Obviamente, essa postura de Washington Luís estava respaldada no apoio que tinha dos grupos políticos do seu estado, que não objetivavam sair do controle direto do governo federal.

Diante desses acontecimentos, o presidente de Minas Gerais, Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, opôs-se aos planos dos paulistas, pois contava ser o candidato mineiro com o apoio de São Paulo à presidência . Diante desses acontecimentos, Andrada acaba optando por formar uma chapa de oposição para disputar o governo federal.

Porém, Minas precisava de aliados, e foi buscá-los em diversos estados, conseguindo-os na Paraíba; também teve a adesão das oposições de todos os estados, com destaque para o Partido Democrático (PD) do Distrito Federal e de São Paulo; e no Rio Grande do Sul, na época, terceiro maior estado em importância eleitoral, ficando somente atrás de São Paulo, o primeiro, e Minas, o segundo.

Essa coligação, que estava a fazer oposição à Washington Luís e aos seus aliados, ficou conhecida como Aliança Liberal, que teve como presidente o mineiro Afonso Pena Júnior, e como vice, o gaúcho Ildefonso Simões Lopes.

Para o pleito de 1930, ao Rio Grande do Sul – que tinha boas relações com o governo federal, logo para ir contra os paulistas precisava receber algo significativo em troca – nessa chapa oposicionista, foi-lhe dado a presidência, e a Paraíba, a vice-presidência.

Representando os gaúchos nessa chapa estava Getúlio Vargas, que fora ministro da fazenda no governo Washington Luís durante os anos de 1926 e 1927 , e depois, presidente do Rio Grande do Sul, e os paraibanos, representados por seu presidente, João Pessoa, sobrinho de Epitácio Pessoa .

No que diz respeito à aproximação com a Paraíba, vale citar que o convite para a vice-presidência fora feito primeiro a outros estados da federação mais importantes eleitoralmente, como Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro. Entretanto, diante da recusa desses estados, de última hora, fizeram o convite ao paraibano João Pessoa para tal posição na chapa de Vargas.

Sobre o programa dessa aliança oposicionista de âmbito nacional, pode-se dizer que haviam propostas semelhantes as de outros grupos antagônicos ao governo federal, como os tenentes e o PD, que também defendiam voto secreto e a independência do Judiciário.

Ainda citando o programa da Aliança Liberal, vemos nele a anistia para os revoltosos de 1922, 1924 e 1925-7; a defesa da criação de uma justiça eleitoral; o projeto de adotar medidas econômicas protecionistas para produtos de exportação além do café – o que beneficiaria os outros estados da federação que não fosse São Paulo -; e ainda, preconizava “medidas de proteção aos trabalhadores, como a extensão do direito à aposentadoria, a aplicação da lei de férias e a regulamentação do trabalho do menor e da mulher” .

O programa da Aliança visava ganhar o apoio da classe média, e nos setores da sociedade que poderiam sensibilizar, eles foram bem sucedidos, conseguindo grande repercussão. Entretanto, seu programa objetivava atender aos interesses dos estados que não estavam ligados aos produtores de café, sem romper com o sistema vigente, nem ter propostas realmente revolucionárias.

A Aliança Liberal teve um setor mais radical, que no ano de 1929, passou a propor que se caso houvesse derrota nas urnas, eles partiriam para um movimento armado. Essa facção buscou aproximar-se dos tenentes, grupo que tinha prestígio, e já possuía, vamos dizer assim, uma tradição revolucionária. O que dificultou as negociações, além das desconfianças de ambos os lados, foram políticos como Arthur Bernardes – perseguidor da Coluna -, Epitácio Pessoa e João Pessoa pertencerem a Aliança, e no passado, terem sido adversários dos tenentes.

Entretanto, paralelamente, outra parte da Aliança fazia acordos com o então presidente da República. Getúlio Vargas firmou um acordo político com Washington Luís que caso a oposição perdesse, aceitaria, e mais, apoiaria o candidato governista eleito. Em troca, o governo federal comprometia-se a não apoiar a oposição gaúcha e também a reconhecer o mandato dos candidatos da Aliança que fossem eleitos para a Câmara dos Deputados.

Com tal acordo pode-se perceber a facilidade existente entre grupos políticos de em um momento serem rivais, e em outros, num período curtíssimo de tempo, diga-se de passagem, tornarem-se aliados. Vale citar que tal característica não fica restringida ao passado, perdurando até os dias de hoje.

Sobre essa as relações com o governo de Washington Luís, Brandi (1985, p.36) cita que:

“A campanha foi marcada por uma série de recuos e tentativas de conciliação com o governo federal, empreendidas sobretudo por Vargas. Em meados de agosto, Vargas propôs a seus aliados a formação de uma nova chapa de oposição, composta de candidatos de Pernambuco e do Ceará, a fim de ampliar a frente antipaulista. Ante a recusa dos presidentes dos dois estados, Vargas sugeriu novamente a apresentação de um terceiro candidato. Mas Washington Luís manteve-se intransigente em relação à candidatura Júlio Prestes.”

Diante dessa facilidade de a cada situação apresentada posicionar-se de um lado, o acordo entre Vargas e o presidente da república no que dizia respeito da possibilidade da oposição perder, foi rompido diante da radicalização da campanha. A maioria governista na Câmara dos Deputados não dava quorum as sessões parlamentares, a impedir a manifestação dos aliancistas.

A eleição, onde teoricamente o povo iria escolher como governante máximo da nação Getúlio Vargas ou Júlio Prestes, ocorreu no dia 1º de Março de 1930. Entretanto, o pleito ocorreu no estilo da República Velha, com inúmeras fraudes. Assim, o candidato apoiado por São Paulo saí vitorioso com 57,7% dos votos ou, o equivalente a 1.091.709 de eleitores.

No entanto, a oposição não aceitou tal resultado, e a partir daí até Outubro do já citado ano ocorreu uma série de negociações, que vieram culminar na Revolução de 1930, que no próximo item irá deter-se nessas articulações até a chegada de Getúlio à cidade do Rio de Janeiro, então Distrito Federal.

4. A REVOLUÇÃO
No interior da Aliança Liberal – derrotada em 1º de Março em uma eleição cheia de fraudes, como tantas outras na República Velha – um grupo via com bons olhos pegar em armas e tentar uma atitude que poderia ser taxada de golpista. Sobre a alternativa de parte da elite optar pelas armas para chegar ao poder, e a aproximação com o movimento tenentista, Fausto (1972, p.43) cita que:

“Um setor da classe dominante dispunha-se assim a seguir o caminho que os tenentes haviam tomado praticamente sozinhos. (…) o movimento tenentista continuava sendo uma força de importância (…) A aproximação entre os políticos mais jovens e os militares rebeldes tinha agora condições de realizar-se. Mesmo no curso da disputa eleitoral, alguns contatos haviam sido feitos nesse sentido.”

Porém, havia desconfiança por parte dos tenentes com essa oposição consentida, mas nada que viesse a impedir um acordo entre essas duas partes para tirar Washington Luís do poder e impedir a posse de Júlio Prestes.

Outro fator que veio a agravar a situação foi o assassinato de João Pessoa no dia 26 de Julho de 1930 , por motivos pessoais, entretanto, tratado pelos aliancistas como um crime ocorrido devido a sua postura oposicionista ao governo federal. Esse fato foi usado como fator emocional em favor da Revolução.

A chefia militar desse movimento é dada ao ainda tenente coronel Góes Monteiro, que segundo Carvalho (1999) era o militar de patente mais alta ligada ao movimento revolucionário. Esse militar era alagoano, mas com toda uma carreira ligada ao Rio Grande, inclusive conhecia Vargas desde 1906. Sobre esse militar de Alagoas e o seu posicionamento nos preparativos para a insurreição, Trindade (1980, p.27) narra que:

“As medidas básicas, de caráter estratégico-militar (…) serão tomadas por Góes Monteiro, encarregado de sondar o “espírito da tropa”, de definir os oficiais legalistas e de disseminar na própria corporação, a idéia favorável ao movimento. A escolha de Góes Monteiro como organizador militar do movimento não afastou o setor tenentista que permaneceu articulado ao grupo aliancista (…)”

Ainda no que diz respeito ao comando das operações contrárias ao governo de Washington Luís, no nordeste, ele foi dado para Juarez Tavora.

Sobre a revolução nessa região do país, ela partiu da Paraíba, estado opositor ao governo federal, basta lembrar que o presidente dessa unidade da federação a época das eleições presidenciais era João Pessoa, que fora vice na chapa de Vargas. A revolta começou no dia 04 de Outubro de 1930, durante a madrugada. Em seguida, foi a vez de Teresina, São Luís, Natal e outras unidades militares no interior da Paraíba se rebelarem.

No Recife, as tropas contrárias aos rebeldes já estavam de prontidão, pois já sabiam o que já havia ocorrido em outras cidades, entretanto, com a ajuda de populares, os aliados de Vargas venceram. Mesmo sem a ajuda de tropas paraibanas, quando o Sol amanhece no dia 05 no Recife, os revoltosos já haviam triunfado e no dia seguinte, o presidente do Estado, Estácio Coimbra, abandona o governo.

Alagoas e Sergipe foram facilmente conquistadas pelos revolucionários. A maior resistência encontrou-se na Bahia, estado onde as forças fiéis a Washington Luís fixaram seu quartel-general.

Entretanto, em Minas Gerais – onde a Revolução começou ainda no dia 03 de Outubro, um pouco mais cedo do que no nordeste – as forças que visavam derrubar o governo vigente não teriam problemas se não fosse o 12º Regimento de Infantaria, que resistiu por cinco dias. Porém, as outras unidades militares de Belo Horizonte quase não ofereceram resistência à Revolução. Na capital mineira, pôde-se inclusive assistir a batalhões formados por voluntários.

Em Ouro Preto, os rebeldes venceram com facilidade, já em São João del Rei combates ocorreram até o dia 15 do décimo mês do ano, e em Juiz de Fora, duraram ainda mais oito dias. As resistências aos revoltosos se deram mesmo diante do apoio do presidente de Minas Gerais a insurreição, já no dia 03 de Outubro, através do órgão oficial do governo de seu estado.

No sul do país, mais precisamente na capital do Rio Grande, o movimento político-militar que levou Getúlio Vargas ao poder teve início ainda no fim da tarde do dia 03 de Outubro, mais precisamente as cinco e trinta , e a resistência já havia sido vencida nas primeiras horas do dia 04, e no dia seguinte, todo o estado havia aderido ao movimento revolucionário.

Ao tomar Porto Alegre, Vargas, habilmente – como de costume -, divulga um manifesto, chamando seu conterrâneos a luta, e assim, em poucos dias, os revoltosos já possuíam cincoenta mil voluntários apenas no Rio Grande do Sul.

No que diz respeito as oligarquias gaúchas nesse levante revolucionário, pode-se dizer que não houveram cisões no interior desses grupos dominantes, ao contrário do que ocorreu em outros estados, como Minas Gerais e Paraíba.

Após a situação estar sob controle no seu estado, os gaúchos revoltosos partem para o norte, a dividir-se em quatro frentes: uma em direção ao interior de Santa Catarina e Paraná; outra, pelo litoral catarinense, visando ocupar Florianópolis; uma terceira, que também partiu ao norte, acaba por retornar ao Rio Grande; e por fim, a última frente, aquela que seguia para São Paulo de trem, e que só foi encontrar resistência no Paraná, mais precisamente em Ponta Grossa.

Getúlio Vargas e Góes Monteiro partem com outros revolucionários em direção ao Rio de Janeiro, então capital federal. Em Ponta Grossa, eles juntam-se a tropas que estavam nessa cidade paraense, e preparam um plano para atacar o estado de São Paulo.

Getúlio, em entrevista à United Press, em Outubro de 1930, justifica as suas ações, e as razões que, segundo ele, levaram-no, juntamente com o povo, a pegarem em armas contra o sistema vigente, que ainda segundo o gaúcho era corrupto e destorcido:

“No Brasil, salvo pequenas exceções, não existe regime representativo. Não há eleições, no exato sentido desta palavra.

Na maior parte dos Estados do Brasil, as eleições são lavradas em atas falsas, feitas nas casas dos apaniguados dos governos locais, sem interferência do povo. Por este sistema se elegem os governos estaduais e a representação dos Estados. Esta gente, pelo mesmo sistema, escolhe e elege o Presidente da República. Este, amparado na força e nos recursos do Tesouro, apoia todos os desmandos dos governos locais que, por sua vez, dão carta branca ao ocupante do Catete. O Congresso Nacional eleito por esse sistema é de simples mandatários dos governos locais; fazem o que estes lhes mandam, abdicando de suas prerrogativas para servir incondicionalmente ao Governo Federal.

Em resumo, dentro dum regime de simples ficção constitucional, o Presidente da República governa discricionariamente, sem controle e sem responsabilidade. O governo onipotente dum homem que domina sem responsabilidade é a causa de todos os abusos.

Cansada de lutar inutilmente contra essa máquina política, desesperada de melhorar a situação do País, dentro das possibilidades legais, decidiu-se a Nação pela luta armada.”

No entanto, no dia 24 de Outubro, Getúlio e os seus homens recebem a notícia de que Washington Luís foi deposto por militares de alta patente, e que o país estava a ser governado, isso se pode-se usar tal palavra em uma situação de uma revolta generalizada, mas enfim, a substituir o presidente estava uma junta militar.

Ainda tratando da deposição de Washington Luís, vale reproduzir aqui a intimação que ele recebeu dos generais no dia 24 de Outubro:

“MEIA HORA PARA DEIXAR O PODER

“Exmo. Sr. Presidente da República.

A nação em armas, de Norte a Sul, irmãos contra irmãos, pais contra filhos, já retalhada, ensangüentada, anseia por um sinal que faça cessar a luta inglória, que faça voltar a Paz aos espíritos, que derive para uma benéfica reconstrução urgente as energias desencadeadas para a destruição.

As Forças Armadas, permanente, tem sido manejadas como argumento único para resolver o problema político e só tem conseguido causar e sofrer feridas, luto e ruínas; o descontentamento nacional sempre subsiste e cresce porque o vencido não pode convencer-se de que quem teve mais força tinha mais razão, o mesmo resultado reproduzir-se-á como desfecho da guerra civil atual, a mais vultosa que já se viu no País.

A salvação pública, a integridade da Nação, o decoro do Brasil e até mesmo a glória de V. Exa. instam, urgem e imperiosamente comandam a V. Exa. que entregue os destinos do Brasil no atual momento aos seus generais de Terra e Mar.

Tem V. Exa. o prazo de meia hora a contar do recebimento desta para comunicar ao portador a sua resolução e, sendo favorável, como toda a Nação livre o deseja, deixará o poder com todas as honras e garantias.

Assinados: João de Deus Mena Barreto, general-de-divisão, inspetor do Primeiro Grupo de Regiões; José Fernandes Leite de Castro, general-de-brigada, comandante do 1º DAC; Firmino Antônio Borba, general-de-brigada, segundo subchefe do EME; Pantaleão Teles Ferreira, general-de-brigada; e outros generais e almirantes que não tiveram tempo de por suas assinaturas”

Diante desses fatos, o último presidente da República Velha e que era ligado a oligarquia paulista, embarca para o exílio no dia 21 de Novembro de 1930, ficando 17 anos na Europa .

Assim, Vargas e os seus homens partem em direção ao Rio de Janeiro, e esse personagem recebe da junta militar o poder em suas mãos, no dia 03 de Novembro, provavelmente, sem sequer imaginar que a partir daí passaria a ser o segundo homem que mais tempo governou o país – ficando atrás somente do Imperador Dom Pedro II – e que viera a mudar a face do país, de várias maneiras, como ao implantar empresas do porte, por exemplo, da CSN, Eletrobrás, e Petrobrás durante a sua longa trajetória como líder do Brasil.

5. CONCLUSÃO
A Revolução de 1930 é conseqüência da política dos anos de 1920, e também, da crise econômica que o Brasil estava a passar, ocorrida devido a super produção do café, que veio a ser seriamente agravada com a quebra da bolsa de Nova Iorque em 1929 e a queda da exportação desse principal produto da economia brasileira para outros países. Alia-se a esses acontecimento as exigências junto ao governo federal, de socorro, por parte dos produtores de café.

No aspecto político, o agravamento das dissidências regionais, o movimento tenentistas, e a política de Washington Luís que quebra o pacto do café com leite, são acontecimentos que contribuem para a formação da Aliança Liberal e toda a movimentação revoltosa que veio a culminar com a tomada do poder por Getúlio Vargas.

A revolução ocorrida no dia 03 de Outubro de 1930 teve como participantes membros da classe dominante, das forças armadas, e da classe média, e com essa insurreição quem estava a perder a hegemonia política eram os oligarcas ligados a São Paulo.

Entretanto, Fausto (1972, p.54) considera, como não revolucionários o movimento liderado por Vargas e a postura dos tenentes, antigos revolucionários da década de 1920, e que com essa revolta vieram a ser interventores em muitos estados: “Entretanto, sem ter condições nem a intenção de transformar a estrutura econômica e social, os tenentes acabariam por chegar a um entendimento com setores da classe dominante regional”.

Na realidade, a Revolução de 1930 não extingue o poder das oligarquias no país. Mesmo tendo governado o Brasil com rigor, e, em muitos casos, sendo obrigado a ceder a interesses das classes dominantes, é inegável que Getúlio Vargas produziu diversas mudanças na estrutura do país, através da criação de leis trabalhistas, das empresas estatais do porte da Petrobrás, CSN, Vale do Rio Doce, e da dinamização das atividades industriais do país.

Porém, hoje, o Brasil parece voltar a uma situação pré-Vargas, pois muitas dessas conquistas trabalhistas estão sendo tiradas do povo brasileiro; a perda da soberania nacional com a entrega das já citas empresas criadas por Vargas ao capitalismo internacional, privatizações custeadas com o dinheiro público; e por fim, a quebra de parte do parque industrial brasileiro.

6. NOTAS

1 – Alusão a Minas Gerais e São Paulo, sendo que o primeiro representava o leite e o segundo o café. Por esse pacto, essas duas unidades da federação revesariam-se no executivo federal. Como Washington Luís representava a oligarquia paulista, seu sucessor teria que ser mineiro, entretanto o presidente decidira por apoiar outro paulista, o que enfureceu o presidente de Minas, Antônio Carlos Ribeiro de Andrada.

2 – Fonte: ALMANAQUE ABRIL 1995. São Paulo: Abril, 1994.

3 – Disponível em: < http://www.pcb.org.br/historia.html >

4 – Disponível em: < http:// www.cpdoc.fgv.br/comum/htm >

5 – Disponível em: < http://www.pcb.org.br/historia.html >

6 – nova denominação do bloco operário

7 – Disponível em: < http://www.cpdoc.fgv.br/comum/htm >

8 – Disponível em: < http://www.historiananet.hpg.ig.com.br/rtrinta.html >

9 – Disponível em: < http://www.cpdoc.fgv.br/comum/htm >

10 – Disponível em: < http://www.senado.gov.br/web/historia/Rep06.htm >

11 – Disponível em: < http://www.cpdoc.fgv.br/comum/htm >

12 – ibid.

13 – Disponível em: < http://www.historiananet.hpg.ig.com.br/rtrinta.html >

14 – Disponível em: < http://www.senado.gov.br/web/historia/Rep06.htm >

15 – ibid.

16 – Já ao tornar-se presidente de seu estado, Vargas consegue concessões econômicas do governo federal, que permitiram a esse líder gaúcho lidar com os problemas gerados pela expansão da economia do seu estado. Também ao ocupar o executivo estadual, atende a reivindicações de dois grupos antagônicos do Rio Grande: os produtores de charque e o setor rizicultor, através de subsídios dados a ambos. Vargas reconhece candidatos opositores eleitos em vários municípios gaúchos, entretanto, seduz os seus opositores com a possibilidade de empréstimos ou auxílios financeiros através do Banco do Estado do Rio Grande do Sul, criado em sua gestão.

17 – Disponível em: < http://www.cebela.org.br/txtpolit/socio/vol4/D_173.html >

18 – Diário da Noite – 24 de Outubro de 1930 In Hélio Silva (1972), p.366.

19 – Disponível em: < http://www.vermelho.org.br/pcdob/80anos/cadaanourl/q22.asp >

Foto extraída do sítio: < http://www.pdt.org.br >

7. BIBLIOGRAFIA & SÍTIOS CONSULTADOS
http://www.senado.gov.br/web/historia/Rep06.htm

http://www.historiananet.hpg.ig.com.br/rtrinta.html

http://www.cebela.org.br/

http://www.pcb.org.br/historia.html

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www.cpdoc.fgv.br/comum/htm

CARVALHO, José Murilo de. “Vargas e os militares”. In: PANDOLFI, Dulce. Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: Editora da FGV, 1999.

FAUSTO, Boris. Pequenos ensaios de história da república: 1889-1945. São Paulo: CEBRAP, 1972. (Cadernos CEBRAP, 10)

DECCA, Edgar Salvadori de. O silêncio dos vencidos. São Paulo: Brasiliense, 1981.

TRINDADE et al. Revolução de 30: partidos e imprensa partidária no RS (1928-1937). Porto Alegre: L&PM, 1980. BRANDI,

Padre António Vieira: algumas questões sobre o sermão da sexagésima

Fábio Ferreira
Padre Antônio Vieira nasceu em Lisboa no ano de 1608 e veio com a sua família para o Brasil, mais precisamente para a Bahia, em 1614, quando tinha apenas seis anos de idade. Pouco tempo depois, ingressou no Colégio dos Jesuítas, do qual não mais se afastou. Seu primeiro sermão foi o Sermão XIV da série Maria, Rosa Mística, pregado em 1633, e dois anos após, foi ordenado sacerdote.

Na resistência moral à invasão holandesa na Bahia, o Padre Vieira teve papel importante, que pode ser constatado através dos seguintes sermões com os respectivos anos em que foram proferidos: Sermão de Santo Antônio, 1638; Sermão da Visitação de Nossa Senhora a Santa Isabel, 1638 e o Sermão pelo Bom Sucesso das Armas de Portugal contra as de Holanda, 1640.

Em 1641, logo que soube que o país onde nascera havia libertado-se do domínio espanhol, viajou para Portugal, na denominada “embaixada de fidelidade” ao novo rei. No Reino, participou ativamente da vida política da época, colocando-se em defesa dos cristãos-novos e suscitando o ódio da Inquisição, tendo problemas com esse segmento da Igreja Católica. Sua defesa aos cristãos-novos fica explicita na “Proposta a El-Rei D. João IV”, que também continha um plano de recuperação econômica para o Portugal. No ano seguinte, foi nomeado pregador régio.

Em 1649, sofreu a ameaça de ser expulso da Ordem dos Jesuítas, no entanto, D. João IV fez oposição àquela sanção. Anos depois, regressou ao Brasil, estabelecendo-se no Maranhão onde passou a dedicar-se à evangelização dos índios e à defesa destes contra os colonos. Tal conflito culminou com sua expulsão e de toda a Companhia no ano de 1661, quase dez anos depois do seu regresso ao Brasil. Retornando a Portugal, foi perseguido e processado pela Inquisição. Conseguiu livrar-se dos seus problemas com a Inquisição, que segundo Amora (2000) foi “conseguida por meios políticos” e assim “partiu para Roma, onde obteve a revisão de seu processo e voltou a conquistar ( no Vaticano e nas reuniões literárias da rainha Cristina da Suécia ), os antigos triunfos de excepcional pregador”.

Vieira voltou a Portugal em 1678, e no ano seguinte dá início a publicação de seus Sermões Completos. Ao retornar definitivamente à Bahia em 1681, reviu e organizou seus sermões para publicação. Padre Antônio Vieira morreu no dia 18 de Julho de 1697, no Colégio da Bahia, com 89 anos de idade.1

Sobre a sua literatura, pode-se classifica-la como pertencente ao período barroco. Sua obra constitui-se de cerca de 200 sermões2, 500 cartas – importantes documentos históricos que abordam a situação da Colônia, a Inquisição, os cristão-novos, a relação entre Portugal e Holanda, entre outros fatos – e, ainda, profecias. Considera-se que o melhor de sua obra encontra-se nos sermões que, em linguagem simples e sem torneios de estilo, revelam extraordinário domínio da língua, imaginação, sensibilidade, humanidade e convicções.

Utilizando-se da retórica jesuítica no trabalho das idéias e conceitos, Vieira mostrou-se um barroco conceitista, no desenvolvimento de idéias lógicas, destinadas a persuadir o público, e clássico na clareza e simplicidade de expressão. Seus temas preferidos foram: a valorização da vida humana, para reaproximá-la de Deus, e a exaltação do sofrimento, porque nele está o caminho da salvação.

Das obras do Padre Antônio Vieira, vamos destacar o Sermão da Sexagésima, pregado em 16553 na Capela Real, que versa sobre a arte de pregar em suas dez partes. Neste sermão, o Padre Vieira usa de uma metáfora: pregar é como semear. Ao traçar paralelos entre a parábola bíblica sobre o semeador que semeou nas pedras, nos espinhos (onde o trigo frutificou e morreu), na estrada (onde não frutificou) e na terra (que deu frutos), Vieira critica o estilo de outros pregadores contemporâneos seus, considerando que pregavam mal, pois pregavam sobre vários assuntos ao mesmo tempo, logo o resultado era a pregação de nenhum assunto, em decorrência disso, para Vieira, a pregação tornava-se ineficaz, a agradar aos homens ao invés de agradar a Deus.

Possivelmente, tal visão decorre de que é mais fácil pregar para agradar aos homens do que a Deus, pois quem está a ouvir, a seguir a religião, e a construir novos templos, são os homens e não Deus. Quem tem o poder para seduzir com bens materiais aqueles que pregam em nome de Deus – sejam esses pregadores Padres, Freis, Abades… – , é o homem, e não o próprio Deus. Então, é mais fácil pregar para os homens do que para Deus, talvez sendo daí o interesse demasiado em pregar para agradar aos homens. Também são os homens insatisfeitos que podem adotar outra religião – como ocorreu com aqueles que aderiram ao calvinismo, ao anglicanismo ou optaram por seguir o “luteranismo” – ou ainda são os homens que podem decidir por seguir a ala do próprio catolicismo que esteja a pregar da forma que mais convém ao ouvinte.

O assunto básico do sermão, à primeira vista, é a discussão de como é utilizada a palavra de Cristo pelos pregadores. Um olhar mais profundo mostra que o autor vai além do objetivo da catequese, adotando atitude crítica da codificação da palavra. Percebe-se, também, que o Sermão é usado como instrumento de ataque contra a outra facção do Barroco, representada pelos chamados cultistas ou gongóricos.

No Sermão da Sexagésima, Vieira expôs o método4 que adotava nos seus sermões:

1. Definir a matéria.

2. Reparti-la.

3. Confirmá-la com a Escritura.

4. Confirmá-la com a razão.

5. Amplificá-la, dando exemplos e respondendo às objeções, aos “argumentos contrários”.

6. Tirar uma conclusão e persuadir, exortar.

Vale ressaltar o contexto histórico da época do Padre, uma época onde varias atitudes tomadas pelo catolicismo eram apoiadas inclusive pelo próprio poder temporal – já que não é simples separar a Igreja e o Estado português neste momento da história -, como converter almas ao cristianismo.

Nessa época, o mundo assistia: a Santa Inquisição a atuar em pleno vapor, que inclusive fez visitações ao Brasil colonial nas regiões Nordeste e Norte, além de em outras terras pertencentes ao Império Colonial Português como Angola, Madeira e Açores, e vale ainda citar que Goa possuía o seu próprio tribunal do Santo Ofício; também assistia-se a imposição do cristianismo para muitos índios no Brasil; além dos negros africanos que para cá foram trazidos e também foram-lhes imposto o catolicismo.

Considerando o contexto de conversões forçadas da época do Padre Vieira e analisando apenas o sermão que fora pregado em 1655, o padre aparenta ser contra a conversão forçada que imperava no período. No entanto, em alguns sermões ele justifica a escravidão, tanto indígena quanto a negra, com argumentos religiosos, como o de que no juízo final esses escravos terão suas almas salvas, no Céu serão servidos pelo próprio Deus, ou ainda, a comparar o sofrimento dos escravos ao martírio do próprio Cristo.

É bem verdade que Vieira tivera problemas com os colonos no Brasil causados pela questão da escravidão, pois posicionava-se a favor da igualdade que não agradava em nada aos habitantes da Colônia e ao voltar ao Reino, não recebeu da regente Dona Luísa o mesmo apoio que fora dado a ele por D. João IV (que a essa altura já havia falecido), além de a Inquisição ter-lhe proibido em 1663 de pregar em terras portuguesas.

Vieira questionava a escravidão e a desigualdade com argumentos como que um dos Reis Magos era negro5; “hei-de ser vosso senhor, porque nasci mais longe do sol, e que vós haveis de ser meu escravo, porque nascestes mais perto?!”; e que ao ser batizado, todos são iguais perante Deus, meio da irmandade entre todos os seres humanos; e ainda como afirma Bosi “Do ponto de vista da ortodoxia Vieira sabia-se respaldado por vários documentos de papas favoráveis à liberdade dos índios (…)”

No entanto, Bosi ainda mostra que “sob o pretexto de guerra justa, a Igreja permitira o cativeiro…” e Vieira possuía a mesma postura ambígua e contraditória de sua Igreja: “Não é minha tenção que não haja escravos, antes procurei (…) que se fizesse (…) [o] cativeiro lícito”. Pode-se entender que a adoção da idéia de cativeiro lícito foi uma forma de conciliar os interesses, uma concessão por parte de Vieira para amenizar os problemas que estava a ter com os colonos cá no Brasil.

Assim, “chega o momento da proposta conciliadora que Vieira apresenta aos colonos renitentes”, que classifica as populações que tinham a possibilidade de ser escravizadas no Maranhão em três grupos que são “os escravos que já estão na cidade”, que tem o direito de escolher se continuam a trabalhar ou não; “os que vivem nas aldeias de el-rei como livres”; e os que “vivem nos sertões”, que só poderiam ser trazidos aqueles que estivessem presos em tribos inimigas e para serem mortos, é o que justificava a escravidão.

Também é valido ressaltar que o discurso de Vieira para os escravos de origem africana era sempre a comparar o sofrimento deles ao martírio de Cristo, a persuadir os negros com a identificação entre eles e o Deus filho: “Em um engenho sois imitadores de Cristo crucificado: porque padeceis em um modo muito semelhante o que o mesmo Senhor padeceu na sua cruz, e em toda a sua paixão”.

Sobre a escravidão dos povos de África, Vieira ainda afirma, no sermão XXVII, que o sacrifício que estavam a passar era compensador, pois assim essas almas estariam redimidas por terem no passado seguido religiões pagãs ou terem vivido sob o Império Islão, e que o cativeiro era algo somente terreno, além de ser um meio para em um plano superior conseguirem a liberdade, e a liberdade eterna, a liberdade da alma.

Vieira ainda afirmou que “todos aqueles escravos que neste mundo servirem a seus senhores como a Deus (…) no Céu, senão o mesmo Deus em Pessoa, o que os há-de servir”.

Portanto, é evidente a postura contraditória do Padre Antônio Vieira, pois ora ele posiciona-se a favor das populações oprimidas pela escravidão, inclusive a incomodar os colonos – visto o problema que teve com estes no Maranhão, por exemplo -, ora ele justifica a escravidão com argumentos religiosos, principalmente nos discursos para os cativos.

Independente de ter sido a intenção de Vieira ou não, fato é, que argumentos religiosos muitas vezes são usados para tentar manipular populações de acordo com os desejos e as necessidades da classe dominante. Pois ao causar medo nos ouvintes da fúria de um Deus impiedoso ou prometendo para injustiçados e para aqueles que a vida era uma completa desgraça – como no caso dos escravos – uma vida melhor e mais justa em um outro plano, o espiritual, que é superior e eterno, acaba por fazer que essas populações tenham esperança de conseguir a liberdade um dia, nem que seja no pós-morte. Muitos dos argumentos utilizados para os escravos por parte de Vieira podem ser entendidos como uma maneira de “acalmar os ânimos” das vítimas da escravidão, fazendo com que essa população passe a conformar-se com o seu estado de subjugação e projete para um plano superior a solução dos seus problemas, que na verdade eram insolúveis.

Mas por mais que argumentos religiosos tenham tentado fazer com que essas populações aceitassem passivamente a sua situação por estar a serviço de uma Igreja – que era altamente atrelada a um Estado que tinha como base na Colônia a escravidão de índios em um primeiro momento e depois de negros africanos -, ou de classes que tinham interesse na escravidão, se essas populações aceitaram tal discurso religioso quem sabe não é porque tiveram realmente as suas sofridas almas confortadas por ele ou por outros sacerdotes. Por mais resistências em relação ao cristianismo que tenham havido por parte de índios e negros, aceitar a religião do dominador, daquele que o escraviza é algo realmente difícil, e se aconteceu, quem sabe em parte não foi por pregadores dotados de uma grande capacidade de persuasão, como era o caso de Vieira.

Sobre o Sermão da Sexagésima, seu autor interessava saber o motivo de a pregação católica estar surtindo pouco efeito entre os cristãos. “Sendo a palavra de Deus tão eficaz e tão poderosa”, pergunta ele, “como vemos tão pouco fruto da palavra de Deus?” Depois de muito argumentar, Vieira conclui que a culpa é dos próprios padres. “Eles pregam palavras de Deus, mas não pregam a palavra de Deus”, afirma. Dito de outra maneira, o jesuíta reclama daqueles que torcem o texto da Bíblia para defender interesses mundanos. No sermão proferido, o Padre também procura criticar a outra facção do Barroco, logo a utilizar o púlpito como tribuna política.

No entanto, se muitas vezes o Padre Antônio Vieira procurava conduzir a opinião pública de acordo com a sua visão, transformando o púlpito em tribuna política, isto não era uma característica somente sua : “no século XVII, como frisou C. R. Boxer, o púlpito desempenhava também funções que hoje cabem aos jornais, à rádio, à televisão, enquanto instrumentos nas mãos dos governantes.”6

Notas
1 – Disponível em: http://www.vidaslusofonas.pt/padre_antonio_vieira.htm.

2 – PIRES, Maria Lucília Gonçalves. Disponível em: http://www.ipv.pt/millenium/ect8_mluci.htm.

3 – AMORA, Antônio Soares. Sermões: problemas sociais e políticos do Brasil. São Paulo: Editora Cultrix, 2000.

4 – Disponível em: http://www.terravista.pt/portosanto/3161/pantvieira.html

5 – Ver Bosi, Alfredo. A dialética da Colonização, SP: Companhia das Letras, 1992, p.135

6 – Disponível em: http://www.terravista.pt/portosanto/3161/pantvieira.html

Bibliografia e Sítios Consultados

AMORA, Antônio Soares. Sermões: problemas sociais e políticos do Brasil. São Paulo: Editora Cultrix, 2000.

BOSI, Alfredo. A dialética da Colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.

PIERONI, Geraldo. Os Excluídos do Reino: A Inquisição Portuguesa e o Degredo para o Brasil Colônia. Brasília: Editora UnB e São Paulo: Imprensa Oficial, 2000.

SOUZA, Laura de Mello e. O Diabo e a Terra de Santa Cruz: Feitiçaria e religiosidade popular no brasil colonial. São Paulo: Companhia das Letras, ????.

VIEIRA, Padre Antônio. Sermões: texto integral. Distribuído em sala de aula, 2001.

http://www.ipv.pt/millenium/ect8_mluci.htm

http://www.palavraeutopia.com/

http://www.terravista.pt/FerNoronha/1854/vieira1.html

http://www.terravista.pt/portosanto/3161/pantvieira.html

http://www.vidaslusofonas.pt/padre_antonio_vieira.htm

Moeda e Crédito no Brasil: breves reflexões sobre o primeiro Banco do Brasil (1808-1829)

Artigo dos Profs. Drs. Elisa Müller e Fernando Carlos Cerqueira Lima (Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro – Brasil)

Resumo: O artigo analisa a trajetória do primeiro Banco do Brasil (1808-1829) a partir de fontes primárias e secundárias com o objetivo de mostrar o impacto da organização do Banco, tanto no que diz respeito à composição do meio circulante nacional quanto à clássica função de prestamista. A título de conclusão são discutidas as razões que levaram ao encerramento das atividades do Banco do Brasil e apresentados os principais argumentos econômicos pró e a favor desta liquidação.

O início das operações do primeiro Banco do Brasil, em 1809, pode ser considerado um marco fundamental na história monetária do Brasil e de Portugal, tanto por ter sido a primeira instituição bancária portuguesa quanto pelo fato de representar uma significativa mudança no meio circulante do Brasil através da emissão de notas bancárias. Até então, as funções de meio de troca e de pagamentos haviam sido cumpridas exclusivamente por moedas mercadorias – a exemplo do açúcar e do algodão – e por moedas metálicas originárias de Portugal e de outras partes do mundo, ou cunhadas na Colônia. A cunhagem de moedas na Colônia disseminou-se através da instalação, em Salvador, na Bahia, da Casa da Moeda em fins do século XVII. No entanto, é interessante observar que a prática de cunhagem no interior da Colônia não eliminou, no Brasil, as trocas realizadas por intermédio de moedas estrangeiras. No extremo norte , por exemplo, continuavam sendo usadas no comercio moedas mexicanas e peruanas e no extremo sul, na área onde atualmente se localiza o atual estado do Rio Grande do Sul, circulavam indistintamente moedas brasileiras e dos países vizinhos1. Pode-se dizer que a flexibilidade foi um traço característico do meio circulante brasileiro no período colonial , uma vez que em um mercado interno ainda em formação, instrumentos de troca alternativos substituiram as tradicionais moedas metálicas. A escassez de moedas metálicas na Colônia pode ser creditada à cobrança de impostos, ao esgotamento das minas brasileiras e aos constantes déficts da balança comercial. Além disso grande parte das moedas cunhadas no Brasil e em Portugal era desviada para a Inglaterra "onde dobrões portugueses circulavam como moeda nacional2.

Segundo Melo Franco na ocasião em que o Banco do Brasil foi criado calcula-se que a soma dos valores das moedas em circulação atingia 10 mil contos de réis – dois terços dos quais eram de ouro. Esses números contrastam com o volume de moedas cunhadas na Casa da Moeda do Rio de Janeiro, no período de 1703 a 1809, que atingiu o valor total aproximado de 200 mil contos de réis3.

É praticamente consensual entre os historiadores a opinião de que o interesse do governo Português em criar o Banco do Brasil deveu-se a impossibilidade de financiar os gastos públicos – elevados quando da transferência da Corte para o Rio de Janeiro em janeiro de 1808 – através apenas da cobrança de tributos. A transformação do Rio de Janeiro em sede do Reino Português, a abertura dos portos às nações amigas e o fim das restrições impostas às manufaturas brasileiras aumentaram ainda mais a demanda por moeda a qual era incapaz de ser suprida a partir do estoque preexistente, já que a sua oferta era sabidamente muito pouco elástica. Restavam ao governo português duas alternativas para aumentar a liquidez do sistema e financiar os gastos. Uma seria promover um "levantamento" do valor de face da moeda; tal artifício freqüentemente utilizado nos séculos XVI e XVII possibilitaria um aumento nominal do estoque de moeda, mas seu custo político era elevado já que, na prática, esta medida depreciava o poder de compra da moeda4.

Outra alternativa, menos problemática, seria a emissão de moeda papel ( ou papel-moeda) através da criação de um banco emissor capaz de atender as necessidades de gastos do governo. Segundo Pelaez e Suzigan5 esta solução teria sido apresentada por D.Rodrigo de Souza Coutinho a D.João VI durante a viagem da Corte Portuguesa da Europa para o Brasil. Como é sabido a recomendação feita por D. Rodrigo de Souza Coutinho não era nova, pois segundo Peres6, desde o século XVII eram feitas sugestões aos reis portugueses para que criassem instituições bancárias no país7.

A proposta mais antiga ,segundo o autor, consta na obra do mercador português Duarte Gomes Solis intitulada " Discursos sobre los comércios de las Índias", publicada em 1622. Uma outra recomendação ao Rei de Portugal para estabelecer bancos está documentada nas "Razões apontadas a El-Rei D.João IV a favor dos cristãos-novos, para se lhes haver de perdoar a confiscação de seus bens que entrassem no comercio deste reino " escrita, em 1646, pelo padre Antonio Vieira8. A principal razão para o insucesso dessas propostas talvez decorra da opção do governo português de atribuir às Companhias de Comércio algumas funções normalmente desempenhadas por bancos. A resistência do Estado português em relação à organização de instituições bancárias persistiu até o início do século XIX. Antes dessa data até mesmo a proposta de organizar o Banco Nacional Brigantino apresentada , em 1797, por D.Rodrigo de Souza Coutinho, na época ministro da Marinha, foi recusada pelo rei de Portugal9. Ao que parece, o projeto de criação do Banco Nacional Brigantino -destinado também a sanear o meio circulante e a prover o Estado de recursos extra-fiscais- se aproxima , em muito, do Banco do Brasil, instituído por D. João VI através da assinatura do Álvara de 12 de Outubro de 1808.

As marchas e contramarchas em relação a organização de bancos em Portugal sugerem que naquele país e em suas colônias as atividades bancárias eram desempenhadas por prestamistas individuais, comerciantes e outros agentes que atendiam ,fundamentalmente, às necessidades de fornecimento de crédito à iniciativa privada. Ao que parece, antes da chegada da família Real ao Brasil os gastos públicos ainda não justificavam a criação de um banco emissor. Nesse aspecto a política de financiamento dos gastos públicos portugueses parece ter sido mais ortodoxa do que a de outros países, que a exemplo da Inglaterra e dos EUA , não hesitaram em recorrer à emissão de papel-moeda quando necessitavam de recursos para financiarem, por exemplo, as guerras. No caso de Portugal, o Alvará de outubro de 1808, deixava claro que a organização de um banco emissor justificava-se pela necessidade de financiar as altas despesas governamentais. Como afirma Melo Franco (1948), o interesse de Portugal em um banco estatal se explicava muito mais por uma necessidade financeira do que econômica. Daí o fato de ter sido concebido como um banco emissor, vinculado à Coroa.

O Banco do Brasil, previsto para funcionar como uma sociedade acionária , foi autorizado a atuar por um prazo de vinte anos, findos os quais poderia ser dissolvido ou permanecer em operação, de acordo com a autorização do rei10. Com fundo de capital de mil e duzentos contos de réis, divididos em mil e duzentas ações de um conto de réis cada uma, o Banco poderia entrar em funcionamento assim que fossem vendidas as primeiras cem ações. As principais operações do Banco definidas em seus estatutos eram: descontar letras de cambio, ser depositário de prata, ouro, diamante, ou dinheiro; emitir letras ou bilhetes pagáveis ao portador à vista e ter o monopólio na comissão da venda de diamantes, pau-brasil, marfim e urzella11.

Do ponto de vista da administração, o estatuto previu a formação de uma Assembléia Geral composta dos quarenta maiores acionistas os quais deveriam ser portugueses. A indicação da primeira diretoria do Banco ficaria a cargo do Príncipe Regente e as demais seriam nomeadas pela Assembléia geral e confirmadas por Diploma Régio.

Em uma economia escravista-exportadora, não era fácil vender as ações do Banco do Brasil. Além da desconfiança do público, os capitais eram aplicados preferencialmente nos negócios ligados à agricultura de exportação. Apesar do empenho da Coroa, foram necessários 14 meses para que fossem subscritas as 100 ações (capital mínimo) para início das atividades do Banco, o que só ocorreu em dezembro de 180912. A venda de ações do Banco do Brasil permitiu a alguns moradores do Rio de Janeiro uma rápida ascensão social. Em troca da compra de ações, a Coroa distribuía Comendas da Ordem de Cristo, títulos do Conselho de Fidalgos da Casa Real e nomeações para cargos de deputado da Real Junta do Comércio13.

Têm sido aventados dois fatores para explicar as dificuldades iniciais para a subscrição das ações do Banco do Brasil. O primeiro apoia-se no argumento de que a moeda metálica era escassa. Nesse sentido, a iliquidez das formas correntes de riqueza explicitadas nos testamentos – terras e escravos – impediria aos possíveis interessados subscreverem as ações do Banco.

A outra explicação aponta para o desinteresse dos grandes comerciantes portugueses em aderir a este novo empreendimento. Antes de mais nada. Seria preciso considerar o fato de que o Banco era um negócio desconhecido, enquanto as atividades ligadas ao grande comercio transatlântico eram extremamente atraentes pela sua rentabilidade, embora esta por vezes se mostrasse arriscada. Outro ponto a considerar é a hipótese de a ausência de numerário dentre os bens arrolados em testamentos espelhar o temor em relação a um possível confisco pelas autoridades, o que aconteceria caso a riqueza estivesse sob a forma monetária. Esta tese seria reforçada pelo fato de que, tão logo foi suspensa a proibição de abertura de empresas foram criadas quatro companhias de seguro, das quais eram acionistas alguns dos maiores comerciantes do Rio de Janeiro e que cujo capital integralizado atingiu, em 1815, a soma de 2.000 contos de réis 14, enquanto que, naquele mesmo ano, o capital do Banco do Brasil atingia apenas 581 contos de réis15

O Banco abriu suas portas em uma casa localizada na Rua Direita. Em 1815 ganhou uma nova sede ocupando a casa onde funcionara o Erário Real e que, segundo Pizarro, era então a terceira construção mais importante do Rio de Janeiro da época16. Desde que entrou em operação o Banco do Brasil cumpriu a função estatutária de emitir bilhetes ao portador. De 1810 a 1828 foram emitidos um total de 28.866.450$000 réis, sendo que destes entraram em circulação, no Rio de Janeiro, notas do Banco em um total de 26.232.450$ réis. Em outras palavras, cerca de 90% da moeda-papel emitida pelo Banco do Brasil foi destinada à praça do Rio de Janeiro17.

Em 1813 começaram a ser atenuadas as dificuldades de venda das ações, graças ao aumento dos dividendos das ações e às vantagens oferecidas aos acionistas mencionadas acima. Em 1816 o Banco do Brasil tornou-se lucrativo para seus acionistas, ainda que se possa questionar a origem desse lucro. Suas ações renderam, entre 1815 e 1827, aproximadamente 14,4% ao ano, onerando o erário e forçando a Coroa a recorrer a novas emissões18. Ser acionista do Banco do Brasil havia se tornado, portanto, se uma opção de investimento atraente, com boas perspectivas de rentabilidade, além de contribuir para diversificar a carteira de aplicações. Em resumo, pode-se dizer que as razões que levaram ao aumento da subscrição das ações do Banco do Brasil foram econômicas – a compra de ações era um bom investimento – e culturais – tornar-se acionista do Banco do Brasil agradava ao Imperador e era um meio eficaz de ascensão à nobreza.

Entre 1814 e 1820, as emissões de moeda papel elevaram-se fortemente, a um tempo que não houve resgates. Nesse período, os bilhetes em circulação aumentaram de 1.042 mil para 8.070 mil contos, sendo que, em 1820, os depósitos metálicos somavam apenas 1.315 contos19. Em 1821 o balanço das operações do Banco do Brasil revelou seu estado de quase falência, e um saldo devedor de 6.016 contos de réis20. A situação foi agravada quando, ao voltar para Portugal, D. João VI retirou jóias e metais preciosos dos cofres do estabelecimento. Já sem lastro, o Banco prosseguiu ao longo dos anos de 1820 a política de emissões subordinadas às exigências impostas pelo financiamento dos gastos públicos.

Em maio de 1826 com a abertura de 1829, com a reabertura do Parlamento, teve início o debate sobre a atuação do Banco do Brasil. Dois tipos de problemas eram apresentados pelos opositores de D. Pedro I, confundidos com opositores do Banco: o volume excessivo de emissões e os desmandos dos diretores, acusados, muitas vezes não sem razão, de todo o tipo de prevaricação.

O primeiro problema decorria do fato de que havia se desenvolvido um consenso de que tanto o desaparecimento de circulação das moedas metálicas (Lei de Gresham)21 como as constantes desvalorizações cambiais que então se registravam eram causadas pelas emissões de papel-moeda, ou pelo menos pelo "excesso" de emissões22. Em uma economia extremamente dependente de importações, qualquer desvalorização era sentida como sendo inflação.

Tal problema poderia ser equacionado sem necessariamente implicar na dissolução do Banco e, de fato, foram proibidas novas emissões a partir de 1828. Além disso, já havia promessas de resgate gradual das notas em circulação, estando em discussão apenas as formas adequadas de financiamento – como os aumentos de impostos, vendas de propriedades públicas e eclesiásticas, etc23.

Por sua vez, a questão das atitudes irregulares adotadas pelos diretores do Banco do Brasil, e cujos detalhes eram revelados à opinião pública, foi agravada pelo fato de o Banco haver pago, em 1828, dividendos recordes equivalentes a quase 20% do seu capital.

Melo Franco24 lista os principais argumentos apresentados pela direção do Banco do Brasil para se defender da acusação de emitir indevidamente: em primeiro lugar, o aumento das notas em circulação não seria a causa da queda da taxa de câmbio, o que aliás continuava a ocorrer em 1829 apesar dos recolhimentos já efetuados; argumentavam ainda os dirigentes do Banco que os empréstimos ao governo eram feitos por exigência deste e que também o Parlamento era responsável pelo financiamento dos déficits governamentais; e, finalmente, que o Banco do Brasil havia desempenhado um papel de relevo na causa da Independência, principalmente no Recife e no sul do País25.

Não obstante, a oposição à renovação da licença para o funcionamento do Banco continuou a crescer no Parlamento e, em 23 de setembro de 1829 foi decidido que sua extinção se daria em 11 de dezembro daquele ano, quando a instituição completaria 20 anos de existência26.

As notas do Banco foram sendo posteriormente substituídas por cédulas inconversíveis emitidas pelo Tesouro. No início da década de 1830, o saldo de meios de pagamento em circulação atingia cerca de 40 mil contos, dos quais aproximadamente 20 mil eram notas, l8 mil eram moedas de cobre (bilhões)27, portanto, o total de moeda metálica de ouro e de prata não chegava a 2 mil contos28. Se esses dados e os referentes aos do início do século mencionados anteriormente estiverem corretos, a oferta de moeda teria aumentado, portanto, quatro vezes, tendo sido modificada radicalmente sua composição, antes predominantemente metálica. Infelizmente não foi possível obter informações relativas à inflação naquele período, apenas indicativos de que havia um clima inflacionário, certamente motivado pela depreciação da taxa de câmbio, que se acentuou na década de 1820.

Por fim, é importante notar que o fechamento do Banco do Brasil não implicou em qualquer abalo na estrutura de crédito direcionado ao setor privado, que permaneceu todo o tempo inalterada em relação ao período anterior ao aparecimento do Banco. Como já foi visto, era reduzida a atividade do Banco no desconto de letras privadas. Esta poderia ser apontada, inclusive, como uma das razões para o fato de o Banco do Brasil Ter tido, por ocasião da discussão sobre o seu eventual destino, pouco apoio político e uma mídia francamente desfavorável.

Notas

1 – Ver LEVY, Maria Bárbara, ANDRADE, Ana Maria Ribeiro de (1985).Fundamentos do Sistema Bancário no Brasil: 1834-1860. São Paulo, Estudos Econômicos, 15(número especial):18

2 – ver AGUIAR, Pinto de (1960). Bancos no Brasil Colonial. Salvador. Livraria Progresso. P13.

3 – MELO FRANCO, Afonso Arinos (1948).História do Banco do Brasil( Primeira Fase 1808-1835). São Paulo: Instituto de Economia da Associação Comercial. p 9.

4 – Para maiores informações sobre tal prática ver LEVY, Maria Bárbara (1983). Elementos para o Estudo da Circulação da Moeda na Economia Colonial. São Paulo. Estudos Econômicos 13(Especial): 825-840

5 – PELÁEZ, Carlos Manuel e SUZIGAN, Wilson. (1981). História Monetária do Brasil. Brasília : Editora da UNB. Cap. 1

6 – PERES, Damião Antonio(1971) História do Banco de Portugal 1821-1846 volume 1. Lisboa. Editora do Banco Português. P.33

7 – Alguns desses projetos pioneiros de constituição de instituições bancárias em Portugal podem ser encontrados no Arquivo Histórico do Banco de Portugal, em Lisboa.

8 – idem

9 – COUTINHO, D.Rodrigo de Souza Textos Políticos, Econômicos e Financeiro (1783-1811) Lisboa: Banco de Portugal, 1993, Tomo II, pp 110-119 apud CARDOSO, José Luis. Novos Elementos para a História Bancária de Portugal Projectos de Banco, 1801-1803. Cadernos de História Econômica.n 6. Lisboa: Banco de Portugal

10 – Estatutos do Banco do Brasil de 1808, parágrafo 2

11 – Até as comissões decorrentes do monopólio da venda de diamantes, pau-brasil, e urzela eram arrematadas pelo Real Erário. Ver MELLO, Franco, op.cit.32

12 – SOUZA, Inglês de (1924). A Anarchia monetárias e suas conseqüências. São Paulo. Monteiro Lobato Editoresp.39

13 – MARTINHO, Lenira Menezes & GORENSTEIN, Riva (1992). Negociantes e caixeiros na sociedade da independência. Rio de Janeiro: Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. Coleção Biblioteca Carioca. Volume 24p.148

14 – Ver CALDEIRA, Jorge (1999) A Nação Mercantilista – Ensaio sobre o Brasil. São Paulo: Editora 34 p.339

15 – Ver CALÓGERAS, Pandiá (1960). A Política Monetária do Brasil São Paulo : Companhia Editora Nacional. P. 37

16 – PIZARRO, José de Souza Azevedo. Memórias Históricas do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. Instituto Nacional do Livro. 1945

17 – FRANCO, Bernardo de Souza(1984). Os Bancos do Brasil. Brasília: UNB.p.17

18 – idem: 44

19 – ANDRADA, Antonio Carlos Ribeiro de (1923). Bancos de emissão no Brasil. Rio de Janeiro :Livraria Leite Ribeiro. p.11

20 – PELÁEZ, Carlos Manuel e SUZIGAN, Wilson (1981). História Monetária do Brasil. Brasília : Editora da UNB. p.12

21 – As moedas de ouro e de prata não circulavam mais no Rio de Janeiro no final da década de 1810. A idéia de que a moeda má expulsa a moeda boa" já era amplamente divulgada no Brasil. Tal fenômeno não aconteceu só no Rio de Janeiro. Ao estudar a história monetária americana, Galbraith mostra que o fumo e o papel- moeda emitido por diversas colônias substituíram as moedas metálicas. VER GALBRAITH, J.K.(1977) A moeda de onde veio para onde foi . São Paulo. Editora Pioneira. Capítulo 5

22 – Ver ANDRADA, Antônio C. Ribeiro (1923). Bancos de Emissão no Brasil. Rio de Janeiro. Livraria Leite Ribeiro. Mais recentemente, tem sido contestada essa relação entre emissão de papel-moeda e taxa de câmbio no Brasil naquele período, com os déficits na balança comercial sendo apontados como o principal fator responsável pelas desvalorizações cambiais. Ver a respeito SOUTO, L.R. Vieira ( 1925). O Papel-Moeda e o Câmbio. Paris: Imprimeire de Vaugirard. E LEVY, Maria Bárbara e Andrade, Ana Maria Ribeiro de (1980). A Gestão Monetária na Formação do Estado Nacional. Revista Brasileira de Mercado de Capitais. Volume 6

23 – Eventualmente nenhuma dessas propostas foi aprovada, e as notas do Banco do Brasil acabaram por ser resgatadas pela emissão de notas do Tesouro inconversíveis.

24 – MELO FRANCO, op.cit:259

25 – Diversos autores que, posteriormente, criticaram a decisão de fechar o primeiro Banco do Brasil – "o mais grave erro financeiro do Primeiro Reinado" no entender de CALÓGERAS, 1960, – apresentam um dado revelador, extraído dos trabalhos da Comissão nomeada pela Câmara para proceder à liquidação do Banco: o valor de notas em circulação (19.017 contos) não era significativamente superior ao da dívida do Tesouro para com o Banco (18.301 contos)

26 – Vale realçar o caráter político deste ataque ao Banco do Brasil, na época aguçado particularmente pela repulsa popular à guerra na Província Cisplatina que vinha sendo pelo menos em parte financiada pelas emissões do Banco.

27 – A partir de 1827, o Tesouro passou a emitir notas. Parte dessas emissões tinha o propósito de resgatar moedas de cobre. Por essa razão, o total de papel-moeda emitido alcançou cerca de 35 mil contos em 1835.

28 – Ver ORTIGÃO, Ramalho (1916). "A Circulação " Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Tomo Especial. Parte IV.

Prof. Dr. João Paulo Pimenta (USP)

Entrevista com o historiador João Paulo Pimenta

 

Professor da USP e doutor por esta mesma instituição, João Paulo Pimenta tem realizado, ao longo de sua trajetória acadêmica, pesquisas e publicações envolvendo o Brasil e a América Espanhola no século XIX. Deste modo, a Revista Tema Livre apresenta ao seu público a entrevista realizada, por e-mail, com o historiador da USP, onde são tratados assuntos concernentes às independências latino-americanas e à formação do Estado Nacional na América Latina. Igualmente, na entrevista, são abordadas questões concernentes à historiografia do Brasil, da Argentina e do Uruguai, assim como ao ocaso dos Impérios Ibéricos no Prata e à província Cisplatina.

Revista Tema Livre – Primeiramente, o Sr. trabalhou, tanto no seu mestrado, quanto no seu doutorado, com questões envolvendo o Brasil e a América Espanhola no primeiro quarto do século XIX. Deste modo, perguntamos-lhe como surgiu este interesse?

João Paulo Pimenta – Por um lado, esse interesse surgiu da constatação de que as diferentes historiografias a respeito da independência e da formação do Estado nacional brasileiro sempre tocaram, "de raspão", no tema dos impactos causados pela política hispano-americana naqueles dois movimentos, sem que isso conduzisse a análises pormenorizadas. Claro que, até hoje, nenhum historiador pôde negar que, nas primeiras décadas do século XIX, as trajetórias históricas da América portuguesa e da América espanhola se cruzaram, e alguns esboços de quando, onde, como e porquê isso se deu chegaram a ser feitos. Sendo esse um topos obrigatório da realidade geral que eu pretendia estudar, pareceu-me que o seu aprofundamento analítico indicava para uma importante demanda de pesquisa, e fornecia um excelente pretexto para a problematização de temas muito relevantes.

Por outro lado, não há como negar que vivemos, nesta primeira década de século XXI, um momento ainda propício a inquietações intelectuais que, conscientemente ou não, contribuam para um arrefecimento das fronteiras nacionais, inclusive no plano da investigação histórica especializada. Avaliando retrospectivamente o que tenho feito, reconheço que minha obra expressa bem uma tendência a problematizar a história contra a circunscrição nacional de temas, a diálogos críticos com variadas tradições intelectuais nacionais, e ao tratamento de fontes primárias de diferentes procedências espaciais. Creio que de tais investigações resulta, no entanto, mais do que uma necessária crítica a distorções nacionalistas ou nacionalizantes impostas à História, simplesmente uma história "em seus devidos lugares"; isto é, um olhar global e totalizador sobre os processos de independência da América ibérica e a presença, neles, da questão das identidades coletivas. O que não deixa de ser uma forma de olhar típica da realidade atual.

RTL – Além disto, o Sr. pode nos contar, sucintamente, sobre a influência dos processos de independência e de formação dos Estados Nacionais da América Espanhola no Brasil?

Pimenta – Se minhas investigações partiram justamente da constatação de um consenso historiográfico em torno do reconhecimento de que houve impactos nada desprezíveis de uma realidade sobre a outra, até o momento elas conduziram a duas conclusões gerais diretamente derivadas dessa constatação, e articuladas entre si: em primeiro lugar, a historiografia não estava errada ao destacar tais impactos, pois de fato um espectro significativo de determinações provenientes da política hispano-americana a partir da crise de 1808 foi sendo absorvido no mundo luso-americano (nesse ponto, minhas pesquisas não se voltam contra a tradição; pelo contrário, dão continuidade a ela); em segundo lugar – e aí sim ao revés do que afirmava a maioria esmagadora das obras que tocaram na questão – esse espectro não é redutível aos exemplos "negativos", pelos quais a América espanhola "ensinou" a América portuguesa a evitar fenômenos que aquela começou a conhecer antes que esta, e que nos termos da época podiam ser referidos como "exemplos sangrentos" de "desordem", "destruição", "anarquia", "guerra civil", etc. Também houve, sobretudo nos anos que imediatamente envolvem a independência do Brasil, exemplos "positivos", pelos quais a América espanhola pôde se converter em exemplo benéfico de viabilização de um mundo sem metrópoles.

Trata-se, desse modo, de fenômeno complexo e multifacetado. Essa complexidade, por fim, só pode ser devidamente compreendida quando relacionada a elementos de política externa dos governos americanos e europeus da época, a rotas comerciais, a fluxos humanos e de livros, jornais, informações, boatos e idéias. O resultado dessa dinâmica interação entre Brasil e América espanhola no começo do século XIX – e que não se limita, obviamente, ao desfecho da crise dos impérios ibéricos, mas diz respeito ao movimento em si – chamei de "experiência hispano-americana", reelaborando uma categoria analítica bem construída por Reinhardt Koselleck.

RTL – E qual foi a repercussão da Independência do Brasil na América Espanhola?

Pimenta – Eis uma questão fundamental, cuja resposta satisfatória ainda nos escapa quase que totalmente. Em minha dissertação de mestrado, finalizada em 1997 e posteriormente publicada em livro, levantei alguns elementos em torno dos conflitos políticos e identitários posicionados na intersecção da bem-sucedida construção de um Brasil monárquico com as fracassadas tentativas de construção de um governo central em Buenos Aires e que agregasse a maioria dos territórios do antigo Vice-Reino do Rio da Prata; mas foram apenas alguns elementos, já que esta não era a questão central daquele trabalho. Mais recentemente, escrevi alguma coisa e comecei a orientar trabalhos de estudantes de graduação e pós-graduação voltados diretamente a espaços como a Venezuela, o México e o Peru, além, claro, do mesmo Rio da Prata, onde sem sombra de dúvida a política luso-americana exerceu maior impacto do que em qualquer outra parte. Se da análise de uma "experiência luso-americana" resultou uma contribuição historiográfica satisfatória, as muitas "experiências luso-americanas" presentes no mundo hispânico ainda aguardam o empenho dos historiadores. Mas não tenho dúvida que tais "experiências" existiram e foram significativas.

RTL – Especificamente sobre o espaço platino, que o Sr. trabalhou em seu livro "Estado e nação no fim dos impérios ibéricos no Prata (1808-1828)", fale-nos, resumidamente, sobre o ocaso desses impérios nesta região da América.

Pimenta – Ele só pode ser compreendido de modo abrangente e total; portanto, avaliando-se e integrando-se os resultados da pesquisa especializada voltada para cada um dos espaços específicos que à época compunham as unidades políticas, econômicas, sociais e culturais em contato. Não se trata, apenas, de Brasil e Rio da Prata, mas também dos muitos "Brasis" e "Rios da Prata" existentes. E a região vulgarmente chamada de banda oriental representa, nessa direção, uma síntese de muitos vetores e determinações históricas. Essa é uma forma de analisar as coisas que vai muito além de noções tradicionais (mas nem por isso desprovidas de utilidade para outros estudos) como "fronteira", ou de métodos (por ventura igualmente válidos) de "comparações" ou "conexões". Trata-se, simplesmente, de respeitar a abrangência do fenômeno a ser estudado – a crise e dissolução dos impérios ibéricos na América.

O que, nas primeiras décadas do século XIX, integrava aqueles espaços em uma mesma unidade histórica? Longevos contatos fronteiriços, disputas territoriais, guerras, relações diplomáticas e complexos produtivos compartilhados; mas também – e aí me refiro especificamente à conjuntura inaugurada com as guerras napoleônicas na Europa – a possibilidade real de quebra da unidade dinástica em Portugal e Espanha, de desintegração dos seus respectivos domínios americanos, de inserção destes no novo desenho político-econômico mundial, de ampliação dos espaços de crítica política, da crescente complexidade dos próprios meios de atuação política, etc. Em suma: a partir de 1808 a unidade das Américas espanhola e portuguesa enfrentava uma mesma situação de fundo, ainda que para tanto mobilizassem esforços que, de parte a parte, encontrariam soluções diferenciadas e específicas. Talvez isso possa ser visto como a defesa de uma compreensão do contexto americano da época de modo menos fragmentado e isolado do que de costume, sem implicar, evidentemente, o abandono da investigação específica – apenas a sua re-significação de acordo com uma unidade histórica mais ampla.

RTL – Fale-nos também sobre o mito das origens nas historiografias do Brasil, da Argentina e do Uruguai, bem como a crítica a esta produção historiográfica.

Pimenta – Aprendemos, todos nós, a fazer História de acordo com premissas estabelecidas no século XIX, e segundo as quais os significados das realidades passadas só podem ser devidamente compreendidos como singulares, únicos, jamais repetíveis. Ora, no caso das historiografias ibero-americanas, tais premissas se conjugam com o advento das narrativas nacionais, que elevaram a nação à condição de sujeito máximo da história, devidamente destacado das demais ao seu redor. Muito embora muitas e profundas renovações historiográficas tenham sido observadas em diferentes países, inclusive com a crítica direta às presunções fundadoras atribuídas a determinados acontecimentos por representantes das historiografias nacionais, ainda carregamos muito fortemente as implicações decorrentes dos limites impostos por aquela concepção histórica. Sem que sejamos nacionalistas stritu sensu, a tendência é fazermos uma história de países, ou pelo menos hipertrofiada em temas que não costumam transcender as fronteiras nacionais da historiografia onde eles foram concebidos.

No que me toca mais diretamente, não pretendi fazer dessa crítica (ademais já realizada por grandes autores como Carlos Real de Azúa, José Carlos Chiaramonte e François-Xavier Guerra) o escopo principal de meu trabalho, apenas o seu pretexto inicial. Acredito que toda operação intelectual de desmanche de outras concepções modelares deve oferecer como alternativa algo equivalente, e que, nesse caso, envolve o empenho em olhar para além de um movimento de independência, ou de um tempo-espaço específico. Deve-se atribuir sentido ao que é (obviamente) específico por aquilo que ele possui de típico, em meio ao cenário americano mais amplo. Mas isso é muito difícil, já que tal empenho pressupõe justamente um bom domínio das historiografias nacionais que, de algum modo, tocaram na questão geral.

RTL – No que refere-se à Cisplatina, o Sr. pode nos falar sobre a produção periódica realizada em Montevidéu. Perguntamos-lhe, assim, sobre a influência e o peso político desses jornais, se eles podem ser considerados como brasileiros e, ainda, quem eram seus editores?

Pimenta – O pouco que sei a respeito dessa obliterada produção periódica publiquei em alguns pequenos artigos, e que são, no meu entender, muito mais um indicativo de uma demanda de pesquisa fundamental do que a resolução de um problema histórico que está apenas esboçado. O periodismo surge na banda oriental com as invasões inglesas de 1806 e 1807, adquire forte sentido político já com a formação da junta revolucionária de Buenos Aires em 1810 e doravante representa um mecanismo de luta política imprescindível para os muitos e diversificados agentes atuantes naquele cenário. Conforme afirmei acima, a região é uma síntese de muitos vetores e determinações históricas que aproximam as Américas espanhola e portuguesa, o que está sobejamente espelhado nessa produção impressa.

Mais especificamente, quando o grupo de Carlos Frederico Lecor cria a "província Cisplatina", em 1821, pretendendo mantê-la como uma parte do Reino do Brasil, é na imprensa periódica que ensaios políticos importantíssimos são feitos: periódicos são criados e fechados, editores subsidiados e perseguidos, e manifestações de descontentamento cada vez mais abertas em relação à própria política portuguesa encontram espaço de publicização, mostrando contradições do sistema. Trata-se, evidentemente, de uma imprensa portuguesa diretamente vinculada ao Brasil, mas isso não parece ter sido suficiente para valorizá-la historiograficamente enquanto tal; já na historiografia uruguaia, o período vulgarmente conhecido como de "dominación luso-brasileña" tampouco goza de grande prestígio entre os estudiosos. Se estou correto nesse diagnóstico, nos dois casos ainda percebemos efeitos nocivos da persistência de concepções estritamente nacionais da história das independências. Mas sou otimista em relação à reversão desse quadro, inclusive ao constatar um aumento significativo nos estudos brasileiros e uruguaios a respeito da banda oriental. A agenda continua aberta.

RTL – Por fim, abandonando o Prata e partindo para outras áreas da América Espanhola que fazem fronteira com o Brasil, o Sr. pode falar um pouco sobre as relações políticas e diplomáticas brasileiras com países como o Paraguai, a Bolívia e a Venezuela no período trabalhado em sua tese de doutorado?

Pimenta – As relações diplomáticas de fato entre esses países só serão organizadas algum tempo após suas respectivas independências, isto é ao longo das décadas de 1820 e 1830, o que vem também merecendo atenção de estudiosos, principalmente os voltados à história política das relações internacionais. No entanto, durante os anos anteriores, existiram várias formas de relacionamento entre autoridades políticas atuantes nessas regiões, e que infelizmente ainda nos são pouco conhecidas. Há que se pesquisar documentação de províncias fronteiriças, há que se entender os pontos de contato dos "brasis" não somente pela bem-conhecida fronteira do Rio Grande, mas também as de São Paulo, Mato Grosso, Rio Negro e Pará com o Alto Peru, o Peru, a Nova Granada, a Venezuela e o Caribe. Novamente, nessas lacunas nos vemos às voltas com mazelas das fronteiras historiográficas nacionais. Mas já estou ficando repetitivo: reafirmo que sou otimista em relação ao preenchimento dessas lacunas em um futuro próximo, pois cada vez mais historiadores de diferentes países, voltados às independências americanas, buscam a integração de suas pesquisas. Afinal, vivemos no século XXI…

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As revoluções de Maio e Liberal do Porto no Estado Cisplatino Oriental

Artigo de Fábio Ferreira
Doutorando em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF)
Mestre em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Bacharel em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

 

 

Introdução

O mundo ibero-americano assistiu no curto período de 1810 a 1820 a duas grandes revoluções que mudaram drasticamente suas configurações e seus destinos políticos. O primeiro dos acontecimentos é a Revolução de Maio, que eclodiu no dia 25 do citado mês do ano de 1810, tendo como palco a cidade de Buenos Aires. O outro é a Revolução Liberal do Porto, que ocorreu na citada cidade portuguesa em 24 de agosto de 1820.

Em razão da Revolução de Maio foram quebradas centenárias relações políticas e econômicas entre a região platina e a Espanha, bem como foram alteradas definitivamente as configurações territoriais das unidades políticas espanholas nesta porção da América, culminando na criação de vários países na área que outrora configurava o Vice-Reino do Rio da Prata.

Já a ação dos liberais portugueses buscou por termo ao absolutismo luso, dando a Portugal um período sob a égide liberal. Além disto, a Revolução de 1820 deu ao reino ibérico uma constituição, fez com que D. João VI retornasse à Europa e culminou na separação do Brasil do Reino Unido português.

Contudo, tanto a Revolução do Porto, quanto a de Maio, tiveram importantes desdobramentos em áreas que vão além de Portugal, do Brasil e da cidade de Buenos Aires, como, por exemplo, Angola, no caso português, e do Paraguai e do Alto Peru, no portenho. No entanto, ressalta-se que o território que, atualmente, corresponde à República Oriental do Uruguai, denominado, à época, de Banda Oriental, guarda a especificidade de ter sido diretamente atingido pelas ações revolucionárias de Buenos Aires e do Porto.

Deve-se, ainda, entender a Banda Oriental das primeiras décadas do século XIX como uma área de interseção e de indefinição entre os mundos luso-brasileiro e espanhol, gravitando, portanto, ora em torno de Lisboa e do Rio de Janeiro, ora de Madri e de Buenos Aires.

A indefinição da Banda Oriental não dava-se apenas no sentido de sob qual centro de poder ibero-americano esta região estaria ou não vinculada. Abarcava a falta de precisão e a porosidade de suas fronteiras, o relevante trânsito de pessoas e de mercadorias com o Rio Grande português e o espanhol Vice Reino do Prata, assim como era significativo o número de portugueses e espanhóis estabelecidos no território oriental.1

Diante destas evidências, o presente artigo irá analisar as influências das revoluções portenha e portuguesa nos rumos do território oriental, fazendo com que este viesse a compor ora o mundo hispano-americano, ora o luso-brasileiro. Para a melhor compreensão daqueles conflitos é válido retomar o ano de 1808, por este estar intrinsecamente vinculado à revolução platina e a demandas dos revoltosos do Porto.

 

1808, a Revolução de Maio e a Banda Oriental

Em primeiro lugar, observa-se que 1808 foi o ano em que, em função da invasão de Napoleão Bonaparte a Portugal, o príncipe regente D. João, sua consorte Carlota Joaquina, e a corte lusa chegaram ao Rio de Janeiro, transformando a capital da antiga colônia americana em centro do Império português.

Concomitantemente, neste mesmo ano, após cogitarem fugir para o México, a família real espanhola foi capturada por Napoleão, que colocou à frente do governo da Espanha seu irmão, José Bonaparte, que veio a ser transformado em rei dos espanhóis, porém, isto não significou que a totalidade dos castelhanos tenham-no aceito como seu soberano. Iniciava-se, assim, um movimento de resistência à dominação francesa. Em finais de 1808, foi organizada pelos antagonistas dos irmãos Bonaparte, na cidade de Sevilha, uma junta central, que buscava governar em nome do rei cativo, Fernando VII, irmão de Carlota Joaquina.

Evidentemente, os acontecimentos ibéricos tiveram seus desdobramentos na porção americana controlada pela Espanha. Neste quadro, os governos coloniais depararam-se diante de uma gama de opções, que iam do juramento de fidelidade a José Bonaparte à independência completa, ou, ainda, abarcavam projetos que incluíam a submissão à resistência espanhola, representada na Junta de Sevilha, ou a Carlota Joaquina.2 Finalmente, entre as possibilidades existentes, encontrava-se a dos americanos criarem e submeterem-se a Juntas feitas no próprio continente, compostas por elementos nascidos no Novo Mundo, que governariam em nome do monarca encarcerado.

Neste contexto, foi estabelecida uma Junta de Governo em Montevidéu, que tinha o objetivo de tirar a Banda Oriental do controle do vice-rei Santiago de Liniers, que governava a partir de Buenos Aires. Por sua origem francesa, Liniers era acusado de ser favorável aos Bonaparte.

Outro fator que veio a fortalecer a Junta montevideana, fazendo com que a mesma recebesse forte apoio local, foi a rivalidade entre as cidades-porto de Montevidéu e Buenos Aires. Porém, a duração desta Junta foi efêmera, pois após Sevilha substituir, em 1809, Liniers por Baltasar Hidalgo de Cisneros, Montevidéu a dissolveu.

Importante fator que veio a mudar a direção dos acontecimentos do mundo espanhol foi a eliminação de Sevilha e de tantos outros pontos de resistência a Napoleão na Espanha. Deste modo, em janeiro de 1810, a Junta central retirou-se para Cádiz e transformou-se em Conselho de Regência, que buscava, dentre outras atividades, a organização das Cortes, composta por membros de todo o Império espanhol. Todavia, o Conselho de Regência necessitava ser reconhecido pelo Novo Mundo.

Como o futuro da Espanha era incerto, os defensores do sistema espanhol encontravam-se repletos de dúvidas. Ao mesmo tempo, os criollos desejavam controlar o processo político americano. Assim, Cisneros foi obrigado a aceitar o cabildo abierto em Buenos Aires e, em 22 de maio de 1810, o cabildo portenho foi encarregado de estabelecer uma Junta, fazendo-o dois dias depois, e entregando sua presidência ao Vice-Rei.

Entretanto, antes mesmo do seu funcionamento, a Junta gerou uma série de oposições em setores da sociedade portenha. Assim, em 25 de maio, acabou por ser criada uma Junta sem a participação de Cisneros. No seu lugar, a presidência foi ocupada pelo coronel Cornélio de Saavedra. A partir daí, iniciava-se a Revolução de Maio.

A Junta portenha jurou fidelidade a Fernando VII, mas não ao Conselho de Regência. Neste momento, a figura que passou, individualmente, a ter maior projeção, foi Mariano Moreno, um dos secretários da Junta de Buenos Aires. Porém, meses mais tarde, Moreno acabou por renunciar ao seu cargo, aceitando posto diplomático na Europa, posição esta que ele nunca ocupou devido ao naufrágio que o vitimou no caminho ao Velho Mundo.

Agrega-se que a Junta de Buenos Aires estabeleceu a igualdade básica entre brancos e índios, bem como os espanhóis peninsulares começaram a ser discriminados em funções públicas e no cálculo das suas contribuições financeiras. Indivíduos que compunham a resistência à Junta foram executados, podendo-se mencionar como exemplo o caso de Liniers.

Além disto, a Junta reivindicava a autoridade sobre todo o Vice-Reino do Prata, mas esta demanda não significou a adesão de todas as frações que o compunham. Montevidéu, por exemplo, por sua rivalidade política e econômica com Buenos Aires, optou por aderir ao Conselho de Regência. Semelhantemente, o Paraguai e o Alto Peru não submeteram-se aos portenhos.

As expedições ao Alto Peru permaneceram nos anos seguintes à Revolução de Maio. Já o Paraguai estabeleceu, em 1811, sua própria Junta, após ter derrotado expedição militar proveniente de Buenos Aires e que era liderada por Manuel Belgrano. Neste mesmo ano, na Banda Oriental, José Gervásio Artigas, membro do exército espanhol, abandonou suas fileiras e aderiu aos insurgentes de Buenos Aires, passando a ser o responsável pela revolução no território oriental.

Os estancieiros foram um importante ponto de apoio de Artigas, podendo ser mencionados os casos de Tomás García de Zúñiga, Juan José Durán e Frutuoso Rivera, que atuaram, por anos seguidos, ao lado do líder oriental e, posteriormente, de D. João VI e de D. Pedro I. Influiu na decisão dos estancieiros por Artigas fatores como este ser originário de uma família proprietária de terras e sua reconhecida capacidade militar, devido aos seus sucessos em impor a lei e a ordem no campo durante o período colonial espanhol. Já os comerciantes posicionaram-se, majoritariamente, contra Artigas e favoráveis à Espanha, por crerem que ficando ao lado dos europeus poderiam conseguir vantagens monopolistas junto aos seus aliados ibéricos.

As tropas de Artigas obtiveram várias vitórias no interior da Banda Oriental e nos povoados menores, cercando, em seguida, Montevidéu, fiel à Espanha, onde encontrava-se o vice-rei Francisco Javier Elío. Deste modo, diante da concreta ameaça dos artiguistas, Elío recorreu à ajuda da corte portuguesa, que prontificou-se a ajudá-lo, enviando forças militares lideradas pelo general Diego de Souza para o auxílio dos realistas.

É válido observar que mesmo que D. João tenha prestado este apoio a justificar que as perturbações na Banda Oriental estavam a causar turbulências na fronteira com o Rio Grande, e de que com tal marcha estaria a garantir a integridade dos domínios dos familiares de Carlota Joaquina, o príncipe português tinha pretensões de estender seus domínios americanos até o Prata, sendo que o pedido de ajuda de Elío era um excelente argumento para que tropas lusas ocupassem o território platino.

No entanto, Elío e os portenhos assinaram, em 20 de outubro de 1811, um acordo em que os buenairenses comprometeram-se a abandonar a Banda Oriental, em cessarem seu apoio a Artigas e, ainda, reconheceram o domínio espanhol na região. No trato, também estipulou-se a retirada das forças portuguesas do Prata.

Portugal, chamado por Elío ao conflito, mas excluído das negociações entre o Vice Rei e Buenos Aires, permaneceu na Banda Oriental, a ignorar o que foi estabelecido entre as duas partes contratantes. Ambos não tinham poder bélico para que as tropas portuguesas evacuassem a área e, assim, recorreram à Inglaterra, que era capaz de fazê-lo, seja militar, seja diplomaticamente.

Como o desejo dos patriotas portenhos e de Elío de que as forças joaninas saíssem da Banda Oriental coincidia com os interesses dos ingleses, seja em razão do seu comércio na região, seja pela aliança com a Espanha, Castlereagh, secretário britânico de assuntos exteriores, e Lord Strangford, ministro inglês no Rio de Janeiro, agiram no sentido de Portugal abandonar o Prata, no que lograram êxito.

Além de Portugal, Artigas era contrário ao acordo entre Elío e os portenhos, pois os seus aliados de Buenos Aires o ignoraram completamente ao celebrar o acordo e, ainda, deixaram a Banda Oriental nas mãos dos espanhóis. Por isto, Artigas partiu para Entre Rios, sendo acompanhado por milhares de pessoas, no episódio que ficou conhecido como Êxodo do Povo Oriental.

Também neste contexto e como desdobramento da Revolução de Maio, Artigas foi aclamado Chefe dos Orientais e iniciou o projeto da Liga Federal, que incluía, além da Banda Oriental, Entre Ríos, Santa Fé, Corrientes e regiões de Córdoba. Esta união era independente de Buenos Aires, constituía um sistema no qual as províncias teriam plena soberania e o governo central fraco, sendo incapaz de controlar as unidades provinciais.3

A centralista Buenos Aires convocou, em 1813, uma Assembléia Constituinte onde as províncias teriam, teoricamente, voz e, em virtude disto, Artigas realizou o Congresso Oriental, com a função de definir o posicionamento dos seus conterrâneos junto aos portenhos.

O resultado foi o estabelecimento das "Instrucciones del Año XIII", que continham a reivindicação da agora, sob o ponto de vista artiguista, Província Oriental (não mais Banda Oriental), pela independência, república e federalismo. Pelo teor da proposta, os deputados orientais sequer foram recebidos pela Assembléia Constituinte, fato que levou Artigas a romper com os portenhos e a declarar guerra aos mesmos.

Em decorrência, Buenos Aires atacou Montevidéu e, mais tarde, em 20 junho de 1814, o substituto de Elío, Vigodet, igualmente vinculado aos espanhóis, foi derrotado. Três dias depois, liderados por Alvear, os portenhos entraram na cidade, permanecendo aí até 1815, quando Artigas a retomou, passando, então, a governar toda a Província Oriental e concretizando o projeto da Liga Federal.

Apesar de Artigas estar à frente da citada Liga, na prática, seu poder era restrito ao território oriental, arrasado e destruído pelos anos de guerra, resultado dos conflitos gerados na Banda Oriental pela Revolução de Maio. Paralelamente, no mundo luso-brasileiro começavam os preparativos militares para a conquista da margem esquerda do Prata, advento que lançou a Banda Oriental para a órbita de Lisboa e do Rio de Janeiro.

 

A Banda Oriental portuguesa

Para liderar as tropas portuguesas na ocupação de Montevidéu e da campanha oriental, D. João designou o general português Carlos Frederico Lecor, veterano das guerras napoleônicas. Os militares que compunham a missão, que contou com cerca de 12.000 homens, eram de aproximadamente 4.000 portugueses, denominados Voluntários do Príncipe, e de indivíduos oriundos do Brasil, que somavam 8.000.4

Como justificativa do ataque luso-brasileiro, o governo instalado no Rio de Janeiro argumentava que agia desta maneira pelas constantes perturbações e pelo desrespeito dos artiguistas à fronteira com o Rio Grande e, ainda, que Artigas desejava conquistar parte desta capitania. Além destas justificativas, somava-se o antigo anelo luso de estender seus domínios ao Prata.

As tropas de Lecor partiram do Rio de Janeiro em 12 de junho de 18165, atravessando a fronteira entre o Rio Grande e a Banda Oriental alguns meses depois. Em 20 de janeiro de 1817, após articulações políticas com o Cabildo de Montevidéu, composto, nesta altura, por figuras como o padre Dámaso António Larrañaga, Jerónimo Pío Bianqui, Francisco Llambí e Juan José Durán6, Lecor e suas tropas entraram neste núcleo platino sem disparar um único tiro. Posteriormente, Lecor conseguiu o apoio de outros personagens igualmente relevantes no âmbito local, como, por exemplo, Tomás García de Zúñiga e Frutuoso Rivera.

Uma das contrapartidas oferecidas a este grupamento para que apoiassem ao invasor era a de que eles teriam suas posições na administração pública mantidas. Além disto, é importante pensar em todas as outras regalias que poderiam ser obtidas caso se estivesse ao lado dos portugueses, por serem os novos donos dos jogos de poder.

Como exemplo, pode-se mencionar que diversos orientais receberam do governo português condecorações, títulos nobiliárquicos e promoções na administração pública, bem como estes individuos estiveram presentes em uma série de organismos da Banda Oriental, como a Sociedade Lancasteriana de Montevidéu, a Junta Superior de Real Hacienda e o Cuerpo de Cívicos de Montevideo.

Evidentemente, não só parte dos segmentos locais mais abastados beneficiaram-se com a ocupação, mas, de semelhante modo, os ocupadores recebiam uma série de vantagens com o apoio dado pelos elementos locais. Pode-se incluir como relevantes benefícios o conhecimento que esses orientais possuíam do funcionamento da administração pública, suas redes clientelares na Banda Oriental, e a ajuda financeira dada ao governo de Lecor, pois o general tomou empréstimos de importantes figuras locais, tais como do estancieiro Tomás García de Zúñiga e do comerciante Francisco Juanicó.7

Neste contexto, Lecor adotou a política de realizar casamentos entre militares de suas tropas e mulheres orientais, sendo que ele mesmo casou-se, em 1818, com Rosa Maria Josefa Herrera de Basavilbaso, pertencente a uma das famílias mais importantes da Banda Oriental. Neste mesmo ano, em virtude das mercês que D. João VI concedeu ao ser aclamado e coroado rei de Portugal, Brasil e Algarves, Lecor tornou-se Barão da Laguna. Provavelmente, o general foi agraciado pelo monarca pelo fato do militar ter realizado com sucesso a integração política dos ocupadores com grande parte da sociedade oriental.

Paralelamente à administração de Montevidéu por Lecor, Artigas resistia aos portugueses no interior e proporcionava ataques ao Rio Grande. Entretanto, o caudilho perdia cada vez mais posições, até que, em 1820, na Batalha de Tacuarembó, o líder oriental partiu para Entre Rios e, posteriormente, exilou-se no Paraguai, onde passou o resto de sua vida.

Observa-se, portanto, que, em 1820, encerrava-se a atuação política de Artigas, importante personagem vinculado à Revolução de Maio e o grande protagonista deste movimento na Banda Oriental. Por fim, com a saída de Artigas de cena, Lecor passava a controlar todo o território oriental.

Aparentemente, o general o faria tranquilamente, porém, neste mesmo ano de 1820, ocorria no mundo luso-brasileiro advento que viria a ocasionar grandes turbulências no mundo português, a marcar definitivamente o futuro do Reino Unido português e da Banda Oriental: A Revolução Liberal do Porto.

 

A Revolução Liberal do Porto

Sobre este movimento luso, na madrugada de 24 de agosto de 1820, militares portugueses estabelecidos no Porto foram para as ruas desta cidade e, em praça pública, declararam iniciada a revolta e criaram um Conselho Militar. Os militares posicionaram-se favoráveis ao estabelecimento das Cortes e desejavam a elaboração de uma constituição.8

Em 15 de setembro, com a participação de segmentos do exército, foi a vez de Lisboa ser o centro das agitações liberais. Nesta data, estabeleceu-se um governo interino, que derrubou o oficial, e que aderiu aos revoltosos do Porto. Assim, Portugal passou a contar com dois núcleos revolucionários, um no Porto e o outro em Lisboa. Após articulações políticas, estes dois grupos uniram-se, tendo havido a entrada dos membros da Junta do Porto na cidade de Lisboa no dia 1º de outubro.

Pode-se entender que a partir do advento ocorrido no Porto iniciou-se o processo que pôs fim à sociedade de Antigo Regime em Portugal, sendo que estas agitações e insatisfações derivavam de fatores como a permanência de D. João VI na América, além da grave crise econômica que Portugal enfrentava, com o decréscimo das atividades ligadas ao comércio, à indústria e à agricultura. Igualmente, estavam o aumento da miséria e a influência direta da Inglaterra nos assuntos de Portugal, ressaltando-se que essas questões vinham gerando desagrados e posicionamentos públicos pela sua resolução havia anos.

Agrega-se que neste momento foi consagrado o liberalismo em Portugal, e houve a busca de construir uma nação de cidadãos, com a igualdade perante a lei e com os mesmos direitos e deveres. Conseqüentemente, havia a extinção de privilégios e os particularismos das monarquias do Antigo Regime. Tentava-se, de semelhante modo, implementar a reforma das instituições jurídicas, políticas e econômicas da sociedade lusa.

As Cortes da década de 1820 foi a primeira instituição parlamentar do liberalismo português, que, no período de 1820-1823, conseguiu exercer, através do poder legislativo, grande influência na sociedade portuguesa, inclusive tendo retirado significativa força do monarca.

Um outro fator a apontar-se é que a Revolução do Porto colocava Portugal ao lado das também liberais Espanha, Itália e Grécia, sendo que os seus respectivos governos buscavam uma articulação em conjunto, tentando uma união política e a criação de uma espécie de "internacionalismo liberal". Por outro lado, os governos europeus contrários ao liberalismo uniram-se, criando a Santa Aliança, que tinha o propósito de opor-se e de provocar a queda política dos revoltosos.

Além disto, a ascensão dos liberais na Espanha, que ocorreu primeiro que em Portugal, teve grande influência no Reino Unido de D. João VI, com a implementação das mesmas instruções para a eleição dos deputados à Constituinte, o emprego de decretos similares ou baseados no do reino vizinho, e a venda da Constituição espanhola no Brasil e em Portugal.

Neste quadro, em 17 de outubro de 18209, chegava ao Rio de Janeiro a notícia da revolução iniciada no Porto, que dividiu o governo luso instalado no Brasil em opositores e favoráveis à convocação das Cortes e ao retorno da família real a Portugal, que permanecia na América desde 1808.

No primeiro dia de 1821 houve no Reino do Brasil, mais especificamente no Grão Pará, a primeira manifestação favorável ao liberalismo. Um pouco mais de um mês depois, em 10 de fevereiro, foi a vez da Bahia ser o campo de ação dos revolucionários, que declaravam sua fidelidade ao rei e, ao mesmo tempo, à futura Constituição portuguesa. Após os acontecimentos na Bahia, espalhavam-se no restante do atual Nordeste brasileiro adesões ao liberalismo e a reivindicação de juntas de governo que substituíssem as nomeadas por D. João VI.10

Em 26 de fevereiro, a guarnição militar do Rio de Janeiro rebelou-se e obrigou D. João VI a jurar a Constituição que estava a ser elaborada em Lisboa. Em virtude destes fatos, o monarca comprometia-se a retornar a Portugal e foi-lhe imposto um novo ministério. Para os Negócios Estrangeiros e Guerra foi designado o liberal Silvestre Pinheiro Ferreira, personagem que pela sua atuação no ministério teve importantes conseqüências para a criação da Cisplatina, questão que será analisada posteriormente.

 

A Revolução Liberal portuguesa em Montevidéu e a criação do Estado Cisplatino

Algumas semanas depois, ecos da Revolução do Porto chegaram à Banda Oriental, gerando motins na parcela lusa das tropas de Lecor. No dia 20 de março de 1821, tendo como líder o coronel António Claudino Pimentel, do 1º Regimento de Infantaria, por volta da meia-noite, três regimentos que encontravam-se fora de Montevidéu entraram pelo portão da cidade e ocuparam sua praça. Imediatamente, as tropas que estavam nos quartéis incorporaram-se aos insurgentes.11

Os rebelados reclamavam da sua situação de 22 meses sem pagamento do soldo e que, após cinco anos na América, desejavam retornar à Europa, pedindo, assim, ao rei e à nação que outros militares os substituíssem no Prata. Os militares lusos também protestavam contra decreto que desligava-os do exército português.12

Outra exigência dos revoltosos era a presença de Lecor para que se jurasse a Constituição que viesse a ser redigida e jurada em Portugal. Caso não aparecesse, o general era ameaçado pelos seus homens de ser destituído do poder.

Inicialmente, Lecor alegou que não poderia comparecer por estar enfermo, entretanto, coagido, acabou por ceder aos revoltosos. O general comprometeu-se com os militares portugueses a realizar os pagamentos dos soldos atrasados, a remetê-los a Portugal, e declarando publicamente que viria a obedecer às Cortes de Lisboa e a reconhecer a Constituição que viesse a ser jurada.13

Os rebelados criaram um Conselho Militar e entregaram sua presidência a Lecor. Os demais membros seriam oficiais de cada corpo da divisão eleitos por votos da oficialidade. Uma vez compostos os quadros, seriam nomeados o seu vice-presidente e secretário. Claudino Pimentel terminou por ocupar a vice presidência do Conselho.

Relatando em suas páginas a insubordinação dos militares de D. João VI, a Gaceta de Buenos Ayres estimava que na praça de Montevidéu tinham se reunido 1955 homens, sendo que alguns eram a favor da deportação de Lecor para o Rio de Janeiro. Além disto, o periódico relatava que um oficial português, apelidado de Placa, embarcou para Portugal para representar a divisão lusa de Montevidéu junto às Cortes.14

No Rio de Janeiro, no dia 16 de abril, D. João VI expediu duas medidas importantes para a região do Prata. Uma foi o reconhecimento da independência das províncias platinas em relação à Espanha. A outra foi no sentido de solucionar a questão da ocupação da Banda Oriental, que seria decidida no Congresso Cisplatino, congresso este a ser composto por elementos originários do território oriental.

Sobre o Congresso, ressalta-se que ele foi um relevante momento de ação conjunta de Lecor com os seus aliados orientais, bem como está intimamente vinculado à ascensão do liberalismo nos quadros do Reino Unido português, que levou à nomeação de Silvestre Pinheiro Ferreira como ministro de D. João VI.

Primeiramente, destaca-se que Silvestre Pinheiro Ferreira era contrário à manutenção das forças joaninas na Banda Oriental. O liberal argumentava junto ao rei que a ocupação proporcionava alto custo a Portugal e acarretava em sérios prejuízos ao comércio português, em virtude da ação de corsários.

De semelhante modo, não devem ser ignoradas a busca dos liberais portugueses de terem boas relações com a também liberal Espanha, sendo que este reino reivindicava, ainda neste momento, a soberania sobre o território oriental. Então, se D. João VI não resolvesse a questão envolvendo a Banda Oriental antes de partir da América, teria que negociar com os espanhóis quando voltasse à Europa, o que, evidentemente, colocava-o em uma situação mais delicada e suscetível a pressões.

Além disto, Silvestre Pinheiro Ferreira não cria no sucesso da incorporação do território oriental ao Reino do Brasil, afirmando que um decreto não iria transformar os orientais em portugueses, sendo assim, D. João VI não poderia contar com a fidelidade dos habitantes desta província.15

Diante desses fatos, D. João VI acabou por ordenar que se realizasse em Montevidéu o Congresso Cisplatino. Uma vez instalado o congresso, os deputados orientais decidiriam entre três opções, sendo uma delas a oficialização da ocupação luso-brasileira no Prata, unindo a Banda Oriental ao cetro joanino. Outra opção era a emancipação política do território oriental, constituindo um novo país no Prata. Por fim, os parlamentares discutiriam sobre a possibilidade de uma nova união entre os orientais e os governos ou de Buenos Aires, ou de Entre Rios, ou de Madri. Deste modo, a Banda Oriental deparava-se, novamente, com uma série de distintos projetos políticos.

Como os interesses políticos e econômicos de Lecor e dos seus aliados eram pela permanência dos portugueses no Prata, o general luso e o estancieiro Juan José Durán, chefe político da província à época, agiram no sentido de que o citado Congresso votasse pela incorporação da Banda Oriental ao cetro de D. João VI.

O contato com as atas do Congresso Cisplatino16, que estão no Archivo General de La Nación, em Montevidéu, permite-se constatar que, em 18 de julho de 1821, os congressistas votaram, unanimemente, pela anexação do território oriental à monarquia lusa. Também no Congresso, os deputados determinaram que o território recém anexado passaria a ser designado Estado Cisplatino Oriental, estabelecendo-se uma série de condições para que a união ocorresse, buscando a preservação das especificidades orientais dentro dos quadros da monarquia portuguesa.

Mantinha-se, deste modo, o castelhano como idioma oficial e as rendas locais deveriam ser aplicadas na própria província. Preservavam-se as leis locais, desde que não fossem conflitantes com a constituição portuguesa que estava a ser elaborada em Lisboa. Os empregos e cargos da Cisplatina eram reservados aos seus naturais ou àqueles que haviam contraído matrimônio na região, portanto, com a política de casamentos empregada por Lecor, diversos portugueses e brasileiros poderiam ocupar posições em cargos públicos da província. Dentre as condições estabelecidas, também havia a garantia da manutenção de Lecor no poder, pois, no congresso, acordava-se que: "Continuará en el mando de este Estado [Cisplatino Oriental], el Señor Barón de la Laguna."17

No entanto, em Lisboa, antes mesmo do resultado final do Congresso Cisplatino, as Cortes indicavam que o seu posicionamento seria o de abandonar a Banda Oriental.18 Ao tomar conhecimento da incorporação, já residindo em Portugal, Silvestre Pinheiro Ferreira posicionou-se contra esta medida. O ministro enviou oficio a Lecor em 22 de dezembro de 1821, manifestando sua indignação em relação à anexação e à ação de Lecor neste processo.19

Silvestre Pinheiro Ferreira exigia que Lecor deveria enviar a Lisboa uma exposição circunstanciada dos fatos e chamava a atenção para a importância da questão envolvendo a Cisplatina nas relações com a Espanha. O ministro liberal ainda informava que o futuro do Estado Cisplatino seria decidido pelas Cortes portuguesas, que Lecor seria substituído no Comando das armas no território oriental, além de que o general deveria repassar à Secretária de Estado informações concernentes ao mais novo estado da monarquia lusa.20

Diante do posicionamento de Lisboa em relação à Cisplatina, ocorreu a missão de Lucas José Obes no Rio de Janeiro, junto a D. Pedro e José Bonifácio. Político e advogado oriental, durante os anos da administração de Lecor, Obes possuía posição de destaque na sociedade montevideana. Ao final do Congresso Cisplatino, Obes foi selecionado pelos congressistas para representar o novo estado em Lisboa.

Na rota para a Europa, a embarcação em que Obes encontrava-se realizou uma paragem no Rio de Janeiro, em 27 de fevereiro. Na cidade, Obes apresentou-se a D. Pedro para que o príncipe decidisse se ele ficaria no Brasil ou se seguiria viagem para Portugal. D. Pedro decidiu que o oriental deveria permanecer no Rio de Janeiro.21

Durante sua estada na capital do Reino do Brasil, Lucas José Obes conseguiu o apoio do governo do Rio de Janeiro à criação do Estado Cisplatino – apoio que não fora dado por Lisboa – e em troca do posicionamento de D. Pedro e José Bonifácio, Obes colocava-se ao lado dos desejos emancipacionistas do Brasil.

Paralelamente, as relações entre Lecor e a parcela portuguesa de suas forças militares agravavam-se, sendo que, ao longo de 1821 e 1822, foram vários os motins gerados pelos lusos. À medida que o Estado Cisplatino aproximava-se do Rio de Janeiro, a situação das tropas portuguesas tornava-se mais tensa, até que, em setembro de 1822, para não ser destituído do poder, Lecor e os seus aliados tiveram que abandonar Montevidéu, indo para o interior cisplatino.

Ao mesmo tempo, o governo do Rio de Janeiro rompia com o de Lisboa, sendo que D. Pedro era aclamado como o primeiro imperador do Brasil no dia 12 de outubro de 1822. Vencia, assim, em oposição aos desejos dos revoltosos do Porto, a idéia de uma nação brasileira, separada de Portugal.

A partir de então, aqueles que não fossem favoráveis à independência deveriam sair do Brasil e, em províncias como a Cisplatina, a Bahia, o Maranhão e o Pará instalavam-se oposições ao sistema de D. Pedro I. A partir de então, a antiga Banda Oriental mergulhou em uma guerra entre os militares favoráveis a D. Pedro, liderados por Lecor, e que controlavam todo o interior do Estado Cisplatino, e os fiéis a D. João VI, liderados pelo também militar D. Álvaro da Costa, que controlavam Montevidéu.

Montevidéu só foi reocupada por Lecor em março de 1824, quando a cidade platina finalmente tornou-se parte do Império do Brasil, sendo o último ponto português na América. No entanto, a comunhão entre a Cisplatina e o Brasil não foi duradoura, pois em 1825 eclodiu a Guerra da Cisplatina, que resultou na criação da República Oriental do Uruguai, em 1828.

 

Conclusão

Assim sendo, diante do exposto, identifica-se que tanto a revolução iniciada em Buenos Aires, quanto a no Porto, tiveram significativos desdobramentos na Banda Oriental. Conclui-se que a Revolução de Maio fez o território oriental mergulhar em uma guerra entre patriotas e espanhóis, bem como fez com que os portugueses entrassem no conflito platino, seja em 1811, seja em 1816.

Além disto, Maio de 1810 fez com que a figura de José Gervásio Artigas emergisse na Banda Oriental, liderando o processo de autonomia da província. Pode-se, ainda, afirmar que o processo da Revolução portenha na Banda Oriental culminou na invasão lusa liderada por Lecor, lançando, assim, o território oriental para a órbita dos governos de Lisboa e do Rio de Janeiro.

No que tange à Revolução Liberal do Porto, esta foi responsável pela mudança da política joanina para o Prata, questão fundamental para a organização do Congresso Cisplatino, que, ao contrário do que desejava e previa o liberal Silvestre Pinheiro Ferreira, uniu o território oriental ao Reino Unido português. Observa-se que esta união fez com que a Banda Oriental fosse palco de novas guerras, seja entre brasileiros e portugueses, seja entre brasileiros, portenhos e orientais, a partir de 1825.

Agrega-se que outro desdobramento da revolução lusa na Banda Oriental foi a quebra da hierarquia militar através dos diversos motins que Lecor teve que enfrentar no seio de suas tropas, advento que veio a ameaçar seriamente o futuro da ocupação luso-brasileira.

Por fim, além dos supracitados adventos que marcaram a história da Banda Oriental, deve-se ressaltar como significativo desdobramento das revoluções de Maio e do Porto, a criação da República Oriental do Uruguai.

 

Bibliografia e documentação

Archivo General de la Nación – Montevidéu

ACTAS DEL CONGRESSO CISPLATINO. Montevidéu, 1821.

Arquivo Nacional – Rio de Janeiro

Fundo: Coleção Cisplatina. Caixas 975-979.

Biblioteca Nacional – Buenos Aires

LA GACETA DE BUENOS AYRES. Diversos números: 1821-1822.

Biblioteca Nacional – Rio de Janeiro

GAZETA DO RIO DE JANEIRO. Diversos números: 1816-1822. Seção Periódicos.

"Três atas do cabildo de Montevidéu sobre a entrada ali de tropas portuguesas e posse dada ao general Lecor do governo da Praça e capitania". Localização: 07,4,062. Seção: Manuscrito.

Fontes primárias impressas

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_________________________________________________________________________

Notas

1 – Para maiores detalhes sobre a presença de portugueses no território oriental, ver: FREGA, Ana. Pertenencias e identidades en una zona de frontera. La región de Maldonado entre la revolución y la invasión lusitana (1816-1820). In: HEINZ, Flavio M.; HERRLEIN JR, Ronaldo. Histórias regionais do Cone Sul. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2003.

2 – Para maiores informações acerca do projeto de Carlota Joaquina tornar-se regente espanhola no lugar de Fernando VII, ver: AZEVEDO, Francisca L. Nogueira de. Carlota Joaquina na corte do Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

3 – Maria Medianeira. Federalismo Gaúcho: fronteira platina, direito e revolução. Coleção brasiliana novos estudos, v. 3. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2001.

4 – DONGHI, Tulio Halperin. Historia Argentina de la Revolución de Independencia a la confederación rosista, volume III. Buenos Aires: Editorial Piados, 2000.

5 – Fundo Ministério dos Negócios Estrageros. Legajo 39. Revolução de Montevidéu. Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Apud: Archivo Artigas, Montevideo: Impremex S.A., 1948, p.2.

6 – "Três atas do cabildo de Montevidéu sobre a entrada ali de tropas portuguesas e posse dada ao general Lecor do governo da Praça e capitania". Localização: 07,4,062. Seção: Manuscrito. Biblioteca Nacional.

7 – La Gaceta de Buenos Ayres,nº48.28 de março de 1821. Acervo da Biblioteca Nacional de Buenos Aires.

8 – SERRÃO, Joaquim Veríssimo. História de Portugal: 1807 – 1832. Viseu: Verbo, 2002; BRANCATO, Braz Augusto Aquino. Don Pedro I de Brasil, posible rey de España (Una conspiración liberal). Porto Alegre: EDIPUCRS, 1999; VARGUES, Isabel Nobre; RIBEIRO, Maria Manuela Tavares, Ideologias e práticas políticas. In: TORGAL, Luís Reis; ROQUE, João Lourenço. O Liberalismo. MATTOSO, José. História de Portugal. Lisboa: Editorial Estampa, 1998.

9 – SERRÃO, op.cit. NEVES, op.cit.

10 – BERBEL, op.cit. e SERRÃO, op.cit.

11 – La Gaceta… op.cit., nº48, p.222, 223 e 235.

12 – Idem.

13 – Idem.

14 – Idem.

15 – Silvestre Pinheiro Ferreira. "Memória e Cartas biográficas". Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, 1876-1877. Volume II, Rio de Janeiro, Tipografia G. Lenzinger & Filhos. 1877. Apud: DEVOTO, Juan E. Pivel. El Congreso Cisplatino (1821): repertorio documental, seleccionado y precedido de um análisis. Revista del Instituto Histórico y Geográfico del Uruguay, t.XII. Montevideo: 1937.

16 – ACTAS DEL CONGRESSO CISPLATINO. Montevidéu, 1821. Archivo General de la Nación, AGN.

17 – Idem.

18 – COSTA, Hipólito José da. Correio Braziliense, ou, Armazém literário, v.XXVII. (setembro de 1821). São Paulo: Imprensa Oficial do Estado; Brasília: Correio Brasiliense, 2002.

19 – Ofício de Silvestre Pinheiro Ferreira al Barón de la Laguna. Diciembre 22 de 1821. Apud: DEVOTO, op. cit.

20 – Idem.

21 – Sindico General de este Estado á todos los pueblos. Apud: DEVOTO, op.cit.

 

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Secuestros y tráfico de esclavos en la frontera uruguaya: Estudio de casos posteriores a 1850

 

Artigo de Eduardo R. Palermo
Docente, Historiador. Mestre em História pela UPF – Passo Fundo, RS

Director del Centro de documentación histórica del Río de la Plata-Rivera- Uruguay

 

 

"Anteayer fue conducido a la cárcel de esta villa un pardo brasilero de nombre Sergio, peón contratado al estilo del Imperio, es decir para pagar su libertad, del estanciero Fermiano Cardozo. A propósito del contrato de ese peón, se nos viene a la mente la idea de cuando desaparecerá de nuestros protocolos internacionales ese infamante tratado que nos obliga a devolver los esclavos al Brasil, sino también admitir esos contratos en que aquellos infelices se obligan servir un largo número de años bajo el falso nombre de peones por un mísero salario que deben dejar en manos del señor para amortizar la cantidad en que se ha convenido la manumisión".1

Esta nota aparece publicada en un periódico de la villa de San Fructuoso de Tacuarembó, a escasos 100 kilómetros de la frontera uruguayo – brasilera en octubre de 1880. Por si sola derriba las afirmaciones en cuanto a la inexistencia de esclavos en territorio oriental con posterioridad a 1852. El caso es que en las zonas rurales y en menor grado en las villas y poblaciones cercanas a la frontera el fenómeno de la utilización de mano de obra servil, trabajadores esclavizados, continuaba existiendo en contraposición a las leyes uruguayas y a las afirmaciones de sus gobernantes.

Esto requiere algunas explicaciones previas. Los territorios fronterizos con Brasil estaban poblados mayoritariamente por propietarios de ese origen, desde 1821 en forma masiva, dada la práctica de repartos de tierras realizadas por el General Carlos Federico Lecor y seguida por Fructuoso Rivera durante los primeros años de la década de 1830. Durante la Revolución Farroupilha (1835-1845) muchos estancieros se refugiaron en los campos fronterizos uruguayos, adquiriendo nuevas estancias, trasladándose con sus ganados y esclavos.

En el período 1843-1851 todo el territorio uruguayo, excepto Montevideo, quedo bajo la dominación del Gobierno del Cerrito encabezado por Manuel Oribe, su política de prohibir la exportación de ganado en pie al Brasil (1848), el combate al contrabando de haciendas y la declaración efectiva de la abolición de la esclavitud en 1846, promovieron la reacción de muchos hacendados riograndenses sintiéndose afectados en sus intereses económicos, reclamando ante el gobierno Imperial acciones concretas.

Paralelamente desde 1846 se activó desde territorio riograndense la fuga de cautivos dada su consideración de libres en territorio oriental, no obstante, la mayoría de los trabajadores esclavizados "fujões" eran incorporados al ejército de línea y luego de un período de actuación, en principio de 5 años, se los consideraba libres.

Probablemente esas situaciones promovieron la intervención imperial en el Plata, conjuntamente con sus planes estratégicos de controlar el crecimiento del poder de Juan Manuel de Rosas y evitar una eventual guerra en gran escala. Su participación definió la victoria del Partido Colorado asediado en Montevideo desde 1843 y la posterior derrota de Rosas a manos de su antiguo aliado Urquiza. El enfrentamiento uruguayo culmina con la firma de los Tratados de 1851, impulsados en Río de Janeiro por el representante oriental Andrés Lamas. Los cinco tratados: Límites, Comercio y navegación, Alianza, Prestación de socorros y Extradición, representaron la conjunción de los intereses del Imperio con el de los estancieros riograndenses que desde 1850 reclamaban por las medidas adoptadas por Oribe.

Estos tratados acabaron creando las condiciones legales para que los hacendados riograndenses continuasen utilizando la región al norte del Río Negro como invernada de ganados destinados a los saladeros de Bagé, Pelotas y Jaguarao. Las excelentes pasturas y los precios accesibles de las tierras sumados a las garantías legales ahora respaldadas por el gobierno Imperial constituyeron un fuerte argumento para el retorno masivo de hacendados riograndenses. Las estancias en sus manos sumaban más de 1600 leguas cuadradas, es decir 4 millones de hectáreas, con una población estimada en 1 millón de bovinos.

El propio Lamas, creador de este afrentoso conjunto de tratados se lamentará de su creación reiteradas veces,

"los criadores riograndenses monopolizando el terreno sobre las líneas fronterizas monopolizan el ganado para alimentar los saladeros de su provincia, no solo por el hecho de la ocupación de la tierra, sino por los gastos, embarazos y trasbordos que con violación de los tratados se ha agobiado a los productos de los saladeros orientales. A estos establecimientos los han herido de muerte, los han arruinado, los extinguirán del todo si el presente estado de cosas no se modifica sustancialmente. Una extensa zona del territorio oriental fronterizo está convertida, exclusivamente, en criadero de ganado, de materia prima, para alimentar los saladeros riograndenses".2

Los números reflejan con claridad estas opiniones, en 1850-51 se exportaron 619 mil arrobas de charque, en 1851-52, 256 mil, en 1852-53 disminuyó a 231 mil y al año siguiente cayó aún más, 212 mil arrobas. La creciente industria saladeril oriental que unos años antes había crecido he incorporado tecnología estaba quebrada, condenada a muerte. En 1854-55 las exportaciones bajaron a 126 mil arrobas.3

En contrasentido las existencias de ganado de cría introducido desde RGS por propietarios brasileños a Uruguay superaba el medio millón de cabezas. Para el mismo período analizado, la exportación de charque de Río Grande se mantuvo en cifras muy importantes: 1851-1 millón 900 mil arrobas, en 1852 – 1 millón 493 mil arrobas, en 1853 – 1 millón 755 mil arrobas, en 1854 – 1 millón 400 mil arrobas.4 En otras palabras en 1851, mientras Río Grande exportaba 22 mil toneladas de charque, el Uruguay exportaba 7200 toneladas, en 1854 Río Grande exportaba 16 mil toneladas y nuestro país apenas 2400 toneladas. Este fue el efecto inmediato y devastador del tratado comercial.

Como corolario se firmó el Tratado de Extradición, el cuál esencialmente apuntaba a la recuperación de los esclavos refugiados en territorio oriental, lo cuál constituía una clara ilegalidad. Esto permitío la continuidad del fenómeno esclavista desde Río Grande hacia la región Norte especialmente, siendo una extensión de la producción ganadera y de la cría de ganados la reproducción de esclavos para luego ser vendidos en territorio brasileño, especialmente en Pelotas.

El bajo valor de las tierras, estimulo a los aventureros a convertirse en el Uruguay, en terratenientes por poco dinero. En estas tierras casi desiertas, se instalaron los nuevos propietarios con sus familias y sus esclavos. Los brasileños emigrados continuaban considerándose súbditos del Imperio e ignorando la legislación uruguaya, trasladando una esclavitud apenas disfrazada. En 1857, "estimava-se que os riograndenses possuíssem cerca de 30% do território oriental. Em meados do séc. XIX, o Uruguai estava convertido num imenso campo de engorda de gado para a indústria de charque brasileira. Convertido em invernada dos estancieiros riograndenses que necessitavam cada vez de mais terras, tendo em vista sua exploração extensiva, a fronteira norte da República Oriental, transformara-se em um apêndice econômico do Império." A tal punto llegó la situación que el Senador de São Paulo, Silva Ferraz, afirmará em 1859: "ao passar para o outro lado do Jaguarão senhores, o traje, o idioma, os costumes, as moedas, pesos e medidas, tudo, até a terra é brasileiro".5

Un censo de los propietarios brasileros en la frontera ordenado en 1850 por el gobierno imperial reveló la dimensión de la situación: frontera del Chuy, 35 hacendados con 342 leguas cuadradas, 154 propietarios en Cerro Largo y Treinta y Tres, en el distrito de Cerros Blancos 87 estancieros con 331 leguas, en Arapey grande y chico, cuchilla de Haedo y Cuareim 281 propietarios.6 La lista general de propietarios brasileros en la frontera revela la existencia de 1181 propietarios que sumaba 3403 leguas de campo, es decir 8 millones y medio de hectáreas pobladas que alimentaban los saladeros fronterizos. "En la hora actual, el Brasil, después de continuados y pacientes esfuerzos domina con sus súbditos, que son propietarios del suelo, casi todo el Norte de la República: en toda esa zona hasta el idioma nacional se ha perdido ya, puesto que es el portugués el que se habla con más generalidad." José Pedro Varela.7

El análisis de los datos estadísticos de 1880 en los departamentos de la frontera, Salto (incluye Artigas), Tacuarembó (incluye Rivera) y Cerro Largo (incluye Treinta y Tres) permiten afirmar que los propietarios extranjeros superan en número y valor de capitales a los nacionales. Dentro de ese sector los brasileños son los más numerosos con valores muy cercanos a los 26 millones de pesos. Adicionalmente en estos departamentos ocurre una alta concentración de los capitales norteños, ya que esa cifra representa el 70,15 % del total de los capitales brasileros en el país en ese año.

La frontera Norte, abrasilerada y comprometida por sinnúmeros de problemas entre los cuáles se destacan: la extranjerización de la tierra, el contrabando, la persistencia de formas semi serviles y aún serviles de trabajo, un alto índice de delincuencia y la permanente fricción entre las autoridades a resultas de los permanentes reclamos de los hacendados brasileros, dueños de la tierra, a lo que debemos sumar las profundas vinculaciones y alianzas políticas entre caudillos y partidos a ambos lados de la frontera, representaba uno de los principales obstáculos para crear la "unidad nacional" o más bien para consolidar el poder centralista del grupo agro exportador montevideano.

Este problema no puede ser situado en exclusiva en los propietarios brasileros, sino en la falta de poder real del Estado Oriental para hacer valer sus leyes y prerrogativas en su propio territorio.

LA PERMANENCIA DE FORMAS ESCLAVISTA

Andrés Lamas, promotor intelectual de los Tratados de 1851, en nota a Silva Paranhos, en Río de Janeiro, afirmaba en 1856 que los hacendados traen esclavos a territorio Oriental bajo contratos que a veces se extienden por 30 años, con ello convierten al esclavizado en colono y cuando conviene lo llevan al otro lado de la frontera, haciéndose costumbre que se los bautizara allí para que nazcan esclavos.

"Varios brasileros de los que ocupan la mejor parte del territorio oriental fronterizo han introducido notable número de personas de color para el servicio y manejo de sus establecimientos. Estas desgraciadas personas de color entran en la calidad ostensible de personas libres, ligadas al servicio del introductor por contratos de locación de servicios….En el momento en que por cualquier circunstancia le conviene al poseedor de la persona de color, le hace trasponer la frontera y transpuesta cae el mentiroso y audaz disfraz con que se ha burlado las leyes de la República y la desamparada víctima vuelve a asumir su pública condición de esclavos. Las infelices personas de color que se introducen en la República, a la sombra de fraudulentos contratos…no solo son tratados como esclavos…sino que sufren allí, en aquel territorio en que nadie puede ser esclavo, la última y peor desgracia de la esclavitud, la de que la madre se vea arrebatar el fruto de sus entrañas para que la marca del cautiverio destruya en el la condición de hombre…los hijos de las personas de color introducidas…son traídos al Río Grande y allí bautizados como nacidos de vientre esclavo. Muchas veces ni aun traídas son las míseras criaturas, las sustituyen por otras en las pilas bautismales o no las sustituyen siquiera y obtienen una falsa fé de bautismo.De esta manera en algunos establecimientos del Estado Oriental no solo existe de hecho la esclavitud sino que al lado del criadero de vacas se establece un pequeño criadero de esclavos".8

En las estancias ubicadas en los departamentos fronterizos, particularmente en Cerro Largo y en Tacuarembó donde predominaba el brasileño, la mano de obra podía considerarse esclava. Podía catalogarse de esclavitud encubierta bajo el genérico y amplio nombre de "contratos de trabajo" de 15 a 30 años de plazo.9

El cronista de un diario montevideano (1852) en viaje por los departamentos de la frontera comenta: "Entre varias cosas que han llamado mi atención me he fijado con especialidad en la desventaja en que se encuentran nuestros compatriotas dedicados a la cría de ganado, respecto de los hacendados Brasileros en la República. Mientras que uno de nuestros estancieros se ve obligado a pagar 10 o 12 pesos mensuales por el salario de un peón, los Brasileros tienen ese peón por el insignificante de 5 pesos; pues que traen sus negros contratados desde el Brasil, donde aprovechándose del ascendiente de amos, obligan a los infelices esclavos a celebrar un contrato en que carecen absolutamente de libertad".10

En los archivos de la curia en Tacuarembó ubicamos partidas de bautismo de 7 cautivos adultos procedentes de África, realizadas en 1850 y en agosto de 1852.11

La presencia de esclavizados aún figura en los bautismos de Tacuarembó en años posteriores y suponemos se extiende en el tiempo aunque la denominación de esclavo se sustituye por "moreno africano" o "negro", en 1866 encontramos el bautismo de Casimira, no dice que sus padres sean esclavizados, pero en el margen del acta el cura asentó, "Casimira, la esclava de Bálsamo".12

En el caso de la parroquia de San Eugenio del Cuareim (Artigas), predominan los bautismos y matrimonios de indígenas, prácticamente la palabra esclavo no se utiliza, en general se los denomina "negros", "morenos" o "africanos", luego "mulatos" o "pardos".

Interesa destacar que en 1860 se registra el matrimonio de José, 60 años, natural de la costa de África con Rita, afrodescendiente brasileña de 50 años, "ambos esclavos de Feliciano da Costa". Al margen el cura dispuso además "negros pobres". Este es uno de los pocos casos en que figura la palabra esclavo, los curas evidentemente no hacían uso de este término habida cuenta que legalmente desde 1846 no existía más la esclavitud, no obstante, cada tanto la fuerza de la costumbre permitía que emergiera la realidad.

Esa realidad social de la frontera contaba con el reconocimiento del parlamento, en la sesión del 26 de marzo de 1860, el diputado Vázquez Sagastume declaraba ilegales los contratos celebrados en el Brasil entre patrones y peones, sosteniendo: "informes que debo juzgar como muy exactos han hecho llenar a mi conocimiento, y es casi del dominio público, que la ciudadanía oriental se está extinguiendo en el Norte del Río Negro; que contra lo expreso de la Constitución de la República y lo establecido por la liberalidad de nuestras Leyes, la esclavatura es un hecho en algunas partes: que la mayor parte de los estableci-mientos de campo situados al Norte del Río Negro están servidos por brasileros; unos como esclavos, y otros esclavos con el nombre de peones, que vienen del Brasil por contratos que hacen registrar en alguna Oficina Pública. En esa localidad tan importante de la República, puede decirse que ya no hay Estado Oriental: los usos, costumbres, el idioma, el modo de ser, todo es brasilero: puede decirse, como continuación del Río Grande del Sud".13

En 1872 el Jefe Político de Tacuarembó recuerda a los comisarios de las diversas seccionales que "se prohíbe la entrega de esclavos fugados del Brasil" razón para creer que está era una práctica que se continuaba en el tiempo, y luego aconseja: "para evitar la costumbre inmoral de llevar negros libres de este Estado a esclavizarlos en el Brasil, se ordena a los comisarios de frontera apersonarse a los transeúntes que vayan acompañados de tales negros a fin de averiguar si lo hacen de libre y espontánea voluntad"14

Ese mismo año (1872) el Maestro director de la Escuela de varones de Rivera y secretario de la Junta Económica y Administrativa solicitaba por escrito al Jefe Político local la devolución de una cautiva fugada de Livramento ya que su amo era el Teniente Dinarte Correa un influyente militar, esto para evitar molestias y mantener las normas de buena convivencia entre las dos poblaciones. La esclava fue devuelta a su amo en la línea divisoria acompañada por un guardia civil.15

El diario El Siglo de Montevideo manifiesta en octubre de 1877, que en Tacuarembó fue comprada la libertad de esclavizados fugitivos del Brasil que desde hacia algún tiempo permanecían detenidos por la justicia a solicitud de su propietario, Desiderio Antúnez Maciel, estos eran Adán Martínez y Pedro Piriz. Cabe decir que Desiderio tenía sus campos en la zona de Vichadero, departamento de Rivera y él y varios familiares fueron denunciados por tener criaderos de cautivos en sus estancias.16

LOS CONTRATOS DE PEONAJE (1850-1860)

Resulta interesante profundizar aspectos de lo que estamos relatando con el análisis de los contratos de peonaje correspondientes al departamento de Cerro Largo. Estos contratos estipulados por ley son sin dudas una prolongación disfrazada de la esclavitud. No tenemos por que dudar de la voluntad positiva del legislador, pero queda claro que la frontera tiene sus propias normas de funcionamiento y las autoridades locales rara vez verificaron la información disponible y no se sorprendieron ante algunos contratos claramente vergonzosos como el de niños menores de 4 años por ejemplo.

Este documento se compone de 183 contratos realizados entre 1850 y 1860, 65 % de estos se concentran entre 1853 y 1856, la edad promedio es 25 años, los extremos etáreos son 66 años y 2 años, existe una marcada masculinización de los contratos, solo el 28 % son mujeres, su edad promedio es de 22 años, 25 % de los contratos femeninos figuran sin edad pero podemos inferir por los montos de los mismos que su edad es la del promedio o menor, el valor promedio es de $ 697.17

A los efectos de hacer inteligible el análisis del documento, hemos agrupado los datos siguiendo el criterio de establecer una escala de edades (de 1 a 9 años, de 10 a 17, de 18 a 24, de 25 a 29 y de 30 a 49 años), la duración promedio de los contratos y el monto estipulado de los mismos, con lo cuál lo resumimos en los siguientes aspectos:

– La mayoría de los contratos son de individuos en plenitud de su fuerza laboral (18 a 49 años) que representan el 64,5 % del total, mientras que púberes y adolescentes representan el 13 %. Un 18 % de los contratos figuran sin edad, pero podemos inferir que son individuos mayores de 18 años de acuerdo a los montos que se fijan.

– El promedio general de duración de los contratos fue de 17 años, el valor promedio de los mismos fue de 687 patacones, pero debemos señalar que estos promedios varían según los sectores etáreos:

De los 32 contratos sin determinar edad, los datos que se desprenden son: duración promedio de los contratos – 17 años y monto promedio 668 patacones. Entre los contratados figuran niños de 2, 3, 4 y 6 años, con plazos de 20 a 22 años de extensión, valorados en 1000 patacones, en cuanto a la finalización de los mismos los casos extremos se sitúan entre 1895 y 1900. En cuanto a los sexos, 29,5 % son mujeres, marcando así un claro predominio del sexo masculino.

Lamentablemente aún no sabemos si estos contratos fueron cumplidos en su totalidad, parece poco probable que la validez de los mismos se sustentara ante la justicia y pensamos se hayan extinguido con el cambio de residencia o la muerte del contratante.

A modo de ejemplo transcribimos uno de los contratos, correspondiente a un propietario riograndense con campos en Vichadero, actual departamento de Rivera: "Bagé 25 de Noviembre de 1852: Digo eu João Borges, que entre os meus bens que possuo livres desempedidos ha bem assim hum escravo crioulo de nome Jose, de idade de vinte annos, profissão campeiro com o qual tenho contratado darlhe sua liberdade como esta o face para que delha gose desde ja como se livre nasceu, este faso pela quantia de quinhentos patacões em prata en que foi judicialmente avaliado, ficando o mesmo obrigado a satisfaserme esta quantia de 500 patacões no prazo de dez annos a contar de hoje em servisos pessoais por ele prestados como peão de fazenda que posuo no Estado Oriental do Uruguai em lugar denominado Vigiadeiro a razão de cinqüenta patacões annuais, obrigandome a darlhe vestiario e comida a minha conta. E pelo mencionado crioulo Jose foi dito que aseitava a liberdade que lhe foi conferida com as condições assinadas e que também se obriga a não abandonar o serviço que seu Patrão em quanto não ouver satisfeito pela forma que fica declarada a importância por que foi liberto, e que no caso de abandono de serviço se seguira huma multa de cem patacões alem da constituição imediata da quantia correspondente ao tempo que faltar para o completo do prazo estipulado. Para firmeza e segurança de todo empedido de pessoa o presente em duplicata para serem entregues a cada hum dos interessados que abaixo assignao, a saber arrogo do crioulo Jose por não saber escrever o faz Francisco Jose Ferrerira Camlay na presença das duas testemunhas abaixo firmadas. Villa de Bage, 24 de novembro de 1852."18

De la lectura de este contrato se desprende que la relación entre el plazo y el monto del mismo es abusivo, 50 patacones por año, vale decir $ 4,16 por mes, casi un tercio del salario de un peón libre, o el equivalente a una vaca por mes. En 1859 el departamento de Tacuarembó registraba más de un millón de cabezas bovinas y en comparación, los salarios que se pagaban a los peones camperos en el Uruguay oscilaban entre 10 y 12 pesos mensuales.19

Estos contratos de peonaje fueron discutidos y condenados en el parlamento uruguayo por representar una forma encubierta de esclavitud. El presidente Bernardo Berro, denunció la cláusula del tratado de Comercio y prohibió la celebración de contratos de trabajo por más de 6 años. El 11 de noviembre de 1861, el Ministro de Gobierno Enrique de Arrascaeta envió a los jefes políticos de los departamentos fronterizos una orden por la cual: "No procederá V. S. a registrar contrato alguno por servicio personal con colonos de color introducidos del Brasil, sin serle antes presentada por el colono la carta de libertad que justifique su condición de hombre libre. Los peones deberán ser traídos a la presencia de V. S. y les hará saber que en la República no hay esclavos, y que ellos como los demás habitantes son completamente libres sin otra obligación para con su patrón que las que se imponen por el contrato. Los contratos entre los patrones y los peones de color no podrán exceder del plazo de 6 años".20

El proyecto de ley fue tratado en Comisión de Legislación y sufrió modificaciones, aunque finalmente no fue aprobado. Es interesante notar que ante la constatación de las denuncias de esclavitud disfrazada y de pérdida de soberanía en la zona de frontera, "al Norte del Río Negro, puede decirse que no hay Estado Oriental, los usos, las costumbres, el idioma, el modo de ser, todo es brasilero" decía Vázquez Sagastume, las modificaciones propuestas fueron reducir el plazo de los contratos a 10 años y "2ª) Que el salario por el servicio personal a que se refieran no sea menor de ocho pesos mensuales"21. Observamos que esta modificación representa un aumento del 100 % en el salario de los contratos de peonaje para el caso citado anteriormente.

Parece claro que la vigencia de los derechos personales asegurados por la ley de abolición de 1846, que involucraba a toda persona sometida a esclavitud en territorio nacional, no era tomada en cuenta por los legisladores. El problema radicaba en la frontera y el Estado Oriental carecía de una política de fronteras, pero además las vinculaciones políticas entre Estado Imperial y fuerzas políticas orientales triunfantes en la Guerra Grande (Divisa Colorada) operaban como justificativa en algunos sectores para no afectar los intereses de los propietarios brasileros.

El presidente Berro en 1862, en el marco de la desbrasilerización de la frontera, decreta la nulidad de los contratos de peonaje, limita a 6 años los existentes y prohíbe en lo sucesivo admitir nuevos contratos. Junto a la denuncia del Tratado de Comercio de 1851 este aspecto terminó provocando la airada protesta de los hacendados fronterizos y promovió la reacción armada del General Venancio Flores (Colorado) quien aprovecha los resentimientos de los hacendados para derrocar al gobierno.

Los sucesos políticos de 1863-1865 y las vinculaciones del gobierno uruguayo de Flores con los países vecinos en la guerra del Paraguay y subsecuentes procesos revolucionarios internos hicieron que las medidas anteriores tuvieran una aplicación incierta, especialmente en la región de frontera donde el tema estaba más difundido. El triunfo de Flores en la guerra civil determinó la anulación de las medidas de Berro y un retorno al status quo anterior en relación a estos temas.

Adicionalmente es importante remarcar que a partir de los Tratados de 1851 la Justicia oriental se enfrentó a un problema de difícil resolución, decidir en que casos los esclavos huídos de Brasil y reclamados por sus amos o por la Cancillería Imperial podría ser devueltos. Si bien este tema no es el central de nuestra exposición, del estudio de dichos expedientes hemos obtenidos datos valiosos sobre las complejas relaciones políticas tanto en la frontera como a nivel de los poderes políticos. La documentación es muy numerosa y sumada a la vinculada a los robos y secuestros nos permiten tener una visión de conjunto de la situación vivida entre 1852 y 1880 en los territorios fronterizos.

SECUESTROS Y TRAFICO SUBREGIONAL

En julio de 1854 el representante diplomático oriental en Río de Janeiro, Andrés Lamas, dirige una nota de reclamo al gobierno Imperial por el secuestro de 9 personas negras en Tacuarembó, el hecho ocurrió: "en la noche del 14 de abril ppdo., una gavilla compuesta de once hombres capitaneados por el brasilero Fermiano José de Mello asaltó diversas casas en las inmediaciones de aquella villa y arrebató de ellas a varias personas de color con el objeto presumido de reducirlas a esclavitud en el territorio brasilero para donde las condujo".22

Esa "gavilla" compuesta de 11 hombres entre quienes se reconoció además a "Emilio, hijo de la viuda Brígida que vive sobre la costa del Tacuarembó chico (por lo tanto vecino del pueblo) y a un indio a quien nombran Yuca Tatú", secuestró a: Antonio Tavares, negro libre desde 1836, "propietario de una chacra, donde vivía y desde donde fue secuestrado, intentó resistir el ataque y fue herido en la cabeza con un golpe de sable", Manuel, negro libre desde 1845, Juana, negra libre desde 1845, los negros Antonio y José, el negro Evaristo Borrego que servia en la infantería de Tacuarembó, dos negras de nombre Juana y Laureana, Antonio Piñeiro y su mujer María los cuales fueron liberados por su avanzada edad 70 y 60 años respectivamente. La denuncia del secuestro fue registrada ante el Delegado de Policía de Bagé hacia donde se habría dirigido el grupo.

Hemos estudiado al menos 30 expedientes completos, que representan el 50 % de las denuncias y de las cuáles han permanecido registros, ya que en muchos casos el expediente sustanciado no existe en los archivos consultados sino solamente la carátula del mismo, lo que nos permite pensar que la cifra podría elevarse sustancialmente. De este estudio que complementamos con datos provenientes de otras fuentes documentales podemos inducir que el secuestro de ciudadanos orientales, afrodescendientes libres y de esclavos huidos del territorio de Brasil fue una práctica constante en la frontera oriental complementada con otras estrategias también denunciadas como el bautismo en ciudades riograndenses de niños nacidos en territorio oriental, hijos de esclavos en su mayoría, para mantener así su condición de tal.

En noviembre 1854 Lamas denuncia a un hacendado fronterizo y al cura de Santa Ana do Livramento por "haber sido raptadas 5 criaturas nacidas de vientre libre en el Estado Oriental y bautizadas como esclavas" en dicha villa el 4 de agosto de 1854. El Capitán Chagas, brasilero, propietario de estancias y esclavos de este lado de la frontera, hizo que el padre Joaquín Ferreira los bautizara en su casa y luego se trasladaron a Livramento donde se realizó el registro correspondiente en el libro parroquial, con lo cuál pasaron a condición de esclavos. El Presidente de la Provincia de RGS, condena el acto y reconoce: "proceder com todo o rigor da Lei, não só contra aqueles indivíduos que fossem ao Estado Oriental raptar gente de cor, para os introduzir nesta Província como escravos, mas também contra os que roubassem crianças de ventre livre para nas freguesias da fronteira os batizarem como cativos e bem assim contra os padres que ministrassem esse sacramento".23 24

Estas situaciones ocurren especialmente a partir de 1852, concomitantes con el fin del tráfico esclavista transatlántico y que acarreará una fuerte demanda de mano de obra servil y el consecuente tráfico ilegal, tanto para los saladeros fronterizos en Río Grande del Sur como para el desarrollo de la cafeicultura en Río de Janeiro y San Pablo.

Maestri25 indica con respecto a la dotación de esclavos de Pelotas durante la Revolución Farroupilha, que la misma cayó a poco menos de 31 mil hacia 1846, una disminución de 9 mil esclavos que sin dudas afectó el potencial productivo de la zona. Culminada la guerra se realizan compras masivas a tal punto que en 1858 el número de "cativos" alcanza los 72 mil, buena parte de los mismos adquiridos en el marco del tráfico ilegal. "Nos anos 1845-52 enquanto se extenguia a escravidao no Uruguay, o contrabando de cativos de criadores sulinos e uruguayos, desde os departamentos setentrionais daquele pais, para o Rio Grande do Sul contribui certamente para a a elevaçao da populaçao cativa sul riograndense".

Este número elevado de esclavizados permitió la singularidad de que esta Provincia "tornou-se, possivelmente, importante exportador de cativos". Este autor sostiene que si después de 1850, Rio Grande do Sul, exportó esclavos y paralelamente se mantuvo el crecimiento de dicha población hasta 1880, "restaria a única hipótese de a expansão pelo crescimento natural…acrecida…pelo contrabando de cativos afro-uruguaios, ou homens livres uruguaios de origem africana".

Efectivamente muchas de las denuncias permiten comprobar las afirmaciones de Maestri a la vez que rastrear los caminos del tráfico subregional y el destino de los infelices secuestrados que culminan en Río de Janeiro o en lugares más lejanos.

En agosto de 1866 solicita el apoyo de la Legación Oriental en Río, el afrodescendiente Matías Correa, declarando que "fue esclavo del brasilero Juan Correa y trabajaba en la estancia de la costa de San Luis propiedad de dicho Correa y hoy de sus herederos. Quedó libre después de 1842, y aunque trabajo como peón en la dicha estancia algún tiempo mas, vino después como libre que era a trabajar por su cuenta en la villa de Rocha. En esa villa se casó con Donata Barrios, liberta…Vivía en un rancho… De allí fue tomado con otro compañero llamado Juan Correa por los años de 1856 o 1857… y a pesar de sus reclamaciones y de las suplicas… los condujeron a la frontera del Chuy y de alli al Río Grande donde los entregaron a Manuel Correa, hijo de su antiguo amo, quien lo recibió y los trato como esclavos. Como esclavos el dicho Correa los mando vender a Río de Janeiro, donde sin embargo de haber declarado siempre que era libre fue vendido como esclavo y ha vivido y se encuentra en esclavitud."26

En la medida que las denuncias alcanzaban un grado importante de detalles los traficantes con el auxilio de las autoridades políticas y policiales locales obtenían documentos, reputados como falsos por la representación diplomática oriental, con la cual trasladaban "su mercancía" a otras regiones. Tal es el caso de "la negra Gregoria, oriental, libre, de 14 años, vendida como esclava en Río Grande y de allí enviada a Río de Janeiro con el nombre de María Tomasa". Según la denuncia "el 17 de setiembre de 1857 a las 2 y media de la mañana Gregoria fue secuestrada de su casa por el capitán Joaquin Jose Mollina, llevada a Jaguarão y de allí a Rio Grande donde la vendió como su esclava" y se la remitió a Río de Janeiro con el nombre de Maria Tomasa. Se solicita su captura allí, ocurrido esto, la justicia ordena que sea devuelta a su amo por ser esclava y su propietario exhibir los documentos correspondientes. El gobierno Brasilero responde que a instancia de la información que poseen, Maria Tomasa no es oriental y es esclava.27 28

El gobierno Imperial no podía ser omiso ante el número elevado de denuncias que le hacia llegar la cancillería, no obstante las demoras en las respuestas, finalmente se terminaba reconociendo la existencia de tales hechos delictivos.

"Estatística relativa ao decennio de 1ero de Janeiro de 1857 ao ultimo de Dezembro de 1866 das pessoas livres que foram arrebatadas do Estado Oriental e reduzidas a injusto cautiverio no território desta Província".
Sigue la lista de personas:
 
    Nombres Naturalidade Residencia
Leonor, preta e seus filhos María e Honorato Estado Oriental Alegrete
 Adao, preto  Estado Oriental  Pelotas
 Francisca, preta e seus tres filhos  Estado Oriental  Pelotas
 Liborio, pardo  Estado Oriental  Pelotas
 Valerio, pardo  Estado Oriental  Pelotas
 Faustino Rodríguez, pardo  Estado Oriental  Pelotas
 Francisco, pardo  Estado Oriental  Pelotas
 Jose Maria, preto  Estado Oriental  Pelotas
 Hilario, pardo  Estado Oriental  Conceiçao do Arroio
 Claudina, parda  Estado Oriental  Bage
 Rosaura, preta e seus tres filhos  Estado Oriental  Bage
 Reina Rodríguez e seu filho Pancho  Estado Oriental  Sao Leopoldo29

 

Varios documentos como el antes citado se repiten en años posteriores y van confirmando la existencia de una persistente acción de secuestros y ventas ilegales de personas, los números en los registros son de algunas decenas, pero ello permite suponer que se elevaría a cientos los casos totales, ya que solamente aquellos denunciados o reconocidos por las autoridades diplomáticas o provinciales llegaron hasta nosotros.

Las denuncias también nos permites reconstruir la secuencia de los "negocios de tráfico con carne humana". El caso del afrodescendiente Juan Vicente es indicativo de este procedimiento. Nacido en Cerro Largo de vientre libre, sirvió como soldado en el ejercito oriental al mando del capitán Zoilo Gutierrez, hallándose como policía en Mansavillagra fue capturado por una partida del ejercito brasilero que evacuaba el territorio nacional en 1852 y conducido por el capitán Oroño a una casa situada a 5 leguas de Jaguarao. En esta casa lo tuvieron con grillos algunos meses obligándolo por medio de frecuentes castigos a aprender portugués, lo que nunca lograron completamente por que lo resistió .Después lo llevaron a Pelotas donde no pudieron venderlo por que era notoriamente oriental, de allí lo trasladaron a Río Grande donde obtuvieron un pasaporte de esclavo con el cual lo trasladaron a Río de Janeiro y lo pusieron a la venta en la Rua da Quitanda. En esa circunstancia y junto a otros cautivos allí depositados la policía realizo un allanamiento y se exigió que presentaran los pasaportes, lo cual no quiso cumplir el dueño de Juan Vicente y lo escondió en el almacén de tabacos de la Rua de San Pedro, vuelto luego al lugar la venta se demoró por que para sacarlo de Río debía pasar por la inspección policial. Finalmente fue vendido a Joao José Riveiro Silva quien lo llevó a su chacra no Caminho Velho do Botafogo, de donde se fugo para refugiarse en la Legación Oriental. El procedimiento de secuestro y su legalización como esclavizado lo cumplió haciendo el circuito Jaguarão, Pelotas, Río Grande y Río de Janeiro.30

Este trayecto se repite muchas veces en las denuncias, del territorio oriental a Bagé, Alegrete, Jaguarão, Camaqua y otras poblaciones para luego ser trasladados en algún momento a Pelotas donde eran negociados.

La cancillería denuncia el secuestro, en la noche del 20 de abril de 1858 de una afrodescendiente oriental, Emilia de 20 a 30 años con sus dos hijos menores siendo trasladados al Jaguarão. Allí el principal responsable de estos crímenes es un anciano de nombre Terra que la vendió como esclavizada por 600 patacones. Este tráfico era común y reconocido públicamente en Jaguarão. Denunciado el hecho ante la policía de aquel lugar Emilia desapareció enseguida, siendo vendida en Pelotas y de allí trasladada a Río Grande y luego a Río de Janeiro "este nuevo crimen de los traficantes de carne humana y esta nueva tolerancia con que las autoridades alientan este odioso tráfico en la Provincia de Río Grande del Sur….es intolerable por las autoridades de la República Oriental"31

El Cónsul oriental en Pelotas denuncia la esclavización de Petrona, afro-oriental libre y su hijo por Federico de Freitas. Días después de la denuncia, la misma y su hijo desaparecen. "Petrona fue llevada a la ciudad de RG en el vapor Especulación, allí fue depositada ocultamente en el almacén de Fco. Manuel Barboza, …de allí fue sacada de noche y embarcada en el patacho Cyro, que la llevó a bordo de bergantín Ligeiro que estaba a salir para este puerto de Río de Janeiro y en el que quedó embarcada clandestinamente". Denunciada esta situación ante el jefe de policía de Río Grande este ordena el rescate de Petrona y su hijo. Pero el jefe de policía de Pelotas, Alejandro Viera da Cunha en vez de detener al traficante cuando se realiza la denuncia, le expidió un pasaporte para embarcarla como esclava hacia Río de Janeiro "que esta siendo el lugar en que se obtiene mayor provecho y seguridad para el fruto maldito de esos nefandos crímenes. Ved ahí un ejemplo nuevo del espíritu, por regla general inspira a las autoridades locales en las reclamaciones sobre personas de color".32

Petrona finalmente será embarcada a Río de Janeiro, pues el documento expedido en Pelotas por el Jefe de Policía la hace figurar con otro nombre. Este será un recurso frecuente para legalizar los secuestros.

El apoyo de las autoridades brasileras era explícito y con pretendidos fundamentos legales, así ocurrió en el caso de Joaquín, quien solicita protección del vicecónsul oriental allí aduciendo que es oriental y libre, para lo cual presentó 3 testigos. El subdelegado de Pelotas desconoció este procedimiento basado en el artículo 75, numeral 2 del código de proceso criminal que dice "no se admite denuncia del esclavo contra su señor".33

En algunos casos las propias autoridades estaban involucradas en la compra – venta de los secuestrados. Son varios los casos donde los secuestradores y negociantes son autoridades policiales o militares. Tal es el caso denunciado el 13 de enero de 1857 fue asaltada la casa de Justo Costa en el arroyo Monzón por dos brasileros secuestraron a José Rodríguez empleado de Costa y se lo llevaron amarrado, en el camino asaltaron otra casa y se llevaron otro negro a la frontera del Jaguarão. El segundo secuestrado fue entregado en dicho lugar a Luis de Farías Santos quien le pago 12 onzas de oro. José Rodríguez fue vendido a Jerónimo Viera Costa, delegado de policía de Jaguarão. "Este Sr. Delegado de policía, que a lo que parece negocia con carne humana, lo vendió a la ciudad de Río Grande consignado al comerciante portugués Joao Agostinho da Silva, el cual lo embarcó hacia Río de Janeiro." En Jaguarão existe 1 hombre llamado Manoca Diogo, "que estaba tomando a comisión el robo de negros en el Estado oriental mediante porcentaje". Con fecha 19 de mayo de 1857 se le contesta a Lamas que fueron citados los negociantes de esclavos Cordeiro, Baptista, Antonio da Rocha e Souza y Tinoco Medeiros con quienes no pudo aclararse nada sobre el esclavo vendido ya que no se poseían señas ni ficha de esa persona. Lamas responde que Viera da Costa lo compro el 17 de enero de 1858 en Jaguarao, lo embarco el 18 en el vapor especulación para Río Grande y días después fue enviado a Río de Janeiro.34

Los detalles de cómo se realizaron los negocios revelan que los mismos era llevados adelante sin mayores discreciones, en verdad se trataba de una comercialización legal en territorio brasileño. Para la cancillería oriental y los viceconsulados no era tarea simple llevar adelante las denuncias, en muchos casos las mismas carecen de señas particulares de los afectados, pero en compensación hay lujos de detalles sobre la forma y características del transporte y venta de los afrodescendientes. Estos detalles permitieron que algunas de las denuncias no pudieran ser dejadas de lado y fueron efectivamente reconocidas como secuestros reales y comercio ilegal.

La existencia legal de los contratos de trabajo en territorio oriental, más allá de las condenaciones políticas, dificultaba los reclamos sobre el tráfico de esclavos. Aún en 1866, Lamas afirmaba: "los hombres de color introducidos en territorio oriental para el servicio de los establecimientos que posee los brasileros en este territorio son considerados esclavos en RGS, aún en los casos en que fueron introducidos por medio de contratos registrados en los vice consulados de la republica y que en consecuencia, desde que los dichos hombres de color vuelven a ser traídos a la provincia de RGS, lo que se verifica sin dificultad, vuelven a su anterior condición de esclavos y siendo tratados como tal se venden, se compran e incluyen como cosa en los inventarios y particiones de herencias".35

Especialmente en los departamentos fronterizos las relaciones políticas y el poder económico de los hacendados riograndeses hacían que las autoridades locales no adoptaran las medidas ajustadas a la legislación vigente. Por otra parte la realidad social de la época marcaba una clara diferencia entre los aspectos jurídicos y la aplicación de las órdenes emanadas desde el Gobierno nacional, órdenes que muchas veces demostraban una ambigüedad tal que ambientaba la interpretación más o menos libre de las leyes por los poderes locales. Tal es el caso del Jefe Político de Cerro Largo en 1853, quién constata que: "existen en algunas estancias de Brasileros porción de esclavos introducidos furtivamente, en el territorio de la República que en virtud del tenor espreso de la circular espedida por orden del Gobierno Imperial publicada por la presidencia del Rio Grande fecha 7 de Agosto de 1852 y comunicada a esta Jefatura en 15 de Octubre del mismo por el ministerio de V.E deben quedar manumitido dichos esclavos según el espíritu de nuestras leyes y la prevención espresa del Gobierno Imperial a sus súbditos. Considero de mi deber dar este paso y llevar a efecto la manumisión de estos siervos pero reflexionando sobre el estado de nuestra política con el Imperio por la suspensión de el deslinde del territorio, y deseoso de no crear embarazo al Gobierno pido una resolución que me sirva de regla en este caso".36

La respuesta del Ministerio de Gobierno establece, "Contéstese con la instrucción acordada". Cuál era dicha instrucción, "respecto de los contratos con que son introducidos al territorio de la República, las gentes de color en calidad de peones de Brasileros; ha resuelto se diga a V.E. que en aquellos contratos, la única intervención que debe tener la autoridad, es asegurarse de la libre voluntad de los contratantes, sin entrar a avalorar la conveniencia que forma siempre la materia de los contratos entre personas libres"37

Lo acordado era en definitiva respetar los contratos realizados en Brasil entre patrones y esclavizados, respetándolos en la medida que se debe reconocer el acto voluntario entre hombres libres. Realmente la respuesta es paradojal ya que considera al esclavo como hombre libre por la firma de un contrato que llevaba por tal una cruz o el dedo pulgar del infeliz. ¿Qué otra opción restaba al esclavo que aceptar lo que se imponía?

Los compromisos asumidos por el Estado a partir del Tratado de Extradición impusieron una situación de difícil explicación, por un lado se reclaman las personas secuestradas, se pide considere el gobierno brasileño libres a todos los esclavos introducidos a territorio oriental por medio de contratos de trabajo, se acusa que dichos contratos son una forma de esclavitud disfrazada pero no se derogan los mismos, salvo en el gobierno de Berro, adoptando una postura de respeto a los tratados internacionales que se transforma en temor y connivencia con el gobierno imperial.

En 1874 en Memorando elevado al gobierno imperial con motivo de rectificar el Tratado de extradición de 1851 Carlos María Ramírez dice: "no pueden sostenerse más las cláusulas relativas a la extradición de esclavos ya que las mismas está fuera de todo principio de derecho internacional. Las naciones que recibieron del pasado la pesada herencia esclavista no pueden imponerla a aquellos países que no tienen este problema" – "no puede reconocerse como delito la fuga del esclavo, es ocioso demostrar que el delito legal del esclavo fugitivo no se encuentra en esas indeclinables condiciones, ¿se justifica entonces la extradición de esclavos como observación de los deberes generales de buena vecindad?, esa es una de las razones que más pesaron en la celebración de las estipulaciones vigentes".38

Afirmaciones esas que la vida cotidiana de las ciudades de frontera se encargaban de transformar, tal como citáramos anteriormente con el caso de la joven cautiva refugiada en Rivera y que a instancias del Maestro de la escuela fuese devuelta a su propietario para mantener las relaciones cordiales entre ambas ciudades.

En un territorio donde la frontera seca es extensa y los cursos de agua fronterizos no son un impedimento mayor para su paso, el tránsito de la mano de obra en general, la servil en particular, los ganados y bienes, fue intenso a partir de la segunda década del siglo 19.

Particularmente después de 1851, con los Tratados firmados, se hizo muy difícil controlar el contrabando, robos y secuestros donde estaban involucrados hacendados y autoridades de ambos lados de la línea divisoria. Paralelamente esta frontera estaba sometida a constantes desmanes por parte de las tropas de línea brasileras y los salteadores que reiteradamente usaban inteligentemente la frontera para refugiarse luego de sus delitos.

El libre tránsito y la escasa consolidación de los poderes nacionales del Estado, a uno y otro lado, hizo de estos territorios el escenario propicio para que los jefes militares y políticos, erigidos en caudillos rurales, omnipotentes por la posesión de las armas, detentaran el poder y lo utilizaran a su real saber y entender.

Las ventajas comparativas de la utilización de mano de obra esclava en las haciendas fronterizas donde obtener trabajadores asalariados era difícil y caro, empezó a declinar en la medida que el Estado nacional comenzó su proceso de centralización y concentración del poder entorno a la burguesía montevideana y con la dictadura militar desde la mitad de la década de 1870 hasta finales del siglo 19. El código rural, el alambramiento de los campos, la policía rural armada con Remington y la cárcel para los que no pudieran demostrar que tenían trabajo fijo, presionó fuertemente para establecer mano de obra asalariada.

El cercamiento de los campos promovió la expulsión de los ocupantes de la tierra sin título y de los pequeños propietarios que se transformaron en asalariados rurales en competencia por acceder a un empleo, esto determinó en parte la baja de los salarios altos de otrora y la pérdida de las ventajas comparativas del esclavo. Este proceso en la frontera fue lento y no implicó la desaparición de los contratos de peonajes en forma inmediata, pero promovió el trabajo asalariado.

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Notas

1 – El Norte – 10/10/1880 – Tacuarembó, Biblioteca Nacional. (BN). Montevideo.

2 – Barrán, José y Nahum, Benjamín. Historia rural del Uruguay moderno. Montevideo, Banda Oriental, 1967, p.51 – V.1.

3 – Barrán – Nahum. Historia rural del Uruguay moderno. Ob.cit. p.20.

4 – Una arroba equivale aproximadamente a 11 quilos 500 gramos.

5 – Bleil, S., Pereira Prado,F. "Brasileiros na fronteira uruguaia: economia e política no século XIX". En: Simposio Fronteras en el espacio platino. 2das.jornadas de Historia económica. Montevideo, Udelar, 1999. Edición en Cd.

6 – Da Costa Franco, Sergio. Gentes e coisas da fronteira sul. Ensayos históricos. Porto Alegre. Sulina. 2001.

7 – Varela, José Pedro. La Legislación escolar. 2da. Edición. Montevideo, Imp. El Siglo Ilustrado, 1910, p.137.

8 – AGN. Ex. AGA. Relaciones Exteriores. Caja 102.Carpeta 124 A. pp.1 a 5.

9 – Barrán – Nahum. Historia rural del Uruguay moderno. Ob.cit. p.36.

10 – Diario La Constitución, 29 de diciembre de 1852. Nº 146. Biblioteca Nacional.

11 – Archivo parroquial de Tacuarembó. Libro de bautismo. 1850-1852.

12 – Archivo parroquial de Tacuarembó.Libro de bautismos, 1866, acta 754.

13 – Citado en: Barrán – Nahum, Historia rural del Uruguay moderno, Ob.cit. pp.87.

14 – AGN. Jefatura Politica de Tacuarembó. 1872.

15 – AGN. Actas de la Comisión Auxiliar de Rivera. 1866 – 1883.

16 – Diario El Siglo, 20 de octubre de 1877. Biblioteca Nacional.

17 – Museo Histórico Nacional. Archivo del Coronel José Gabriel Palomeque. Tomo III. 1862. Cf. Palermo, Eduardo. (2005) "Vecindad, frontera y esclavitud en el norte uruguayo y sur de Brasil" En: Memorias del simposio La ruta del esclavo en el Río de la Plata, p.93 a 115. Montevideo,UNESCO, 2005. Cf. Borucki, Alex, Chagas, K y Stalla, N. Esclavitud y trabajo entre la guerra y la paz. Una aproximación al estudio de los morenos y pardos en la frontera del Estado oriental (1835 – 1855). Montevideo, Pulmón, 2004.

18 – Archivo General de la Nación. Montevideo. Fondo AGA. Caja 1003 – 1852 – hoja 2.

19 – Barrán, Nahum. Historia rural del Uruguay moderno. Ob. Cit. Apéndice documental. p.332.

20 – Barrán ; Nahum. Historia rural del Uruguay moderno. Ob.cit. p.36.

21 – Barrán y Nahum. Historia rural del Uruguay moderno. Ob.cit. p.87.

22 – AGN. Caja 106. Exp. 35 – Nota de Andrés Lamas a Antonio Paulino Limpo de Abreu. Río de Janeiro. 4 de julio de 1854.

23 – AGN. Caja 106. Exp. 72- Nota de Andrés Lamas a Antonio Paulino Limpo de Abreu. Río de Janeiro.19 de enero de 1855.

24 – AGN. Caja 106. Exp. 72- Copia 49 de Nota del Presidente de Rio Grande del Sur, Joao Lins Vieira Cansansao do Sinimbú a Antonio Paulino Limpo de Abreu. Porto Alegre.12 de dezembro de 1854.

25 – Maestri, Mario. Deus e grande o mato e maior. Passo Fundo, UPF, pp.153 a 167.

26 – AGN. Caja 107. Exp. 289- Nota de Andrés Lamas al Ministro de Relaciones Exteriores de Uruguay, Alberto Flangini. Río de Janeiro.20 de agosto de 1866.

27 – AGN. Caja 89. Exp. 163- Nota del Vizconde de Maranguape al Sr. Andrés Lamas. Río de Janeiro, 22 de julio de 1858.

28 – AGN. Caja 89. Exp. 163- Nota de Andrés Lamas al Consejero Vizconde de Maranguape. Río de Janeiro.31 de agosto de 1858.

29 – AGN. Caja 129- Expediente 427.Secretaria de Governo em Porto Alegre, 24 de julio de 1867.

30 – AGN. Caja 106- Expediente 58. 24 de setiembre de 1854.

31 – AGN. Caja 89 – Expediente 182. 31 de agosto de 1858.

32 – AGN. Caja 89 – Expediente 185. 4 de octubre de 1858.

33 – AGN. Caja 89 – Expediente 187. 4 de octubre de 1858.

34 – AGN. Caja 102 – Expediente 128. 11 de abril de 1858.

35 – AGN. Caja 107. Expediente 315. Nota de Lamas a Flangini. 27 de setiembre de 1866.

36 – AGN. AGA. Caja 1004. hoja 2. Febrero 24 de 1853.

37 – AGN- AGA. Caja 1004. Nota al Jefe Político de Cerro Largo. 14 de marzo de 1853.

38 – AGN- Caja 101. Expediente 370. 29 de mayo de 1874.

 

 

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