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Há 200 anos, o território que é hoje o Uruguai tornava-se parte do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves

Niterói, 08 de agosto de 2021

No dia 08 de agosto de 1821, portanto, há exatos 200 anos, o Congresso Cisplatino era dissolvido. Sua última ordem foi a de enviar cópias de suas atas ao general português Carlos Frederico Lecor para que o militar as enviasse a D. João VI e às Cortes de Lisboa. Porém, muitos leitores devem estar se perguntando o que foi esse Congresso? Qual a sua relação com o título do texto? Quais informações estavam contidas nas atas?
Para a obtenção das respostas, é necessário recuar a 1816, quando D. João invadiu a Banda Oriental, denominação que o território que é hoje o Uruguai tinha na época. Para conduzir o governo português da área ocupada, foi designado o general Lecor, que a administrou através de coalização com uma série de setores da sociedade local. Com a eclosão, em 1820, do movimento liberal em Portugal, e consequentemente com a drástica mudança nos destinos da política do Reino Unido português, que incluiu o retorno de D. João VI à Europa e o estabelecimento das Cortes Gerais em Lisboa para a elaboração de uma constituição, o recém empoçado ministro dos Negócios Estrangeiros e Guerra, Silvestre Pinheiro Ferreira, quis definir o futuro da ocupação militar no Prata.
Foi ordenado que em Montevidéu se estabelecessem Cortes, no modelo das de Lisboa, para que a sociedade local decidisse o futuro da invasão. Unidos, Lecor e atores locais montaram um jogo de cartas marcadas para que as Cortes de Montevidéu, ou Congresso Cisplatino (nome como as reuniões que se iniciaram em julho de 1821 ficaram conhecidas pela historiografia), decidissem pelo que lhes interessava: a união do que é hoje o Uruguai à monarquia portuguesa – fato histórico que teve o seu bicentenário nesse ano. 
O Congresso Cisplatino iniciou-se em um domingo, no dia 15 de julho de 1821. Três dias depois, os deputados votaram, unanimemente, pela incorporação. No dia 23, por decisão dos congressistas, a antiga Banda Oriental passou a chamar-se Estado Cisplatino Oriental. No dia 31, Lecor aceitou a incorporação em nome de D. João VI. No quinto dia de agosto ocorreu o juramento de incorporação, participando, do ato, Lecor, os congressistas e todas as autoridades e funcionários de Montevidéu. No dia 8 de agosto de 1821, uma quarta-feira, houve a dissolução do Congresso Cisplatino e a ordem para que fossem enviadas a Lecor as suas atas, pois o general deveria mandá-las para Lisboa. Nos documentos, a votação dos deputados, bem como o argumento dos aliados de Lecor, para que o território que é hoje o Uruguai se tornasse parte do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. 
Aparentemente, Lecor e seus atores sociais alcançavam os seus objetivos. Porém, a História é sempre mais complexa e, com 200 anos de vantagem, sabemos que o projeto cisplatino não vingou. O Reino Unido português dividiu-se, o Brasil tornou-se um Império a parte e, em 1825, eclodiu a Guerra da Cisplatina, que resultou na criação da República Oriental do Uruguai.

 

Bicentenário da criação do Estado Cisplatino Oriental
Em razão dos 200 anos da Cisplatina, a Revista Tema Livre aproveitou a oportunidade para debater esse episódio histórico e realizou uma série de lives com historiadores de diversas instituições da Argentina, Brasil, EUA e Uruguai. Assista à série completa no nosso canal do YouTube. Acesse: https://www.youtube.com/revistatemalivre

 

Lista dos episódios
1) Live de abertura: "Los partidarios de la corona española en la Cisplatina"
Convidada:  Prof.ª Dr.ª Ana Ribeiro (Investigadora, actual Vice Ministra de Educación y Cultura de Uruguay)

 


2) “Antes da Cisplatina: Sacramento, Montevidéu e os interesses portugueses no Rio da Prata”
Convidado: Prof. Dr. Fabrício Prado (College of William and Mary)

 


3) "O Congresso Cisplatino: a incorporação de Montevidéu e a sua campanha à monarquia portuguesa"
Convidado: Prof. Dr. Fábio Ferreira (Universidade Federal Fluminense – UFF)

 


4) Panfletos, jornais e a linguagem política na Cisplatina.
Convidado: Prof. Dr. Murillo Dias Winter (USP/FAPESP)

 


5) Live de enceramento: "El ciclo revolucionario en Iberoamérica. El Río de la Plata y Brasil en el escenario Atlántico"
Convidada: Prof.ª Dr.ª Marcela Ternavasio (Instituto de Estudios Críticos en Humanidades/Universidad Nacional de Rosario/CONICET)

 


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Há 30 anos, criação do Mercosul pôs fim às tensões históricas entre Brasil e Argentina

Neste ano, completam-se 30 anos que os presidentes do Brasil, da Argentina, do Uruguai e do Paraguai, reunidos em Assunção, assinaram o documento de criação do Mercosul. Desse ato, nasceu um bloco regional que hoje, se fosse um único país, surgiria como a 9ª maior economia do planeta. Sozinho, o Brasil é a 12ª economia mundial, pelas estatísticas do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Documentos guardados no Arquivo do Senado mostram que os senadores, de Brasília, acompanharam com atenção a histórica cerimônia internacional de 26 de março de 1991, na qual Fernando Collor, Carlos Menem, Luis Lacalle e Andrés Rodríguez firmaram o Tratado de Assunção.

— Na solenidade, o presidente Collor disse: 'Começamos a escrever nossa própria modernidade'. De fato, o tratado tem um grande significado — discursou, no dia seguinte, o senador Marco Maciel (PFL-PE).

— O processo de integração pode ser a chave para uma inserção mais competitiva de nossos países no mundo. O Mercosul propiciará economias de escala e otimizará vantagens comparativas, levando à redução dos custos de produção. O projeto estimulará ainda os fluxos de comércio entre os quatros países e tornará os investimentos mais atrativos na região, com consequências positivas para o combate à inflação e a qualidade de vida da população — prosseguiu o parlamentar.

Por força do Tratado de Assunção, gradativamente, os quatro países eliminaram ou reduziram tributos alfandegários nas transações entre si e também unificaram impostos de importação e exportação incidentes no comércio com outras nações.

 

 

Tribuna da Imprensa noticia em 1991 a criação do Mercosul (imagem: Biblioteca Nacional)

 

Para além dos benefícios econômicos, a criação do Mercosul permitiu que as desconfianças e as tensões diplomáticas entre o Brasil e os países platinos, em especial a Argentina, finalmente chegassem ao fim. Era uma situação que se iniciara na época colonial (quando Portugal e Espanha disputavam o território sul-americano), persistira no Império (quando se travaram as Guerras da Cisplatina e do Paraguai e houve interferências brasileiras na política uruguaia) e se renovara logo nos primórdios da República (quando os vizinhos do Cone Sul não viram com bons olhos o protagonismo diplomático do Barão do Rio Branco na América do Sul).

— Mesmo a aliança entre o Brasil e a Argentina para enfrentar Solano López [na Guerra do Paraguai] foi, ao que se sabe agora, uma aliança de emergência entre parceiros que se olhavam com desconfiança, mas que naquela época temiam um inimigo [em comum] que se expandia e avançava — afirmou, em 1980, o senador Alberto Lavinas (PDS-RJ).

No início da década de 1940, na ditadura do Estado Novo, o presidente Getúlio Vargas ensaiou uma aproximação com os argentinos. Os planos eram promissores, mas acabaram indo por água abaixo quando o Brasil e a Argentina decidiram assumir posições distintas na Segunda Guerra Mundial. Enquanto os brasileiros entraram no conflito ao lado dos aliados, os argentinos optaram pela neutralidade.

Em 1985, numa audiência pública no Senado, o presidente da Petrobras, Carlos Theóphilo de Souza e Mello, disse uma curta frase que revelou o tamanho da rivalidade econômica que separava o Brasil e a Argentina:

— A Argentina tem dificuldades sérias de atingir os mercados internacionais pelas suas águas muito rasas. Isso é muito bom para o Brasil. As águas do Rio da Prata exigem um volume muito grande de dragagem para um calado de oito a dez metros. Eles hoje estão estudando um porto mais fora da barra do Rio da Prata, para ver se conseguem calados melhores, de 12 metros, de modo a chegar com seus produtos ao mercado externo com vantagens competitivas em relação ao Brasil.

 

 

Os presidentes Collor, Rodríguez, Menem e Lacalle na assinatura do Tratado de Assunção (Foto: Gabinete senador Fernando Collor)

 

No mesmo ano, o senador José Ignacio Ferreira (PMDB-ES) tratou de uma suposta corrida armamentista que havia no Cone Sul:

— Não faz sentido o Brasil e a Argentina lançarem-se em uma competição tecnológica que pode conduzir às armas nucleares. Em vez disso, os países devem juntar-se para resolverem a questão da dívida externa, do analfabetismo, do saneamento básico, das favelas.

Em 1991, o senador Pedro Simon (PMDB-RS) citou um caso quase prosaico do histórico descompasso entre brasileiros e argentinos:

— Os dois países se davam tão mal no passado que nós fizemos no Rio Grande do Sul uma estrada de ferro com bitola estreita, diferente da bitola larga da Argentina, só para dificultar uma possível invasão do Brasil pelos argentinos. Havia coisas dessa natureza.

Simon via o dedo das potências mundiais nesse afastamento. Para ele, “os do Norte” criavam “fuxicos” que não tinham razão de existir entre o Brasil e a Argentina. O senador Dirceu Carneiro (PSDB-SC), num pronunciamento em 1993, reforçou essa tese:

— O Tratado de Assunção teve a extraordinária virtude de enterrar uma história de longos anos de relações de desconfiança mútua. O setor militar sempre alimentou a hipótese de um conflito entre o Brasil e a Argentina e, para tal, sofreu a interferência do Primeiro Mundo, com interesses evidentemente próprios e pragmáticos, investindo numa desunião progressiva entre os países, fazendo com que virássemos as costas aos nossos vizinhos. Durante todo esse período, o Brasil não considerou a cultura nem a riqueza das trocas comerciais com os países limítrofes. Em todo esse período, tivemos os nossos olhos votados para a Europa, para os Estados Unidos, para o Atlântico.

 

 

Mensagem em que o presidente Collor pede ao Congresso que ratifique o tratado do Mercosul (imagem: Arquivo do Senado)

 

Os primeiros passos da aproximação entre Brasil e Argentina foram dados em 1979, quando os países resolveram a disputa em torno de projetos hidrelétricos na Bacia do Rio Paraná. A partir de então, só houve avanços. Em 1980, assinaram um acordo sobre o uso pacífico da tecnologia nuclear. Em 1982, o Brasil manifestou apoio às reivindicações argentinas na Guerra das Malvinas. 

Em 1985, os presidentes José Sarney e Raúl Alfonsín aproveitaram a cerimônia de inauguração da Ponte Tancredo Neves, entre Foz do Iguaçu e Puerto Iguazú, para assinar a Declaração do Iguaçu, que previu a integração entre os dois países. O Brasil e a Argentina haviam acabado de sair de ditaduras militares, e a redemocratização facilitou a aproximação.

— Verificamos que há um avanço como nunca tinha havido — avaliou Simon. — Se compararmos todos os presidentes da República, desde o primeiro, Deodoro, veremos que todos juntos não visitaram a Argentina tantas vezes quanto o presidente Sarney visitou. Havia a interrogação em relação ao presidente Collor, se ele se dedicaria de corpo e alma à causa da integração. Afinal, ele fez uma campanha tão dura e tão ácida contra o presidente Sarney. Justiça seja feita. Ele assumiu no dia 15 de março [de 1990]; no dia 16, o presidente Collor e o presidente Menem assinavam convênios no Palácio do Planalto. Os dois faziam questão de demonstrar que defenderiam, que lutariam, que haveriam de avançar com a causa da integração Brasil-Argentina.

A Declaração do Iguaçu é considerada o embrião do Tratado de Assunção. O Uruguai e o Paraguai, que assistiram aos vizinhos assinando acordo atrás de acordo a partir de 1985, perceberam que a aliança era promissora e decidiram somar-se ao grupo. Foi assim que o degelo acelerado das relações bilaterais entre Brasil e Argentina deu origem ao Mercosul.

— Os dois presidentes [Sarney e Alfonsín], desde a inauguração da Ponte Tancredo Neves, estão decididos a encaminhar a economia dos dois países para um integração com que possam chegar a um futuro marcado. A integração começa com os dois. Depois virá o Uruguai. Depois será a vez do Chile. Foi a integração, pelo Mercado Comum Europeu, que salvou a Europa da pobreza e da dependência. Assim, me parece que a solução para a pobreza do nosso país e da nossa região é a sua integração em um mercado comum — disse, em 1989, o senador Ney Maranhão (PMB-PE).

Outro motivo que levou à criação Comunidade Econômica Europeia (antecessora da atual União Europeia), em 1958, foi justamente uma rivalidade histórica. A Alemanha e a França haviam protagonizado, sempre em lados opostos, as batalhas mais sangrentas da história da Europa, incluindo as duas guerras mundiais. Quando ambas as economias foram umbilicalmente conectadas, a tentativa de destruição mútua se transformou num mau negócio. Alemães e franceses nunca mais se enfrentaram. 

 

 

Presidentes José Sarney e Raúl Alfonsín, precursores da integração Brasil-Argentina (foto: Victor Bugge)

 

Os papéis históricos do Arquivo do Senado indicam, no entanto, que o Mercosul não foi unanimidade. Alguns parlamentares encararam o novo bloco com ceticismo, ressalvas e até temores. Em 1992, o senador Gerson Camata (PDS-ES) afirmou que fazendeiros gaúchos estavam comprando terras no Uruguai e deixando de plantar no Brasil e que empresas como Autolatina, Cofap e Brahma estavam passando a produzir na Argentina para exportar para o mercado brasileiro:

— Criou-se um oba-oba em torno do Mercosul, que ficou, eu diria, como a 'escola de samba campeã do ano'. Na realidade, os termos do Tratado de Assunção são desfavoráveis aos interesses do Brasil. O que estamos ganhando no primeiro ano? Começamos a perder bilhões de dólares nessas trocas com a Argentina, o Uruguai e o Paraguai. Estamos abrindo mão do poder de tomar decisões, abrindo mão do nosso mercado, em favor desses países, que são menores. Estamos perdendo empregos, renda e impostos.

No pronunciamento, Camata avisou que o Brasil ainda tinha tempo para abandonar o Mercosul:

— Felizmente para o Brasil, o tratado prevê que qualquer um dos seus integrantes dele poderá se retirar desde que o denuncie. Quanto mais cedo o Brasil denunciar esse tratado, melhor será.

Ainda em 1992, o senador Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP) afirmou que, apesar de ser partidário da integração do Brasil com os países vizinhos, o Mercosul tinha efeitos colaterais que não poderiam ser ignorados:

— Recentemente, fui ao interior de São Paulo, a São José do Rio Pardo, onde encontrei uma situação de desânimo. A cebola, base de riqueza da região, fora completamente deslocada pela importação da Argentina. Ora, dentro de pouco tempo estaremos totalmente presos pelo Tratado de Assunção. Se não tomarmos as medidas pertinentes no tempo oportuno, a integração, que é um fato positivo, terá um custo muito alto, capaz de destruir localmente certas bases de riqueza.

 

 

O palácio que abriga a sede do Mercosul, em Montevidéu, diante do Rio da Prata (foto: Mercosul)

 

Também um ano após a cerimônia em Assunção, o senador Nelson Wedekin (PDT-SC) criticou o fato de o tratado ser exclusivamente comercial:

— Ao privilegiar os aspetos mercadológicos, o Tratado de Assunção subestimou uma perspectiva que poderia ser bem mais abrangente. O conceito que defendemos é o da integração dos povos dos quatro países. Nossos esforços se devem somar para a busca do crescimento econômico e do progresso social, e não só para realçar a economia na óptica do empresariado. Por enquanto, o Mercosul está dentro desses limites estreitos. Ninguém até hoje sequer cogitou de uma aliança dos países membros para negociar em conjunto a dívida externa. O Mercosul poderia ser um espaço privilegiado que produzisse a reativação das nossas economias e uma política de distribuição de renda e riqueza. Não se espere isso, entretanto, das elites dos quatro países membros, que, quando muito, são capazes de vislumbrar o Mercosul como mero pacto de ampliação dos seus negócios.

Apesar das críticas de alguns senadores, o Congresso Nacional ratificou o Tratado de Assunção em setembro de 1991, seis meses depois do encontro dos presidentes no Paraguai.

Com o tempo, o Mercosul deixou de ser exclusivamente econômico e passou a se dedicar também a aspectos culturais e sociais. As escolas de ensino médio do Brasil, por exemplo, ficaram obrigadas a oferecer aulas de espanhol. Estudantes universitários de um país puderam dar prosseguimento aos estudos em outro país do bloco. O governo criou em Foz do Iguaçu, na fronteira com a Argentina e o Paraguai, a Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila), que forma alunos dos países do Mercosul em cursos voltados para o desenvolvimento regional.

O tempo de trabalho e contribuição previdenciária em qualquer país do bloco passou a ser contabilizado para fins de aposentadoria. Os trâmites migratórios para turistas do bloco foram facilitados, dispensando a apresentação do passaporte. Os trâmites para residência temporária e permanente também ficaram menos burocráticos. As placas de veículos foram uniformizadas, para permitir um deslocamento mais ágil entre os países.

De acordo com a consultora legislativa Maria Claudia Drummond, que no Senado acompanha o Mercosul desde a assinatura do Tratado de Assunção, o bloco ajudou o Brasil a abrir-se para o mundo:
 
— Até então, o Brasil era um país fechadíssimo, tanto em exportações quanto em importações. A abertura ocorreu primeiro para os países do Mercosul, e não para o mundo de uma vez. Em função do Mercosul, foi um processo que se fez de forma controlada, aos poucos.
 
Ela observa que os brasileiros de uma forma geral têm pouco conhecimento sobre o bloco:
 
— Na Argentina, no Uruguai e no Paraguai, o Mercosul é bem mais conhecido. Como os territórios são menores e as pessoas atravessam mais a fronteira, o Mercosul é mais real para elas. Até mesmo o interesse acadêmico pelo Mercosul é mais forte nesses países. Aqui no Brasil, o desinteresse é total e isso vem se acentuando nos últimos anos.

Para o economista Luciano Wexell Severo, professor na Unila e coordenador do Observatório da Integração Econômica da América do Sul, o desinteresse dos cidadãos contribui com o enfraquecimento do bloco:

— Como o Brasil tem um território muito grande, existe uma aparência de autossuficiência. Mas não é assim. Hoje 85% dos itens que o Brasil exporta para os países do Mercosul são industrializados, como carro, carroceria, motor, cerveja e calçado. São itens que geram mais emprego, renda, arrecadação tributária e tecnologia do que produtos primários, como soja, celulose e carne, que exportamos para a China. Muitas vezes o trabalhador dessas indústrias não sabe que a integração com a Argentina, o Uruguai e o Paraguai é importante para ele. Esse trabalhador, por isso, não faz pressão política a favor do Mercosul. Isso é ruim porque o Brasil dificilmente terá uma economia pujante, com todos os benefícios sociais decorrentes disso, sem essa aproximação com os nossos vizinhos.

A Venezuela tornou-se a quinta nação integrante do Mercosul em 2012, mas foi suspensa em 2016, por ter descumprido acordos e tratados. A Bolívia está em processo de admissão desde 2015.

Fonte: Agência Senado

Reportagem e edição: Ricardo Westin

Pesquisa histórica: Arquivo do Senado

Edição de multimídia: Bernardo Ururahy

Edição de fotografia: Pillar Pedreira

 

 

 

 

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Uma análise do discurso dos deputados orientais no Congresso Cisplatino

Por Fábio Ferreira

Fatos precursores à instalação do Congresso Cisplatino

Com o processo de emancipação do Vice Reino do Rio da Prata, o território que hoje corresponde à República do Uruguai, designada à época como Banda Oriental, mergulhou em uma árdua guerra civil, que levou à destruição de sua economia e à instabilidade política. A partir de 1811, quando José Gervásio Artigas rompeu com a Espanha e iniciaram-se os conflitos armados em solo oriental, Montevidéu foi controlada, no curto período de seis anos, por governos submetidos aos espanhóis, aos portenhos, às forças revolucionárias de Artigas e aos portugueses.
No que refere-se à presença lusa na Banda Oriental, observa-se que D. João organizou duas expedições militares para conquistar este território. A primeira ocorreu em 1811, no entanto, por pressões da Inglaterra e pela oposição de segmentos locais, o príncipe regente retirou, em 1812, suas forças do Prata. Porém, em 1815, D. João iniciou a organização de nova expedição para conquistar a antiga área de dominação espanhola. Para liderar a segunda invasão foi escolhido o general português Carlos Frederico Lecor, veterano das guerras napoleônicas. Lecor ocupou pacificamente Montevidéu em 20 de janeiro de 1817, após negociações com o Cabildo da cidade.
Uma vez no poder, o general continuou negociando e compondo politicamente com elementos da sociedade oriental, além de agir no sentido de enraizar a presença portuguesa na região. Como exemplo, durante a gestão lusa houve a concessão de títulos, condecorações e promoções na administração pública a segmentos da sociedade oriental, bem como vários casamentos de militares das forças joaninas com mulheres orientais, sendo que o próprio Lecor casou-se com Rosa Maria Josefa Herrera de Basavilbaso, em 1818. Neste mesmo ano, o general tornou-se, pelas mãos de D. João VI, Barão da Laguna.
Sobre a adesão dos orientais, Lecor trouxe para a sua órbita figuras locais de projeção, sendo que, muitos deles, anteriormente, foram coligados aos espanhóis, aos artiguistas e, futuramente, com a independência do Uruguai, permaneceram em posições de destaque na recém-nascida república. Mesmo com as diversas mudanças na conjuntura platina, vários elementos orientais conseguiram estar sempre atuando com relativa significância no jogo político local, ainda que a Banda Oriental fosse controlada por forças tão díspares, como, por exemplo, as de Artigas e as de Lecor.
Dos orientais aliançados ao general português e que tiveram destaque em outros momentos da história oriental, como o Congresso Cisplatino, podem ser citados Fructuoso Rivera, líder de milícias no interior da província e, a partir de 1830, presidente do Uruguai; o padre Dámaso Antonio Larrañaga, que compunha o Cabildo que negociou a entrada de Lecor em Montevidéu, além de ter sido eleito senador para representar a Cisplatina no Rio de Janeiro; Francisco Llambí, jurisconsulto e cabildante em 1817 e, após a independência oriental, ministro da república; o fazendeiro Tomás García de Zúñiga, que pelas mãos do Império do Brasil tornou-se Barão de la Calera; Juan José Durán, membro do Cabildo de 1817; e Jerónimo Pio Bianqui, igualmente cabildante à época da ocupação.
Em 1821, a continuidade da ocupação lusa das terras orientais encontrou-se ameaçada. A Revolução Liberal do Porto – que teve, também, adeptos nos domínios americanos dos Bragança, inclusive em Montevidéu, através de tropas de Lecor – alçou ao cargo de ministro dos Negócios Estrangeiros e Guerra Silvestre Pinheiro Ferreira, opositor à permanência portuguesa no Prata. Por esta razão, em um dos seus últimos atos no Rio de Janeiro, em 16 de abril de 1821, dez dias antes de retornar definitivamente a Portugal, o monarca ordenou que Lecor realizasse em Montevidéu um congresso inspirado nas Cortes de Lisboa para que a sociedade local decidisse o seu futuro.
Como os interesses de Lecor e dos seus aliados eram pela permanência dos portugueses na região platina, agiram, o general e o estancieiro Juan José Durán, chefe político da província à época, no sentido de que o referido congresso votasse pela incorporação da Banda Oriental ao cetro joanino.
No que refere-se ao contexto oriental, a ordem para a realização do Congresso foi expedida depois de vários anos de conflitos armados que devastaram a Banda Oriental, destruição esta que foi registrada por vários contemporâneos à ocupação de Lecor, como, por exemplo, Saint-Hilaire , Emeric Essex Vidal e Breckenridge . Assim, à época da designação do Congresso, a sociedade oriental vivia relativa paz, conseguindo, inclusive, alguma recuperação econômica e, além disto, interessava a orientais ligados ao setor produtivo a união à Coroa lusa, por esta acenar com perspectivas como a da realização de transações comerciais com os seus vastos domínios, fatores que fortaleciam politicamente o projeto da incorporação ao Reino Unido português.
Deste modo, diante do exposto, qual o posicionamento dos congressistas frente à missão de decidir (ou legitimar o já acertado nos bastidores políticos) o futuro oriental? Seguir com a Casa de Bragança ou abandoná-la? Qual a argumentação escolhida pelos deputados para legitimarem suas escolhas? Enfim, uma multiplicidade de questionamentos podem ser feitos em relação ao Congresso Cisplatino e, no item a seguir, serão demonstrados e analisados alguns deles.

O Congresso Cisplatino e a atuação dos parlamentares orientais

Para a reconstituição das reuniões do Congresso Cisplatino utiliza-se como fonte no presente artigo as suas atas, que encontram-se em Montevidéu, no Archivo General de la Nación. O conjunto documental é manuscrito em espanhol, composto de oitenta páginas, onde estão distribuídas as suas dezenove atas. Além disto, estes documentos apresentam as listagens e assinaturas dos deputados que estiveram presentes nas sessões, os seus discursos, as propostas e votações em questão, que perpassam da mesa diretiva até a decisão pela incorporação ao Reino Unido português, dentre outros elementos.
Sobre as amplas possibilidades analíticas que este conjunto documental oferece, o contato do historiador com a ata de cada sessão fornece-lhe valiosos dados acerca de vários aspectos da sociedade oriental de então. Como exemplo, através das atas identifica-se a boa aceitação que a ocupação portuguesa tinha junto a uma parcela dos segmentos dominantes da sociedade oriental. Igualmente, verifica-se a exclusão das camadas populares do congresso, o temor dos congressistas de que surgisse no território oriental uma nova liderança revolucionária como a de Artigas, além de uma série de aspectos políticos, econômicos e sociais da época.
Expostas as questões acima, as atas demonstram que o Congresso iniciou-se no dia 15 de julho de 1821, contando com doze deputados, e não dezoito conforme estipulado inicialmente. Como congressistas, estiveram na seção de abertura
Juan José Durán, Diputado por parte de esta Capital [Montevidéu], Presidente en esta Junta, como Gefe político de la Província: el Sor. Cura y Vicario D.or D. Dámaso Antonio Larrañaga, y el Sor. D. Tomás Garcia de Zúñiga también Diputados por esta Ciudad, así como su Síndico procurador general D. Gerónimo Pío Bianqui – el Sor. D. Fructuoso Rivera, y el Sor D.or D. Francisco Llambí, Diputado por el vecindario de extramuros – el Sor D. Luis Pérez, Diputado por el Departamento de S. José – el Sor D. José Alagón, Diputado por el de la Colonia del Sacramento – el Sor D. Romualdo Gimeno, diputado p.r el de Maldonado el Sor D. Loreto de Gomenzoro, Diputado por Mercedes como su Alcalde territorial: el Sor D. Vizente Gallegos, que lo es de Soriano y D. Manuel Lagos, del Cerro-Largo […]
Posteriormente, outros deputados apresentaram-se: no dia 16, Mateo Visillac, representante de Colônia do Sacramento e, no dia 18, Alejandro Chucarro, deputado pela vila de Guadalupe, Salvador García, síndico suplente da mesma localidade, Manuel Antonio Silva, síndico de Maldonado e Romualdo Gimeno, também deputado por Maldonado.
Mesmo com o atraso desses congressistas, elegeu-se a mesa diretiva a 15 de julho. Como presidente foi eleito Durán, como vice-presidente, Larrañaga, e como secretário, Llambí. Assim, os primeiros aliados que Lecor conquistou na Banda Oriental estiveram no comando do Congresso.
No segundo dia, a ameaça bélica que circundava os orientais já se fez presente através da seguinte mensagem que Lecor enviou aos congressistas, e que consta da ata da reunião do referido dia:
Señores del Muy Honorable Congreso extraordinario de esta Provincia= S.M. El Rey del reyno unido de Portugal, Brasil y Algarbes, ha tomado en consideración las repetidas instancias, que han elevado á su real Presencia, Autoridades muy respetables de esta Provincia, solicitando su incorporación á la Monarquía Portuguesa, como el único recurso que en medio de tan funestas circuntancias, puede salvar el País de los males de la guerra y de los horrores de la Anarquía. – Y deseando S.M. proceder en un asunto tan delicado con la circunspección q.e corresponde á la Dignidad de su Augusta persona, á la liberalidad, de sus principios, y al decoro de la Nación Portuguesa, ha determinado en la sabiduría de sus Consejos, que esta Provincia, representada en el Congreso extraordinario de sus Diputados, delibere y sancione en este negocio, con plena y absoluta libertad, lo que crea más útil y conveniente á la felicidad y verdaderos intereses de los pueblos que la constituyen. – Si el Muy Honorable Congreso tubiere á bien decretar la incorporación a la Monarquía Portuguesa, Yo me hallo autorizado por el Rey p.a continuar en el mando y sostener con el Ejército el órden interior y la seguridad exterior bajo el imperio de las Leyes. Pero si el Muy Honorable Congreso estimase más ventajoso á la felicidad de los pueblos incorporar la Provincia á otros estados ó librar sus destinos á la formación de un Gob.o independiente, solo espero sus decisiones para prepararme á la evacuación de este territorio en paz y amistad conforme á las órdenes Soberanas – La grandeza del asunto me excusa recomendarlo á la Sabiduría del Muy Honorable Congreso: todos esperan que la felicidad de la Provincia será la guía de sus acuerdos en tan difiiles circunstancias = Montevideo y julio diez y seis de mil ochocientos veinteuno = A los S.S. de Muy Honorable Congreso de esta Provincia = Barón de la Laguna [Lecor]=

Na mensagem de Lecor verifica-se a afirmação do general sobre a existência de autoridades locais que anelavam a união com a monarquia portuguesa, a vincular, ainda, em sua escrita, este desejo à manutenção da ordem e à salvação do território oriental. Associava-se, então, a manutenção da paz à permanência dos portugueses na região, estando o temor à possibilidade do retorno aos conflitos bélicos presente em diversas reuniões do Congresso.
Na sessão do dia 18 foi colocada em discussão pelo presidente, Juan José Durán, a questão da incorporação propriamente dita:
[…] se propuso por el Sor Presidente, como el punto principal p.a que había sido reunido este Congreso – si segun el presente estado de las circunstancias del Pais, convendría la incorporacion de esta Provincia á la Monarquía Portuguesa, y sobre que bases o condiciones; ó si por el contrario le sería más ventajoso constituirse independiente ó unirse á cualquiera otro Gobierno, evacuando el territorio las tropas de S.M.F.
O contato com as atas permite ao pesquisador identificar que Bianqui, Llambí e Larrañaga foram os únicos deputados que discursaram, sendo favoráveis à anexação à coroa bragantina, expondo os seus argumentos sempre fazendo menção à guerra. Neste conjunto documental podemos verificar que em sua fala Bianqui afirmou que transformar a província em um Estado era, no âmbito político, impossível. O deputado acrescentou que para sustentar a independência necessitavam-se de meios, no entanto, o território oriental não possuía população nem recursos para que fosse governado pacificamente. Os orientais não teriam como impedir uma guerra civil, nem ataques externos, nem como conquistar o respeito das outras nações, além de que haveria a emigração dos capitalistas, voltando, assim, a Banda Oriental, a ser o “teatro da anarquia” e “a presa de um ambicioso atrevido”.
Observa-se que Bianqui utilizou o temor existente no imaginário oriental do retorno aos conflitos em sua argumentação, pois se este medo não fosse presente, não haveria razão do congressista ter enfatizado a possibilidade do retorno ao “caos”, nem mencionaria a possibilidade do surgimento de “um ambicioso atrevido”, aludindo, provavelmente, a um possível aparecimento de alguma outra liderança revolucionária como a de Artigas. A ameaça bélica, independentemente de existir ou não, independente do congressista acreditar nela ou não, estava a ser trabalhada intencionalmente em seu discurso no Congresso Cisplatino, afinal as cicatrizes dos conflitos armados da década anterior permaneciam abertas e o território oriental continuava circundado por uma gama de províncias que ainda viviam os horrores das guerras desencadeadas desde a Revolução de Maio.
Bianqui, ao anular a possibilidade da Banda Oriental em constituir-se estado autônomo, apontava, em seguida, a necessidade de incorporar-se a outro estado, excluindo Buenos Aires e Entre Rios em função de seus respectivos conflitos internos. A Espanha também foi descartada, pois segundo o deputado oriental, os pueblos já haviam votado contra ela e que Madri foi incapaz de manter a paz na província. Deste modo, para o congressista, não havia outra opção que não fosse a incorporação à monarquia portuguesa sob uma constituição liberal. Com a manutenção do poder luso, dizia o deputado, impossibilitar-se-ia a anarquia, o setor produtivo continuaria as suas atividades, sendo, assim, restituídos os anos de prejuízos, e os “arruaceiros” teriam que dedicar-se ao trabalho ou então sofrer com o rigor das leis.
As atas também mostram ao pesquisador que, em seguida, Llambí discursou. Ele alertou sobre a alta probabilidade de que com a saída das tropas de Lecor o território oriental viesse a sofrer novas invasões ou, então, mergulharia em uma guerra civil. Sem entrar no mérito se a análise deste parlamentar foi ou não exagerada, ela insere-se perfeitamente no contexto social da Banda Oriental. Por exemplo, mesmo não estando, no momento do Congresso, em armas contra Lecor e os seus aliados, o governo de coalização luso-oriental não poderia confiar totalmente em elementos como Juan António Lavalleja e a família Oribe – apesar de terem existido diálogos e aproximações, ao longo da gestão do general, entre estes diversos atores políticos, não se pode ignorar que os Oribe e Lavalleja iniciaram, em 1825, uma guerra civil contra Lecor e o seu grupo político. Além disto, em relação ao âmbito externo à província, o contato com uma gama de documentos da administração Lecor mostram que os governos limítrofes tinham o interesse de controlar a Banda Oriental e chegaram a elaborar projetos para ocupá-la.
Seguindo com a fala de Llambí, este retomou, corroborando com Bianqui, os conflitos que a Banda Oriental sofreu nos anos anteriores, a afirmar, inclusive, que mais da metade da população foi dizimada, bem como as suas riquezas, e que os orientais perderam o pouco armamento que tinham. Supondo eventuais exageros, inclusive para justificar o seu voto e legitimar a permanência lusa, identifica-se, mais uma vez, a ida aos anos de guerra, traumatizantes e sempre associados a uma gigantesca destruição – o que, por outro lado, não é contrário a outras fontes, como os supracitados relatos dos viajantes da época. Igualmente, detecta-se a ideia de que estes anos foram tão devastadores que a Banda Oriental ainda carregava os pesados danos destes conflitos que duraram praticamente uma década. Portanto, ao desenvolver a sua argumentação neste sentido, provavelmente o parlamentar o fazia por haver público receptor, “terreno fértil” para suas ideias, e que provavelmente não haveria quem se lhe opusesse (ou se o houvesse seria facilmente rebatido).
Llambí também apontou a devastação que a província encontrava-se e utilizou-se desta situação para argumentar a incapacidade desta tornar-se independente, e retomou a questão da estabilidade, já levantada no Congresso: “[…] Un Gobierno independiente pues entre nosotros, sería tan insubsistente, como lo es, el del que no puede ni tiene medios necesarios para sentar las primeras bases de su estabilidad.”
A possibilidade da incorporação a outros estados também foi abordada por Llambí. O congressista listou a Espanha, Buenos Aires, Entre Rios e o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. Castela foi descartada por razões como a distância, a sua impossibilidade de resolver as mazelas orientais e, ainda, porque levaria a conflitos armados no interior da província entre seus partidários e seus antagonistas. As guerras em que Buenos Aires e Entre Rios estavam envolvidas impossibilitavam, nas palavras de Llambí, a união da Banda Oriental a estes estados. Assim, o deputado expunha que “A cualquier parte que vuelvo la vista me veo amenazado de los efectos de esta [a guerra]; y si à todos se les presenta con el horroroso aspecto que á mí, ningún mal deberémos temer tanto como él.”
Llambi ainda afirmou que, de fato, a Banda Oriental estava em poder das tropas portuguesas, o que não se podia evitar, e que qualquer resolução dos orientais, por melhor que fosse, podia ser destruída por alguém que pudesse agrupar um pequeno número de combatentes. O aventurar-se nestas contingências seria uma imprudência que os congressistas teriam que responder eternamente aos pueblos.
Identifica-se no discurso de Llambí uma forte dose de pragmatismo ao destacar a fragilidade da província para sustentar-se independente. Se Llambí acreditava em sua argumentação, ou se a mesma foi um meio de justificar o seu voto e de congregar partidários em torno da opção acordada com Lecor, ou simplesmente uma mera encenação, não é o objetivo do presente artigo. Importante é detectar a constante utilização do temor do retorno aos conflitos armados e que o discurso do deputado é um meio para o historiador identificar que a sociedade oriental à época tinha o seu imaginário temeroso no que refere-se às guerras em seu território.
Após a fala de Llambí, conforme constata-se nas atas, Larrañaga foi o deputado que discursou, demonstrando uma posição pragmática e o rechaço em relação à guerra, revelando também uma espécie de trauma no que refere-se aos conflitos armados. Larrañaga afirmou que os orientais encontravam-se, desde 1814, abandonados pela Espanha. Buenos Aires e as demais províncias platinas fizeram o mesmo, deixando a Banda Oriental sozinha em uma guerra muito superior às suas forças e, por esta razão, o religioso anulou qualquer ligação do território com as províncias limítrofes e com a Madri. Assim, detecta-se que a questão dos conflitos bélicos estava presente na argumentação de mais um dos congressistas.
Outro ponto a se observar é que Larrañaga afirmou que após dez anos de revolução, a província estava distante do ponto de partida e que o dever dos congressistas era conservar o que restou do seu aniquilamento e, caso o conseguissem, seriam, então, verdadeiros patriotas. Pragmaticamente, Larrañaga conclamou os deputados a afastarem a guerra e a desfrutarem da paz e da tranquilidade através da união da província à monarquia portuguesa. No entanto, esta união seria sob determinadas condições: o padre defendeu a autonomia da Banda Oriental, propondo que esta fosse considerada como um estado separado, conservando-se, por exemplo, as suas leis e autoridades no conjunto do Império português.
Da mesma forma que os outros deputados, o contato com a ata da sessão que discutiu a anexação permite afirmar que Larrañaga utilizava a possibilidade do retorno à guerra como legitimadora da opção pela permanência dos portugueses na Banda Oriental e, depois do seu discurso, acordava-se a incorporação do território oriental ao Reino Unido português:
Entónces por una aclamacion general los S.S. Diputados dijeron: Este es el único medio de salvar la Provincia; y en el presente estado à ninguno pueden ocultàrse las ventajas que se seguiran de la Incorporac.n bajo condiciones que aseguren la libertad civil […] En este estado, declaràndose suficientemente discutido el punto, acordaron la necesidad de incorporar esta Provincia, al Reyno Unido de Portugal, Brasil y Algarbes, Constitucional, y bajo la precisa circuntancia de que sean admitidas las condiciones que se propondrán y acordarán por el mismo Congreso en sus ulteriores sesiones, como bases principales y esenciales de este acto […]
Assim, no dia 18 de julho de 1821, os congressistas votaram, unanimemente, pela incorporação de Montevidéu e sua campanha ao Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves.
Sucintamente, menciona-se que o conjunto das atas também mostra que, no dia 23, denominou-se a província recém anexada de Estado Cisplatino Oriental, e que nesta data decidiu-se que os cisplatinos teriam representação no Congresso Nacional em Lisboa. No dia 31, segundo a documentação, Lecor aceitou a anexação em nome de D. João VI, sendo que no quinto dia de agosto ocorreu o juramento da mesma, comparecendo Lecor, os congressistas, e todas as autoridades e funcionários de Montevidéu. No dia 8 houve a dissolução do Congresso e suas últimas ordens foram no sentido de enviar cópia das atas a Lecor, para informar ao rei e as cortes de Lisboa dos acontecimentos platinos.
Era mantida, assim, a estrutura de poder iniciada em 1817, aquando da ocupação de Montevidéu por Lecor, porém, a partir de 1821, legitimada não pelo Cabildo, organismo político-administrativo de âmbito municipal, mas por um Congresso representante de toda a província, que, a seu turno, encaixava-se nos moldes liberais, doutrina em voga e ascensão nos quadros do Império bragantino, que vivia a lenta agonia do Antigo Regime português.

Conclusão

Deste modo, conclui-se que o temor em relação ao retorno à guerra foi utilizado pelos congressistas para defenderem a incorporação à monarquia portuguesa e para legitimar a permanência da ocupação liderada por Lecor, sendo as atas importantes fontes para reconstituir o discurso dos deputados, seus argumentos para a criação do Estado Cisplatino Oriental e para analisar o temor existente na sociedade local no que refere-se à possibilidade do retorno aos conflitos bélicos.
Provavelmente, inseridos com sucesso na coalização luso-oriental, os deputados orientais utilizaram no Congresso a argumentação do retorno aos conflitos bélicos pelos seus interesses pessoais (e dos grupamentos que eles estavam vinculados) em incorporar a Banda Oriental à monarquia portuguesa. Bianqui, Llambi e Larrañaga empregaram argumentos plausíveis para respaldarem seus discursos, pois estavam inseridos em uma sociedade duramente marcada pelos anos de conflitos e com seu imaginário temeroso no que referia-se ao retorno das guerras. Além disto, não se pode ignorar que a ameaça bélica era um risco eminente não só para a Banda Oriental, mas para toda a região do Prata, visto os combates militares que as províncias limítrofes estavam mergulhadas, ratificando o quão plausível era a argumentação dos congressistas.
Assim, o discurso enfatizando as antagônicas e concretas possibilidades de guerra e de paz que desenhavam-se diante dos orientais, associadas à concreta recuperação do setor produtivo durante a ocupação lusa foi, sem dúvida, altamente persuasivo e influenciador da anexação à coroa portuguesa, em especial em um contexto social em que a população sofreu por longos anos em virtude de questões bélicas e da destruição da província.
Outro ponto é que mesmo que a participação popular tenha sido vedada no Congresso, sendo este constituído por membros dos segmentos dominantes, provavelmente, o que foi discutido em suas reuniões teve repercussão junto à sociedade oriental, criando, portanto, junto à população oriental argumentos favoráveis à atitude dos congressistas de anexarem o território oriental à monarquia portuguesa. Com os discursos dos deputados ecoando pela Banda Oriental, é provável que estes agregariam partidários e defensores de suas ações por eles terem sido importantes agentes que afastaram a guerra da traumatizada e exaurida província.
Sendo assim, a manutenção do poder português acenava ser, ao menos nos idos de 1821, a solução mais conciliatória e a menos conflituosa para a sociedade oriental e para os grupamentos locais mais destacados, representados no Congresso Cisplatino e partícipes da coalizão luso-oriental. No entanto, a opção dos orientais pela incorporação ao Reino Unido português não os livrou de novas guerras. Com a independência do Brasil, a pública adesão de Lecor ao Império e a fidelidade de parte de suas tropas a Lisboa fez com que conflitos bélicos fossem novamente estabelecidos em terras orientais, tendo, por fim, a situação oriental agravado-se após 1825, quando eclodiu a Guerra da Cisplatina.
Finalizando, o Congresso Cisplatino veio a mudar o destino oriental, pois uniu legalmente este território à Coroa de Bragança, oficializando, portanto, a ocupação lusa. Ademais, interferiu na geopolítica platina, mantendo territorialmente Portugal e, depois, o Brasil, no Prata, diretamente vinculados aos assuntos desta região, tendo que lidar com as constantes oposições e mudanças políticas características das províncias limítrofes à época. Agrega-se ainda que o resultado do Congresso, que levou à permanência de portugueses e brasileiros no território oriental, foi fato crucial para a eclosão da Guerra da Cisplatina, logo para a criação da República Oriental do Uruguai tal como os fatos se desencadearam no reinado de D. Pedro I.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E DOCUMENTAIS

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D. João VI, o general Lecor e a criação da Cisplatina

Artigo de Fábio Ferreira
Mestre em História Social pelo Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde defendeu a dissertação intitulada "O General Lecor e as articulações políticas para a criação da Província Cisplatina: 1820-1822."

 

Com o processo de independência dos antigos domínios espanhóis na América e a conseqüente desagregação do Vice Reino do Rio da Prata, a parte denominada Banda Oriental, que corresponde à atual República Oriental do Uruguai, atravessou uma árdua guerra civil, que destruiu grande parte do seu setor produtivo e levou à desorganização a sociedade oriental.

Neste quadro, o príncipe regente D. João tentou estender, em dois momentos, as fronteiras dos seus domínios americanos até o Prata, apossando-se da Banda Oriental. Em 1811, o príncipe realizou a primeira incursão militar nesta área. No entanto, por pressão da Inglaterra, D. João retirou as suas tropas no ano seguinte.

Em 1816 ocorreu a segunda tentativa expansionista, que obteve êxito. Nesse ano, as forças militares do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, lideradas pelo general português Carlos Frederico Lecor1, invadiram o território oriental e conquistaram pacificamente Montevidéu em 20 de janeiro de 1817, após articulações com o Cabildo desse núcleo urbano. A partir de então, Lecor instalou-se na cidade, que passou a ter um governo luso. Concomitantemente, as forças revolucionárias do oriental José Gervásio Artigas resistiam a Lecor, entretanto, em 1820, Artigas foi derrotado, exilando-se no Paraguai do ditador Francia.

Enquanto Lecor realizava a sua administração da Banda Oriental ocorria, em Portugal, mais especificamente no Porto, em agosto de 1820, a Revolução Liberal, que logo chegava a Lisboa e, no ano seguinte, proporcionava agitações em distintas partes do Reino do Brasil, como Pará, Bahia e Rio de Janeiro. Dentre as demandas dos revoltosos estava o estabelecimento das Cortes, a elaboração de uma constituição e o retorno de D. João VI para a Europa.

Em 26 de fevereiro, a guarnição militar do Rio de Janeiro rebelou-se e, com a participação do príncipe D. Pedro, obrigaram D. João VI a jurar a Constituição que estava a ser elaborada em Lisboa. Além disto, o monarca comprometia-se a retornar a Portugal e foi-lhe imposto um novo ministério, em que, dentre outras figuras, estava o liberal Silvestre Pinheiro Ferreira, que ocupou a pasta dos Negócios Estrangeiros e Guerra.2

Em 16 de abril, dez dias antes de retornar para Portugal, D. João VI expediu duas medidas importantes para a região do Prata. A primeira delas foi o reconhecimento da independência das províncias platinas em relação à Espanha. A segunda foi no sentido de resolver a questão da ocupação da Banda Oriental. Assim, ordenou-se a constituição do Congresso Cisplatino para que os orientais votassem o futuro do seu território.

Primeiramente, sobre o Congresso, a idéia deste partiu de Pinheiro Ferreira, que era contrário à permanência dos portugueses na Banda Oriental, argumentando junto ao rei que esta acarretava uma série de prejuízos, seja pela ação de corsários contra o comércio luso, seja pela despesa anual que gerava ao tesouro público.3

Outros fatores apontados pelo ministro liberal que deveria levar-se em conta para o abandono da Banda Oriental era o descontentamento e as insubordinações das tropas lusas estacionadas no Prata, bem como as reivindicações da Espanha em relação ao território oriental. Segundo Pinheiro Ferreira, se D. João VI não resolvesse a questão envolvendo a Banda Oriental antes de partir da América para a Europa, o monarca teria que negociá-la com os espanhóis quando estivesse de volta ao Velho Mundo,4 o que, evidentemente, colocava o rei português sob maiores pressões de Madrid.

Além disto, Pinheiro Ferreira inviabilizava a incorporação do território oriental ao Brasil, afirmando que um decreto não iria transformar os orientais em portugueses, sendo, assim, D. João VI não poderia contar com a fidelidade dos habitantes dessa província e, ainda, o ministro questionava a idéia de que a Banda Oriental desejava unir-se ao Brasil, argumentando que este era o anseio de alguns indivíduos, os aliados de Lecor, que se auto-intitulavam portadores dos desejos da província para fazer o que lhes fosse conveniente. Assim, a única solução que o ministro encontrava era a de que os orientais se reunissem em Assembléia para definir o futuro de sua província.5

Somada à questão de um possível abandono da Banda Oriental, Pinheiro Ferreira sugeriu o envio de João Manoel Figueiredo a Buenos Aires, em missão que mostrasse aos portenhos e aos governos circunvizinhos, como a República de Entre Rios, o desejo de D. João VI de ter relações amigáveis com eles, bem como para incrementar o comércio destes governos com o Reino Unido português. Na proposta do ministro, Figueiredo entraria, uma vez em Buenos Aires, em contato com Chile, Entre Rios, dentre outros governos, e "[…] ao General Barão da Laguna se dará ordem para que coopere com elle [Figueiredo] para restabelecer a boa intelligencia entre aquelles differentes Estados e os Povos do Brazil." Além disto, "Por esta occasião se lhes participará as medidas de liberal conducta que na maneira acima exposta S.M. tem adoptado a respeito da Banda Oriental como huma prova do espírito de Justiça e disinteresse de que o Governo Portuguez se acha animado"6

No próprio dia 16 de abril, Pinheiro Ferreira escreveu a Lecor comunicando que D. João VI ordenava que os orientais votassem pelo futuro do território ocupado, de maneira livre, sob a proteção das armas lusas, mas sem qualquer tipo de pressão. Além disto, Pinheiro Ferreira afirmava que o resultado mais provável do Congresso era o da Banda Oriental constituir-se em um Estado independente, então Lecor ficaria encarregado de acertar com o novo governo a proteção da fronteira e a segurança interna dos orientais. O governador do Rio Grande cuidaria das forças militares responsáveis pela fronteira entre o novo estado oriental e o Brasil.7

A união da Banda Oriental com o Brasil era definida pelo ministro como pouco provável, porém, ele qualificava como algo que não era impossível. Assim, Pinheiro Ferreira expunha que D. João VI desejava que Lecor permanecesse como governador e capitão geral da nova província.8

Por fim, João Manoel Figueiredo portava o ofício que seria entregue a Lecor com as ordens do Congresso Cisplatino e o general deveria ajudá-lo, para que se lograsse a paz com os vizinhos do Brasil. Entretanto, a missão de Figueiredo não foi duradoura. O cônsul apresentou-se ao governo de Buenos Aires em 28 de julho de 1821, porém, menos de um mês depois, em 21 de agosto, o cônsul expirava, nesta cidade, de maneira súbita.9

 

A BANDA ORIENTAL DE D. JOÃO VI E AS RELAÇÕES COM OS VIZINHOS DO REINO DO BRASIL

Para a melhor compreensão das formulações por parte do Rio de Janeiro das ordens para a realização do Congresso Cisplatino é mister a compreensão das relações da Banda Oriental e do Brasil de D. João VI com as repúblicas sul-americanas, tema deste item do artigo.

Sucintamente, sobre as relações de Lecor com os governos limítrofes, é importante observar que eram relacionamentos instáveis, de desconfiança mútua, que variavam de conflitos armados prontos a eclodirem a alianças contra inimigos comuns. Além disto, no que referia-se às relações entre a Banda Oriental e as antigas áreas de dominação espanhola, Lecor tinha o interesse em estar sempre bem informado do que estava a ocorrer nas províncias que compuseram o Vice-Reino do Prata e, até mesmo, em localidades mais distantes, como o Chile e o Peru.

Do mesmo modo, o general buscava manter boas relações, principalmente, com os governos de Buenos Aires e Entre Rios, provavelmente pelo fato de que estes apresentavam grande potencial para rivalizar com os portugueses, por questões como a proximidade geográfica e pelas pretensões destes governos em conquistar a Banda Oriental.

Evidentemente, a atenção dispensada por Lecor aos antigos domínios espanhóis era reflexo da preocupação que existia em setores do Reino Unido português em relação aos seus vizinhos hispânicos. O Correio Brasiliense expunha, em várias de suas edições, que os assuntos referentes aos governos limítrofes eram, depois dos de Portugal, os mais importantes para o Brasil. Observa-se, ainda, que se os assuntos dos vizinhos do Brasil eram relevantes, as questões que envolviam os governos do Prata eram-no ainda mais. O governo de D. João VI tinha interesse pelo que estava a acontecer no espaço platino, buscando informações sobre as províncias desta região. Pinheiro Ferreira entendia que as relações com os vizinhos do Prata era uma das questões mais importantes da sua pasta.10

Assim, além de líder militar e político, Lecor também funcionava como uma espécie de informante do governo do Rio de Janeiro sobre os acontecimentos do antigo Vice-Reino platino e, até mesmo, do Chile e Peru. Por sua vez, o general luso também tinha a sua rede de informantes em diversos pontos do Prata, sendo, deste modo, abastecido com dados concernentes aos fatos ocorridos nos territórios hispânicos.

Em função dos adventos ocorridos no Reino Unido português, em especial após os acontecimentos de fevereiro de 1821 na Bahia e no Rio de Janeiro, Buenos Aires começava a articular os meios para entrar em conflitos armados com Lecor, esperando, somente, o resultado de expedição buenairense enviada a Lima. Os desdobramentos do liberalismo em Portugal e no Brasil só vieram a fortalecer o projeto de Buenos Aires e, ainda, nesta cidade tinha-se a ciência de que restabeleceria-se na Europa a sede da monarquia lusa, que, por sua vez, na concepção portenha, poderia prejudicar o systema americano.11

Além disto, Buenos Aires sabia que no Manifesto Nacional os portugueses apoiavam as queixas da Espanha sobre a ocupação da Banda Oriental, bem como expressavam a sua insatisfação em relação aos altos custos da ocupação do território oriental e o conseqüente desejo de Portugal abandonar a conquista platina. Deste modo, nos planos de Buenos Aires, era chegada a hora de indispor-se com a Banda Oriental portuguesa. Segundo Lecor, os planos dos portenhos era expulsá-lo da Banda Oriental e, ainda, levar às províncias do Brasil a guerra, fomentando a separação do reino americano de Portugal.12

Assim, nesse contexto de desconfianças e ameaças mútuas, foram expedidas pelo Rio de Janeiro as já citadas medidas relativas ao Prata. Aos portenhos, em ofício de 16 de abril, Pinheiro Ferreira mostrava o desejo de D. João VI de ter relações de amizade com os vizinhos do Brasil, sendo que as províncias de Buenos Aires ocupavam o primeiro lugar e, expressava, igualmente, o reconhecimento do rei à independência portenha. No mesmo documento, o ministro português comunicava a realização do Congresso Cisplatino, mas com o cuidado de construir a imagem das Cortes de Montevidéu como feitas da maneira mais livre e popular, sem a menor sombra de coerções e de manipulações.13

Além disto, no ofício, havia a justificativa do reconhecimento da independência dos governos limítrofes não ter sido feita antes pelo monarca, associando-se, assim, esta ação à ascensão do liberalismo no Reino Unido português, bem como a outras questões internas e externas, sem mencionar no documento quais e, ainda, à política dos Estados europeus. Igualmente, o governo de D. João VI anunciava que receberia em seus domínios os agentes portenhos, fossem eles comerciais ou diplomáticos, com todas as honras e considerações.14

Seguidamente a estas exposições, Pinheiro Ferreira afirmava aos portenhos que esperava que o reconhecimento feito por D. João VI gerasse nas províncias vizinhas similar reconhecimento em relação aos domínios lusos.15 No mais, o ofício redigido por Pinheiro Ferreira para o governo instalado em Buenos Aires era enviado, através de cópias, para as províncias do interior, para o Paraguai, Chile e Colômbia.16

Entretanto, as amigáveis intenções do ministro não conquistaram a confiança portenha. Por mais que as comunicações dirigidas a Buenos Aires tenham sido repletas de expressões e vocabulários indicadores de uma política de boa vizinhança e típicos do liberalismo, Martin Rodriguez, que estava a frente do governo portenho, escrevia à Junta de Representantes da Província de Buenos Aires, ao Chile e ao Paraguai expressando a sua desconfiança e ojeriza em relação ao ministro liberal e ao Congresso Cisplatino (Ressalta-se que Martin Rodriguez tomava este posicionamento antes mesmo do congresso ser realizado).17

Na carta a Francia, Rodriguez expunha que acreditava que o reconhecimento das independências era um meio para obrigá-los a consentir na incorporação do território oriental ao cedro de D. João VI. Além disto, Rodriguez entendia a Banda Oriental como parte da nação que Buenos Aires também fazia parte.18

Em Buenos Aires havia a desconfiança do que poderia haver por trás do reconhecimento da independência dos governos do Prata. Suspeitava-se que poderia ser uma espécie de moeda de troca com as forças políticas platinas, para que estas reconhecessem a presença lusa na Banda Oriental, presença que acabou por ser votada pelos orientais no Congresso Cisplatino, conforme será apresentado no próximo item.

 

A CRIAÇÃO DO ESTADO CISPLATINO ORIENTAL

Uma vez expedida pelo governo de D. João VI as ordens para a realização do Congresso e tendo ciência das tensas relações que envolviam o território oriental e, principalmente, o governo de Buenos Aires, é válido ressaltar que Lecor escreveu, em fins de maio de 1821, a Silvestre Pinheiro Ferreira, informando que os habitantes da província temiam que os portugueses de lá saíssem, pois acreditavam que se isto ocorresse, a Banda Oriental seria novamente vítima dos conflitos armados, mergulhando, assim, em uma nova guerra civil.19 Identifica-se, nesta questão, o interesse de Lecor em manter o poder português na Banda Oriental, com a construção de uma argumentação que buscava convencer o ministro liberal da necessidade da permanência da ocupação.

Dias depois, Lecor expediu, em 15 de junho de 1821, as ordens para a convocação do Congresso e de seus deputados. A comunicação do general português foi dada a Juan José Durán, chefe político da província. De acordo com as ordens de Lecor, baseadas nas de Pinheiro Ferreira, os deputados deveriam ser nomeados livremente, sem violência e da maneira mais adequada às circunstâncias e costumes do país – palavra utilizada na documentação para definir a Banda Oriental – de modo que se fosse consultada a vontade geral dos povos. Além disto, os parlamentares deveriam representar toda a província para deliberarem sobre o futuro oriental, de modo a decidir como esta seria governada.20

No documento, Lecor pediu a maior brevidade possível na instalação do Congresso, para que o mesmo fosse instalado ainda em 15 de julho de 1821, logo, um mês depois, e transferia toda a responsabilidade da convocação e do processo eleitoral do Congresso Cisplatino para Durán. Assim, o chefe político da província ficou responsável pela definição do número de deputados que iriam compor o Congresso e a quantidade de parlamentares que cada pueblo ou departamento enviaria a Montevidéu. Ressalta-se que Lecor somente informou que o critério de seleção dos componentes do Congresso deveria ser proporcional ao número aproximado de habitantes de cada parte da Banda Oriental. Após as instruções de Durán, iniciou-se, na Banda Oriental, o processo de seleção dos deputados e seus suplentes para o Congresso Cisplatino.

É importante ressaltar que, quatro dias depois, em 19 de junho, basicamente um mês antes da primeira reunião do Congresso Cisplatino, Lecor escreveu ao conde dos Arcos afirmando que acreditava que o seu resultado seria o de incorporar a Banda Oriental aos domínios de D. João VI. Na carta, além do resultado do Congresso, pois os orientais várias vezes haviam pedido que D. João VI permanecesse no controle definitivo da província, Lecor expunha que estava a preparar o Congresso da maneira que fosse conveniente para resultar na incorporação à monarquia lusa e, assim, esperava a aprovação do rei, mas, também, de D. Pedro, dos seus métodos.21 Nove dias depois, em 28 de junho, Lecor escreveu outra carta ao conde dos Arcos, demonstrando novamente o conhecimento prévio do resultado do Congresso Cisplatino.22

Também confirmando o resultado estavam os ofícios enviados por Martin Rodriguez, em dois de julho de 1821, antes ainda da primeira reunião do Congresso, ao Chile, Paraguai e às províncias platinas:

Sabe el Gobierno por noticias reservadas y reservadisimas q.e ha podido recoger del Brasil y del mismo Montevideo, q.e ha emprezado á plantificarse el plan, que dejó dispuesto S. M. F. al retirarse p.a Europa, de agregar al territorio brasiliense toda la Banda Oriental de este Rio adoptando p.a esto el simulado arbitrio de consultar, por medio de un Cong.o […] 23

Não se pode ignorar o quanto Martin Rodriguez era antipático à ocupação de Montevidéu e ao governo português, nem a sua busca de gerar semelhante rejeição nas províncias que hoje compõem a Argentina e nos governos do Chile e do Paraguai. Entretanto, do mesmo modo, não pode-se ignorar que as informações contidas no ofício de Martin Rodriguez não diferem da das cartas de Lecor. Rodriguez afirmou, antes do resultado do Congresso, que este resultaria na incorporação da Banda Oriental ao Brasil, e que o mentor do plano era D. João VI.

Além disto, no citado ofício, o governador de Buenos Aires expunha que o reconhecimento da independência das antigas colônias de Espanha significava o desejo, por parte de D. João VI, de que, como moeda de troca, os hispânicos reconhecessem a incorporação da Banda Oriental. Também parte do resultado acordado, os portugueses teriam colocado uma série de agentes no interior da Banda Oriental para trabalharem positivamente junto à população o resultado do Congresso Cisplatino.24

Sobre o Congresso, este iniciou-se no dia 15 de julho, "[…] en conformidad de lo dispuesto por S.M.F. El Rey del Reyno Unido de Portugal, Brasil y Algarves y publicado para su observancia y cumplimiento por el Ilmo y Exmo Sor. Barón de la Laguna, comandante en Gefe del ejército pacificador de esta Provincia: llegado el caso de reunirse un Congreso general extraordinario para tratar y decidir sobre la suerte futura del País […]"25 tendo como deputados diversos aliados de Lecor, como o próprio Durán, Fructuoso Rivera e Tomás García de Zúñiga. Além destes, foram congressistas o padre Dámaso Antonio Larrañaga, Jerónimo Pío Bianqui e Francisco Llambí, que compuseram, em 1817, o Cabildo que entregou Montevidéu a Lecor.

Três dias depois da abertura do Congresso Cisplatino, no dia 18 de julho, os congressistas votaram, unanimemente, pela incorporação ao Reino Unido português. Outra questão válida de ressaltar é que os deputados estabeleceram a clara vinculação entre a anexação e a garantia de uma certa autonomia para a província dentro dos quadros da monarquia portuguesa, inclusive com representação no Congresso Nacional, com a manutenção do castelhano como seu idioma oficial e dos limites com o Brasil sendo anteriores ao processo revolucionário do Prata. Além disto, no Congresso determinou-se que o nome do novo território correspondente à Banda Oriental seria Estado Cisplatino Oriental.26

Complementa-se que os deputados estabeleceram como uma das cláusulas da incorporação a permanência de Lecor no poder, definindo que o general continuaria no comando do Estado Cisplatino: "Continuará en el mando de este Estado, el Señor Barón de la Laguna."27 O oriental responsável por certificar-se do cumprimento das condições para a incorporação e resolver juntamente com Lecor eventuais solicitações dos pueblos recaiu sobre Tomás García de Zúñiga28, um dos principais aliados de Lecor, que, inúmeras vezes, chegou a financiar a administração do general com seus próprios recursos financeiros.

Quase um mês depois da sua primeira reunião, em oito de agosto de 1821, o Congresso Cisplatino encerrou-se. As suas últimas ordens foram no sentido de enviar cópia das atas a Lecor, para que o general informasse os últimos acontecimentos ao rei D. João VI, que a esta altura já estava em Portugal, e as Cortes de Lisboa.29 Assim, as desconfianças portenhas de que as forças de Lecor na Banda Oriental permaneceriam, concretizaram-se no citado Congresso. De semelhante modo, concretizavam-se as afirmações contidas nas epistolas de Lecor de que a anexação ocorreria.

 

CONCLUSÃO

Assim sendo, é provável que o reconhecimento da independência das Províncias do Prata esteja relacionado com o Congresso Cisplatino, significando uma espécie de troca, pois o reconhecimento da independência poderia ter sido feito pelo monarca em outro momento. Evidentemente, a ascensão do liberalismo no Reino Unido português não pode ser negada, pois mudava a correlação de forças no âmbito interno e externo dos domínios joaninos, com a ascensão de novos ministros e a mudança de Portugal dentro do jogo diplomático europeu.

Provavelmente, partindo para a Europa, D. João VI desejava resolver definitivamente as pendências existentes no espaço platino, neutralizando, com o reconhecimento da emancipação, a oposição do governo de Buenos Aires ao governo português. Também é provável que significasse que o monarca acreditasse que o resultado do Congresso viesse a desagradar aos portenhos e, para amenizar a ira destes, reconhecia, assim, a sua independência.

Finalizando, de acordo com a documentação, antes mesmo da instalação do Congresso Cisplatino, já havia o conhecimento do seu resultado, mostrando-se que as Cortes de Montevidéu foram um simulacro – utilizando-se aqui as palavras de Martin Rodriguez – de representação. Além disto, não pode-se negar a ação de Lecor e do seu grupo de aliados políticos no Congresso Cisplatino para que se lograsse o resultado que lhes fosse conveniente. Assim sendo, as articulações e a habilidade política do general Carlos Frederico Lecor foram fundamentais para a criação e anexação do Estado Cisplatino Oriental ao Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves.

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Notas

01 – Lecor, de ascendência francesa, nasceu em Portugal na década de 1760, ingressando no final do século XVIII no exército português. Lutou na Campanha do Rosilhão, onde, em 1794, foi ferido gravemente, quase falecendo, no entanto, isto não impediu que o militar participasse das lutas contra Napoleão Bonaparte, liderando, inclusive, a Leal Legião Lusitana. Lecor lutou em território francês e, com a derrota da França, conduziu as vitoriosas tropas portuguesas de volta ao seu país.
Findo os conflitos na Europa e com os interesses da monarquia de Bragança nas questões geopolíticas relativas ao espaço platino, as tropas portuguesas situadas no velho mundo foram enviadas para o Brasil. Lecor, na ocasião Governador da Praça de Elvas, liderou a expedição destinada ao Prata.

02 – NEVES, Lucia Maria Bastos Pereira das. Corcundas e constitucionais: A cultura política da independência (1820-1822): Rio de Janeiro: Revan, FAPERJ, 2003, p.249 e SERRÃO, Joaquim Veríssimo. História de Portugal: 1807 – 1832. Viseu: Verbo, 2002, p.372.

03 – Silvestre Pinheiro Ferreira. "Memória e Cartas biográficas". Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, 1876-1877. Volume II, Rio de Janeiro, Tipografia G. Lenzinger & Filhos. 1877. Apud: Devoto, El Congreso Cisplatino (1821): repertorio documental, seleccionado y precedido de um análisis. Revista del Instituto Histórico y Geográfico del Uruguay, t.XII. Montevideo: 1937, p.163-164.

04 – Idem.

05 – Idem, p.164.

06 – Idem, p.167.

07 – Arquivos do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal, livro "Rio da Prata". Apud: Devoto, op.cit., p.169-171.

08 – Idem.

09 – La Gaceta de Buenos Aires, nº66, 01 de agosto de 1821, p.309 (Acervo da Biblioteca Nacional de Buenos Aires); Carta de Francisco da Costa Pereira ao Barão da Laguna. Buenos Aires, 23 de agosto de 1821, p.1-2. Lata 396, doc.10, v.2, p.98-99 (Acervo do IHGB); Documentos para la Historia Argentina. Correspondencias generales de la província de Buenos Aires relativas a relaciones exteriores (1820-1824), t.XIV. Facultad de Filosofía y Letras. Buenos Aires, 1921. Apud: DEVOTO, op.cit., p.180.

10 – Fundo: Cisplatina, cx. 977, pac. 02, doc.19, p.55-61 (Arquivo Nacional do Rio de Janeiro); Silvestre Pinheiro Ferreira. "Memória e Cartas biográficas". Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, 1876-1877. Volume II, Rio de Janeiro, Tipografia G. Lenzinger & Filhos. 1877. Apud: Devoto, op.cit., p.163 e COSTA, Hipólito José da. Correio Braziliense, ou, Armazém literário, v.-XVI-XXIX. (1816-1822). São Paulo: Imprensa Oficial do Estado; Brasília: Correio Brasiliense, 2002.

11 – Carta do Barão da Laguna a Silvestre Pinheiro Ferreira. Montevidéu, 4 de abril de 1821, p.1. Lata 396, doc.10, v.2, p.30. (Acervo do IHGB).

12 – Idem.

13 – Arquivos do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal, livro "Rio da Prata". Apud: DEVOTO, op.cit., p.171 e 172.

14 – La Gaceta de Buenos Aires, nº66, 01 de agosto de 1821, p.309 (Acervo da Biblioteca Nacional de Buenos Aires).

15 – Idem, p.310.

16 – Idem.

17 – Documentos para la Historia Argentina. Correspondencias generales de la província de Buenos Aires relativas a relaciones exteriores (1820-1824), t.XIV. Facultad de Filosofía y Letras. Buenos Aires, 1921. In: DEVOTO, op.cit., p.176.

18 – Carta de Martín Rodríguez a Gaspar Rodríguez Francia, Buenos Aires, 27 de julho de 1821. Apud: DEVOTO, op.cit., p.385-386.

19 – Carta do Barão da Laguna a Silvestre Pinheiro Ferreira. Montevidéu, 25 de maio de 1821, p.1-3. Lata 396, doc.10, v.2, p.35-37. (Acervo do IHGB).

20 – Carta do Barão da Laguna ao Conde dos Arcos. Montevidéu, 19 de junho de 1821, p.1. Lata 396, doc.10, v.2, p.48. (Acervo do IHGB).

21 – Carta do Barão da Laguna ao Conde dos Arcos. Montevidéu, 28 de junho de 1821, p.1. Lata 396, doc.10, v.2, p.49. (Acervo do IHGB).

22 – Documentos para la Historia Argentina. Correspondencias generales de la província de Buenos Aires relativas a relaciones exteriores (1820-1824), t.XIV. Facultad de Filosofía y Letras. Buenos Aires, 1921. Apud: Devoto, op.cit., p.177.

23 – Idem, p.178.

24 – El Argos de Buenos Aires, 21 de julio de 1821. (Acervo da Biblioteca Nacional de Buenos Aires).

25 – ACTAS DEL CONGRESO CISPLATINO. Montevideo, 1821. Archivo General de la Nación., f.1. (Acervo do Archivo General de la Nación, Montevideo)

26 – Idem, f.8v-27v.

27 – Idem

28 – La Gaceta de Buenos Aires, op.cit., p.326. (Acervo da Biblioteca Nacional de Buenos Aires)

29 – ACTAS DEL CONGRESO…, op. cit., f.39 e 39v. (Acervo do Archivo General de la Nación, Montevideo)

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E DOCUMENTAIS

Fontes primárias

Archivo General de la Nación – Montevideo

ACTAS DEL CONGRESSO CISPLATINO. Montevidéu, 1821. Archivo General de la Nación.

Arquivo Nacional – Rio de Janeiro

COLEÇÃO CISPLATINA. Caixas 975-979.

Arquivo do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) – Rio de Janeiro

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Biblioteca Nacional – Buenos Aires

EL ARGOS DE BUENOS AYRES. Diversos números: 1821-1822.

LA GACETA DE BUENOS AYRES. Diversos números: 1821-1822.

Fontes primárias impressas

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WASSERMAN, Claudia. (Coord.). História da América Latina: Cinco séculos. Porto Alegre, Editora da UFRGS, 2003.

 

 

 

 

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As fugas de escravos da província de São Pedro para o além-fronteira

Artigo de Silmei de Sant'Ana Petiz Professor do curso de História do Centro Universitário Unilasalle. Mestre em história pela UFRGS e doutorando pela Unisinos. Autor do livro: Buscando a Liberdade. Fugas de escravos da Província de São Pedro Para o além-fronteira de 1811 a 1851. Passo Fundo: editora UPF, 2006.

A visibilidade histórica do negro riograndense pode ser entendida como decorrência direta de um enfoque historiográfico contemporâneo que busca recuperar a participação de significativos segmentos populacionais anteriormente excluídos do estudo da própria história. Entre esses estudos se destacam os que procuram aprofundar suas analises com relação à resistência escrava. Ecoando de certo modo o fortalecimento do movimento negro, a produção acadêmica interessa-se cada vez mais pela rebeldia escrava. Afirmando que os cativos não haviam se submetido passivamente aos desmandos senhoriais.

A historiografia brasileira da década de 1980, influenciada por estudos de autores norte-americanos como Eric Williams, Eugene Genovese, Stanley Engerman e Herbet G. Gutman, passaram a investigar a multiplicidade das experiências negras sob o escravismo, buscando as visões escravas da escravidão e da liberdade. Procuraram mostrar como aqueles que estiveram submetidos ao cativeiro tinham valores e projetos – diferentes de seus senhores – e lutavam por eles de variadas formas. Esses estudos contestam o entendimento da resistência escrava somente como fuga, rebelião e violência contra senhores e capatazes.

Autores como Maria Helena Machado, João José Reis e Robert Slenes, têm demonstrado que não é cabível a oposição entre resistência escrava e acomodação, preferindo a utilização do conceito "adaptação", que significa dizer que eram diversificadas as estratégias de acordo com as peculiaridades de cada região e de cada período do escravismo. Em um país de dimensões continentais parece evidente que adaptações teriam que existir, não tendo a escravidão um único padrão mas uma diversidade de possibilidades e enquadramentos. A historiografia mais recente parece ter se conscientizado disso e passou a empreender estudos com marcos espaço-temporais mais limitados, sem a pretensão de generalizar os resultados obtidos para todo o conjunto brasileiro.

Redimensionando a abordagem do tema, estes pesquisadores afastaram-se do debate sobre os modos de produção e passaram a analisar os significados históricos das lutas escravas enfocando o ponto de vista dos escravos. Avançaram no sentido de recuperar as praticas cotidianas, os costumes, as resistências e os modos de sentir, conviver, pensar e agir dos escravos.

Sob essa perspectiva, este texto tem por objetivo contribuir para o estudo da escravidão que existiu na antiga Província de São Pedro do Rio Grande do Sul. Concordamos com a necessidade de perceber que as diretrizes que marcaram as esferas de controle e de reprodução da ordem escravista contextualizavam-se no tempo e no espaço, marcos essenciais para o estudo das experiências históricas na sua singularidade.

A escravidão e as especificidades da fronteira riograndense na primeira metade do século XIX.

Desde os primeiros estabelecimentos populacionais na Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, a delimitação das fronteiras resultou em um difícil problema para ser solucionado. A vasta zona da campanha, pouco habitada, foi um cenário de distintos conflitos entre espanhóis e portugueses. Produto de diversos interesses, o estabelecimento de uma linha divisória que delimitaria o território constituiu um verdadeiro dilema para os distintos governos.

A conjuntura da primeira metade do século XIX, na região platina, foi de forte intercâmbio e intercruzamento das relações que podem ser percebidos através da invasão luso-brasileira da Banda Oriental, da Guerra dos Farrapos, da Guerra Grande e do apoio brasileiro a invasão de Flores. Contudo, devemos considerar que a fronteira não será entendida apenas como um espaço de disputa e ocupação territorial, mas também como um espaço de convivências e praticas social.

Compreender a situação histórica da escravidão que existiu nessa zona, exige uma definição previa do espaço fronteiriço, uma vez que a fronteira tende a ser concebida de diferentes formas. Em sentido etimológico está associado a conceitos legais e político, mas é também uma zona de interpenetração e um espaço de permanentes contatos e trocas . Medianeira Padoin (1999) expressa, trabalhamos com a noção de espaço fronteiriço platino como espaço social e economicamente construído e que adquiriu um perfil de região, com um sentido totalizador enquanto espaço de circulação de homens, de idéias, de culturas e de mercadorias.

Este conceito que tomamos define mais os atributos econômicos e sociais do que uma realidade física de uma zona territorial que se cria como limite ou marca frente a outro território. Neste sentido, consideramos a zona geográfica da antiga Província de São Pedro do Rio Grande do Sul como parte integrante da região platina. Sua fronteira foi um espaço propicio ao intercâmbio, as transgressões, deserções e local privilegiado para as fugas de escravos. Ao longo dos mais de 400 quilômetros de fronteira seca entre o Rio Grande do Sul e o Uruguai constitui-se um terreno fértil para o entrecruzamento da história regional.

Neste espaço fronteiriço a escravidão foi marcada por uma conjuntura muito particular, sobretudo no período analisado, quando esses diversos conflitos exigiram o uso indiscriminado de escravos-soldados, contribuíram para a ocorrência de fugas e favoreceram os constantes aliciamentos de cativos.

Diante dessa conjuntura de profundas vinculações internacionais, o negro escravizado exerceu os mais diferentes papeis: foi "produto" de comércio, foi soldado, foi fugitivo ou desertor, foi matéria de contrabando e por vezes um "companheiro" de longas jornadas acompanhando as peripécias de chefes caudilhos. Viveu e conviveu com constantes intercâmbios e foi, por certo, um sujeito conhecedor das especificidades que fizeram parte dessa região-fronteira.

Os escravos se relacionavam com comerciantes, desertores, e os demais sujeitos que se deslocavam para ambos os lados da fronteira, muitos devem ter conhecido os caminhos e as vantagens obtidas por homens livres que entrecruzavam a vida militar com negócios particulares. Conviveram com os medos e as incertezas de um cenário explosivo sempre sob o perigo da guerra e não devemos desprezar a astúcia daqueles que aprenderam a tirar vantagens dessas circunstâncias através de ações que pudessem minimizar a dor e o sofrimento cotidiano.

Na primeira metade do século XIX o Rio Grande do Sul conheceu seu maior contingente de escravos, sobretudo pela rápida expansão das charqueadas, crescimento das atividades agrícolas, pastoris e comerciais. Os dados censitários da época consideram que pelo menos um terço da população era formada por escravos1. Essa fase de prosperidade foi favorecida pela ocupação de luso-brasileiros que na década de 1820 após a ocupação da Província Cisplatina, se apossaram de extensas reservas de pastagem de gado e arruinaram as charqueadas locais, favorecendo a produção riograndense. Mesmo depois da independência uruguaia em 1828, estancieiros riograndenses continuaram agressivamente a mudarem-se para o Uruguai com escravos, capital e animais.

Nesse período, os negros escravizados podiam ser considerados uma força de mão-de-obra e uma reserva militar. Quando o governo provincial se defrontava com problemas militares, durante as numerosas crises fronteiriças, eles requisitavam ajuda as pecuaristas. Ao menos que a situação se tornasse critica, os escravos seriam os últimos na linha de frente de batalha, permitindo que estes continuassem com suas atividades nas estâncias.

Em 16 de novembro de 1835, o Estado Oriental do Uruguai comunicava através de um decreto, a proibição da introdução de escravos em seu território. Procuravam atingir, sobretudo, aos riograndenses que, com o advento da Revolução Farroupilha, contavam com o Uruguai como depositário de seus bens "móveis", por acreditarem que estariam mais seguros lá. Em oficio remetido pelo Império Brasileiro comunicava-se ao presidente da província: que o ministro das relações exteriores do governo do Estado Oriental do Uruguai, proibia a introdução de africanos no seu território, "quer a titulo de escravos, quer de colonos, feita em embarcações nacionais ou estrangeiras".2.

Medidas como essas foram, entretanto, de caráter limitado posto que a extensa fronteira dificultava qualquer tipo de controle e facilitava o contrabando e os constantes deslocamentos.

A partir de 1835 e durante dez anos a província de São Pedro do Rio Grande do Sul esteve emersa em um violento conflito. A Guerra dos Farrapos participou do cenário mais amplo da política platina da primeira metade do século XIX. As circunstâncias que a produziram estão ligadas à sucessão de lutas entre facções que configuraram a Guerra Grande uruguaia e os intermináveis conflitos entre Buenos Aires e as províncias interioranas na Argentina. Em todos esses acontecimentos foi significativa a presença de negros escravizados utilizados como soldados. Desta forma, por um certo tempo, coexistiram no espaço fronteiriço três grandes confrontos. A extensão dessas guerras afetou o espaço da fronteira através da elevação das fugas, emigrações diversas, deserções, confiscos, etc.

As características da fronteira facilitavam as rápidas incursões militares com arreios de reses e cavalos. A pratica da guerra foi caracterizada por devastações causadas por aprisionamentos e aniquilamento dos recursos do inimigo. Com relação aos escravos as guerras platinas ofereceram condições diversas de resistência, uma vez que nessas circunstâncias afrouxavam-se os meios coercitivos, facilitava-se à mobilidade e aumentava as possibilidades de que os mesmos contassem com a ajuda de terceiros, fato comprovado pela freqüência com que recebiam ativos estímulos de "fora" para rebelar-se. As fugas de escravos riograndense foram expressivas nesse período e não raramente eram denunciadas como facilitadas por espanhóis que se infiltravam entre os cativos com o objetivo de seduzi-los.

O certo é que, tanto riograndenses dissidentes, como uruguaios e argentinos estiveram desejosos por aceitar a participação militar de escravos nas suas causas. Estimulados pela facilidade geográfica, castelhanos tentaram influir na sublevação dos escravos de riograndenses, agravando os temores de senhores que já contavam com constantes conflitos e debilidades de um sistema sob permanente ameaça por parte daqueles que cotidianamente se opunham a escravidão.

Não por um acaso as fugas foram intensas com a passagem do lado brasileiro para o lado oriental, uma vez que do lado uruguaio a legislação amparava a fuga de estrangeiros. Entende-se, com isso, que as fugas além-fronteira foram uma importante característica da resistência praticada pelos escravos do Rio Grande do Sul frente às adversidades sofridas por sua condição. Foram facilitadas pelas guerras que assolaram o Prata quando recebiam maior estimulo externo e aspiravam através dos efetivos militares, a possibilidade de viver como livres.

As guerras platinas e a perspectiva dos escravos.

Na antiga Província de São Pedro, durante a Guerra dos Farrapos ao fugir, os negros não se limitavam, tão somente ao território da província ou do Império.. Muitos audaciosos ultrapassavam os limites e foram refugiar-se nos territórios de outras nações. Essas fugas acarretavam interferências diplomáticas e a inserção de cláusulas específicas de extradição, em instrumentos de tratados internacionais.

Sua importância explicita-se na quantidade de anúncios que aparecem nos jornais do século XIX, onde constam recompensas pela captura e dava-se a descrição do escravo fugitivo. Neste caso, não raramente, aparece a desconfiança de que o escravo dirigia-se para a fronteira.

Logo após a pacificação da província, foram freqüentes os reclames de riograndenses que buscavam informações sobre seus escravos. Entre 1848 e 1849 diversos levantamentos municipais registravam a fuga de escravos da Província de São Pedro para domínios estrangeiros. Esses documentos em seu conjunto registram a fuga de 944 escravos de 378 senhores que haviam se evadido durante o período farroupilha, das mais diversas localidades, tanto de republicanos quanto de legalistas.

O estudo dessas fugas nos remete, por sua vez, ao universo da escravidão e da utilização dos escravos durante o período farroupilha e a Guerra Grande uruguaia, permitindo o estudo das suas motivações e condições de existência.

Os negros fugiam porque a sua luta era por uma causa pessoal, ou seja, pela liberdade. Para estes, a guerras representou uma possibilidade concreta de mudança, ou seja, o abandono de um cotidiano muitas vezes enfadonho e cruel, pelo menos enquanto durasse o conflito em questão. Helga Piccolo, enfatizou essa questão da seguinte forma: "o papel decisivo jogado pela Fronteira para solapar o escravismo afrouxava os laços de dependência, dificultava a coerção e possibilitava a insubordinação"3.

Esse empreendimento crescerá demasiadamente durante os conflitos, levando ao desespero os proprietários riograndenses que não conseguiam coibir as fugas e não encontravam respaldo para as suas preocupações no Estado, que se encontrava debilitado e sem forças para proteger seus interesses.

Existem indícios de que uma boa parte dos escravos conhecessem tal possibilidade, é o que se compreende através de casos, como o do escravo Salvador, do município de Cruz Alta, que ameaçado de ir a leilão, como forma de pagamento por dividas deixada por seu senhor, insurge-se contra tal medida, afirmando que "no caso de ter que servir a alguém, que fugirá para o Estado Oriental"4.

A analise dos documentos sobre as fugas demonstra a existência de redes de relações que se estabelecia na tentativa de localizar os fugitivos ao mesmo tempo em que informam sobre a existência de laços de solidariedade ou de interesses econômicos estabelecidos entre escravos e os demais indivíduos daquela sociedade.

A crioula Antônia, de 25 anos, era rendeira, costureira, lavadeira e gomadeira, fugiu em 08/03/1843 para o Estado Oriental e ali encontrou abrigo na fazenda de um tal Domingos Lavandeiro, muito além do Rio Negro, onde foi vista. Tinha cicatriz em um ombro e marcas de queimadura de fogo"5.

A fuga, neste caso, pode ter sido motivada pelos castigos e evidencia uma clara tentativa de mudança de senhor. Fato que talvez tenha sido facilitado pelos dotes da escrava, que executava tarefas típicas de uma doméstica e de grande beleza física, tinha os pés pequenos, lábios grossos, bunda saltada, era vaidosa e costuma prender o cabelo. Informações que seu senhor fez questão de ressaltar, como que adivinhando o motivo da sedução.

Já o escravo Albino, de 30 anos, pardo, natural de São Paulo, foi considerado por senhor como um bom campeiro, salgueador e lenhador. Continha marcas de surra e sinais de laços pelas costas, "fugiu durante a revolta e consta existir como capataz em uma estância além das pontas do Quarahim, denominado Gesca"6.

Como podemos perceber, o fato de Albino estar residindo em uma outra estância, na condição de capataz, indica que sua aventura lhe surtiu resultado, além disso, parece ter sido bem sucedido por causa de suas habilidades profissionais como foram apontadas por seu senhor de direito.

Colocando-se sob a dependência de um outro senhor os escravos procuravam obter ganhos e nessa situação estabelecia-se, necessariamente, um pacto de cooperação, em que teriam condições de receber certas "regalias" posto que seu "novo senhor" precisa contar com a sua complacência visto que ao aproveitar-se do trabalho do escravo foragido estava em desacordo com a lei e podia a qualquer momento ser denunciado pelo escravo.

Evidenciam a iniciativa própria, de indivíduos nada passivos, ao contrário, espertos, inteligentes, determinados. É o que podemos evidenciar de relatos como o da senhora Bernardina Maria Ferreira, que "indo buscar a sua escrava, Maria, na vila do Salto, em presença do Juiz de Paz (..) foi exigido pela negra que a dita senhora apresentasse o titulo de compra, o que foi logo e prontamente exigido pelo Juiz. Não tendo outra escolha, a senhora necessitou retornar ao Rio Grande , a fim de buscar o documento. Quando voltou a vila do Salto "satisfazendo a vontade do juiz, não apareceu mais à dita escrava e tem-se que a mesma esteja escondida".

Esse caso indica a escrava era conhecedora da realidade fronteiriça, e sabia o que lhes reservava a aventura de se dirigir para o além-fronteira. Nos documentos que analisei encontrei quase sempre expressões do tipo "apresentou-se em Taquarembó", "fugiu procurando abrigo na fronteira", ou "dirigiu-se para o interior do Uruguai". Essas informações dão a entender que a maioria, assim como a preta Maria, sabia o que estavam fazendo, para onde e o que fariam após a fuga.

Há também o indicativo de que o negro buscava na fuga uma possibilidade para a sociabilidade e, mesmo diante da precariedade do que lhe era possível, alcançou nas fugas um momento de encontro. Senhores, vizinhos e parentes narram as peripécias de negros que, separados pela aquisição, mas próximos e com relativo contato, fogem juntos e procuram, na ajuda mutua e na convivência, uma melhor sorte. Em outros casos registram grandes aventuras e a luta de muitos que se aproveitavam das circunstancias bélicas para se afirmar como sujeitos lutando por sua autonomia.

Esse foi o caso do pardo Vicente, que tinha 32 anos de idade quando iniciou a guerra, até então servira como carpinteiro ao capitão Felipe Nery em Rio Pardo. Era uma exceção entre os seus companheiros de cativeiro pois sabia ler e escrever. Além de conhecer serviços de carpintaria era também copeiro e sabia traçar muito bem obras de palha grosseira. Em 1837 achava-se servindo entre os rebeldes da província, talvez tenha ingressado nessas fileiras acompanhando seu senhor, tenha sido capturado pelos farrapos ou mesmo se apresentado espontaneamente após ter fugido. Nunca saberemos ao certo, contudo, já no ano de 1838 por iniciativa própria "desertou" dos farrapos e fugiu em direção a fronteira. Neste mesmo ano foi visto servindo como cabo entre milicianos estacionados em Paysandu. Não satisfeito, em fins do mesmo ano passou para a Província de Entre-Rios e consta que "assistiu" no exército Entre Riano a Batalha do Pago Largo. Nesses anos de fuga, além de trocar de localidades com freqüência, também consta que aprendeu a falar "castelhano muito bem".

Ao escolher o caminho da fronteira Vicente agia conscientemente, provavelmente colocando em pratica um plano antigo. Como morador da vila de Rio Pardo e escravo de um militar, tinha acesso a informações sobre os caminhos a percorrer e os perigos a enfrentar. O fato de ter servido como cabo poucos anos após a fuga, comprova que sua estratégia foi acertada, quando avaliou os perigos que teria que enfrentar.

Ao longo do caminho pode ter parado em abrigos que o tenham aceitado por postar documentos falsos, mais fáceis de serem obtidos por alguém alfabetizado fato que na época era raro mesmo entre os livres. Não se descarta a possibilidade de que estivesse acompanhando outros desertores que também procurassem asilo na Província Oriental do Uruguai. Ele próprio era pardo claro e por certo soube avaliar que essas questões facilitavam, por exemplo, o despistar de bandos armados que se organizavam para capturar negros fugitivos visando rouba-los e vende-los posteriormente. Talvez tenha tido que furtar para obter meios de subsistência e avalia-se que as distâncias devem ter sido maiores para ele, visto que era um mal cavalheiro.

Bastante elucidativo foi o caso do escravo João, um cabra fubá, de 49 anos, que fugiu da estância do senhor José Rufino dos Santos Menezes em 1836, "quando do inicio da guerra". Na ocasião, tinha o oficio de domador: seus dedos dos pés eram bem tortos, como era comum entre escravos que executavam esse oficio. Natural de São Paulo, procurou como destino a Confederação Argentina. Apesar de ser um "bom domador e campeiro", gostava mesmo era de cantar e tocar viola. Após a fuga, foi visto em Corrientes, onde era conhecido como El Moreno Cantador. Pouco tempo depois de ter fugido, arranjou-se com uma negra, também brasileira e fugitiva, com quem casou e teve filhos, ambos faziam do seu modo de vida andar tocando e cantando pelos bailes e festas populares.

A musica também foi uma das predileções do escravo Daniel , um mulato de cara redonda, olhos pretos grandes e cabelo carapina. Tinha sido um escravo doméstico do capitão João Marcos de Araújo Pereira antes de ser vendido à dona Ursula Correia da Câmara em Rio Pardo, cidade onde nasceu . Em 1836 tinha 27 anos quando passou a fazer parte do exército republicano servindo na banda de músicos. Talvez tenha sido um dos primeiros a tocar o hino republicano, composto por um mulato em Rio Pardo, quando essa cidade esteve nas mãos dos farrapos. Em 1839 desertou e consta que tenha passado para o Estado Oriental, onde é conhecido pelo nome de Damião.

Trocar de nome, portar documentos falsos e passar-se por forro foram as principais estratégias utilizadas pelos escravos que fugiam durante a guerra. O escravo Antônio fugiu em novembro de 1845. Tomou a direção da fronteira, passou a se chamar André e no mesmo ano sentou praça nas forças do tenente Pinto quando este comandava o Serro Largo. Seu senhor -o vereador João Francisco Vieira de Braga- sabia do seu paradeiro por intermédio de terceiros e prestou diversas reclamações ao comandante do departamento do Serro Largo que nada fez a seu favor e ainda agravou o seu prejuízo mandando o escravo para o centro da campanha do Estado Oriental.

Os soldados-escravos eram categorias distintas, o uso considerável desse expediente causou grande agitação na província. Em diversos aspectos, certamente, os escravos sabiam disso e souberam obter ganhos pessoais multiplicando as formas de resistência. Segundo relato das autoridades que conviveram com o problema atribuía-se à intensidade das fugas a "mão oculta dos castelhanos" que se aproveitavam da situação para seduzir negros riograndenses.

Esse foi o caso do escravo Joaquim, um africano de 36 anos, cozinheiro seduzido em 1836 por um correntino que o passou ao major Lopes do Corpo do Coronel Diogo Lamas que o tornou seu criado. O próprio comandante Lamas contava, por sua vez, com um assistente de nome Tomas, africano de 38 anos de idade também levado do Rio Grande do Sul.

Obviamente, nem todos os escravos foram bem sucedidos com as fugas, mas é significativa a existência desses casos como os apontados acima, que comprovam a real possibilidade do escravo obter ganhos através de ações próprias, aproveitando da momentânea debilidade da província e as especificidades fronteiriças que como vimos foram forte estimulo a fuga de escravos.

_________________________________________________________________________ Notas

01 – Em 1814 sobre um total de 70.656 habitantes, 20.611 era escravos (29%), 5399 era libertos, com os quais os negros somavam 37% da população.

02 – Conforme Códice, Legislação No.59 pg.286. Lei de escravos do Governo do Império AHRGS.

03 – Caderno de estudos n6, pg.9.

04 – CF Inventário Post-mortem de Joaquim da Cruz Moreira. Cartório de Órfãos e Ausentes de Cruz Alta AHRGS maço 3 n95.

05 – Grupo Documental Estatística, maço 1, lata 531. AHRGS.

06 – Idem.

_________________________________________________________________________ BIBLIOGRAFIA

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Capítulos para a história luso-platina: a cidade de Buenos Aires como ponto de interseção do comércio entre Potosí e o Atlântico português

Artigo de Fábio Ferreira

Professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) e mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em História Social (PPGHIS) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

 

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho propõe-se a abordar brevemente a presença lusa no comércio de Buenos Aires e como a cidade platina serve de ponto de interseção entre a área de dominação espanhola, mais especificamente Potosí, na atual Bolívia, e áreas de dominação portuguesa no Atlântico.

Assim, o próximo item do trabalho inicia-se com as primeiras navegações européias no rio da Prata, com expedições ordenadas por Portugal e Espanha, e a fundação das primeiras cidades nesta área de domínio espanhol. Nesse item ainda é apresentada a descoberta da prata em Potosí e as conseqüências desta exploração no interior da atual Argentina, bem como no Império português, que tem acesso ao metal através do fornecimento de uma série de mercadorias para a região mineradora através do porto de Buenos Aires.

O terceiro item é dedicado ao período posterior à Restauração, quando Portugal tem que lutar para manter-se independente da Espanha e, ainda, retomar diversas das suas possessões, que, naquele momento, são controladas pela Holanda. Estes fatores prejudicam a ação dos comerciantes lusos em Buenos Aires, pois os espanhóis controlam a cidade platina, impondo uma série de restrições ao comércio feito pelos súditos dos Bragança e os holandeses controlam áreas importantes para o comércio atlântico, como, por exemplo, Luanda e Recife. Ainda nesse item, é abordada a fundação da Colônia do Sacramento, tentativa lusa de manter-se no Prata, em um período onde a economia portuguesa encontra-se em crise e a mineração em Potosí não rende os mesmos dividendos.

Assim, nas linhas que se seguem, são encontradas questões a respeito do comércio realizado pelos portugueses em Buenos Aires e como a cidade platina está, ao mesmo tempo, conectada ao império espanhol e ao português, ao Alto Peru e a Angola e ao Brasil, ao comércio espanhol e ao português.

 

2. GÊNESE DA ATIVIDADE COMERCIAL LUSA NO ESPAÇO PLATINO

Mapa do português Bartolomeu Velho (1561): Tordesilhas a cortar o Prata, fazendo parte da América lusa.

Mapa do português Bartolomeu Velho (1561): Tordesilhas a cortar o Prata, transformando a região em parte da América lusa.

Em 1501-1502, Américo Vespúcio sai de Lisboa em expedição ao Atlântico Sul e navega ao longo do continente americano e, assim, os portugueses teriam sido os primeiros europeus a chegarem ao rio da Prata. Como comprovação deste fato há somente a documentação relativa à fundação da Colônia do Sacramento, datada de 1680, muito posterior à expedição. Há, também, a possibilidade dos portugueses terem realizado viagens secretas ao Prata, tanto com fins exploratórios, quanto de povoamento.

Com a expedição de Estevão Fróes e João de Lisboa, em 1511-1512, os portugueses chegam ao citado rio, mais especificamente ao que hoje corresponde a Punta del Este. No entanto, é o português Juan Díaz de Solís1, a serviço da Espanha2, quem, em 1516, efetivamente ingressou, explorou, e desembarcou no Prata.3

Solís foi morto pelos indígenas, mas isto não impede que a notícia da expedição chegue à Europa, e que Carlos I envie o também português Fernando de Magalhães4, que chega ao Prata em 1520. Agrega-se, ainda, que em 1531-1532, fiéis a D. João III, Martim Afonso de Sousa e Pero Lopes de Sousa entram no Prata, seguem até o Paraná, e realizam observações e deixam sinais de sua presença na via fluvial.

Outras expedições estiveram no Prata nas primeiras décadas do século XVI, como, por exemplo, a de Cristóvão Jaques, a mando do rei de Portugal, e a do veneziano Sebastião Caboto, que, a serviço de Espanha, adentra o rio em 1527 a buscar a mítica Serra da Prata5. A expedição prolonga-se até 1529, sem lograr o seu objetivo.

A Coroa espanhola crê na possibilidade de conseguir no rio da Prata os mesmos lucros que conseguia com a prata peruana, incorporando, assim, a região ao seu projeto imperial. Para executar o seu plano, funda, em 1536, Buenos Aires, porto de transbordo e, a partir daí, envia expedições ao Paraná, estabelecendo-se vários assentos. Neste contexto, é fundado, em 1537, o forte de Assunção.

No entanto, os espanhóis, em função das significativas perdas que sofrem em seus contingentes humanos, do conhecimento que adquirem da região e das instalações efetuadas na mesma, decidem-se por despovoar Buenos Aires em 1541. Deste modo, a organização municipal de Assunção é a única forma de governo representativa da primeira organização da província do rio da Prata.6

Assim, em virtude da escassez de ouro e prata, a província não integra-se à Espanha. São as áreas que abundam em metais nobres, a Nova Espanha e o Peru, que são os núcleos do império espanhol na América e estão integrados à Espanha.

As áreas periféricas, no caso, o Prata, pagam seus tributos à coroa com produtos da terra, que servem, somente, para o consumo dos oficiais da monarquia instalados na província. Sobre a tributação, é válido observar que o estabelecimento de colônias nas Américas significa para a Coroa espanhola uma oportunidade de criar nova estrutura de impostos. Na Espanha, os nobres, a igreja católica, as vilas, cidades e reinos, enfim, uma série de grupamentos e instituições reivindicam e exercem seus direitos de serem isentos de taxações, em função do seu papel em diversos momentos da reconquista cristã na Península Ibérica.

Deste modo, o sistema fiscal espanhol no Novo Mundo busca que esses condicionamentos não ocorram. A Real Fazenda assegura à Coroa uma parte das riquezas dos domínios do ultramar e, ainda, os impostos das Índias são empregados para os custos da manutenção das conquistas na América. O dinheiro obtido no espaço americano é empregado na sua própria defesa, administração, instituições sociais, religiosas, educativas, enfim, a Espanha nunca assumiu estes encargos em suas colônias. O suprimento financeiro dos domínios da América advém da arrecadação da própria área ocupada.7

Durante grande parte do século XVI a população platina abastece-se de produtos europeus através do sistema de Frota e Galeões8, que é extremamente dispendioso e inseguro. Através deste sistema, as mercadorias, primeiramente, chegam ao Panamá e, depois, são reenviadas a Lima para serem distribuídas a outras partes do Vice Reino do Peru, dentre elas, a região do Prata.

Em 1563 é constituída, sob a autoridade do vice-rei do Peru, a gobernación de Tucumán9, sendo que o povoamento de Tucumán é vinculado à conquista peruana, que gera processo de exploração em direção ao sul. A primeira cidade a ser fundada na região de Tucumán é Santiago del Estero, em 1553, que, por mais de uma década, constitui-se o único centro populacional permanente, pois outras tentativas malograram10. Agrega-se, ainda, que a região vem a encontrar grande desenvolvimento em função da produção mineira de Potosí, maior depósito de prata do continente, descoberta em 1545.11

Sobre a prata potosina, a sua extração foi lenta no período de 1545 a 1572. No entanto, a partir de 1573, com a incorporação do método da amalgama12, a sua produção encontra grande salto.13

Em 1572, buscando-se o escoamento da prata potosina pelo Atlântico, o governo de Tucumán funda Córdoba, às margens do rio Suquía. A criação de Córdoba foi de fundamental importância para a rota comercial que, nos anos seguintes, liga o Alto Peru ao rio da Prata e, também, esta última região ao Chile. Outras cidades14 são fundadas em virtude da economia mineira, como é o caso de Salta, em 1582, de La Rioja, em 1591, de Madrid, em 1592 e, por fim, de San Salvador de Jujuy, no ano de 1593.

Também em função de questões econômicas, mais especificamente a busca de um porto de saída no Atlântico e, ainda, às vastas possibilidades de comércio em razão do gado cimarrón, é fundada Santa Fé em 1573, e Buenos Aires é refundada em 1580. Agrega-se aos fatores de ordem econômica que estas cidades são criadas buscando deter o avanço luso na América.

Com a fundação dessas cidades, criam-se, nesta parte do Novo Mundo, rotas comerciais, seja por via terrestre, seja por via fluvial. Como exemplo, pode-se citar que Tucumán produz cereais, gado, algodão e têxteis, e que os seus excedentes são comercializados com Potosí, Chile, Brasil e Buenos Aires. Esta cidade também recebe os excedentes de vinho e aguardente de Cuyo e o trigo de Córdoba. Santiago del Estero envia para Potosí tecidos, cera e mel. Córdoba exporta têxteis de algodão e, em finais do século XVI, seus excedentes de gado abastecem o Alto Peru e, ainda, neste mesmo período inicia-se a criação de mulas. No entanto, não pode-se ignorar a periculosidade da atividade comercial, devido ao risco de ataques indígenas.15

Além das questões relativas ao comércio, observa-se que a organização do território platino, em fins do século XVI, está divido na Gobernación del Rio de la Plata, que engloba a Banda Oriental16, Paraguai, e partes dos atuais estados nacionais da Argentina17 e Brasil18. Esta gobernación está submetida política e judicialmente ao Vice-Reino do Peru19 e, no mesmo grau de subordinação, estão o Chile e Tucumán.

Ainda no fim desta centúria, com o já citado crescimento da exploração da prata do Potosí, o Alto Peru assiste a uma verdadeira explosão demográfica: De 3.000 habitantes em 1543, a região passa para 120.000 em 1580. Em apenas trinta e sete anos a população aumenta quarenta vezes, tornando-se, deste modo, um grande mercado consumidor, extremamente importante para a realização de atividades comerciais, englobando Tucumán, Buenos Aires e o Atlântico português.

Sobre o Atlântico português, ressalta-se que ele liga Buenos Aires ao Brasil, África, Mediterrâneo e portos do mar do Norte. Além disto, desde 1590, Buenos Aires é um ponto comercial controlado pelos portugueses e, ainda, a cidade passa a competir ilegalmente com Lima e com o circuito comercial espanhol. Mesmo com a proibição da Espanha em relação ao comércio portenho, datada de 159520, Buenos Aires exporta produtos agropecuários ao Brasil em troca de escravos africanos, e os reexporta para o Chile e Potosí.

No que tange a introdução de cativos, a primeira autorização real para introduzi-los no Prata dá-se em 1534. De um modo geral, a escravidão do negro na América espanhola dá-se em regiões onde o elemento indígena encontra-se disperso ou em pequeno número. Estima-se que, de inícios do século XVI até 1810, são introduzidos quase que um milhão de negros nos domínios espanhóis na América, sendo que uma grande quantidade é desembarcada no porto de Buenos Aires.21

Devido à prata do Alto Peru e à atividade comercial em Buenos Aires, cria-se, na América do Sul, um espaço econômico integrado e conectado pelo comércio: Lima, capital política do Vice Reino, que recebe legalmente mercadorias européias e centro distribuidor das mesmas; Potosí, com a sua produção mineira, além de centro consumidor; e Buenos Aires, na sua função de porto que integra o Alto Peru ao Atlântico e a Europa.22

É válido ainda observar que Buenos Aires compõe também o sistema atlântico português. Deste modo, a cidade é um ponto de contato entre os impérios português e espanhol, pode-se pensar neste porto como interseção dos dois impérios ibéricos. Buenos Aires recebe, por exemplo, do mundo hispânico, a prata do Alto Peru, e do luso, escravos das possessões de Portugal na África. Conforme apresentado no gráfico a seguir, Buenos Aires, no período de 1597 até os anos de 1620, recebe um número crescente de escravos, de cerca de 250 no final do século XVI a 1.500 na década de 20 da centúria seguinte23, o que significa um crescimento de seis vezes nas importações em aproximadamente 25 anos.

 

Quantidade de escravos recebidos por Buenos Aires (1597-1620)

 

 

Paralelamente a presença e ao desenvolvimento do comércio controlado pelos portugueses em Buenos Aires, Portugal está a viver sob o controle de Felipe II de Espanha24. Observa-se que, mesmo tendo o mesmo rei, os impérios português e espanhol mantêm-se como entidades distintas. Assim, o comércio entre Buenos Aires e o império português ocorre de maneira ilegal.

Acrescenta-se que os portugueses adquirem projeção na atividade comercial não só em Buenos Aires, mas, também, em outros pontos do império espanhol, como Lima, Potosí, Córdoba e Tucumán. Sobre a presença lusa no comércio do mundo colonial espanhol, Frederic Mauro afirma que os

"[…] portugueses tiravam proveito do afrouxamento das fronteiras políticas entre os dois impérios. Particularmente, os contratos para o comércio de escravos com a América espanhola abriram novos mercados aos comerciantes lusos. De modo geral, os comerciantes portugueses, na maioria das vezes cristãos-novos, se estabeleceram em Lima, Potosí, Cartagena e Cidade do México, assim como em Sevilha. Buenos Aires, sobretudo, tornou-se de fato uma feitoria portuguesa para o comércio ilegal com o Peru."25

No entanto, não pode-se ignorar que medidas tomadas pela coroa espanhola buscam anular a ação desses portugueses, através da consolidação de um grupo de mercadores composto pelos vecinos e, ainda, dando-lhes direitos de obterem licenças (permisos) para realizarem atividades comerciais: Assim ocorre no período de 1602 a 1618, quando a Coroa espanhola abre uma exceção para Buenos Aires, permitindo que deste porto se negocie com Brasil e Guiné, importando manufaturas e açúcar, e exportando farinha, charque e sebo. No entanto, só recebem autorização para realizar tal comércio os vecinos de Buenos Aires. Esta medida dos espanhóis é a busca de evitar-se a saída dos metais preciosos de seu império, como vinha ocorrendo através dos comerciantes lusos.26

Esses comerciantes seriam, majoritariamente, cristãos-novos, que foram para a América em função de perseguições do Santo Ofício na Europa e possuem papel fundamental na composição da burguesia lusa. Eles possuem relações comerciais que vão além do mundo ibérico, negociam com judeus em mercados como Londres e Amsterdão.

No entanto, mesmo no Novo Mundo, estes negociantes têm problemas com o Santo Ofício. Em função de disputas comerciais, freqüentemente, os comerciantes de origem portuguesa são denunciados pelos seus rivais espanhóis à inquisição de Lima, sendo que, muitas das vezes, isto é uma tática dos concorrentes, empregada independentemente ou não da religião do rival.

Observa-se que é criado no imaginário da população dos domínios espanhóis na América que os comerciantes de origem portuguesa são judeus, inimigos da fé católica. Talvez tal vinculação tenha sido concebida para deter a expansão dos comerciantes lusos na América espanhola. Chega-se ao ponto de que ser português é sinônimo de ser judeu, mesmo que, não necessariamente, estes comerciantes o sejam.27

No entanto, mesmo diante das oposições expostas acima, os portugueses controlam o comércio de Buenos Aires e, no período de 1590 a 1640 (ano da Restauração de Portugal), as atividades comerciais desta cidade são intensas com o Brasil e com a África portuguesa. A prata peruana representa 90% do total exportado a partir de Buenos Aires28 e o contrabando realizado pelos portugueses teria sido o responsável pelo crescimento de Buenos Aires, que, pelo seu desenvolvimento, leva a estagnação econômica e a queda da importância política de Assunção.29

Agrega-se que com a União Ibérica os espanhóis dificultam a navegação holandesa e inglesa nas colônias lusas e privilegia os seus súditos na concessão de licenças. Esta medida causa a oposição dos portugueses, que temem que os espanhóis controlem o comércio com o Brasil e, assim, são rechaçadas as tentativas dos comerciantes de Espanha para penetrarem no sistema comercial português.30 Assim, os comerciantes espanhóis não conseguem ter êxito nas possessões coloniais lusas. Por outro lado, os portugueses obtém sucesso no mundo colonial espanhol, basta remeter-se à proeminência lusa no comércio de Cartagena, Lima ou Buenos Aires.

Deste modo, retornando ao espaço colonial espanhol na América do Sul, a relação comercial com o Atlântico para abastecer Potosí faz com que as principais cidades na região de Tucumán sejam centros comerciais. A própria cidade de Tucumán, por exemplo, beneficia-se desta rota, a especializar-se na produção de carretas – já que possui bastante madeira e couro – que passam a circular nas vias que ligam o Alto Peru ao Atlântico. Curtumes desenvolvem-se nas áreas rurais, produzindo, por exemplo, botas, cintos e laços, que são comercializados tanto no mercado local, quanto no Alto Peru.

Outra região a beneficiar-se é Córdoba com a sua produção têxtil, que nas últimas décadas do século XVI e primeiras do XVII tem uma grande expansão. A demanda da região mineradora e, também, a de Assunção e a de Santa Fé, onde a produção têxtil é trocada por vinho e açúcar, são razões para o incremento da produção de Córdoba, ao lado de fatores como o próprio mercado local, o crescimento dos rebanhos de ovelhas e a existência de mão de obra indígena.

Também cresce em Córdoba a produção de gado, que com o seu excedente abastece o Alto Peru e com o sebo o Brasil. A produção de mulas também é algo de destaque na região e, a partir de 1630, torna-se o setor dominante das exportações, pelo fato de que este animal mostra-se mais resistente que as lhamas. Para maiores detalhes dos números destas exportações, vejamos as seguintes tabelas.

 

Tabela 1 – Cabeças de gado exportadas de Córdoba ao norte: Século XVI/XVII

 

Períodos 1596 – 1600 1641 – 1645 1681 – 1685
Cabeças de gado 7.000 42.000 70.000

Fonte: MILLETICH, op. cit., p.212.

 

Tabela 2 Quantidade anual que Córdoba exporta de mulas: Século XVII

 

Períodos 1630 – 1640 1650 – 1700
Mulas exportadas 12.000 20.000

Fonte: MILLETICH, op. cit., p.212, 213.

 

Assim, é no século XVII que a exportação de gados e mulas de Córdoba cresce. Agrega-se, ainda, que a partir da década de 1640 incorpora-se a esse comércio a produção de Santa Fé e, posteriormente, da campanha de Buenos Aires. A importância de Córdoba vai além da criação de mulas, reside também no processo de preparação dos animais oriundos das regiões vizinhas para a exportação ao Alto Peru.

Deste modo, observa-se que, pelo fato da produção mineira estar em um sítio inóspito e carente de populações sedentárias, a mineração tem conseqüências profundas e duradouras sobre a economia colonial, não só no espaço americano controlado pela Espanha, onde o comércio estende-se rapidamente para atender a demanda potosina, como também na América portuguesa e para os comerciantes lusos. Nas relações comercias com Buenos Aires, por exemplo, fornecia-se “[…] ao Brasil, carente de prata, a obtenção mais ou menos abundante deste metal, através dos ‘peruleiros’ que desciam do Alto Peru, trocando sua cobiçada mercadoria pelo não menos desejado escravo negro de suma utilidade ao trabalho crescente das minas do altiplano.”31

Sobre a circulação da prata peruana na América Portuguesa, mais precisamente no Rio de Janeiro e as relações comercias com o Prata, Muller e Lima mostram que

"[…] os comerciantes sediados no Rio de Janeiro compravam as mercadorias portuguesas para depois revendê-las na América espanhola. Dessa forma, os reales de prata do Peru afluíam ao Rio de Janeiro […] A entrada de reales de prata no Rio de Janeiro deve-se também ao fato de que os navios que saiam do Prata […] passaram a abastecer-se no Rio de Janeiro, onde compravam pau-brasil e mercadorias […] necessárias para alimentar a tripulação durante a travessia do Atlântico."32

Tal contato não fica restrito ao Rio de Janeiro. Em outro trabalho, Muller e Lima observam que “[…] no extremo sul, na área onde atualmente se localiza o estado do Rio Grande do Sul, circulavam indistintamente moedas brasileiras e dos países vizinhos”33, o que também evidencia a relação existente entre o Brasil e a região do Prata. Frederic Mauro34 afirma que a prata do Potosí é, no período da União Ibérica, moeda usual no Brasil.

Retornando ao espaço hispano-americano, a prata estimula uma série de atividades produtivas, como, por exemplo, a de grãos em Bajío, Michoacán, Cochabamba, a de vinhos em Cuyo e na costa peruana e chilena, a têxtil em Cuzco, Quito e Tucumán, a erva mate no Paraguai e a criação de gado no rio da Prata, sendo que a atividade comercial em torno desta criação leva, inclusive, a exportação de sebo para o Brasil. No que refere-se à importação, a região produtora de prata recebe escravos africanos, sedas e especiarias do Oriente, têxteis, vinhos e ferro da Europa, enfim, a atividade mineradora no Alto Peru gera uma série de atividades comerciais e produtivas35 e, ainda, a circulação da prata em partes do império espanhol, mas, também, do português.

No entanto, não pode-se ignorar que, em princípios do século XVII, 90% do comércio de Potosí dá-se com regiões do próprio espaço americano, com produtos agrários e têxteis e insumos feitos na própria América. As regiões mais beneficiadas são o Peru, Paraguai e Tucumán, que exportam para Potosí seus excedentes agrícolas e manufaturados, obtendo, deste modo, a maioria da sua prata.36

O comércio com as regiões citadas acima deixa somente 10% da atividade comercial de Potosí com áreas externas ao espaço americano. Nesta décima parte está a importação de escravos, manufaturas européias, ferro e papel. Os comerciantes de Buenos Aires – e os que estão na cidade para comercializar – buscam participar do lucrativo negócio com Potosí. A maneira encontrada é comercializar com as regiões que previamente abastecem Potosí. Deste modo, Córdoba torna-se importante ponto redistribuidor de escravos e manufaturas. Em Santa Fé, comerciantes portenhos podem realizar trocas de parte de suas manufaturas européias por gado e erva mate do Paraguai e, assim, em Salta, o conjunto é vendido para posterior revenda em Potosí.37

É válido ainda observar que as relações comerciais entre Assunção, Santa Fé e Buenos Aires levam, dentre outras, a produção de primitivas embarcações fluviais, que podem realizar a navegação de cabotagem até o Brasil. Também é através de Santa Fé que a erva mate do Paraguai chega, além de Potosí, conforme já apresentado, ao Chile e, por mar, até Lima e Quito.

Assim, pode-se perceber a existência de uma atividade produtiva e comercial nos territórios controlados pela Espanha na porção sul do Vice Reino do Peru. A realização do comércio permite o desenvolvimento destas regiões e, além disto, a circulação da prata. O porto de Buenos Aires, excluído pela Coroa do seu sistema comercial, realiza, mesmo que semi-clandestinamente, as suas atividades comerciais.

Buenos Aires escoa a prata de Potosí, no entanto, é fundamental para os buenairenses este conjunto de economias regionais e a sua integração. Os comerciantes portenhos atuam em uma rede de mercados locais, que englobam, por exemplo, no âmbito hispano-americano, Tucumán, Paraguai e Potosí.

Pode-se afirmar que as minas tornam-se o motor da atividade econômica, a prover o maior objeto de exportação e, ainda, o meio circulante. Em princípios do século XVII, a prata americana alcança, com grande contribuição do Peru, a sua quantidade máxima de extração, no entanto, segue-se um período de contração. Na década de 1670 a Nova Espanha já produz mais prata que o Peru e, no final do século XVIII, as jazidas mexicanas produzem mais que o dobro do que os distritos do Peru e do Rio da Prata em conjunto.38

 

3. AS RELAÇÕES COMERCIAIS ENTRE OS PORTUGUESES E O PRATA APÓS A RESTAURAÇÃO DE PORTUGAL

Salvador Correia de Sá e Benevides: no contexto da Restauração lusa, governador do Rio de Janeiro planeja conquistar Buenos Aires.

Salvador Correia de Sá e Benevides: no contexto da Restauração lusa, governador do Rio de Janeiro planeja conquistar Buenos Aires.

Após sessenta anos controlado pelo rei de Espanha, Portugal aclama, em 1640, o duque de Bragança como o rei D. João IV e, assim, termina-se o controle dos Habsburgos sobre o país e seus domínios ultramarinos. Observa-se que nos primeiros anos da restauração, Portugal tem que enfrentar uma série de adversidades, como, por exemplo, conflitos com a Espanha e a Holanda, que, no caso desta última, controla diversos territórios lusos, seja na África, no Brasil ou na Ásia. Assim, Portugal tem diversas possessões em várias partes do globo ocupadas pelos holandeses, como, por exemplo, Luanda, Pernambuco, Ceilão e Japão. Os holandeses controlam dois pontos extremamente importantes para a economia lusa: O nordeste açucareiro e possessões africanas, de onde os portugueses adquiriam escravos39.

As ocupações que a Holanda realiza na Guiné e em Angola comprometem seriamente o envio de escravos para Buenos Aires, que, por sua vez, prejudica todos os negócios realizados no porto platino.40 A dificuldade de negociar com Buenos Aires significa, para os portugueses, a complicação no acesso à prata.

Assim, surgem, ainda no período da União Ibérica, planos, por parte dos portugueses, para conquistar Buenos Aires. A idéia ganha mais força quando os lusos encontram dificuldades para comercializar com esta praça em função dos conflitos com a Espanha por causa da Restauração de Portugal.41 Chega-se a cogitar plano para que Buenos Aires rompa com o Peru e declare D. João IV como rei. A operação contaria com a população lusa da cidade, que, em meados do século XVII, são 25% dos habitantes.42

Também após a Restauração, a ação dos súditos da Coroa portuguesa em territórios espanhóis chega a Corrientes, Santa Fé e ao Paraguai, através da ação das bandeiras. Conjetura-se, igualmente, a ocupação, por parte de Portugal, das atuais províncias argentinas de Entre-Rios, Corrientes e Missiones com o intuito de controlar-se linhas de comunicação entre o interior das possessões espanholas e a cidade de Buenos Aires.43

Acrescenta-se, ainda, que neste mesmo período posterior a Restauração, mais especificamente em 1641-42, não só os lusos especulam a possibilidade de avançar e conquistar pontos espanhóis na América. Os holandeses planejam atacar Buenos Aires e, assim, controlar o Atlântico Sul e excluir os portugueses do fornecimento de escravos e da obtenção ilegal da prata.

Paralelamente, em Lisboa, vislumbra-se a possibilidade de Portugal invadir Buenos Aires. Em 1643, Salvador Correia de Sá e Benevides envia ao Conselho Ultramarino a sugestão de invadir a cidade platina, argumentando que não há outra maneira para reabrir o tráfico entre o Brasil e Buenos Aires, já que Portugal, em função dos holandeses, não tem como fornecer escravos aos portenhos e, em contrapartida, obter a prata peruana.44

Salvador de Sá afirma que a conquista de Buenos Aires também significa a possibilidade de abastecer o Brasil com couro e gêneros alimentícios, além de controlar a bacia do Prata e, posteriormente, a cidade consistiria em um ponto de partida para a conquista de Potosí. O plano seria posto em execução por forças navais do Rio de Janeiro e, por terra, a cidade seria atacada pelos bandeirantes,45 que desde a primeira metade do século XVII freqüentam os domínios espanhóis no Prata, inclusive para o aprisionamento de indígenas.46

Os planos para invadir Buenos Aires vão até a década de 1650.47 Em 1648 Luanda, Benguela e São Tomé são reconquistados e Pernambuco é recuperado em 1654.48 A partir da reconquista de Pernambuco, só falta, para Portugal, apoderar-se de Buenos Aires para recuperar as suas rotas atlânticas.

Neste contexto, o interesse na conquista da cidade vai além da obtenção da prata peruana e da venda de escravos. Buenos Aires pode fornecer outros produtos produzidos na região, como, por exemplo, couro, carne-seca e erva-mate.

Portanto, observa-se a importância de Buenos Aires para a o comércio português, a integração da cidade às rotas controladas pelos comerciantes lusos e aos domínios portugueses no Atlântico. A relação de Buenos Aires com o comércio atlântico é tanta que, uma vez que Portugal vê as suas possessões africanas nas mãos dos holandeses, os negócios com a cidade platina encontram-se comprometidos. E mesmo quando Portugal, já restaurado, recupera os seus domínios africanos, os empecilhos que a Espanha coloca para que os portugueses realizem atividades comerciais em Buenos Aires compromete o acesso dos lusos à prata.

O comércio com o porto platino é fundamental para Portugal e para os seus comerciantes, surgindo, assim, os citados planos de ocupação de Buenos Aires. Além disto, não pode-se ignorar que as proibições impostas pela Espanha levam ao aumento dos negócios ilícitos entre portugueses e portenhos.

As dificuldades que Portugal tem neste período posterior à Restauração são inúmeras e, assim, a ocupação de Buenos Aires pelas armas não concretiza-se. Portugal vive uma situação internacional de enfrentamento com a Espanha, que só reconhece a restauração em 166849, e com a Holanda. Assim, Portugal aproxima-se da Inglaterra e, em troca de apoio militar e político, concede aos britânicos uma série de privilégios econômicos e comerciais.50

Os anos de guerra e a pirataria levam ao desgaste da administração e das defesas do império português na América, África e Ásia, exaurindo os recursos de Portugal. É válido pensar nos custos das ações militares para a reconquista das possessões portuguesas nos cofres da Coroa recém restabelecida51 e, ainda, nos prejuízos à monarquia lusa em virtude dos ataques que os piratas holandeses realizam ao comércio entre Portugal e o Brasil.52 As coletas de impostos em Portugal e em todo o império ultramarino não bastam para suprir as rendas portuguesas, sendo que recursos são buscados através de empréstimos, sejam eles compulsórios ou voluntários.53

No inicio do seu reinado, a dinastia de Bragança54 tem que enfrentar uma série de adversidades, conforme apresentado anteriormente. Soma-se, ainda, outra gama de dificuldades, como, por exemplo, insubordinações dos governadores do Rio de Janeiro e Pernambuco em relação ao governo central em Salvador.55

Entretanto, mesmo submetido a Salvador, o Rio de Janeiro, ao longo do século XVII, já alcança alguma projeção nos quadros do império português e é nesta centúria que inicia-se a configuração do núcleo urbano e da elite mercantil fluminense, que, no século seguinte, vem a ser a principal praça mercantil do Atlântico Sul, com uma poderosa comunidade de negociantes de grosso trato.56

Não pode-se ignorar, já nos seiscentos, a atuação do Rio de Janeiro nos quadros do império português. Por exemplo, seus habitantes fornecem 55.000 cruzados para a expedição que expulsa os holandeses de Luanda e é o seu governador, Manuel Lobo, quem funda a Colônia do Sacramento, em frente a Buenos Aires, em 1680. Entretanto, o Rio de Janeiro tem as suas limitações como praça mercantil nos idos de 160057, com papel de capitania relativamente secundária no Império português.58

Mas, mesmo com todas as suas restrições, o grupamento comercial do Rio tem o seu interesse no comércio com o espaço platino. Ressalta-se que, conforme apresentado anteriormente, o número de portugueses em Buenos Aires é grande e que, durante a União Ibérica, o contrabando ocorria com a conivência castelhana. No entanto, a partir de 1640, com a separação de Portugal da Espanha, os súditos da monarquia lusa estabelecidos em Buenos Aires passam a sofrer cerceamentos por parte dos espanhóis às suas atividades comerciais. Assim, diante das impossibilidades impostas pelos espanhóis e pela impossibilidade da ação militar para ocupar Buenos Aires, a Câmara do Rio de Janeiro sugere a fundação de um estabelecimento luso na margem esquerda do Prata59, que corresponde ao território do atual Estado Nacional do Uruguai.

Agrega-se, ainda, que além de Portugal, outras nações européias têm interesse no Prata, como, por exemplo, França, Holanda e Dinamarca60. A Espanha também tem receios em relação à aliança entre Portugal e Inglaterra que, conjuntamente, poderiam apoderar-se do estuário do Prata. Assim, em um contexto em que diversos estados europeus têm interesse em apoderar-se do rio da Prata, Portugal antecipa-se e decide apossar-se de territórios às margens desta via fluvial.61

Manuel Lobo, nomeado governador do Rio de Janeiro em oito de outubro de 1678, funda, em 1º de janeiro de 1680, a Colônia do Sacramento. Acompanham-no famílias de colonos e tropas militares.62 Assim, Portugal age no sentido de estar presente no espaço platino, repleto de oportunidades de realizações de atividades comerciais, além, é claro, do caráter geopolítico da empreitada e do controle do Prata, via de acesso ao interior do atual Brasil e dos atuais Paraguai, Uruguai, Argentina e Bolívia. Ressalta-se, ainda, que é do Rio de Janeiro que partem os mais importantes recursos financeiros e humanos para a fundação da Colônia do Sacramento.

Sacramento significa a busca do restabelecimento do comércio luso com a região platina, principalmente da rota Rio da Prata–Rio de Janeiro–Luanda e a obtenção dos metais de Potosí. Observa-se que tal fundação deve-se às necessidades da Coroa e de grupos coloniais influentes, bem como está inserida em um contexto em que Portugal encontra-se em crise econômica, com escassez de metal.63

No último quartel do século XVII, a depressão econômica do império atlântico é profunda e o Brasil e Angola sofrem grave carência de moeda, pois os comerciantes lisboetas e portuenses preferem receber o pagamento em espécie e não com o equivalente em açúcar. Deste modo, Sacramento é a tentativa lusa de ter acesso à prata peruana como ocorria no período da União Ibérica.64

Sobre a fundação do estabelecimento luso no Prata, Moniz Bandeira afirma que

"A necessidade de manter a conexão com Potosi e, reativando o comércio de contrabando com a América espanhola, fomentar o fluxo de prata, que a economia de Portugal, em crise, demandava, determinou, naturalmente, o desencadeamento da operação militar […] com o duplo objetivo de assegurar o domínio de uma das margens do grande rio e, ao mesmo tempo, criar as condições para ulterior conquista de Buenos Aires."65

Em virtude da fundação de Sacramento, o governador de Buenos Aires teme que a população da cidade, composta por portugueses e lusos-descendentes, se alinhe com os ocupadores situados à outra margem do Prata. O interesse dos habitantes de Buenos Aires em aderir a Portugal dá-se pelo fornecimento de escravos, açúcar, tecidos, dentre outros bens que os lusos oferecem à cidade com um custo menor que Lima. O comércio ilícito entre os portugueses e os buenairenses atende, também, aos interesses dos habitantes de Córdoba, Tucumán e do Alto Peru. Assim,

"Na medida, pois, em que as necessidades das populações do litoral do Rio da Prata coincidiam com os interesses mercantis de Portugal, Buenos Aires tendia a apartar-se do eixo de gravitação do sistema colonial de Espanha, assentado sobre o complexo Pacífico-Caribe e a contrapor-se ao Vice-Reino do Peru. Esse fator […] favoreceu aos portugueses, cuja expansão comercial […] foi mais importante que a conquista de territórios por eles realizada, paralelamente, porquanto quebrantou, a começar de Buenos Aires, o monopólio comercial de Espanha na América do Sul."66

Observa-se que a fundação de Sacramento dá-se no mesmo contexto do avanço dos paulistas, com o apoio da Coroa, em direção ao sul. Nesta conjuntura, eles fundam, em 1664, São Francisco do Sul e, em 1684, Laguna. No entanto, os objetivos do avanço desde São Paulo diferem daqueles feitos a partir do Rio de Janeiro, sendo que estes dois núcleos lusos na América possuem características sociais e econômicas distintas, que refletem no modo de sua expansão. Os paulistas buscam terras e rebanhos, não estando vinculados ao comércio com Buenos Aires ou África, por exemplo. Deste modo, Fabrício Prado observa que

"[…] no fim do século XVII e começo do XVIII, pode-se verificar que, desde São Paulo, estendia-se rumo ao sul uma frente colonizadora, expandindo a fronteira agrícola. As terras e os recursos existentes sobre elas foram o móvel principal desse movimento, que avançava por terra, do norte para o sul, fortemente articulado política, social e economicamente com São Paulo. Os desígnios da Coroa, nesse momento, iam ao encontro dos interesses dos grupos locais. A expansão para o sul, por terra, desde São Paulo e Laguna, constituía, entretanto, apenas uma faceta das estratégias e interesses lusos rumo ao sul."67

No que tange a conquista do Prata a partir do Rio de Janeiro, em 1673, o governo instalado na cidade prepara plano de uma possível conquista de Maldonado e, ainda, após a fundação de Sacramento, Portugal inicia a ocupação da área onde mais tarde os espanhóis fundam Montevidéu.

Sacramento é um ponto de grande interesse à Coroa lusa e aos comerciantes estabelecidos no Rio de Janeiro, pois é o meio de acesso à prata e a couros, e à venda de escravos, açúcar, fumo, manufaturados e aguardente. Após o descobrimento de ouro em Minas Gerais, a elite comercial do Rio de Janeiro polariza o ouro68 e a prata (via Sacramento) da América do Sul, além de fornecer ao mercado platino o fumo baiano e o açúcar e a aguardente dos engenhos fluminenses. Também é o Rio de Janeiro que passa, pouco a pouco, a controlar parte das rotas para o Prata.69

Com a fundação da Colônia do Sacramento intensificam-se os contatos entre os portugueses e Buenos Aires. O contrabando, que já dava-se com uma certa freqüência antes de Sacramento, após a sua criação torna-se ainda maior. O comércio ilegal no Prata envolve, além de portugueses, holandeses, franceses e ingleses, sendo que os europeus introduzem em Buenos Aires bens europeus de maneira mais barata e escravos, recebendo em troca metais preciosos, burlando o monopólio imposto pela Espanha. Desenvolve-se, assim, uma elite comercial forte e vinculada ao contrabando.70

Agrega-se, ainda, que no século XVII, mais especificamente a partir de 1610, a produção da prata de Potosí entra em decréscimo, sendo que esta situação perdura até a terceira década do século XVIII, quando há recuperação. Mas esta retomada não leva Potosi aos altos patamares de produção do século XVI. O ápice desta recuperação corresponde a 50% do primeiro auge.71

No entanto, mesmo com o declínio da produção mineira de Potosí no século XVII, isto não significa a diminuição do interesse luso em Buenos Aires, conforme já apresentado. Mesmo com a queda da produção do Alto Peru, a realização de atividades mercantis com a cidade platina continua a ser rentável.

Vilma Milletich72 apresenta a hipótese de que em função da vitalidade e intensidade das trocas inter-regionais ocorridas ao longo do século XVII, mesmo período em que a produção mineira de Potosí decresce, há uma autonomia crescente das zonas produtoras e dos circuitos mercantis. Assim, este desenvolvimento, nesta altura, já ocorre sem ter que ver com Potosí. A autora aponta que na segunda metade do século XVII a produção da erva mate paraguaia expande-se ao Peru, aumenta-se a quantidade de mulas produzidas em Córdoba, e o tráfico transatlântico incrementa-se. Deste modo, mesmo diante de uma produção de prata em declínio, há o aumento da circulação interna de produtos europeus.

Sobre a introdução de escravos no Prata do século XVII, pode-se afirmar que o fornecimento da mão-de-obra para trabalhos compulsórios dá-se, em larga medida, ilegalmente, no entanto, com a participação de funcionários da administração espanhola e dos vecinos.

Estima-se que no período de 1586 a 1665 são importados entre 25.000 e 30.000 cativos. Destes, em torno de 6.000, ou 20%, se trabalharmos com o número máximo de 30.000 escravos, entram em Buenos Aires de forma legal. 7.000, ou cerca de 23%, chegam à cidade sem autorização, no entanto, através dos remates públicos são legalizados. Assim, temos um total de 13.000 cativos que, de uma maneira ou de outra, encontram-se legalizados. Ainda adotando a quantidade de 30.000 escravos introduzidos em Buenos Aires, 17.000, que corresponde a cerca de 57%, entram e permanecem de forma ilegal, um número bastante alto.73 O gráfico a seguir apresenta a situação dos escravos, dividida entre os introduzidos em Buenos Aires de forma legal, os legalizados na cidade platina e os ilegais.

 

Situação dos escravos em Buenos Aires (1586–1665)

 

Se somarmos escravos que são legalizados (7.000 ou 23%), que de qualquer maneira entram de forma ilegal em Buenos Aires, com os que permanecem como ilegais (17.000 ou 57%), temos 24.000 escravos, ou 80% da mão-de-obra cativa que entra no mundo hispano-americano através de Buenos Aires é de forma ilegal. O gráfico a seguir mostra a situação narrada neste parágrafo.

 

Situação da mão-de-obra cativa ao chegar a Buenos Aires (1586–1665)

 

 

 

 

Este grande número de negros africanos introduzidos como escravos em Buenos Aires e de forma ilegal mostra a amplitude do comércio ilícito realizado no Prata. Observa-se que a maioria dos escravos que chega a Buenos Aires é remetida em direção ao norte, onde estes cativos são comercializados nos centros urbanos da região.

Ainda sobre o norte, no que tange a expansão da fronteira, observa-se que, durante o século XVII não ocorrem grandes avanços. O Chaco não pode ser conquistado e Concepción del Bermejo, no caminho entre Tucumán e Assunção, tem que ser despovoada, em 1633, em função da ação dos indígenas locais e, assim, a população é transferida para Corrientes. Também em função de ataques indígenas Santa Fé, na década de 1650, é transferida de local.

No sul, a resistência indígena contribui para que não haja uma expansão. A fronteira encerra-se em Mendoza e comercializar e viver nesta região é extremamente perigoso em função dos nativos, bem como o caminho entre Buenos Aires e Córdoba é freqüentemente assolado pelos ataques das populações autóctones. Além da forte oposição dos índios, o desinteresse da Coroa espanhola nos territórios sulinos tem a sua influência na estagnação da expansão da fronteira em direção ao sul.

Sobre a organização política do espaço entre Potosí e Buenos Aires, esta dá-se, durante o século XVII, da seguinte maneira: a Gobernación de Tucumán, que existe até o século XVIII (mais especificamente até 1783 e, depois, torna-se parte do Vice-Reino do Rio da Prata) e é composta pelas cidades de Catamarca, La Rioja, San Miguel de Tucumán, Córdoba, Jujuy, Santiago del Estero (residência das autoridades até finais do século XVII, depois é substituída por Salta); e Rio de la Plata, que perdura até 1778, quando é convertida em vice-reino.

Rio de la Plata tem sua capital em Assunção até 1617 e, a partir desta data, Felipe III de Espanha e II de Portugal, divide-a entre Gobernación do Paraguai ou Guayrá, com capital em Assunção, que engloba as cidade de Vila Rica do Espírito Santo, Cidade Real do Guayrá e Santiago de Jerez74, e a Gobernación do Rio de la Plata, tendo como capital Buenos Aires, e incluindo as cidades de Corrientes, Santa Fé e Concepción del Bermejo.75

Sobre estas três cidades litorâneas, elas dependem essencialmente das atividades em torno do gado e não encontram alto grau de desenvolvimento econômico e populacional. Segundo os dados obtidos a partir do senso76 realizado pelo governador do Rio de la Plata, Diego de Góngora, nos anos de 1620-21, Santa Fé possui 168 vecinos, 266 índios na zona urbana e 1.007 nas reduções; Corrientes 91 vecinos, 89 índios e 1.292 nas reduções; e Concepción del Bermejo com 81 vecinos e 399 índios.

Na Gobernación de Tucumán, Santiago del Estero é, até princípios do século XVII, a sua principal cidade. Entretanto, em virtude do declino da produção mineira de Potosí, a cidade entra em declínio econômico, que vem a comprometer o seu crescimento populacional. Deste modo, Santiago del Estero perde para Córdoba a sede da arquidiocese e para Salta a sede da gobernación.

Córdoba é uma das cidades mais prósperas de Tucumán e não é fortemente abalada pela decadência da produção de Potosí no século XVII. A sua economia cresce durante esta centúria e, ainda, desenvolve a sua industria de lã, que, por seu turno, incentiva a criação de ovinos. Córdoba também é um importante centro de comunicação e redistribuição entre a região do Litoral e o Norte, bem como ganha importância com a criação da sua Universidade. Já a cidade de Salta não fica imune à crise do século XVII, mas retoma o seu crescimento no século seguinte. O comércio de mulas e a fertilidade das terras que circundam Salta contribuem para o crescimento de sua economia.

San Miguel de Tucumán e as cidades da Gobernación de Cuyo (dependente do Chile) também são afetas pela decadência da produção mineira. Porém Tucumán permanece com a sua produção de carretas, têxtil e de curtumes. As cidades cuyanas, Mendoza, San Luis e San Juan não crescem substancialmente. San Juan, durante o século XVII, devido à diminuição do comércio e a escassez de índios e escravos, quase desaparece. O crescimento do Chile, em finais dos seiscentos, repercute favoravelmente na região de Cuyo e, assim, Mendoza, por exemplo, inicia um desenvolvimento econômico e populacional em função do comércio e transportes de mercadorias.77

A economia de Tucumán, Cuyo e do Litoral giram, durante a maior parte do século XVII, em torno da demanda do Potosí. A partir das necessidades desta região mineradora, uma das mais importantes economicamente da América, gera-se uma importante relação comercial inter-regional, bem como o desenvolvimento destes mercados.

No final do século XVII a situação da produção de Potosí é de decadência, no entanto, a economia das gobernaciones de Tucumán e Rio de la Plata encontram-se menos dependentes em relação à mineração. O desenvolvimento do porto de Buenos Aires conecta o sul dos domínios espanhóis na América ao Atlântico luso e, ainda, surgem outras possibilidades de atividades econômicas nestas regiões controladas pela Espanha.

No entanto, o comércio de Buenos Aires, mesmo interligado ao Atlântico português e conectando partes do império espanhol ao luso, deixa de ser controlado pelos portugueses, conforme apresentado no decorrer do artigo. Ao final do século XVII e já nos limiares do século XVIII, o ponto comercial luso no Prata torna-se Colônia do Sacramento, não mais Buenos Aires.

 

4. CONCLUSÃO

Assim sendo, primeiramente, a atividade mineradora do Alto Peru é responsável pelo desenvolvimento econômico das regiões ao sul, do eixo que estende-se de Potosí até Buenos Aires. Neste caminho, surgem diversas cidades e atividades produtivas e comerciais para atender a demanda do Alto Peru. Além disto, o porto de Buenos Aires cresce e ganha importância por escoar a produção mineira de Potosí e, ainda, por receber mercadorias que suprem a região mineradora.

Não pode-se ignorar a importância da atividade mercantil para o desenvolvimento de Buenos Aires e para o paulatino desligamento da economia da cidade platina, bem como do Litoral e de partes de Tucumán em relação a Potosí. As economias das gobernaciones passam a tornar-se cada vez mais conectadas a Buenos Aires e ao Atlântico português.

Deste modo, a queda da produção mineira potosina não leva a uma estagnação econômica ou a “quebra” da economia portenha. Percebe-se, ainda, o alto grau de interação do interior da atual Argentina através do comércio com o Atlântico luso. Agrega-se, ainda, que ao longo do século XVII configura-se uma unidade econômica e social entre Cuyo, Tucumán e Buenos Aires, com a economia da região a orientar-se em direção ao Atlântico. É provável que esta integração tenha evitado que o decréscimo produtivo do Potosí viesse a arrasar as economias daquelas três localidades.

Entretanto, mesmo com a crescente importância do Atlântico para a economia portenha e, também, para outros pontos espanhóis na América, é no mesmo século XVII que o comércio rioplatense controlado pelos portugueses entra em decadência.

A partir de 1625, como conseqüência direta das perdas territoriais no Atlântico para os holandeses, inicia-se a crise do comércio luso no Prata. Contribui para o agravamento da situação dos comerciantes a retração econômica européia e o decréscimo da produção mineira de Potosí, bem como a Restauração e as proibições espanholas aos lusos estabelecidos em Buenos Aires. Mesmo valendo-se do contrabando, os portugueses perdem o controle do comércio portenho.

Colônia do Sacramento demonstra que Portugal não desiste do comércio no rio da Prata, sendo, inclusive, um ponto de ingresso de mercadorias clandestinas para Buenos Aires. No entanto, neste momento, os portugueses não conseguem o destaque anteriormente alcançado e já abastecem os portenhos com produtos majoritariamente britânicos, sendo que a Inglaterra está a tornar-se a maior potência marítima e comercial do mundo. Articula-se, assim, um circuito comercial entre Brasil, Lisboa e Londres, com a perda da supremacia lusa sobre Buenos Aires.78

Destarte, pode-se entender Buenos Aires como um ponto onde o mundo português e o espanhol se encontram, onde um império supre determinada carência do outro. Por exemplo, com o comércio realizado no porto platino, Portugal tem a sua necessidade de prata suprida, e os domínios espanhóis na América têm a sua demanda por mão-de-obra cativa atendida. Além do mais, são estas atividades comerciais entre os dois impérios que contribui enormemente para o desenvolvimento do porto de Buenos Aires.

Carlos Frederico Lecor: representante de D. João VI na última ocupação portuguesa da região do Prata.

Carlos Frederico Lecor: representante de D. João VI na última ocupação portuguesa da região do Prata.

Finalizando, o controle do comércio de Buenos Aires pelos portugueses pode ser entendido como um capítulo da presença lusa no Prata. Presença que dá-se desde as primeiras expedições ao rio, ainda nas décadas iniciais do século XVI, passando pela fundação da Colônia do Sacramento, em 1680, pela criação da Cisplatina, em 1821, quando o atual Uruguai torna-se uma província controlada pelo Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, e finalizando em 1824, quando as tropas portuguesas entregam Montevidéu ao general Lecor, Barão da Laguna, que a ocupa como representante de D. Pedro I.

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Notas

01 – Solís denomina o Prata de “Mar Dulce”. Em função do falecimento do navegador, a via fluvial passa a chamar-se rio de Solís e, depois, rio da Prata.

02 – É válido observar que, de acordo com a bula Inter Caetera, emitida em 1493 por Alexandre VI, dá-se o controle das terras recém descobertas a Castela e Leão e não à Espanha. Entretanto, o rei de Castela e o de Espanha são os mesmos, mas é Castela, dentro dos reinos que compõem a Espanha, que mais beneficia-se das Índias. São suas leis e instituições que são as diretrizes para o Novo Mundo e, também, é na América onde os comerciantes castelhanos têm os monopólios comerciais e os súditos de Castela adquirem os cargos públicos, enfim, uma série de vantagens são obtidas pelos castelhanos nos territórios americanos. (ELLIOTT, J.H. A Espanha e a América nos séculos XVI e XVII. In: BETHELL, Leslie (org.) História da América Latina: A América Latina Colonial I. v. I. São Paulo: EDUSP; Imprensa Oficial do Estado; Brasília: Fundação Alexandere de Gusmão, 1997)

03 – RELA, Walter. Exploraciones portuguesas en el Río de la Plata: 1512–1531. Porto Alegre: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2002.

04 – Fernando de Magalhães naturaliza-se espanhol em 1518. (RELA, Walter. España en el Río de la Plata: descubrimiento y doblamientos (1516–1588). Montevideo: Club Español de Montevideo, 2001.)

05 – Caboto organiza expedição para chegar às Molucas, com o objetivo de alcançar o comércio das especiarias, conseguindo o apoio financeiro de Carlos I e de um grupo de comerciantes vinculados a este negócio. Em função do mito da Serra da Prata, e por acreditar nos rendimentos que esta descoberta poderia render, muda os seus planos de chegar ao mercado de especiarias pelo estreito de Magalhães, partindo em direção ao Prata, mas não logra o seu objetivo. No Prata, funda o forte de Sancti Spiritus, primeira povoação espanhola no território da actual Argentina.

06 – GUÉRIN, Miguel Alberto. La organización inicial del espacio rioplatense. In: TANDETER, Enrique. La sociedad colonial. Nueva historia Argentina. Tomo 2. Buenos Aires: Editorial Sudamericana, 2000.

07 – MILLETICH, Vilma. El Río de la Plata en la economía colonial. In: TANDETER, Enrique. La sociedad colonial. Nueva Historia Argentina. Tomo 2. Buenos Aires: Editorial Sudamericana, 2000.

08 – A ligação marítima entre a América e Espanha é chamada de Carrera de Indias. O comércio da carrera envia para América pessoas, manufaturas, trigo, animais, como porcos, carneiros e gado, além de abastecer a Europa com batata, milho, açúcar, tabaco, ouro e prata. MACLEOD, Murdo J. A Espanha e a América: O comércio atlântico, 1492-1720. In: BETHELL, Leslie (org.) História da América Latina: a América Latina colonial I. v.1. São Paulo: EDUSP; Imprensa Oficial do Estado; Brasília: Fundação Alexandere de Gusmão, 1997.

09 – A cidade de San Miguel de Tucumán é fundada em 1565.

10 – Pode-se citar como exemplo de cidades fundadas no mesmo contexto que Santiago del Estero e que desaparecem, que têm curto tempo de vida, com menos de dez anos de existência, as seguintes: Londres (1556-1562), Barco I (1550-1551), Barco II (1551-1552), Barco III (1552-1553) e Cordova del Calchaqui (1559-1562). LOBATO, Mirta Zaida; SURIANO, Juan. Atlas Histórico. Nueva Historia Argentina. Buenos Aires: Editorial Sudamericana, 2000.

11 – Anteriormente às minas de Potosí, a Espanha explora a prata, desde 1530, nas cercanias da cidade do México. Na mesma década, na América do Sul, os espanhóis exploram jazidas utilizadas anteriormente pelos incas e, em 1540, descobrem-se jazidas de ouro no Chile e Carabaya. Nos decênios seguintes, inicia-se, ao norte da Nova Espanha, a exploração das minas de Zacatecas, Guanajuato e Sombrerete. MILLETICH, op. cit.

12 – A sua implementação demanda grandes inversões de capitais em maquinaria e infra-estrutura, além do emprego extensivo de mão-de-obra. Após extrair-se o mineral, ele é triturado em uma refinaria denominada, nos Andes, de engenho, e fica do tamanho de grãos de areia. Depois, faz-se uma espécie de massa a qual se aplica o mercúrio e, em algumas semanas, ela é lavada e com a ação o calor separa-se os restos de mercúrio, obtendo-se, assim, a prata pura. Este processo, geralmente, conta com a mão de obra indígena.

13 – O primeiro auge mineiro no Novo Mundo foi no Caribe, vinculado ao ouro. No continente, encontraram-se jazidas no México, América Central, Nova Granada, Chile central e Peru. Para ter-se uma idéia das enormes quantidades enviadas à Espanha, observa-se que, antes de 1550, exportou-se, por vias legais, do México, mais de cinco milhões de pesos de ouro, e do Peru, mais de dez milhões. MILLETICH, op. cit. e LOBATO; SURIANO, op.cit.

14 – Entende-se que a concepção de cidade no período e local estudados difere da atual compreensão do que é uma cidade. Moutoukias (2000) observa que os assentamentos espanhóis, na melhor das hipóteses, tinham algumas centenas de habitantes, mas ganham a denominação de cidade pela formatação política que tinham recebido, com Cabildos e determinado número de vecinos, a diferenciar-se, assim, de um simples povoado. Segundo Areces vecinos, no século XVI, de acordo com a Recopilación de Leyes de Indias, seriam “[…] aquellos españoles jefes de familia cuyos bienes garantizaran la supervivencia de sus allegados y mantuvieran especies animales y vegetales que cubrieran las necesidades alimenticias y de abrigo.” (ARECES, Nidia. Las sociedades urbanas coloniales. TANDETER, Enrique. La sociedad colonial. Nueva historia Argentina. Tomo 2. Buenos Aires: Editorial Sudamericana, 2000, p.151.)

15 – MILLETICH, op. cit.

16 – Atual República Oriental do Uruguai.

17 – Como, por exemplo, as províncias de Buenos Aires, Corrientes, Entre-Rios, Missiones, Santa Fé, Chaco, entre outras.

18 – No caso do Brasil, engloba-se o que hoje são os seguintes estados da federação: Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso do Sul e frações de São Paulo, Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso.

19 – Observa-se que toda a América do Sul espanhola (inclusive partes significativas do Brasil de hoje) e o atual Panamá compõem, neste momento, o Vice Reino do Peru. O outro vice reino que os espanhóis possuem na América é a Nova Espanha, que, além do atual México, engloba, dentre outros, os atuais estados nacionais de Cuba, Costa Rica e Guatemala.

20 – Cédula real de dezembro de 1595 que proíbe o ingresso de escravos e de estrangeiros por Buenos Aires. GUÉRIN, op. cit.

21 – MILLETICH, op. cit., p.229.

22 – MILLETICH, op. cit.

23 – BANDEIRA, Moniz. O expansionismo brasileiro e a formação dos Estados na Bacia do Prata: Argentina, Uruguai e Paraguai, da colonização à Guerra da Tríplice Aliança. Rio de Janeiro: Revan; Brasília: Editora UnB, 1998.

24 – Felipe I de Portugal (sobrinho de D. João III). A ele sucedem-se Felipe II (1598) e Felipe III (1621) de Portugal, respectivamente Felipe III e Felipe IV de Espanha.

25 – MAURO, Frédéric. Portugal e o Brasil: A estrutura política e econômica do Império, 1580-1750. In: BETHELL, Leslie (org.) História da América Latina: a América Latina colonial I. v.1. São Paulo: EDUSP; Imprensa Oficial do Estado; Brasília: Fundação Alexandere de Gusmão, 1997, p.459.

26 – MILLETICH, op. cit.

27 – BANDEIRA, op. cit.

28 – MILLETICH, op. cit.

29 – BANDEIRA, op. cit.

30 – MAURO, op. cit.

31 – Disponível em:

32 – MULLER, Elisa.e LIMA, Fernando Carlos Cerqueira. A Circulação Monetária no Rio de Janeiro nos Tempos Coloniais. In: 4ª CONFERÊNCIA INTERNACIONAL DE HISTÓRIA DE EMPRESAS, ABPHE, 1999, Curitiba. Anais.

33 – MULLER, Elisa e LIMA, Fernando Carlos Cerqueira. Moeda e Crédito no Brasil: breves reflexões sobre o primeiro Banco do Brasil (1808-1829). Revista Tema Livre, ed. 01. Disponível em:

34 – MAURO, op. cit.

35 – MILLETICH, op. cit.

36 – Op. cit.

37 – Op. cit.

38 – Op. cit.

39 – Miller (1999) aponta que o comércio de escravos angolanos inicia-se em pequena escala, em meados do século XVI e seu fluxo substancial dá-se em torno de 1600, quando o açúcar de Pernambuco e da Bahia torna-se o maior produto agrícola do mundo. Nas décadas de 1660 e 1670 são os produtores de açúcar do nordeste que controlam o tráfico de escravos no Atlântico Sul. A partir de 1680 os comerciantes da Bahia passam a abastecer-se de escravos na Costa da Mina, com conseqüente queda do comércio de Luanda. Pela relevância política destes comerciantes de Salvador, Angola tornar-se, neste período, ponto periférico na economia do Atlântico Sul. Curdo (1999) mostra a proeminência dos comerciantes estabelecidos no Brasil em relação aos portugueses no tráfico de escravos com Angola. O autor ainda demonstra que a cachaça, geribita, e o tabaco são utilizados como moeda em troca de homens para o trabalho compulsório. Mas é a geribita, por uma série de razões, como, por exemplo, seu alto teor alcoólico, o fato de não estragar na travessia do atlântico, preço mais baixo, que acaba por conquistar o mercado angolano, em detrimento do vinho português, que já era comercializado desde a metade do século XVI em Angola.

40 – BANDEIRA, op. cit.

41 – Em 20 de dezembro de 1640, através de carta régia, a Espanha proíbe a realização de atividades comerciais com o Brasil, sendo que embarcações provenientes desta colônia são impedidas de entrar no rio da Prata. (RELA, Walter. Colonia del Sacramento: 1678 – 1778. [S.l.]: Intendencia Municipal de Colonia: 2003, p.34)

42 – BANDEIRA, op. cit.

43 – CALÓGERAS, J. Pandiá. A política exterior do Império. Edição fac-similar. Brasília: Senado Federal, 1998.

44 – BANDEIRA, op. cit.

45 – Op. cit.

46 – PRADO, Fabrício. Colônia do Sacramento: o extremo sul da américa portuguesa no século XVIII. Porto Alegre: F.P. Prado, 2002.

47 – BANDEIRA, op. cit.

48 – MAURO, op. cit.

49 – Op. cit.

50 – BANDEIRA, op. cit.

51 – A guerra de Pernambuco, por exemplo, custa 500 mil cruzados anuais.

52 – Por exemplo, em 1647, perdem-se 108 navios mercantes e, no ano seguinte, 141. Em apenas dois anos, em um total de 300 embarcações, as perdas representam 83%.

53 – MAURO, op. cit.

54 – Várias medidas são tomadas pela nova dinastia. Dentre elas, pode-se citar como exemplo a criação, em 1649, da Companhia Geral do Comércio, monopolista, e feita com o capital de cristãos-novos condenados pela inquisição e de comerciantes de Lisboa. Pela primeira vez o comércio realizado entre Portugal e Brasil conta com um sistema de frotas e é garantido por escolta adequada. Outra medida que pode ser citada é o restabelecimento, em 1654, do Estado do Maranhão, distinto do Brasil, e com capital em São Luis (Até 1737. Após este ano, a capital é transferida para Belém). Uma companhia de comércio também é estabelecida para o Maranhão no ano de 1678.

55 – MAURO, op. cit.

56 – FRAGOSO, João. A formação da economia colonial no Rio de Janeiro e de sua primeira elite senhorial (séculos XVI e XVII). In: FRAGOSO, João; BICALHO, Maria Fernanda Baptista; GOUVÊA, Maria de Fátima Silva (orgs). O Antigo Regime nos trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.

57 – João Fragoso aponta que nesta centúria há o processo de acumulação de recursos da primeira elite senhorial do Rio. O açúcar nos engenhos fluminenses, a produção de alimentos, o aprisionamentos e vendas de índios e o comércio negreiro são atividades econômicas que esta elite está envolvida. Fragoso ainda afirma que a administração real e o domínio da câmara são mecanismos eficazes de acumulação de riquezas, pois “[…] permitiram a apropriação de recursos não de um ou outro setor particular da economia, mas sim de excedentes gerados por toda uma sociedade colonial em formação.” (FRAGOSO, op. cit. p.43).

58 – SAMPAIO, Antonio Carlos Jucá de. Os homens de negócio do Rio de Janeiro e sua atuação nos quadros do Império português (1701-1750). In: FRAGOSO, João; BICALHO, Maria Fernanda Baptista; GOUVÊA, Maria de Fátima Silva (orgs). O Antigo Regime nos trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.

59 – CARVALHO, Carlos Delgado de. História Diplomática do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1998.

60 – Macleod (1997) narra que ao longo do século XVII Inglaterra, França e Holanda conquistam terras espanholas que estes dão pouca importância. Como exemplo pode-se citar que os holandeses conquistam Curaçao, estabelecendo vários entrepostos nas proximidades da Venezuela, os franceses se apoderam de Martinica, Guadalupe e ancoradouros em Hispaniola e os ingleses de Barbados, Jamaica e Antígua.

61 – BANDEIRA, op. cit.

62 – Documento 1. In: RELA, Walter. Colonia del Sacramento: 1678 – 1778. Documentario. [S.l.]: Intendencia Municipal de Colonia: 2003, p.176-177.

63 – PRADO, op. cit.

64 – BOXER, Charles R. O império marítimo português. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

65 – BANDEIRA, op. cit., p.32.

66 – Op. cit., p.33.

67 – PRADO, op. cit., p.43.

68 – O ouro e o abastecimento das Gerais têm papel importantíssimo no sentido de transformar o Rio de Janeiro no principal pólo mercantil da América portuguesa, que supera Salvador no decorrer da primeira metade do século XVIII. As mudanças econômicas no Rio influenciam as características do seu grupo mercantil: “[…] a passagem do século XVII para o XVIII viu essa elite mercantil constituir-se enquanto grupo social autônomo em face da elite agrária (o que não significa separação total entre as duas, mas sim a criação de uma esfera tipicamente mercantil de atuação, que inexistia no seiscentos fluminense). Mais do que isso, essas transformações caracterizaram esse novo grupo como a elite colonial setecentista, responsável direta pela própria reprodução da sociedade fluminense por meio do controle dos mecanismos de crédito e da oferta de mão-de-obra escrava […]” (SAMPAIO, op. cit., p.76 e 77).

69 – PRADO, op. cit.

70 – ARECES, op. cit.

71 – A época da recuperação da produção mineira de Potosí a sua prata representa 40% do total da produção peruana. Seguem-na em importância as minas de Oruro, que representam 14% da produção, e as de Pasco, com 13%. De 1736 até 1790 a extração da prata encontra crescimento e, a partir daí, entra novamente em declínio, por fatores, como, o esgotamento das minas, a suspensão européia do abastecimento de mercúrio em função das guerras que a Espanha envolve-se a partir de 1796 e, por fim, a crise geral que afeta o Alto Peru no período de 1800 a 1805, com secas, enfermidades e carência de alimentos, que tem como conseqüência a falta de trabalhadores e de água para a energia das maquinas de moenda dos engenhos da prata. MILLETICH, op. cit.

72 – Op. cit., p.217.

73 – Op. cit., p.231.

74 – Observa-se que a exceção de Assunção, as citadas cidades que compuseram a Gobernación do Paraguai não perduraram, e a sua localização é no território do atual estado nacional do Brasil. Jerez (1580-1632) estaria no atual Mato Grosso e Vila do Espírito Santo (1570-1631) e Cidade Real (1557-1631) no Paraná.

75 – LOBATO; SURIANO, op. cit.

76 – Op. cit.

77 – ARECES, op. cit.

78 – LOBATO; SURIANO, op. cit.

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BIBLIOGRAFIA

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O General Lecor e a Escola de Lancaster: Método e instalação na Província Cisplatina

Texto de Fábio Ferreira

1. Introdução

O método de ensino desenvolvido pelo quaker Joseph Lancaster (1778– 1838) foi instalado na Província Cisplatina a época em que o General Carlos Frederico Lecor, o Barão da Laguna, esteve a frente do governo da mesma, sendo este o objetivo do trabalho, apresentar brevemente em que consiste tal método e como decorreu a sua instalação na província integrante do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve.

Assim, o item seguinte é referente ao método de ensino desenvolvido por Lancaster, que, a grosso modo, consiste no fato de que um único mestre instrua, com a ajuda de monitores, até mil alunos, e que cada pupilo, em oito meses, possa aprender a escrever, ler e contar1. Foi aplicado em diversas partes do globo, desde a Inglaterra, onde o quaker iniciou o seu emprego, até a Suécia, Peru e Rússia, passando por Portugal, Chile e Brasil. Deste modo, o item aborda a difusão do método em diversas partes do planeta.

Na porção americana dos domínios joaninos, o método esteve presente em várias províncias, como, por exemplo, Minas Gerais, Mato Grosso e, como foi evidenciado, na Cisplatina. Portanto, o terceiro item é referente à implementação da escola e da sociedade lancasteriana na Província Cisplatina.

Assim, o presente artigo, faz breves considerações a respeito da Escola de Lancaster e a sua implementação na então Província Cisplatina, que dá-se durante a administração Lecor.

 

2. O método de Lancaster

O método de ensino de Lancaster, também conhecido como método de ensino mútuo ou monitorial, surge na Inglaterra do final do século XVIII, sendo contemporâneo, por exemplo, à atuação de Johann Heinrich Pestalozzi (1746 – 1827) e do pastor anglicano Andrew Bell (1753–1832) na área da educação.

A respeito de Bell, observa-se que ele divide com Lancaster o crédito de ser o criador do método de ensino mútuo, que constituí no fato de monitores, que são alunos mais avançados e instruídos diretamente pelos mestres, ensinarem a outros educandos. Deste modo, cada monitor tem os seus discípulos, que, segundo Larroyo (1974), variam entre dez e vinte.

Entretanto, Bell e Lancaster iniciam as suas atividades separadamente. O primeiro começa a aplicação do método mútuo em Madras, no ano de 1789, em uma escola instituída pela Companhia das Índias Orientais para os filhos dos soldados britânicos. O segundo emprega o seu método a partir de 1798, na Inglaterra, mais especificamente em Londres, ao criar uma escola para crianças pobres.

É notória a similaridade entre os sistemas de ensino de Lancaster e o de Bell, tanto que atribuí-se aos dois a criação do método mútuo. Contudo, existem diferenças em alguns pontos, como, por exemplo, no fato de que Lancaster

“(…) propunha, de fato, uma educação religiosa aconfessional (undenominational) e o anglicano Bell uma educação no espírito da Igreja oficial, que (…) acabou prevalecendo. Surgindo assim duas sociedades: a Real Instituição Lancasteriana (depois, Sociedade para a Escola Britânica e Estrangeira), e a Sociedade Nacional para a Promoção da Educação dos Pobres nos princípio da Igreja constituída.”2

Sobre as vantagens atribuídas ao método de ensino mútuo está o seu baixo custo, e possibilitar a instrução a um número maior de pessoas em uma sociedade onde há a escassez de mestres. Destarte, estende-se o acesso à educação as classes mais baixas, pois um só professor poderia instruir um grande número de alunos, um número superior comparado com outras metodologias, pois, conforme Larroyo (1974, p.594) afirma, com a atuação dos monitores necessitava-se de menos mestres, devido ao fato de que “Os alunos de toda uma escola se dividem em grupos que ficam sob a direção imediata dos alunos mais adiantados, os quais instruem a seus colegas na leitura, escrita, cálculo e catecismo, do mesmo modo como foram ensinados pelo mestre, horas antes”.

A respeito do método observa Manacorda (1992, p.258) que “(…) em 1811, na Inglaterra, contavam-se quinze escolas com 30 mil alunos” e que, comparado com as escolas tradicionais, o ensino mútuo pode instruir “(…) até mil alunos com um só mestre, frente aos cinqüenta em média instruídos nas classes tradicionais através do ensino individual (…)”.

A respeito do local onde ministravam-se as aulas, observa-se que estas eram realizadas em espaços bastante grandes, em salas espaçosas, com os alunos distribuídos de acordo com o aproveitamento e o mestre a encontrar-se na extremidade, sentado em uma cadeira alta, a supervisionar as atividades. Almeida (2000, p.60) observa que “Durante as horas de aula para as crianças, o papel do professor limitou-se à supervisão (…)” e que estes davam aulas, diretamente, somente aos monitores.

Além do mestre, o inspetor era outro funcionário importante, pois este “(…) se encarrega de vigiar os monitores, de entregar a estes e deles recolher os utensílios de ensino, e de apontar ao professor os que devem ser premiados ou corrigidos.”3

Sobre os utensílios de ensino, são utilizadas pequenas tábuas com areia, onde os alunos escrevem com os dedos, além de lousas, sendo as pequenas para escreverem e as grandes para lerem. Salienta-se também que, no caso dos livros, estes são abolidos, a constituir, deste modo, uma inovação no que tange o emprego de materiais didáticos.

Agrega-se, ainda, a observação de Almeida (2000, p.60) a respeito dos aspectos positivos do método de ensino que está a ser abordado: “A vantagem deste ensino, quando convenientemente instalado, utilizado e equipado, é exercitar a emulação dos alunos e ter pessoal de ensino bem restrito. Tem ainda a vantagem de fazer que nenhuma criança fique desocupada durante as aulas, o que é muito freqüente no ensino simultâneo”

Porém, é válido ressaltar que, embora seja atribuída a possibilidade de expandir a educação através deste método de ensino, Manacorda (1992, p.260), por exemplo, taxa-o de mecânico, de possuir uma disciplina “meio militar e meio industrial”, fomentador da competição entre os alunos e dotado de excesso de espírito militarista. Larroyo (1974, p.594) compara o método à uma fábrica, onde o mestre seria o chefe do estabelecimento industrial, pois o professor “(…) tudo vigia e intervém nos casos difíceis.”

Entretanto, apesar destas observações, o método de ensino mútuo expande-se muito por obra de Lancaster e, segundo Manacorda (1992, p.258), indo além do ensino elementar masculino, sendo adotado pelo “(…) ensino feminino, para a educação de adultos e para as escolas de nível superior, não somente de ´gramática’, mas também de música e ginástica” e, também, ultrapassa as fronteiras da Inglaterra, a espalhar-se pelo mundo anglófono: “(…) em 1806 já existiam centros de ensino mútuo em Nova Iorque, na Filadélfia, em Boston e, em seguida, em Serra Leoa, na África do Sul, na Índia, na Austrália (…)”.

Ainda no que tange a propagação do ensino mútuo, Chizzotti (1996, p.36) observa que “(…) disseminara-se como um novo e revolucionário método de multiplicar a difusão da instrução, espalhando-se em alguns países europeus como meio mais rápido e eficaz de estender a educação gratuita, associando-se ao método a idéia de que fora um dos fatores de sucesso do capitalismo inglês.”

No entanto, este método de ensino não fica restrito a Inglaterra, nem à outras localidades anglófonas. França (1814), Suécia (1817) e Rússia (1824)4 adotam o ensino mútuo. Em Portugal, a sua implementação data de 1815 pelas escolas militares, sendo que, já em 1816, é criada a primeira escola normal a seguir tal método de ensino5. Também em Espanha o exército utilizou-o, sendo este o primeiro intento de alfabetização da instituição, datando tal experiência do período do reinado de Fernando VII, mais especificamente, dos anos de 1821-22.6

No Novo Mundo, por exemplo, em Lima7 inicia-se, no ano de 1822, por ordem do general San Martín, o emprego do ensino mútuo através do método lancasteriano para a instrução primária. Em Caracas, por convite de Bolívar, o próprio Lancaster esteve na cidade na década de 1820, mesma década onde Guadalupe Victoria, primeiro presidente mexicano, uma vez no poder, auxiliou a Sociedade Lancasteriana. Neste mesmo decênio tal sociedade também foi criada no Chile e, ainda, a Constituinte brasileira adota o método de Lancaster, tendo o Imperador D. Pedro I, segundo Chizzotti (1996, p.36), através de um decreto, criado a Escola de Ensino Mútuo.

Entretanto, antes mesmo do decreto do primeiro imperador brasileiro, encontra-se em periódicos da época a procura de professores que lecionem através do método de Lancaster, como, por exemplo, no Diário do Rio de Janeiro, do dia 09 de julho de 18218, onde há tal solicitação. Além disto, em outra edição deste mesmo periódico, mais precisamente a do dia 12 de junho do mesmo ano, pode-se encontrar informações sobre a utilização de tal metodologia em África, Índia e América.

Observa-se, ainda, que na Província Cisplatina é fundada, em 1821, a sua Sociedade Lancasteriana, sendo a adoção do método de Lancaster por esta parte do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve o tema que constituí o próximo item do trabalho.

 

3. A instalação na Província Cisplatina

A Província Cisplatina, que, como já foi dito anteriormente, corresponde à atual República Oriental do Uruguai, é criada e anexada a monarquia portuguesa em 1821, no Congresso Cisplatino, mesmo ano em que constitui-se a sua Sociedade Lancasteriana.

Tal sociedade é criada durante a administração de Carlos Frederico Lecor, que desde 1817 está a frente do governo português instalado em Montevidéu.

Outro personagem que esteve ao lado de Lecor na implementação desta metodologia de ensino na Cisplatina foi o padre oriental Dámaso Antonio Larrañaga, freqüentemente associado à cultura e de ser o difusor da mesma no que é hoje o Uruguai. Segundo Narancio (1992), o sacerdote é uma das figuras mais destacadas da história deste país, sendo o fundador da Biblioteca Pública de Montevidéu e autor de várias obras científicas, literárias, históricas, religiosas e políticas. Pacheco e Sanguinetti (1985, p.415), a respeito do padre, afirmam que era “(…) destacado hombre de ciencia, no aventajado por ninguno de sus contemporáneos del Río de la Plata.”

Entretanto, antes mesmo de 1821 a administração luso-brasileira toma outras medidas referentes à educação. Cita-se, como exemplo, Abadie e Romero (1999, p.341) que afirmam que “Ya en los primeros meses de la administración lusitana, el Cabildo de Montevideo se ocupó de la rehabilitación de la Escuela Publica”. Deste modo, contrariam Felde (1919), que considera que a dominação lusa não teve nenhuma influência aportuguesadora no atual Uruguai, porque para tal é necessário escolas, professores, industria, artes, enfim, benefícios materiais e intelectuais, que a ocupação portuguesa não deixou. Esta teria sido estritamente militar.

Portanto, a ocupação portuguesa promove ações no âmbito da educação, sendo a introdução do método de ensino de Lancaster um indício de tal ato. Entretanto, a manutenção do castelhano na Cisplatina está vinculada as bases acordadas no Congresso Cisplatino de 1821, em que seria mantido o espanhol na nova província portuguesa.

Soma-se, ainda que, a Escola de Lancaster, segundo o historiador uruguaio Walter Rela9, pode ser taxado como um dos aspectos positivos do governo Lecor na Cisplatina, entretanto, sem ignorar o papel do oriental António Damaso Larrañaga.

Sobre a implementação propriamente dita do método de Lancaster, ela deve-se a chegada a Montevidéu de um inglês, que estava em Buenos Aires a propagar o método, o protestante e vendedor de Bíblias James Thomspson, “(…) propagandista del método que prestigiaba la Sociedad Lancasteriana de Londres.”10

Thompson, que chega a Montevidéu em 20 de abril de 1820, em epístola à sociedade londrina e citada por Abadie e Romero (ibid., p.342), afirma que ao chegar a cidade, o governador, o general Lecor, estava em Maldonado, e que então fora recebido por Larrañaga “(…) cura principal, hombre liberal y amigo particular del Gobernador”, que comprometeu-se a fazer o possível a favor da implementação do método que o inglês estava a propagar.

O papel do padre na implementação do método lancasteriano na Cisplatina e a sua relação com os ocupantes luso-brasileiros é assim tratado por Pacheco e Sanguinetti (1985, p.415): “Aún cuando los apremios de la hora lo llevaron a militar en la política portuguesa, Larrañaga aprovechó su condición especial de hombre de ciencia y de sacerdote, para llevar a cabo bajo dicha dominación, la implantación de la enseñanza lancasteriana o de enseñanza mutua (…)”

Assim, segundo estes autores, a relação de Larrañaga com os ocupantes luso-brasileiros seria baseada em uma forte dose de pragmatismo, e dentro desta postura, teria sido implementado o método de Lancaster na Cisplatina.

Devido a atitude de Larrañaga e a aprovação do Cabildo, Lecor autoriza a implementação do método no território que está sob a sua autoridade. É aprovada, inclusive, a construção do edifício onde a escola funcionaria, contudo, pela escassez de fundos, adota-se o primeiro piso do Forte para a sede da escola pública.

O espanhol José Catalá y Codina, que atuara com esta metodologia de ensino em Buenos Aires e que, segundo Pacheco e Sanguinetti (1985), era homem “de reconocida competencia”, é escolhido por Thompson para atuar na preparação da Sociedade Lancasteriana de Montevidéu e, uma vez inaugurada a escola, é o seu diretor.

Como matérias, a escola dirigida por Catalá y Codina lecionava “(…) lectura, escritura, aritmética, gramática y doctrina cristiana” e o ensino não era obrigatório

“(…) porque la daba una sociedad privada. Sería gratuita para los pobres, los ricos pagarían 6 reales al mes, pero si eran suscriptores sólo pagarían 5 pesos al año. (…) La edad mínima del alumno para ingresar sería de 6 años y las horas de clase de 7 a 10 y de 4 a 5; pero en Junio, Julio, Agosto, y Setiembre serían de 8 a 11 y de 2 a 4 y 30. Estaban prohibidos los castigos corporales o afrentosos.”11

A Sociedade Lancasteriana de Montevidéu foi constituída, segundo Abadie e Romero (1999, p.342), no dia 3 de novembro de 1821, tendo como presidente da sociedade o general Carlos Frederico Lecor, “(…) Juan José Durán y Juan Correa, como vicepresidentes; Francisco Solano de Antuña y Paulino Gonzáles Vallejo, como secretarios; Carlos Camuso, como tesorero y Juan Méndez Caldeyra, Jerónimo Pío Bianqui, Ildefonso García, Luciano de las Casas, Manuel Argerich y Francisco Juanicó, como vocales.”

É válido observar que dois dos membros da citada sociedade, Juan José Durán e Jerónimo Pío Bianqui, neste mesmo ano de 1821, integraram o Congresso Cisplatino – assim como Larrañaga –, sendo, inclusive, o primeiro o presidente do congresso onde foi votada a anexação do território oriental ao Reino Unido.

Assim, a Escola é fundada no dia 4 de novembro, dia de São Carlos Borromeo, em homenagem à Carlos Frederico Lecor, contando com a presença do próprio, além de outras autoridades e da população.

Entretanto, a duração da Escola de Lancaster na Província Cisplatina não é duradoura. Em 1822 é declarada a independência do Brasil e as tropas que ocupam a província – portuguesas e brasileiras –, dividem-se. Montevidéu fica sob o domínio dos lusitanos, e a campanha sob o controle das tropas fiéis a D. Pedro I e lideradas por Lecor. Trava-se uma luta entre estas duas forças.

A citada cisão e o conseqüente embate entre as tropas ocupadoras vem a afetar a Escola de Lancaster, pois, “Cuando en 1823 las dificultades políticas recrudecieron con motivo de la querella luso-brasileña, el director Catalá y el presbítero Lázaro Gadea fueron desterrados (…) Desgraciadamente, ello trajo por consecuencia el desquicio de la Escuela, la disolución de la sociedad que la sostenía, y por último el cierre del establecimiento.”

Assim, no ano de 1825, a Escola de Lancaster cerra as suas portas por fatores econômicos e pela falta de apoio social, já que os membros da sociedade diminuíram profundamente, de 130 que ela chegou a ter, para apenas 4. Além disto, a escola pública de Montevidéu, ao adotar o método de Lancaster, tinha a capacidade de ter cerca de 1000 alunos, enquanto que, na realidade, sempre esteve por volta de apenas cem.12 Então, as portas da escola se fecham, e inicia-se, em 1825, a luta pela separação da Cisplatina do Brasil, que mergulha o território em mais três anos de guerra.

Contudo, após a Independência da Cisplatina, o governo do Uruguai retoma o método lancasteriano de ensino mútuo, e as escolas deste país ficam sob a direção de Catalá y Codina, seguindo em voga tal metodologia até o ano de 1840.13

 

4. Conclusão

Assim sendo, o método de ensino mútuo, que teve como um dos seus grandes difusores ao redor do mundo a Sociedade ligada ao quaker Joseph Lancaster, esteve presente em diversos países, sejam eles da Europa, América ou até mesmo da Oceania.

Observa-se que o método veio ao encontro a uma necessidade que havia de alfabetizar a população, e que, se tal escola tinha os seus equívocos e, ainda, se possuía uma lógica meio militar, meio industrial, ela só prevaleceu pela escassez de mestres, sendo, assim, válida a intenção de estender o acesso à educação a diversas camadas da sociedade.

Observa-se ainda que no momento em que o método mútuo é desenvolvido por Lancaster, o analfabetismo estava presente em países europeus e nos EUA, pois muito da adoção do método de Lancaster era para fazer com que alunos aprendessem a ler, escrever e contar.

A respeito da escola na Cisplatina, é valido observar que ela teve vida curta, assim como a própria província, que, a partir de 1825 mergulha em uma guerra. Entretanto, observa-se que a criação da sua Sociedade Lancasteriana e a adoção do método de Lancaster não distanciam-se temporalmente de outras partes do globo, pois em França, Portugal e Espanha, por exemplo, a adoção dá-se, respectivamente, em 1814, 1815 e 1821/22, conforme demonstrado anteriormente. A instituição de tal metodologia em Lima, México e Caracas também é da mesma década que na Cisplatina, assim como na Rússia, Chile e Brasil.

Deste modo, pode-se perceber que o emprego de tal método na Cisplatina de Lecor dá-se em um contexto onde em diversas partes do mundo adota-se tal metodologia. Esta questão pode ser entendida como uma evidência de que tal ocupação teve alguma preocupação em gerar benesses ao território oriental, território este que poucos meses antes da criação da Sociedade Lancasteriana torna-se mais uma província dos domínios dos Bragança.

Entretanto, as razões para tal criação podem estar vinculadas a diversas razões, como a um projeto de Lecor para realizar melhorias nos novos domínios da monarquia portuguesa ou poderia, ainda, ser uma maneira de atender, agradecer e manter a cooptação aos orientais que votaram a anexação de tal território ao Reino Unido.

Entretanto, devido às mudanças na conjuntura política da Cisplatina, finda-se a Escola de Lancaster e da Sociedade de mesmo nome nesta província. Contudo, é ainda válido observar que mesmo com tais mudanças políticas na região e a criação da República do Uruguai, tal metodologia que fora empregada durante o governo de Lecor continua a ser adotada no governo republicano e independente, a permanecer até 1840 no Uruguai.

 

5. Notas

01 – Tal informação é transmitida pelo Cabildo de Montevidéu a Lecor e diz respeito ao que estava a ser feito na Europa. Informação disponível em: http://www.crnti.edu.uy/museo/paghist.htm

02 – MANACORDA, Mario Alighiero. História da Educação: da antiguidade aos nossos dias. São Paulo: Cortez; Autores Associados, 1992, p.258.

03 – LARROYO, Francisco. História Geral da Pedagogia. Tomo II. São Paulo: Editora Mestre Jou, 1974, p.594

04 – Disponível em: http://www.btinternet.com/~skua/school/frames.html

05 – Disponível em: http://educar.no.sapo.pt/modelos.htm

06 – Disponível em: http://www.mde.es/mde/mili/mili8.htm

07 – Disponível em: http://www.homenajear.com:8080/Homenajear/Efemerides/efemerides_x_fecha?dia=20&mes=9

08 – Diário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 09 de julho de 1821, p.54. Rolo: PR – SPR 5 (1). Acervo Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro.

09 – RELA, Walter. Entrevista concedida em 04/03/2004. In: Revista Tema Livre, ed.08, 23 abril 2004. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

10 – ABADIE, Washington Reyes e ROMERO, Andrés Vázquez. Crónica general del Uruguay. La Emancipación, vol. 3. Montevidéu: Banda Oriental, 1999, p.341.

11 – Disponível em: http://www.crnti.edu.uy/museo/paghist.htm

12 – Disponível em: http://www.rau.edu.uy/uruguay/cultura/histoweb1.htm

13 – Disponível em: http://www.crnti.edu.uy/museo/paghist.htm

 

6. Bibliografia e sítios consultados

ABADIE, Washington Reyes e ROMERO, Andrés Vázquez. Crónica general del Uruguay. La Emancipación, vol. 3. Montevidéu: Banda Oriental, 1999.

ALMEIDA, José Ricardo Pires de. Instrução pública no Brasil (1500-1889): história e legislação. São Paulo: EDUC, 2000.

ARAÚJO, Orestes. Historia de la Escuela Uruguaya. Disponível em: http://www.crnti.edu.uy/museo/paghist.htm

CHIZZOTTI, Antônio. A constituinte de 1823 e a educação. In: FÁVERO, Osmar. A educação nas constituintes brasileiras 1823-1988. Campinas-SP: Editora Autores Associados, 1996.

DUARTE. Paulo de Q. Lecor e a Cisplatina 1816-1828. v. 2. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1985.

FELDE, Alberto Zum. Proceso Histórico Del Uruguay. Montevideo: Maximino Garcia, 1919.

FERREIRA, Fábio. Breves considerações acerca da Província Cisplatina: 1821 – 1828. In: Revista Tema Livre, ed.06, 23 agosto 2003. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

___________________. A Presença Luso-Brasileira na Região do Rio da Prata: 1808 – 1822. In: Revista Tema Livre, ed.03, 22 out. 2002. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

LARROYO, Francisco. História Geral da Pedagogia. Tomo II. São Paulo: Editora Mestre Jou, 1974.

MANACORDA, Mario Alighiero. História da Educação: da antiguidade aos nossos dias. São Paulo: Cortez; Autores Associados, 1992.

NARANCIO, Edmundo M. La Independência de Uruguay. Madrid: Mapfre, 1992.

ORANTES, Alfonso. El método de enseñanza mutua de lancaster en américa latina, reconstruyendo su historia con una hoja de ruta. Disponível em: http://www.ucv.ve/ftproot/humanidades/xjornadasinvesteduc/resumenes/Area%20Hist%C3%B3rico.doc.

PACHECO, M. Schurmann e SANGUINETTI, M.L. Coligan. Historia del Uruguay. Montevidéu: Editorial Monteverde, 1985.

 

Para obter mais informações na Revista Tema Livre relacionadas ao primeiro quartel do século XIX, basta clicar nos ícones abaixo: (Em ordem alfabética)

Entrevista com a prof. Drª. Francisca Azevedo.

Entrevista com o prof. Dr. José Murilo de Carvalho.

Entrevista com o prof. Dr. Walter Rela.

Breves considerações acerca da Província Cisplatina: 1821-1828.

As incursões franco-espanholas ao território português: 1801-1810.

A política externa joanina e a anexação de Caiena: 1809-1817.

A Presença Luso-brasileira na Região do Rio da Prata: 1808-1822.

Moeda e Crédito no Brasil: breves reflexões sobre o primeiro Banco do Brasil (1808-1829)

A trajetória política de Artigas: da Revolução de Maio à Província Cisplatina.

Conheça outros artigos disponíveis na Revista Tema Livre na seção "Temas".

Prof. Dr. Walter Rela (Universidad Catolica del Uruguay)

O historiador uruguaio Walter Rela, no dia 04 de março de 2004, recebeu a Revista Tema Livre para uma entrevista em seu escritório, em Montevidéu, de onde é possível avistar o rio da Prata, rio este que, às suas margens, durante séculos, ocorreram disputas entre portugueses, espanhóis e brasileiros, um dos temas que o historiador discorre na entrevista concedida. Além disto, o historiador fala-nos a respeito da sua trajetória acadêmica, que inclui passagem pelo Brasil, na então Faculdade Nacional de Filosofia do Rio de Janeiro, e a sua experiência em instituições em países como os EUA e Espanha.

 

O historiador Walter Rela em seu escritório, em Montevidéu.

O historiador Walter Rela em seu escritório, em Montevidéu.

 


Revista Tema Livre – Primeiramente, conte-nos um pouco sobre a sua trajetória acadêmica.

Walter Rela – Em primeiro lugar, gostaria de expressar a minha gratidão por este convite, amo muito o Brasil, é a minha segunda pátria, inclusive, a minha avó era brasileira, fazendeira de San Pedrito, no Rio Grande do Sul, de modo que tenho sangue brasileiro, ademais, tenho netos que são brasileiros, então tenho motivos… 

Bem, a minha formação na primeira fase foi no Brasil. Em 1956, tive uma beca do Itamarati para investigação em história, aí a minha ligação com o poeta Manuel Bandeira, que foi um dos meus maiores amigos. Estudei na Faculdade Nacional de Filosofia do Rio de Janeiro, na velha Faculdade de Filosofia, da rua António Carlos e, depois, lecionei, no ano seguinte, na Federal do Rio de Janeiro. 

Depois, fui para a Argentina, me vinculei com a Universidad de Buenos Aires, com a Universidad Católica, lecionei aqui em Montevidéu e, em 1977, comecei a lecionar nos Estados Unidos. Recebi um convite da Washington University, St Louis Missouri, Michigan, e comecei a minha carreira nos Estados Unidos, como professor de letras. Daí, segui até 1992, quando me retirei da Georgetown University, uma das maiores e mais prestigiosas universidades americanas. Durante dez anos lecionei na Universidade de Michigan, lecionei na Universidade de New York, onde no ano passado me fizeram, no 61º congresso anual, uma homenagem à minha obra, que vai ser publicado agora na Revista que saí em 2004, e fui muito feliz. Foi uma etapa de muita felicidade para mim, lecionar e receber o apoio dos alunos, dos colegas, dos professores… Trabalhei muito, porque não há melhor coisa que ter paixão pelo que se faz. Uma vida dura, mas cheia de gratidão, tu vistes aí meus diplomas, meu reconhecimento, fundei academias, como a Academia Uruguaya de Historia Marítima y Fluvial, que é uma das mais importantes academias do Uruguai, que se dedica à história do rio da Prata… 

Bom, em 1988, o governo espanhol, estando eu lecionando em Washington D.C., me convidou para as homenagens do bicentenário do Rei Carlos III. Fui para uma semana e fiquei por muito tempo! Como se passa sempre! Gostei, gostaram das minhas aulas, e comecei a trabalhar em história e a pesquisar. A ir a Lisboa, ao Rio de Janeiro, e tudo isso… E sempre estive no tema do rio da Prata, ou seja, de 1988 até agora, só faço trabalho sobre o rio da Prata. Colônia do Sacramento, a presença portuguesa primeiro e a brasileira depois, Espanha… Preparei muitos trabalhos, publiquei muitas coisas, que tenho o grande prazer em dar-te como presente por tua visita e, bom, uma vida de muito trabalho e de muita satisfação. Sempre muita satisfação. Acho que a maior missão que um homem pode receber neste mundo é a virtude do trabalho, da honra, da dignidade, é uma prenda ao longo do tempo. Dignidade. Com dignidade sempre, uma linha de conduta irreprochável, que ninguém tenha que fazer objeções a tua obra, a tua pessoa, é ótimo. 

Aqui no Uruguai, eu fui um dos fundadores da Universidad Católica del Uruguay, comecei quando era um antigo instituto de filologia, história e letras, depois fui diretor ou decano da faculdade de filosofia e letras por dois anos e, depois, por razões de idade e por regulamentos que existe no Uruguai, tive que me retirar da carreira. Tu sabes, o mesmo ocorre no Brasil, enfim, nos Estados Unidos… 

Agora, tenho 82 anos, sinto um grande prazer em receber-te em minha casa, que é a tua casa e sempre estarei a sua disposição. 

RTL – O Sr. pode falar a respeito das diversas premiações que o Sr. recebeu ao longo da sua carreira?

Rela – Bem, são muitas. Cinqüenta anos dedicados a trabalhos de literatura e de história… Tenho prêmio dado pela Unesco, no ano de 1985, que é o maior prêmio para quem faz dramaturgia. A PUC, em 2001, me fez uma homenagem com motivo de 45 anos de dedicação ao trabalho com eles; a Universidad de Buenos Aires…; o 5º centenário, em Espanha, me premiam com uma obra sobre viajantes marinos e naturalistas no rio da Prata… Sou membro do Círculo de Cultura Pan-Americano, uma das mais importantes organizações hispanista dos Estados Unidos, com assento em Nova Iorque, com assento em Miami, me honro em ter este diploma como membro de honra… Fundador da Academia Uruguaya de Historia Marítima y Fluvial, bem, membro da Academia Carioca, da Academia do Rio Grande de Letras, Membro da Academia Argentina de Letras, e sigo lutando. Sigo lutando com muita paixão, com muito amor pelas coisas e com muito amor pela vida, que é o maior galardão, muito amor pela vida. Bem, esta é a minha vida, tenho 82 anos, estou feliz em conhecer-te, de ver o trabalho da Revista Tema Livre, que acho que é um grande empreendimento, e estou disposto a apoiar. 

RTL – Conte-nos um pouco mais sobre as diversas instituições que o Sr. faz parte, como, por exemplo, a Academia Uruguaya de Historia Marítima y Fluvial…

Rela – Então, a Academia Uruguaya de Historia Marítima y Fluvial, que foi fundada em 1995, ocorre como conseqüência a uma homenagem que se fez à expedição de Alessandro Males Pina, que esteve em Montevidéu e foi uma grande figura de Espanha. O evento coincidiu com a chegada do Rio da Prata da Nave Escola de Espanha, Sebastião Elcano. E o comandante chefe da armada espanhola nos deu uma conferencia incrível. Nós pensamos, confesso o meu erro, o meu profundo erro, que fosse algo protocolar, mas não… Ele era um sábio. Fez uma dissertação de uma hora e meia sobre todas as vinculações de Espanha e de Portugal desde quase o descobrimento da América por Colombo e de Cabral ao Brasil até o fim do século XVIII. Realmente, como espero que se passe na tua vida, acho que foi uma espécie de toque. Disse, este homem, com esta sabedoria… Aliás, com muita persuasão é a palavra… Uma simplicidade, as coisas mais brilhantes e mais profundas ditas com simplicidade. Isso é comovente. Acho que esse homem, que nunca mais vi em minha vida, e nem se quer sabe, teve uma influencia muito grande, porque me demonstrou as qualidades de um pesquisador, de um homem profundamente compenetrado no seu ramo naval, mas, ao mesmo tempo, um homem com uma simplicidade, de dizer eu conheço isto aqui, mas o que conheço eu conheço muito bem, e é um exemplo para todos. 

RTL – E sobre outras instituições…

Rela – Bom, bom, na etapa da minha vida, que trabalhava metade do tempo nos Estados Unidos e metade do tempo na América do Sul, estive muito vinculado ao Brasil. Fiz um trabalho, uma publicação sobre o teatro jesuítico no Brasil, Argentina e Paraguai, que foi muito bem recebido. Este trabalho foi a base para ingressar na Academia Carioca de Letras, que foi um acontecimento muito charmoso, no Rio de Janeiro e, depois, o Dr. Leodegário Azevedo Filho, que era professor da Federal do Rio de Janeiro, me convidou para integrar a Academia Brasileira de Filologia, que é uma das grandes academias que existem na América do Sul. E, neste mesmo dia, nesta mesma noite, entrei com um eminente professor de Florença, o Dr. Giovanni Tavanni, um grande professor, um grande filólogo, uma eminência na filologia latina. Após isto, também ingressei na Academia do Rio Grande do Sul, como membro de honra. Também estou muito vinculado à PUC, onde realizei meu doutorado em Letras. 

RTL – O Sr. estava a falar sobre o Brasil… Então, pode nos falar da presença luso-brasileira, primeiramente a portuguesa, com a Colônia do Sacramento, aqui no Rio da Prata…

Rela – Bem, Normanjos, que publicou nove tomos que realizei, é uma das mais importantes empresas dedicadas à história, tanto em microcar, quanto em microficha, ou em publicação de livros. Publicou-se nove tomos sobre o Uruguai, desde a Colonização espanhola até agora, até o ano 2000. Um destes tomos está dedicado à Cisplatina. Não só a etapa da presença de Portugal, com Lecor, enfim, que vem a Montevidéu, a luta contra Artigas, como tu sabes, mas também dedicada à parte da cruzada libertadora de Lavalleja, que está muito bem referenciada no artigo que eu li em um dos números da Revista Tema Livre [edição nº 06] e, publiquei, consegui, com muita paciência, com muito cuidado, muita dedicação, todas as atas anteriores ao dia 25 de agosto de 1825. Porque a gente se preocupa com esta data. Mas e o anterior? Dia 18, 19, 20, 21, 22, 23… Procurei tudo. Então, tem uma unidade. A gente chega ao dia 25 quando solenemente um grupo de orientais declara nula e sem nenhum valor os documentos assinados com o Brasil, sendo que é um processo anterior que se vem gestando, e esse é o valor da obra, o valor maior da obra é isso, até que chega a Assembléia Geral Constituinte, e se libera a Independência do Uruguai, com o visto da Argentina, da Inglaterra, do Imperador brasileiro, como tu sabes. 

RTL – Bem, como Lecor e a presença luso-brasileira na década de 1820 são tratados pela historiografia uruguaia?

Rela – Bom, eu diria, subjetivamente. Acho que não se viu todas as virtudes, ou as vantagens que teve, por exemplo, Lecor que, com o Padre Dámaso Antonio Larrañaga, introduz na pedagogia o método lancasteriano, que é muito importante, é um aporte valioso. O método lancasteriano é um avanço revolucionário sobre a pedagogia escolástica dos jesuítas, e a pedagogia da Igreja Católica. Bom, se dá ênfase à Cruzada Libertadora. Mas acho que o período, dos portugueses primeiro e logo brasileiro, com a Independência do Brasil, e que Lecor passa a comandar as tropas brasileiras na Banda Oriental é uma coisa muito importante. Acho que tem que estudar muito, ver com melhores olhos, sem partidarismo, sem sectarismo, com objetividade, que é uma das virtudes do investigador, porque a subjetividade te parcializa, as tendências políticas, ou religiosas, ou o que seja, e comete-se erros. E as coisas, eu aprendi uma grande lição na minha vida, há que faze-las para os vindouros, nada de fazer para o presente. Que os vindouros tenham em ti uma referência. O que tu publicas como documento, aqui tem, por exemplo, todos os tratados entre o reino de Portugal e Espanha para a América Meridional. Aqui estão todos. Isto é o que serve. Não, dizem, que disse que… Não, não. É o que está escrito. O que está assinado. O que está comprometido. O que está para a vida. Por exemplo, 1681 o tratado, o acordo entre Portugal e Espanha pelo qual se toma de novo a Colônia do Sacramento, fundada em 1680 por Manuel Lobo, até o último tratado de El Pardo de 1778, que Espanha reassume, pelo tratado anterior, de 1777… Enfim, de modo que tudo isto é o que importa. Eu sou um documentarista. Me honro de que as coisas são para os vindouros, e as coisas para os vindouros tem que ter a objetividade suficiente para que todos digam não disse que alguém disse. Não, não, não. É o que está escrito, é o que está assinado, o que está nos códigos. Um autor pode interpretar a sua moda, a sua maneira de ver, ter uma visão das coisas. Mas as coisas estão aqui. Acho que é uma lição que aprendi muito jovem, felizmente, com bons mestres, e nunca as abandonei em minha vida. E aconselho aos jovens terem objetividade. 

RTL – O Sr. está aqui com os documentos relativos a Colônia do Sacramento. O Sr. pode falar um pouco deste período da história uruguaia e como a questão é tratada pela historiografia deste país?

Rela – Bom, no livro, que te faço como presente e que resultou em um sucesso neste momento, justamente eu parto da grande idéia que tiveram os portugueses da importância estratégica e geográfica de um ponto em frente ao porto de Buenos Aires, que era a Colônia do Sacramento. Não é um fato fortuito. É um fato muito pensado. Portugal, como tu sabes, tem grande experiência em viagens ultramarinas. Toma o Atlântico Sul, chegou a Índia, ao Brasil, que não é pequena coisa, mas o Rio da Prata é a chave do Atlântico Sul, mas é a chave por vias fluviais Paraná–Paraguai. Quem é dono da trilogia Paraguai, Paraná e Rio da Prata, é dono da chave do Atlântico Sul. Isto a Corte portuguesa viu com muita lucidez. Com grande lucidez. Quando o rei, ou melhor, o príncipe regente, porque Portugal era príncipe regente à época, dá instruções muito precisas a Manuel Lobo, porque sabe da importância que tem isto, e publico aí, neste livro. A outra coisa é o avanço que fazem os portugueses, fronteiras ao sul do Rio Grande, até tocar. Intentam povoar Montevidéu. Fracassam. Zavala vem de Buenos Aires, mandado pelo rei de Espanha, e desaloja os portugueses. Mas a idéia era: Colônia do Sacramento, Montevidéu e Maldonado, três portos de águas profundas, ao contrário de Buenos Aires, são, assim, os donos da chave do Atlântico Sul. 

RTL – O Sr. esteve em Espanha, trabalhou lá, e como esta questão dos portugueses terem estabelecido um ponto luso no Prata é visto pela historiografia espanhola?

Rela – Bom, em Espanha também são parciais… É um século de lutas entre Espanha e Portugal. 1680 funda-se a Colônia do Sacramento, em janeiro de 1680, se desaloja para os espanhóis em 1778. Só faltam dois anos para se fazer um século. E este século de lutas parece tanto importante o tratado de 1750, chamado tratado de permuta ou tratado de Madrid, porque foi assinado em Madrid, que dá os povos das Missões aos portugueses, contando em ter a chave do rio da Prata. Que desenvolve a Guerra Guaranítica que é uma das mais cruéis e horríveis… Guerra em que os exércitos portugueses e espanhóis se juntam para destruir os guaranis, que eram indefesos. E havia labrado com os jesuítas os sete povos. Que está no sul do Rio Grande e a Oeste do Rio Uruguai. 

RTL – O Sr. pode falar um pouco da sua obra, do que se trata, do que já escreveu…

Rela – Prefiro que os outros falem de minha obra. Leia-a e opine. É o melhor presente que podem fazer para mim. 

RTL – E qual trabalho o Sr. está a desenvolver agora?

Rela – Agora estou preparando um grande trabalho de oitocentas, novecentas páginas sobre toda a presença espanhola e portuguesa no Rio da Prata, século XVI, XVII e XVIII. É um trabalho muito importante e pega quase todos os tratados. 

RTL – Finalizando, qual a sua opinião a respeito do uso da internet para a divulgação da história?

Rela – Bem, eu tenho uma dedicação muito grande à internet. Tenho uma comunicação com quase todo o mundo, me interessa, estou inscrito em jornais muito importantes, do Brasil, Argentina, Chile, México, Espanha, Estados Unidos… E, também, através do “Yahoo!”, “Google” ou “Altavista” tenho relações com a história, com o passado, então, para mim, é um instrumento muito importante a internet. Pela internet eu conheci a Revista Tema Livre, assim que maior coisa não pode ser. 

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A trajetória política de Artigas: da Revolução de Maio à Província Cisplatina

Texto de Fábio Ferreira

1. Introdução

Artigas en la Ciudadela: óleo de Juan Manuel Blanes (1884).

Artigas en la Ciudadela: óleo de Juan Manuel Blanes (1884).

José Gervasio Artigas, nascido em Montevidéu no dia 19 de junho de 17641, é considerado herói nacional uruguaio pela sua atuação na então Banda Oriental na década de 1810, liderando o movimento pela emancipação da mesma e rechaçando a presença espanhola, o centralismo buenairense, e as ocupações luso-brasileiras do atual Uruguai.

Assim, para tratar brevemente da trajetória política de Artigas na década de 1810, o corte temporal do presente trabalho dá-se no período que vai da Revolução de Maio de 1810, que forma a conjuntura para que o caudilho oriental ascenda politicamente na sua região, até a anexação da Banda Oriental ao Brasil sob o nome de Província Cisplatina, em 1821, é escolhido pelo fato de a esta época ser bem próxima da derrota de Artigas e, também, por este ato representar a legalização da dominação luso-brasileira na região, presença esta sempre hostilizada pelo caudilho.

Pode-se também entender o trabalho como um breve relato dos acontecimentos políticos ocorridos na Banda Oriental no período de 1810-1821, tendo a frente o maior caudilho da margem esquerda do Rio da Prata, José Gervasio Artigas.

Enfim, o próximo item é dedicado à ascensão política do caudilho no período posterior ao 25 de maio até a sua chegada ao poder em 1815, englobando as suas relações e desta região com os seus visinhos: Buenos Aires, as Províncias Litorâneas e o Brasil.

O item que se segue é dedicado ao período de 1815-1817, quando Artigas está à frente do território oriental e as suas políticas econômico-sociais para a região, além de incluir-se aí as articulações para o derrube do caudilho.

O quarto item aborda a perda por parte de Artigas de Montevidéu para as tropas do general Lecor, representante do governo português sediado no Rio de Janeiro, e a derrota final do caudilho oriental em Entre Rios, além da região pela qual Artigas batalhou pela emancipação ser anexada ao Brasil sob o nome de Província Cisplatina.

Assim, nas linhas a seguir, encontram-se algumas considerações sobre Artigas e o atual Uruguai na década de 10 do século XIX.

2. A ascensão de Artigas no pós-1810

Bandeira de Artigas: até os dias de hoje, um dos símbolos nacionais da República Oriental do Uruguai.

Bandeira de Artigas: até os dias de hoje, um dos símbolos nacionais da República Oriental do Uruguai.

Anteriormente ao movimento de mayo de 1810 em Buenos Aires, que tem as suas repercussões na Banda Oriental, conforme será mostrado adiante, Artigas já desempenha funções militares na sua região, tendo ingressado no Corpo de Blandengues2, em 1797, onde ascende sucessivamente, obtendo várias patentes, como a de capitão, por exemplo; ou quando ocorre a invasão inglesa de Montevidéu, em 1807, ele organiza as forças de resistência no interior.

Neste período anterior a Revolução de Maio, mais precisamente no período 1801-1802, Artigas, por denominação do vice-rei, acompanha o naturalista espanhol Felix de Azara – que está oficialmente na região em virtude da questão dos limites americanos entre Portugal e Espanha na região do Rio da Prata – pelo interior da Banda Oriental, sendo que tal contato com o espanhol vem a influenciar o pensamento de Artigas no que tange a área econômico-social3.

Assinala-se ainda que nestes primeiros anos do século XIX, Artigas, pela função que exerce, circula pelo interior da Banda Oriental, conhecendo-a geograficamente, mas também, a sua população, seja no que diz respeito as suas condições de vida, anseios, e temores, seja no que refere-se ao estabelecimento de relações cordiais com essa gente, além de que, neste período, a sua reputação junto aos membros da administração espanhola é positiva.

Lynch (1989, p.96) define o Artigas de antes de 1810 da seguinte maneira:

“Artigas había nacido en una familia de terratenientes y militares criollos en Montevideo, y empezó su vida como fiero líder de gauchos malos, una banda de cuatreros y contrabandistas que operaban cerca de la frontera brasileña. Aprovechando su experiencia se alistó en una fuerza oficial española, el Cuerpo de Blandengues organizado para limpiar al país de forajidos y de contrabandistas. (…) En 1810 era un hombre de cierta categoría en la Banda Oriental y un reconocido líder gaucho”.

Em 25 de Maio de 1810 ocorre em Buenos Aires a Revolução que fica conhecida como a de luta pela emancipação da mesma, e que tenta acabar com a dominação espanhola em todo o Vice-Reino do Rio da Prata. Buenos Aires, capital do antigo domínio colonial, busca manter toda a extensão do Vice-Reino sob o seu comando, no que malogra, pois do que foi o domínio espanhol surgem diversos países independentes, entretanto, isto não impede que, até meados do século XIX, Buenos Aires tente levar, muitas das vezes gerando conflitos armados internos, a sua supremacia até as províncias mais distantes do que é hoje a Argentina.

Voltando ao período posterior ao rompimento dos portenhos com a junta espanhola, Artigas, segundo Calógeras (1998, p.417), no dia 28 de fevereiro de 1811 rompe com a Espanha, a abandonar as fileiras do exército cujo qual fazia parte, e alia-se com os insurgentes de Buenos Aires, sendo designado pelos mesmos como o homem da revolução na Banda Oriental, recebendo a patente de Tenente-Coronel.

Os estancieiros são um importante ponto de apoio que Artigas e o seu movimento possuem na Banda Oriental, pois esses donos de terras confiam no caudilho pelo fato dele ser originário de uma família de estancieiros e na capacidade militar do mesmo, devido aos seus sucessos em impor a lei e a ordem no campo antes de 1811.

Já os comerciantes, majoritariamente, posicionam-se contra Artigas e favoráveis a Espanha, por crerem que ficando ao lado dos europeus poderiam conseguir vantagens monopolistas junto aos seus aliados ibéricos.

As tropas que objetivam o fim do domínio espanhol na região de responsabilidade de Artigas obtém vitórias pela campanha e povoados menores, sendo grande baluarte da dominação espanhola Montevidéu, onde está o vice-rei Elío4, fiel à Espanha, que chega a receber apoio financeiro, inclusive, segundo Francisca Azevedo, de Carlota Joaquina5, para a resistência realista desta cidade.

As tropas de Artigas e de Buenos Aires, aliadas, cercam Montevidéu e, como conseqüência deste ato, Elío recorre a ajuda da corte portuguesa instalada no Rio de Janeiro, que envia, segundo Padoin (2001), quatro mil homens para o auxílio dos realistas, tendo a frente o general Diego de Souza.

Observa-se que, segundo Ferreira (2002), D. João presta tal apoio a argumentar que as perturbações na Banda Oriental estavam a causar turbulências na fronteira com o Rio Grande, e de que com tal marcha, estaria a garantir o domínio dos Bourbon, casa a que pertencia a sua esposa, Carlota Joaquina.

Ainda sobre a incursão portuguesa de 1811, Padoin (2001) observa que Artigas entendia-a como parte do projeto expansionista dos invasores, tendo, inclusive, alertado ao cabildo de Montevidéu no que diz respeito a tal intento, baseando-se no Correio Brasiliense, onde Hipólito José da Costa chama a atenção para tal risco.

Porém, Calógeras (1998), salienta que Artigas tem o desejo de reaver a área das Missões, que no ano da primeira incursão joanina a Banda Oriental já é de posse portuguesa, sendo esta uma razão a influir na decisão do príncipe regente em marchar na direção do território oriental.

Elío e os portenhos, em 20 de outubro de 1811, assinam um acordo, em que os segundos comprometem-se a abandonar a Banda Oriental, cessar o seu apoio a Artigas e, ainda, reconhecem o domínio espanhol na região. Em tal trato, estipula-se também a retirada das tropas portuguesas daí.

Portugal, que fora chamado por Elío ao conflito, mas não foi convidado para as negociações entre o mesmo e Buenos Aires, permanece na Banda Oriental, a ignorar o que foi estabelecido pelas duas partes contratantes. Ambos não tem poder para que as tropas portuguesas evacuem a área e, assim, recorrem a Inglaterra, único país capaz de fazê-lo, seja militar, seja diplomaticamente.

Como o desejo dos patriotas portenhos de que as forças joaninas saíssem da Banda coincide com os interesses ingleses para a mesma, seja em razão do seu comércio na região, seja pela aliança com Espanha – que entendia a margem esquerda do Prata como sua – contra Napoleão, Castlereagh, secretário britânico de assuntos exteriores, e Lord Strangford, ministro inglês no Rio de Janeiro, defendem os interesses de sua coroa. Assim, Portugal retira as suas tropas da Banda Oriental do Rio da Prata.

Porém não é só Portugal que tem dificuldade em aceitar o acordo celebrado entre o representante de Espanha e Buenos Aires, Artigas também a possuí: vê que os seus aliados portenhos ignoraram-no, deixando a Banda Oriental nas mãos dos espanhóis, não havendo espaço para a independência da mesma e, assim, parte para Entre Rios, sendo acompanhado de diversos populares, no episódio que fica conhecido como Êxodo do Povo Oriental e que Artigas é aclamado Chefe dos Orientais.

Padoin (2001, p.46) observa que a partir de tal rompimento, inicia-se o projeto da “(…) formação de uma Liga Federal, contando com o apoio de Entre Ríos, Santa Fé, Corrientes e regiões de Córdoba, independentes das Províncias Unidas do Rio da Prata”.

No que refere-se aos seguidores do líder dos orientais, Lynch (1989, p.98) afirma que “Artigas salió de su patria con 4.000 hombres. Le seguían además 4.000 civiles, temerosos de las represalias españolas y de la brutalidad portuguesa, un pueblo que buscaba la independencia en el exilio, dejando tras de sí una tierra quemada y un campo vacío.”

O autor ainda atribui que com tal atitude Artigas coloca-se indubitavelmente como líder do movimento de independência oriental. A margem esquerda do Prata, em qualquer negociação com Buenos Aires, a partir de então, poderia negociar em pé de igualdade, e não como uma província subordinada; e, por fim, esse grupamento que parte com o caudilho é o núcleo de uma nação independente.

Em 1813, Buenos Aires convoca uma Assembléia Constituinte onde as províncias, teoricamente, teriam voz, entretanto, neste momento, o grupamento que está a governar as Províncias Unidas e comandam a cimeira são os centralistas, facção contrária à autonomia provincial face Buenos Aires.

Devido à convocação portenha, Artigas realiza o Congresso Oriental, com a função de definir o posicionamento dos orientais em Buenos Aires. O resultado de tal reunião é o estabelecimento das “Instrucciones del Año XIII”, que contém a reivindicação da agora, sob o ponto de vista de Artigas, Província Oriental – e não mais Banda – pela independência, república e federalismo.

Sobre o projeto que propunha as “Instrucciones”, Lynch (ibid., p.100) observa que:

“(…) eran el proyecto de un sistema en el cual las provincias tendrían plena soberanía; ésta incluiría la autonomía económica y también el poder de reclutar sus propios ejércitos. El armazón federal sería extremadamente débil, y el gobierno central despojado de todos los medios de controlar a las provincias. Reduciría al Río de la Plata a una aglomeración de miniestados gobernados por insignificantes caudillos y estancados en su propia incapacidad (…)”

Padoin (2001, p.49 e 50) sobre as propostas de Artigas através das instruções do ano XIII afirma que: “(…) tentou-se estabelecer uma proposta federalista de relações, na qual a adoção de um pacto confederal poderia controlar os interesses centralistas de Buenos Aires e garantir a soberania da Banda Oriental (…)” e

“A partir desse posicionamento, a Província Oriental, para unir-se às Províncias Unidas do Rio da Prata somente através de um pacto Confederal, no qual a sua soberania e independência (Artigos 10 e 11) seriam mantidas (…) Observamos que nessas Instruções há um firme propósito de reafirmar e declarar a independência em relação à Coroa espanhola bem como de adotar uma forma de governo republicano como garantia dos direitos de liberdade, de segurança e de soberania a cada província.”

Calógeras (1998, p.427) define as conclusões a que chegam os orientais em tal congresso liderado por Artigas como “(…) a antítese do pensamento de Buenos Aires: República e federação, contra Monarquia e centralismo”, além de que a relação estabelecida com os portenhos deveria ser de pacto e não de obediência.

É válido observar que Artigas, segundo Lynch (1989), foi fortemente influenciado pela constituição norte-americana e, Padoin (2001) afirma que, em 1811, ele possuía uma tradução da mesma.

Uma vez tendo o projeto para a inserção da Província Oriental nas Províncias Unidas, os deputados orientais partem para Buenos Aires, no entanto, uma vez nesta cidade, a Assembléia não os recebe pelo teor da sua proposta, o que leva a Artigas romper definitivamente com os portenhos, e a declarar guerra aos mesmos, apoiado pelos caudilhos das províncias litorâneas.

Buenos Aires ataca Montevidéu e, em 20 junho de 1814, Vigodet, substituto de Elío, é derrotado e, três dias depois, as tropas vitoriosas ocupam a cidade oriental, lideradas por Alvear. Entretanto, segundo Golin (2002, p.279), Artigas interpreta a presença portenha como uma força de ocupação, porém, isso não impede que em 9 de julho o caudilho oriental assine um tratado com Alvear, onde “Reabilitava a sua honra e reputação; concedia-lhe o posto de comandante da campanha e da fronteira. (…) Artigas passou a se responsabilizar pela organização da província, reunindo a sua assembléia provincial e procedendo à escolha de delegados à Constituinte das Províncias Unidas”.

No entanto, mesmo com a assinatura do acordo, Artigas não abandona a sua posição favorável ao federalismo, o que desagrada Buenos Aires, que decide romper com o caudilho oriental e destruí-lo definitivamente. Artigas reage, e obtém o apoio de outros caudilhos provinciais. Assim, os portenhos, em Montevidéu, têm que contar com a oposição artiguista desde a campanha, que por sua vez obtém aliados na cidade capitulada, além de que o conflito é levado a outras partes das Províncias Unidas.

No final de 1814 os portenhos já haviam sofrido várias derrotas e, em janeiro de 1815, abandonam Montevidéu e Entre Rios, no que culmina com a ocupação da primeira por Artigas.

3. Artigas no poder: 1815 – 1817

Mapa do Protetorado de Artigas

Mapa do Protetorado de Artigas

Como foi dito anteriormente, as forças artiguistas ocuparam Montevidéu com a saída dos portenhos desta cidade e, assim, Artigas governa toda a Província Oriental em 1815, agora a Pátria Velha, criando, junto com Santa Fé, Entre Rios, Corrientes e Córdoba, a Liga Federal, com o intento de oporem-se a centralista e unitarista Buenos Aires. Por este fato, Artigas é reconhecido pelo título de “Protector de los Pueblos Libres”.

Sobre a união destas províncias, Lynch (1989, p.100) observa que “El ‘protectorado’ en realidad no fue nunca más que una incómoda asamblea de caudillos locales, cada uno de los cuales miraba de reojo a su vecino, al igual que a Buenos Aires”.

Apesar de aparentemente Artigas estar à frente da Liga, na prática, o seu poder está delimitado ao território oriental, arrasado e destruído pelos anos de guerra, o que dificulta o seu governo. Porém, uma vez no poder, toma diversas medidas para recuperar a Província Oriental, através do restabelecimento do comércio e dos campos, ambos assolados pelos conflitos no interior do seu território, conforme Lynch (ibid.) assinala, quando cita que a produção de alimentos dos orientais não era suficiente para abastece-los, tendo que importar cereais, entretanto, o comércio, debilitado, fazia com que uma quantidade ínfima adentrasse o país.

Diante desta situação caótica, Artigas toma medidas para revitalizar o comércio, realizando acordos com os britânicos, em que os portos de Montevidéu e Colônia passam a ser abertos para eles. O de Maldonado também não é esquecido pelo protetor dos povos livres, que age no sentido de recupera-lo, entretanto, sem negocia-lo com os ingleses.

No campo, o caudilho promove a reforma agrária, expropriando as terras dos seus oponentes e passando-as para os grupamentos mais desfavorecidos da sociedade oriental que apoiaram-no, porém, sob certas condições, conforme explicita Padoin (2001, p.54):

“(…) Artigas fez a expropriação das terras e do gado daqueles que se opuseram às suas forças. As terras foram distribuídas, em forma de pequenas propriedades, àqueles que lhe apoiaram e, entre eles, os que se encontravam na condição de despossuídos e desclassificados da sociedade de então, como indígenas, gaúchos, escravos libertos, etc. (…) Os que as recebiam deviam cultivar as terras e/ou recuperar o rebanho, sob o risco de reverter a terra para o controle do Estado que se formava (…)”.

A autora ainda afirma que com tais atitudes, Artigas retalia os seus “(…) inimigos e pretendia (…) garantir o desenvolvimento econômico da região, além de garantir o efetivo (soldados) para as lutas armadas”.

Lynch (1989) afirma que a falta de contingentes leva a Artigas aceitar em suas tropas escravos negros, tanto de sua província, quanto do sul do Brasil, e, assim, os cativos ganham uma espécie de emancipação, o que não agrada aos proprietários de terras.

Outra questão que não agrada aos estancieiros é o programa de Artigas, de cunho reformista, voltado para as classes mais pobres da sociedade oriental, que receberam terras e gado do governo estabelecido em Montevidéu.

Ainda sobre a política agrária de Artigas à época em que está no poder, Bushnell (2001, p.151 e p.152) afirma que o caudilho “(…) introduziu uma das medidas mais interessantes e originais do período da independência” e que “(…) Artigas foi aclamado o primeiro grande ‘reformador agrário’ da América do Sul (…)”, entretanto, sem ignorar que o caudilho necessita que estas terras estejam a produzir, e que Artigas crê que a melhor maneira para que isto ocorra é entregando-as a pequenos proprietários.

No que tange a administração propriamente dita, o caudilho busca formar uma Confederação com base nas instruções do ano XIII, além de dividir a autoridade com a estrutura herdada do período colonial espanhol, o Cabildo, sendo tal compartilhamento, segundo Padoin (2001), a representação do campo, personificada em Artigas, e dos núcleos urbanos, no Cabildo, além de que o primeiro representa a vontade popular.

As medidas tomadas na margem esquerda do Prata desagradam ao poder estabelecido no lado direito: Buenos Aires vê, pela ação de Artigas, o seu projeto de exercer o controle sobre as demais províncias ameaçado, o que prejudica os seus interesses econômicos e políticos.

Artigas não causa desagrados somente no Rio da Prata, na Guanabara, a corte aí instalada desde 1808, também não vê com bons olhos o governo do caudilho oriental. A insatisfação causada por Artigas em ambos os governos é demonstrada por Padoin (ibid., p.55): “(…) o domínio da Banda Oriental e a constituição da Liga Federal com suas ações e determinações a partir de concepções federalistas e republicanas, como forma de Estado, provocou reações tanto por parte dos portenhos quanto dos luso-brasileiros”.

Assim, já em 1815, começam os preparativos militares, sob o comando do general Carlos Frederico Lecor, por parte do governo português sediado no Rio de Janeiro, para atacar a Banda Oriental.

No ano seguinte, as tropas lideradas por Lecor adentram o território oriental, tendo como justificativa as constantes perturbações a fronteira com o Rio Grande por parte dos artiguistas e o desrespeito para com a mesma, além de que o projeto do Protetorado de Artigas incluía esta região brasileira. Além destas justificativas, soma-se o velho anelo lusitano de estender seus domínios ao Rio da Prata6. Lynch (1989) ainda observa que os ocupadores adentraram o território prometendo levar paz e prosperidade aos orientais.

A opor-se a Portugal, segundo Padoin (2001), Buenos Aires coloca-se contrária ao ataque luso-brasileiro, porém não possui forças para deter as tropas joaninas, limitando a sua atuação a tentativa de Pueyrredón de demover Portugal da idéia, no que malogra; Frutuoso Rivera também tenta impedir as tropas de Lecor através da força, e é igualmente derrotado no seu intento de impedir a presença luso-brasileira no território de Artigas.

Já Lynch (1989) afirma que os portenhos viam positivamente a queda de Artigas e de suas propostas federalistas, mesmo que para derrotar o caudilho e o seu projeto, Portugal viesse a entrar em cena, tendo Pueyrredón sido conivente com os invasores pela queda do inimigo comum.

Lima (1996, p.387) ainda observa que Buenos Aires poderia prestar socorros a Montevidéu, entretanto, não o faz em virtude de Artigas, opositor a subjugação aos portenhos, porém “O auxílio seria concedido do melhor grado se Montevidéu anuísse em incorporar-se ao organismo político das Províncias Unidas; mas perante suas veleidades persistentes de separação, Buenos Aires preferia esquivar-se (…) mandando todas suas forças disponíveis para os lados do Chile e decidindo a invasão capitaneada por San Martín”.

O Cabildo de Montevidéu, diante destes fracassos, não faz frente aos ocupadores, ao contrário, pede aos mesmos que ocupem a cidade pacificamente.

Diante das circunstâncias, Artigas abandona Montevidéu e parte para a campanha para comandar uma guerra de guerrilha contra os luso-brasileiros, apesar de que, segundo Carneiro (1946), a esta altura, Artigas encontra-se debilitado pela sua idade e pelo cansaço e, na verdade, já não comanda mais as suas tropas pessoalmente.

Em relação a Artigas frente ao poder da sua região, Carneiro (ibid., p.26) ainda observa que “Soubesse Artigas manejar os bastidores da política sul-americana, fosse mais diplomata e menos sonhador como soldado, estaria garantida a emancipação do Uruguai desde 1815”. Entretanto, não foi isto o que ocorreu.

4. A ocupação e a anexação portuguesa e o declínio de Artigas: 1817-1821

Carlos Frederico Lecor: representante de D. João na ocupação de Montevidéu, personificando o antagonismo ao general Artigas.

Carlos Frederico Lecor: representante de D. João na ocupação de Montevidéu, personificando o antagonismo ao general Artigas.

O general Lecor chega a Montevidéu no dia 20 de janeiro de 1817, ocupando-a. Entretanto, as tropas de Artigas não dão-se por vencidas e cercam a cidade, porém, é inútil, e, assim, Artigas jamais terá Montevidéu de volta, o que não impede que os artiguistas continuem a resistir a presença estrangeira no interior do território oriental, nem que ocorram ataques as Missões e a fronteira do Rio Grande.

É válido observar que a partir da perda de Montevidéu o caudilho oriental passa a enfrentar problemas de ordem pessoal que, por sua vez, interferem na sua vida política, sendo o seu tormento particular já iniciado no ano da conquista de Montevidéu pelos portugueses: “(…) Artigas não estava bem de saúde, daí entregando-se à bebida, que por sua vez tinha como resultado a piora do seu estado, e, paralelamente, sua popularidade caía, tanto que, já em meados de 1818, locais como a antiga Colônia do Sacramento, Maldonado e o curso do rio Uruguai já estavam em mãos lusas.”7

Sobre a impopularidade de Artigas, Padoin (2001, p.58) observa que “(…) o pensamento antiartiguista começou a crescer, inclusive por parte de alguns caudilhos das províncias litorâneas, desgastados com o prejuízo das guerras e sedentos por obterem o apoio de Buenos Aires como forma de assegurarem os seus interesses. A guerra afetara tanto a riqueza monetária das cidades, dificultando o comércio, quanto a zona rural com a escassez do gado vacum e cavalar”.

Lynch (1989, p.103) ainda mostra que os setores mais altos da sociedade oriental apóiam aos portugueses e, ao abordar o posicionamento dos estancieiros, o autor assinala que a razão deste suporte dá-se porque esses proprietários estão “(…) posiblemente alarmados por el primitivo populismo de Artigas, tranquilizados por los valores sociales señoriales del Brasil, y satisfechos por la vuelta de la ley y el orden al campo” e, assim, apóiam ao general Lecor.

Lima (1996) também observa que Lecor sabe tirar proveito da situação, pois à medida que o poderio de Artigas encolhe no território oriental e o seu cresce, a população demonstra-se mais favorável aos ocupadores, e, assim, o general português militariza a população e organiza-a contra o caudilho.

Artigas abre duas frentes de batalha. Além da frente contra os luso-brasileiros, citada anteriormente, o caudilho envolve-se em conflitos com Buenos Aires, pois os centralistas desta cidade tentam acabar com os caudilhos da Liga Federal, entretanto, os portenhos saem derrotados do embate.

Paralelamente, as tropas artiguistas começam a sofrer várias baixas em 1819. Andresito é capturado e levado como prisioneiro para o Rio de Janeiro; Rivera muda de lado, a aliar-se ao exército inimigo, vindo a ser Barão do Império do Brasil; os Oribe também abandonam Artigas; Lavalleja é feito prisioneiro no ano seguinte.

1820 é o ano do agravo da já complicada situação de Artigas: em 22 de janeiro as forças luso-brasileiras impõem-lhe a derrota de Tacuarembó, que leva o caudilho a refugiar-se na província de Entre Rios, que, aliada a Santa Fé, derrota Buenos Aires em 1 de fevereiro, no embate contra os centralistas portenhos citados anteriormente.

Apesar dos federalistas terem vencido a peleja, isto não significa que foi algo positivo para Artigas, ao contrário, o caudilho oriental perde o controle sobre os litorâneos, que, por sua vez, não possuem interesse em manter uma guerra junto com Artigas com o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve.

Entretanto, não era isto que Artigas esperava quando os seus antigos subalternos venceram, Artigas cria que eles negociariam com os portenhos a formal declaração de guerra aos ocupantes da região que ele denominava de Província Oriental. Enganou-se. Quando sabe do conteúdo do Tratado de Pilar, em uma cópia enviada por Ramirez, caudilho de Entre Rios, revolta-se contra o mesmo, achando que foi traído.

Artigas marcha para o ataque a Entre Rios, a saquear povoados e enfrenta Ramirez em las Guachas, travando-se o embate decisivo entre os dois caudilhos em 24 de junho de 1820 em Las Tunas, quando o de Entre Rios derrota definitivamente José Gervasio Artigas.

Sobre o embate entre Ramirez e Artigas, Lynch (1989, p.103) observa que o primeiro “(…) aceptó armas procedentes de Buenos Aires y se volvió con fuerza salvaje contra su antiguo aliado, derrotándolo en el campo de batalla, y empujándolo hacia las soledades del norte de Corrientes.”

Assinala-se ainda que o caudilho oriental recebe propostas de anistia por parte do governo luso-brasileiro, sendo-lhe oferecido o exílio no Rio de Janeiro, e do norte-americano, que, através do seu cônsul em Montevidéu, propõe a Artigas o refugio em seu país. No entanto, Artigas nega as duas ofertas, partindo em direção ao Paraguai.8

O caudilho atravessa o rio Paraná com alguns fiéis, mas não sem antes declarar o fim da guerra, em 5 de setembro, porém, o homem que governou a Província Oriental, chega à outra margem do Paraná desprovido de bens materiais e riqueza, sendo que, segundo Duarte (1985), Artigas entrega a um soldado de sua confiança a única e última coisa de valor que resta-lhe: a quantia de 4.000 pesos, para que fosse enviado a Lavalleja, no Rio de Janeiro, para que pudesse ser amenizado o martírio dos seus companheiros presos na principal cidade do Brasil.

Artigas, chegando ao país em que foi buscar refugio provisório, apresenta-se às autoridades locais, e assim que Francia, ditador paraguaio, sabe da presença do oriental em seu território, considera-o seu prisioneiro, a alojar-lo, em um primeiro momento, em Assumpção e, depois, em Curuguaty, distante e miserável povoado do Paraguai, onde permanece até 1840, quando Francia morre.9

É válido ainda observar que no ano seguinte a chegada de Artigas no Paraguai, em 1821, é realizado, na Província Oriental, o Congresso Cisplatino, em que é votada, não sem grandes articulações políticas, a anexação do território pelo qual Artigas guerreou pela emancipação ao Brasil, sob o nome de Província Cisplatina.

Entretanto, a esta altura, Artigas está impossibilitado de tomar qualquer atitude contra a anexação, pois está nas mãos de Francia. Após a morte do ditador paraguaio, praticamente vinte anos após o Congresso Cisplatino, o governo substituto ao do falecido permite que Artigas vá viver em Ibiray, porém sem deixar de monitora-lo. O líder de outrora, em sua nova morada, mantém o estilo de vida que tem desde o início de sua vida no Paraguai: uma vida modesta, de homem do povo, pacata, até o dia da sua morte, 23 de setembro de 1850.

Sobre os últimos anos da vida do caudilho, Calógeras (1998, p.431), seu simpatizante, conforme pode ser constatado a seguir, descreve-a da seguinte maneira:

“Quando, nos dias últimos de sua existência, ia a começo a revisão do processo histórico que o queria ferretear de crimes na Independência americana, e Uruguai, agradecendo a seu maior filho, lhe quis prodigalisar carinhos e provas de reconhecimento, a graça que solicitou foi deixarem-no morrer em sua chácara (…) abandonado e pobre, cultivando suas plantas e distribuindo os frutos aos mais pobres do que ele.

Superior ainda no seu desprezo das fúteis honrarias humanas, e da inexistente gratidão de seus compatriotas…

E (…) só e desconhecido, o chefe dos Orientais e Protetor dos Povos Livres, o grande caluniado, impávido, entregou a sua alma (…) ao Criador de todas as coisas.”

Artigas, que passou os últimos trinta anos de sua vida em tais condições, cinco anos depois da sua morte é lembrado pelos seus conterrâneos, que transladam os seus restos mortais para Montevidéu, repatriando-os no Panteão Nacional.

5. Conclusão

Assim sendo, José Gervasio Artigas, oriental de Montevidéu, batalhou, durante a década de 1810, período da sua vida política, pela autonomia da região que já foi a Banda Oriental, Província Oriental, Província Cisplatina e, hoje, República Oriental do Uruguai.

Entretanto, no período em que está a desempenhar o seu papel político de destaque, vê por muito pouco tempo a sua proposta sendo concretizada, e mesmo quando a vê, é em um contexto de crise, com o interior do país destroçado e a ameaça de uma incursão estrangeira, que acaba a ocorrer em 1816, sendo que Artigas fica a frente do governo oriental no ano anterior, e perdendo-o para os luso-brasileiros que conquistam Montevidéu em 1817. Quer dizer, o caudilho esteve durante muito pouco tempo a comandar a sua região e seu povo.

Percebe-se que, uma vez no poder, Artigas preocupa-se em recuperar a economia do território sob sua jurisdição, a revitalizar o comércio e a produção rural, além de atender a demandas sociais, mesmo que ao atender aos mais desfavorecidos economicamente estivesse a atender seus aliados.

Constata-se também que o caudilho tem um projeto político-econômico para a Província Oriental, seja no âmbito interno, como foi dito acima, seja no externo, ao estabelecer a sua relação com Buenos Aires – a da tentativa de manter uma autonomia, mas em um governo confederado – Espanha e Portugal – de independência – e a Liga Federal, um acerto com outras regiões do antigo Vice-Reino do Rio da Prata que rejeitavam o projeto centralista portenho.

O caudilho da margem oriental do Rio da Prata era um homem que tinha um projeto político para a sua região, que, uma vez no poder, tentou coloca-lo em prática, além de que era uma pessoa que tinha um conhecimento externo à campanha, pois, em 1811, já possuía uma tradução da constituição norte-americana, que veio a influenciar-lo, além de que, com a recomendação que faz ao cabildo a época da primeira incursão joanina na Banda Oriental, a alerta-lo dos objetivos expansionistas do príncipe-regente, Artigas baseava-se no Correio Brasiliense e, acrescenta-se, que utilizou corretamente a opinião de Hipólito da Costa, pois, realmente, D. João possuía tais interesses na margem esquerda do Prata.

Finalizando, Artigas é bastante diferente do perfil do caudilho traçado pela historiografia liberal, que tem como grande representante Sarmiento, que taxa esses líderes de ignorantes e incultos, sedentos de poder, sem um projeto de nação. Artigas, que realmente não obteve uma instrução universitária, não encaixa-se na figura do caudilho desenhado pelos liberais, pois tinha um projeto para a Província Oriental, lia materiais produzidos em outras partes do globo, além de ser uma pessoa que possuía uma boa leitura do que estava a ocorrer a sua volta, basta lembrar da sua advertência em relação a incursão luso-brasileira de 1811, basta recordar que não submeteu-se ao centralismo portenho, prejudicial para a sua província.

6. Notas

01 – Disponível em: http://www.artigas.org.uy/artigas.html

02 – Unidade militar que dentre as suas funções tinha a de polícia e vigilância.

03 – Disponível em: http://www.artigas.org.uy/artigas.html

04 – Francisco Javier Elío o Jaureguizar y Olondriz (04/03/1767 – 04/09/1822), após o advento de maio de 1810, recebe o título de vice-rei do Rio da Prata e governa desde a Banda Oriental.

05 – Entrevista concedida por Francisca Azevedo em 10/04/2003. In: Revista Tema Livre, ed.05, 23 abril 2003. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

06 – Para maiores detalhes, ver: FERREIRA, Fábio. A Presença Luso-Brasileira na Região do Rio da Prata: 1808 – 1822. In: Revista Tema Livre, ed.03. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

07 – FERREIRA, Fábio. A Presença Luso-Brasileira na Região do Rio da Prata: 1808 – 1822. In: Revista Tema Livre, ed.03. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

08 – Disponível em: http://www.oni.escuelas.edu.ar/olimpi99/guerrasincuartel/artigas.htm

09 – Disponível em: http://www.artigas.org.uy/artigas.html

7. Bibliografia e sítios consultados

AZEVEDO, Francisca L. Nogueira. Biografia e Gênero. In: Guazzelli, Cesar Augusto Barcellos et. al. (orgs.) Questões de Teoria e Metodologia da História. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 2000.

__________ Entrevista concedida em 10/04/2003. In: Revista Tema Livre, ed.05, 23 abril 2003. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

BUSHNELL, David. A Independência da América do Sul Espanhola. In: BETHELL, Leslie (org.) História da América Latina: da Independência até 1870. v. III. São Paulo: EDUSP; Imprensa Oficial do Estado; Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2001.

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LIMA, Oliveira. D. João VI no Brasil. Rio de Janeiro: Topbooks, 1996.

LYNCH, John. Las Revoluciones Hispanoamericanas: 1808-1826. Barcelona: Editorial Ariel, 1989.

PADOIN, Maria Medianeira. Federalismo Gaúcho: fronteira platina, direito e revolução. Coleção brasiliana novos estudos, v. 3. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2001.

SCHMIDT, Benito Bisso. A biografia histórica: o “retorno” do gênero e a noção de “contexto”. In: Guazzelli, Cesar Augusto Barcellos et. al. (orgs.) Questões de Teoria e Metodologia da História. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 2000.

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XAVIER, Regina Célia Lima. O desafio do trabalho biográfico. In: Guazzelli, Cesar Augusto Barcellos et. al. (orgs.) Questões de Teoria e Metodologia da História. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 2000.

Breves considerações acerca da Província Cisplatina: 1821-1828

Texto de Fábio Ferreira

1. Introdução

Bandeira do Estado Cisplatino Oriental

Bandeira do Estado Cisplatino Oriental

O presente artigo propõe-se a tratar brevemente os curtos anos de existência da província brasileira da Cisplatina, no território que hoje é a República Oriental do Uruguai, além da influência que a sua existência como parte do Império exerceu nas relações Brasil – Províncias Unidas do Rio da Prata (atual Argentina) no contexto da década de 1820, e a repercussão da província brasileira nas Províncias Unidas e, primeiramente, no Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve e, depois, no Império Brasileiro.

Assim, o próximo item é dedicado à anexação da Banda Oriental ao Reino Unido sob o nome de província Cisplatina, onde são mostradas as articulações políticas por parte do general Lecor para a realização da incorporação.

A influência portenha e dos Trinta e Três Orientais no processo que vem a desencadear a Guerra da Cisplatina, além das articulações políticas dos primeiros em atrair para o conflito Simón Bolívar e os Estados Unidos são tratados no terceiro item do artigo.

O trabalho aborda a seguir a guerra propriamente dita, a partir da declaração da mesma por parte do Brasil, em 1825, aos argentinos; e, também, das negociações políticas, com a participação da Inglaterra, pela emancipação da Cisplatina.

Assim, nas próximas linhas encontrar-se-ão informações acerca do primeiro conflito externo do Brasil e Argentina independentes na região platina, além dos seus fatos precursores.

2. A Província Cisplatina

Mapa do Império do Brasil com a Cisplatina em vermelho.

Mapa do Brasil joanino com a Cisplatina em vermelho.

A região do atual Uruguai, que adentra o século XIX como parte do Vice-Reino do Rio da Prata, a partir de 1817, devido ao projeto expansionista joanino na região platina e ao processo de independência desencadeado nos países hispano-americanos que tem como grande marco o ano de 1810, caí sob o domínio da monarquia portuguesa instalada no Rio de Janeiro.1

À frente dos ocupadores, a governar, primeiramente Montevidéu, depois, em virtude da resistência artiguista, o resto do território oriental, está o general Carlos Frederico Lecor, veterano das guerras napoleônicas que, com o fim dos conflitos na Europa, parte para a América.

A administração Lecor é taxada positivamente por Saint-Hilaire (2002), naturalista francês que esteve na região em 1820; e Lynch (1989) designa-a como favorável aos grandes estancieiros e comerciantes de Montevidéu, conseguindo o apoio dos primeiros pelo restabelecimento da ordem e do respeito à propriedade e, dos segundos, pela estabilidade e pela política de porto aberto.

Em 1821, mais precisamente no dia 16 de abril2, pouco antes de D. João VI retornar para Portugal, é autorizada a realização do Congresso Cisplatino, que teria como função decidir se a Banda Oriental seria anexada ao Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve, ou tornar-se-ia um país independente ou, ainda, se a mesma acabaria como parte de um outro governo.3

Segundo Golin (2002), Lecor não teria aceito as outras duas alternativas que não fosse a de incorporar a Banda Oriental ao Reino Unido e, para isto, altera o número de deputados e o critério de seleção dos mesmos para o Congresso, além de articular com os diversos orientais que teriam voz no encontro.

Assim, a cimeira, que ocorre de quinze de julho a oito de agosto de 18214, tem diversos dos seus membros comprometidos com a posição de Lecor e, como resultado, a aprovação da incorporação da Banda Oriental ao Brasil sob o nome de Província Cisplatina, podendo-se afirmar que o general português teve grande importância na ampliação do território brasileiro até o Rio da Prata.

Silva (1986, p.393) define o Congresso como uma manobra para legitimar a ocupação da Banda Oriental, já que Lecor obtém “(…) o apoio do Conselho Municipal de Montevidéu e de representantes de várias outras localidades (…) dando-lhe um sentido, não de conquista, mas de incorporação no Reino Unido (…) com a aprovação de um Congresso Nacional do Estado Oriental do Rio da Prata”.

O questionamento da idoneidade da votação pela incorporação também está presente em Lynch (1989, p.103), destacando-se o seguinte trecho: “En julio de 1821 un Congreso Oriental subordinado al nuevo régimen votó la incorporación de la Provincia Oriental al imperio portugués como Estado Cisplatino (…)”

A anexação da Cisplatina dá-se, segundo Carvalho (1998), com a região arrasada em razão das guerras que ela foi palco desde 1810, tendo o seu setor produtivo sido devastado e a população bastante reduzida, havendo, nos orientais, um sentimento muito mais de pragmatismo ao unir-se com o Brasil do que ideológico ou subserviente ao Reino Unido.

No entanto, apesar do empenho de Lecor para a anexação e conseqüente ampliação do território brasileiro, na Corte, alguns setores não são favoráveis, sendo que a mesma não é ratificada por D. João VI, que a esta altura já está em Portugal. A reprovação à atitude de Lecor em Lisboa deve-se à preocupação de que a incorporação viesse a acarretar em problemas com Fernando VII, além de que a mesma fora fruto de articulações secretas entre o general e José Bonifácio, no contexto do rompimento do Brasil com o Reino Unido, que de fato vem a ocorrer formalmente no 7 de setembro de 1822.

Com a independência do Brasil, a província Cisplatina vê-se dividida entre os que apóiam a manutenção da sua união com o Brasil, e aqueles favoráveis a mantê-la sob o controle de Portugal, havendo a cisão dos ocupadores entre imperiais e lusitanos.

Os que optam por D. Pedro, têm a frente o general Lecor; as tropas fiéis à D. João VI são lideradas pelo brigadeiro Álvaro da Costa de Souza Macedo, que acreditam que a Cisplatina é, de direito, pertencente a Portugal. Diante do posicionamento antagônico entre as tropas, Lecor parte para Canelones, ficando Montevidéu sob o controle dos lusitanos.

Entretanto, mesmo com os embates, Lecor não se vê impedido de articular com os caudilhos platinos, como o faz com o de Entre Rios, em 1822, e com os diversos líderes da costa do Uruguai, sempre visando a manutenção da presença brasileira na região e o rechaço aos oponentes do seu projeto.

Segundo Carneiro (1946), Lecor, em Canelones, obtém o apoio de diversas figuras orientais, como Rivera5 e Lavalleja6, além de vários governos da campanha e de Colônia e Maldonado. Uma vez obtendo tal suporte, parte para o cerco por terra de Montevidéu. Por mar a cidade é cercada pelo almirante Rodrigo Lobo e por uma esquadra oriunda do Rio de Janeiro e, sitiados, os portugueses, que tinham ao seu lado os Oribe, não resistem por muito tempo.

A questão da independência brasileira face Portugal é complexa, não só na área que constitui a última conquista luso-brasileira, mas em todo o Brasil, até mesmo antes do sete de setembro. Tal cisão seja na Cisplatina, seja no resto do território brasileiro, havendo a não adesão em torno de um projeto único, acaba por dividi-los entre os que optam por Portugal e os que escolhem a independência.

A diferença de projetos para o Brasil, partindo de dentro do próprio país antes mesmo de 1822, é explicitado por Proença (1999, p.36) no seguinte trecho: “[Há] uma nítida separação entre as províncias do Norte, em torno da Baía, que se mantinham fiéis às Cortes, as do Sul separatistas e apoiantes de D. Pedro, e a zona de Pernambuco onde a situação se ia tornando mais confusa, pela existência de uma facção bastante numerosa que perfilhava, não só a separação de Portugal como uma modificação do sistema político brasileiro.”

A diversidade existente no Brasil também é apresentada por Ramos (2002, p.39), citando Macaulay:

“Havia no Brasil quem desejasse um governo central no Rio porque sentia que isso servia melhor as suas necessidades. D. Pedro queria ser imperador, José Bonifácio queria ser primeiro-ministro, milhares de advogados, agricultores e comerciantes da área do Rio – S. Paulo – Minas Gerais preferiam um governo que estivesse ao seu alcance a um governo sediado do outro lado do Atlântico. Os ricos e os políticos activos das províncias distantes entretanto não identificavam necessariamente os seus interesses com os do Rio; no extremo Norte, no Maranhão e no Pará, os laços com Lisboa eram muito fortes (…)”.

A demonstração da inexistência de uma unidade nos antigos domínios portugueses no Novo Mundo em torno de D. Pedro após o sete de setembro é igualmente demonstrado por Saraiva (1993, p.364): “Uma parte da América do Sul continuava fiel a Portugal, sem reconhecer a autoridade do novo imperador: em Montevidéu, um general afirmou reconhecer apenas o poder do rei e na Baía o general Madeira mantinha as cores portuguesas.”

Assim, a província Cisplatina encontra-se dividida entre imperiais e lusitanos, tendo os últimos abandonado a região do Prata somente em fevereiro de 18247 e, Lecor pisa em Montevidéu, a liderar as tropas brasileiras, em 2 de março do mesmo ano, sendo a Cisplatina, segundo Bethell (2001), o último reduto da resistência lusitana na América.

Com a volta de Lecor para Montevidéu, Carneiro (1946, p.36) narra que “(…) jurou-se a constituição política do Império promulgada por D. Pedro I. Por essa constituição o Estado Cisplatino, em situação de confederado, passava a fazer parte do Brasil”.

Entretanto, a contenda entre portugueses e brasileiros, e a retirada dos primeiros do território, acaba por fortalecer o grupamento que objetiva o desligamento da Cisplatina ao Brasil, conforme explicita Golin (2002, p.332): “(…) a retirada das disciplinadas tropas lusitanas enfraqueceu o exército de ocupação. Imediatamente, o movimento pela autonomia da Banda Oriental intensificou suas confabulações, agitou a população e, no ano seguinte, em 1825, desencadeou a sublevação.”

Constatação idêntica faz Duarte (1985), ao afirmar que após a saída dos portugueses e a conseqüente cisão nas tropas de Lecor, os contingentes militares do general ficam em estado lamentável e, ainda, salienta que se foi possível a manutenção da presença brasileira na Cisplatina após a divisão das tropas de ocupação, foi pela habilidade política de Lecor.

Paralelamente ao processo de independência do Brasil e a vitória dos imperiais na Cisplatina, em Buenos Aires são iniciadas as articulações para que as Províncias Unidas reconquistassem o território que, desde 1810, desejavam que fosse seu: a outra margem do Rio da Prata.

Assim sendo, o intento portenho de acabar com o domínio brasileiro na região que outrora fora parte do Vice Reino que tinha Buenos Aires como capital, e o papel desempenhado pelos 33 orientais na independência da província Cisplatina serão abordados no próximo item do trabalho.

3. A participação portenha na emancipação da Cisplatina e os Trinta e Três Orientais

“Juramento de los Treinta y Tres Orientales”, obra do uruguaio Juan Manuel Blanes (1830-1901).

O desejo de Buenos Aires, após a Revolução de Maio de 1810, em conquistar a área do atual Uruguai pode ser evidenciado ao longo desta década, quando, por exemplo, os portenhos apóiam os intentos de Artigas contra os realistas, em 1811, ou quando controlam Montevidéu, em 1814, só abandonando-a por não resistirem à oposição artiguista. As incursões ao território oriental cessam após a invasão comandada por Lecor, em 1816.

Porém, com o advento da independência do Brasil e a sua repercussão na Cisplatina, em 18238, ganha força, nas Províncias Unidas, a idéia de guerrear contra o país recém independente, sendo que, em 4 de agosto, Santa Fé assina um tratado com o cabildo de Montevidéu para expurgar a presença brasileira da Cisplatina e no dia 21 do mesmo mês, Mansilla, governador de Entre Rios no período de 1821-24, que anteriormente assinara tratos com Lecor, intima o antigo tratante a abandonar a província brasileira localizada no Prata.

Um pouco antes das hostilidades com Santa Fé e Entre Rios, as Províncias Unidas enviam, em janeiro de 1823, José Valentim Gomes para negociar com o Rio de Janeiro o que os portenhos entendiam como a restituição da Banda Oriental, entretanto, segundo Carvalho (1998, p.57) “o emissário encontrou decidida repulsa a respeito da separação da Cisplatina do Império”.

A questão envolvendo esse território entendido por brasileiros e argentinos como seus, não faz com que somente as Províncias Unidas enviem emissários para o Rio. O governo sediado nesta cidade envia, em tal período, missões para Buenos Aires e Assunção com o objetivo de aproximar-se mais destes governos, porém malogra em seu intento. Na primeira, o enviado brasileiro só não perde por completo a viagem pelo fato de espionar os liberais refugiados naquela cidade e, na cidade paraguaia, inicialmente sequer é recebido por Francia e, quando o é, de nada resulta o encontro.

Os esforços portenhos não fazem com que Lecor abandone a província anexada, mas mesmo diante da permanência do general, não desistem da desocupação da mesma e, com tal intento, apóiam o plano de Lavalleja de atacar a Cisplatina e rechaçar os brasileiros desta localidade.

No entanto, o primeiro intento do oriental malogra, sendo ele rechaçado da margem esquerda do Prata por Frutuoso Rivera, que, quando Juan Manuel Rosas9 vai à Cisplatina visando uma nova insurreição, debanda para o lado dos portenhos, porém permanecendo no exército brasileiro até o novo ataque de Lavalleja, quando passa a agir ao lado dos insurretos. Ao mudar de lado, Carneiro (1946) afirma que Lecor coloca a cabeça de Rivera a prêmio, assim como a de Lavalleja, a 2.000 e 1.500 pesos respectivamente.

A nova investida tem como ponto de saída a Argentina, e de chegada o atual Uruguai, mais precisamente Agraciada, no dia 19 de abril de 1825, sendo o grupo hostil aos súbitos de D. Pedro I conhecido como Os Trinta e Três Orientais.10

Sobre a chegada e os objetivos do grupo em relação a Cisplatina, Carneiro (ibid, p.38) narra que “(…) às 11 horas da noite, realizavam o desembarque (…) Ao desfraldar a sua bandeira tricolor, com o lema ‘Libertad o muerte’, que os uruguaios empunhariam até 1829, revogando a de Artigas (…) o chefe dos orientais não deixava patente senão que os seus projetos eram de união com as Províncias Unidas (…) e não de independência da Banda Oriental”.

Esse grupo, segundo Lynch (1989), com a sua travessia, visa ativar o latente movimento emancipatório dentro da Cisplatina, tendo os Trinta e Três, com tal ação, o objetivo de anexar a então província brasileira com as Províncias Unidas, entretanto, com alguma espécie de autonomia. Os objetivos portenhos não são muito diferentes, querendo o território à esquerda do Prata para si. O autor ainda observa que o grupo liderado por Lavalleja era financiado por estancieiros da província de Buenos Aires.

Calógeras (1998, p.409), sobre os intentos dos insurgentes, afirma que, inspirado no projeto artiguista, “Lavalleja vinha com o velho programa de Artigas, que todos os pro-homens da província oriental partilhavam: a confederação dentro no quadro das Províncias Unidas”.

Entretanto, o autor frisa que há diferenças substanciais entre os dois projetos: o do caudilho que atuou na Banda Oriental na década de 1810 não aceitava a incorporação a Buenos Aires sem definir previamente um pacto para a união; já o grupo de Lavalleja decreta a reincorporação as Províncias Unidas de maneira incondicional.

Este novo ataque de Lavalleja tem melhor sorte que o primeiro: as tropas brasileiras ficam confinadas praticamente em Montevidéu e Sacramento e, a 25 de agosto de 1825, a assembléia reunida em Florida pelos insurgentes, proclamam “nulos todos los actos de incorporación y juramentos arrancados a los pueblos de la Provincia Oriental [e] quedaba libre e independiente del Rey de Portugal, del Emperador del Brasil y de qualquiera outro poder del universo”11.

É válido salientar que, segundo Carneiro (1946, p.40), os Trinta e Três, ao desembarcarem, não gozavam de crédito, ao contrário, “A ação dos patriotas uruguaios foi tomada como uma loucura ou como ingênua imprudência.”, entretanto, o autor ainda observa que o exército brasileiro estava comprometido por causa da rebelião de Pernambuco, o que acarreta em diversas derrotas.

O sucesso da investida leva a embates entre o cônsul brasileiro em Buenos Aires e o governador desta cidade, que nega a participação portenha na incursão à província Cisplatina e, ainda, ao ataque à representação brasileira na cidade. Tal fato é demonstrado por Carvalho (1998, p.58) no seguinte trecho: “Em Buenos Aires, era atacado o consulado brasileiro (29 de outubro) e o nosso representante transladava-se para Montevidéu. Já então a ofensiva uruguaia era apoiada por tropas argentinas, apesar de nota diplomática conciliadora e cordial (…)”

O ataque de 29 de outubro e a participação dos buenairenses neste curioso ato de hostilidade ao Brasil são detalhados por Calógeras (1998, p.416) da seguinte maneira: “(…) às dez e meia da noite, uma turba guiada por uma banda, de música, e aos gritos de ‘morram os portugueses, morra o Imperador do Brasil, morram os amigos do tirano, morra o Consul’, tinha atacado impunemente o consulado”. O autor ainda afirma que tal ato teve o revide de soldados da marinha brasileira, que desrespeitam, no Rio, a bandeira argentina.

A rivalidade para com os brasileiros não fica estrita a manifestações a porta do consulado em Buenos Aires. Soma-se a isso o fato de que a cidade serve de refúgio aos opositores brasileiros na Cisplatina, conforme relata Carneiro (1946) que, quando a polícia de Lecor descobre conspiradores contra o Império, muitos deles fogem é para tal núcleo urbano argentino.

Neste mesmo ano de 1825, segundo Golin (2002) as Províncias Unidas tentam trazer Simón Bolívar12 para o conflito do Rio da Prata, intimando o Brasil a desocupar a margem esquerda do rio e, caso não o fizesse por bem, teria que fazer à força. Uma vez tendo sucesso a empreitada, Bolívar e seus aliados marchariam até o Rio de Janeiro, deporiam D. Pedro I e proclamariam uma república.

Bolívar chega a cogitar a sua participação nessa união de forças contra o Império, porém, devido a problemas na região que libertou do domínio espanhol, opta por permanecer aí, tendo sido a sua participação no evento apenas diplomática, via o seu representante no Rio de Janeiro, que crítica o expansionismo brasileiro.

Não é só Simón Bolívar que os portenhos tentam trazer para o seu lado e contra o Império: Segundo Carvalho (1998), o ministro das relações exteriores do governo Rivadavia13 busca apoio nos Estados Unidos, a evocar a Doutrina Monroe e a vincular D. Pedro I a Portugal e, assim, sob esta ótica, o conflito teria a interferência européia, o que é rechaçado pela doutrina. Entretanto, o intento de Buenos Aires não é vitorioso, pois os Estados Unidos entendem o embate entre os dois países como americano e não europeu.

Mesmo diante destes fatos e das derrotas brasileiras nas batalhas do Rincón das Gallinas e do Sarandí – tendo à frente Frutuoso Rivera –, o Brasil não oficializa a guerra, a tratá-la como uma insurreição dentro da sua província localizada no Rio da Prata.

Lavalleja, segundo Carneiro (1946), querendo terminar logo com os embates, chega, inclusive, a propor a Lecor, após a vitória de Rivera em Rincón das Gallinas, a intervenção do veterano das guerras napoleônicas junto ao Imperador para que fossem retiradas do território oriental as tropas brasileiras, porém, o militar nega-se a tal.

Entretanto, em 4 de novembro de 1825, o Império recebe o comunicado de que as Províncias Unidas entendiam a Cisplatina como parte do seu território e, assim, o Rio de Janeiro declara guerra aos portenhos em 10 de dezembro de 1825. A resposta argentina é dada menos de um mês depois: É declarada guerra ao Brasil no primeiro dia de 1826.

4. A Guerra Cisplatina: 1825-1828

Lecor: o general comanda Montevidéu de 1817 até meados da década de 1820.

Lecor: o general comanda Montevidéu de 1817 até meados da década de 1820.

Apesar do Brasil ter declarado guerra aos argentinos em 1825 e, eles, aos brasileiros no primeiro dia do ano seguinte, ambos os envolvidos sabiam que estavam a adentrar em uma ação bélica já desgastados, devido aos seus processos de independência e, no caso das Províncias Unidas, soma-se o embate interno entre Unitários e Federais que trouxe-lhes grandes prejuízos.

O Império, neste conflito, objetiva manter a sua configuração, além de possuir um projeto político de não permitir a criação de grandes países no continente e, com a eventual perda da Cisplatina para as Províncias Unidas, esta, obviamente, teria o seu território ampliado.

Soma-se a tal questão a preocupação do controle do estuário do Rio da Prata, acesso muito mais eficaz ao oeste do Rio Grande, Santa Catarina, Paraná e sudoeste do Mato Grosso, do que o terrestre e, caso o Rio da Prata ficasse nas mãos das Províncias Unidas, o Império temia pela sua integridade nas áreas brasileiras citadas acima.14

No entanto, Calógeras (1998) taxa o conflito bélico pela manutenção da Cisplatina como uma preocupação dinástica de D. Pedro I e não como anseio dos brasileiros, sendo a guerra contrária aos desejos dos últimos, que precisam de estabilidade e paz para progredirem, além de boas relações com os seus vizinhos hispânicos para evitar contendas.

O conflito, desde o seu início, não é apoiado pela Inglaterra, havendo, inclusive, a sua intervenção para que ele não ocorresse ou fosse abreviado, no entanto, os ingleses não são bem sucedidos neste momento, conforme demonstra Lynch (1989, p.105): “(…)Gran Bretaña tenía una considerable influencia sobre los gobiernos de Río de Janeiro y de Buenos Aires, pero no había sido capaz de impedir la guerra y encontraba dificultades para restablecer la paz.”

Entretanto, isto não significa que a Inglaterra seja favorável a manutenção da Cisplatina sob o poder imperial, nem argentino, ao contrário, interessa-lhe a criação de um terceiro estado na região, conforme explicita Padoin (2001, p.62):

“Enquanto isso, ou por detrás desse panorama de rivalidades estava a atuação inglesa, preocupada com o crescimento e fortalecimento dos novos Estados que estavam se estruturando (…) especialmente do Brasil e da Argentina (…) Caso fosse consumada a vitória de um desses Estados, não só fortaleceria suas pretensões hegemônicas, como seria ‘o senhor’ no domínio do comércio para o mercado mundial, especialmente nessa importante Bacia do Prata. Assim, a Inglaterra (…) apoiou através de sua habilidade diplomática a independência da Banda Oriental/Cisplatina, mantendo seu tradicional espaço de influência”.

Ainda sobre a participação inglesa em tal advento, Carvalho (1998, p.58 e 59) afirma que “Canning [ministro inglês] era favorável à separação da Cisplatina. [Em 1826] deu-se a primeira intervenção britânica. Sugeria a cessão da Banda Oriental mediante indenização e declaração de independência de seu território. A recusa de D. Pedro o fez considerar como um inimigo da Inglaterra.”

A guerra, segundo Golin (2002), teve respaldo popular no Brasil, ao menos no seu início. Nas Províncias Unidas idem, pois quando Rivadavia cogita tirar o seu país do conflito, dando a hegemonia da área litigiosa aos brasileiros através de um tratado, a população de seu país veta a idéia.15

Porém, esse não é o posicionamento de Rivadavia no seu discurso ao assumir o poder, ao contrário, mostra-se favorável ao conflito bélico, que, por sua vez, não é uma unanimidade no país que guerreia com o Brasil.16

No Império, a unanimidade em torno dos seus também não ocorria: Lecor, que passa a ser taxado de incompetente devido às derrotas brasileiras, e o governador do Rio Grande, brigadeiro José Elpidio Gordilho Velloso de Barbuda, mostram publicamente as suas divergências em virtude do conflito.

Assim, dessa guerra, Lecor sai derrotado: em 12 de setembro de 182617 substituí-o a frente do exército imperial o tenente-general Filiberto Caldeira Brant Pontes, que, quatro meses mais tarde, recebe o título de marquês de Barbacena.

Padoin (2001) observa que não é só do lado brasileiro que figuras políticas saem derrotadas do conflito, como foi com Lecor. O embate, do lado argentino, leva ao enfraquecimento dos unitários, que estão no poder na figura de Rivadavia, e ao fortalecimento dos federalistas, agremiação a qual Rosas é ligado.

A repercussão negativa, no Brasil, é crescente, fato é que, D. Pedro I, dois meses após a substituição de Lecor, vai até a Cisplatina devido à impopularidade da guerra, e antecipa a sua volta para o Rio de Janeiro em virtude do falecimento de sua esposa, Dona Leopoldina18.

É válido observar que neste momento a guerra já é bastante questionada no Império, a contribuir no desgaste da imagem do Imperador, sendo tal associação feita por Bethell e Carvalho (2001), e observada por Ramos (2002, p.55) da seguinte maneira: “(…) este conflito e o seu resultado funcionou contra o imperador no espírito dos seus novos súbditos, ‘pois o povo não podia perceber nenhum sentido nessa guerra’. Além disso, ‘o recrutamento para a tropa foi enérgico e provocou constrangimentos e indignações sem conta’, recorda Francisco Iglesias.”

No entanto, o conflito platino não é o único fator desgastante da imagem de D. Pedro I, soma-se à guerra a questão da sucessão em Portugal, por causa do falecimento de D. João VI a 10 de março de 182619 e o temor por parte dos brasileiros da recolonização, já que o seu imperador torna-se o rei D. Pedro IV em Portugal e chegou, inclusive, a cogitar a união das duas coroas. A insatisfação dos seus súditos americanos é demonstrada, mais uma vez, em Ramos (ibid.):

“(…) no caso da herança portuguesa, ao saber-se rei, D. Pedro IV julgou (…) que era possível guardar as duas coroas. Tal facto violava a Constituição de 1824, não convinha nem apetecia aos brasileiros por parecer um acto de recolonização. De resto, o Conselho de Estado rejeitou (…) tal possibilidade. (…) D. Pedro (…) abdicou [o trono português] em D. Maria da Glória [porém] pareceu insatisfatória para os interesses do Brasil, pois logo se pensou (…) que os interesses de D. Pedro se iam dividir entre os problemas de Portugal e os do império.”

Assim, a imagem do primeiro Imperador do Brasil torna-se cada vez mais desgastada. A situação em Portugal não encerra-se com a carta de 1826 nem com a sua abdicação em favor da filha de apenas sete anos; na Cisplatina, a guerra continua com os seus problemas para os brasileiros: derrotas, convocações compulsórias, contratação de mercenários, enfim, a contenda estava a consumir as divisas imperiais, além de trazer problemas com a Inglaterra e França, no que será mostrado mais adiante.

A situação interna das Províncias Unidas também não era das mais tranqüilas à época do conflito. Lynch (1989) observa que a constituição centralista de 1826, promulgada por Rivadavia, gera conflitos com as províncias e com os federalistas, fazendo com que o líder portenho tenha a necessidade de retirar tropas do palco da guerra para pelejar no interior do seu território.

Sobre a repercussão do embate nos dois países em conflito, Padoin (2001, p.61) afirma que “Essa guerra provocou a instabilidade de Buenos Aires, com o enfraquecimento dos unitários no poder (…), além de no Brasil o Governo Imperial ser pressionado por críticas quanto aos gastos feitos em uma luta que servia para dar continuidade à política anterior da Coroa portuguesa”.

No Império, a manter a guerra e a buscar a solução do contingente insuficiente, o Imperador encontra como solução para tal problema a contratação de mercenários, na sua maioria, europeus pobres que visam vida melhor na América.

Entretanto, tal decisão, segundo Bethell e Carvalho (2001, p.705), não foi das mais acertadas por parte de D. Pedro I, ao contrário, “(…) foi desastrosa, pois, além de não evitar a derrota, gerou no Rio de Janeiro, em junho de 1828, o motim de vários milhares de mercenários irlandeses e alemães.” sitiando a cidade por dois dias.

Sobre o mecenato, Lemos (1996, p.115) afirma que “O grosso dos mercenários foram mesmo os alemães recrutados (…); colonos que, fugindo da hedionda miséria européia, sujeitavam-se ao serviço militar brasileiro, por algum tempo, como forma de pagar a viagem para cá, e cujo manifesto interesse eram campos e lavouras.”

O autor também afirma que tal premissa é válida para os soldados, não os oficiais, pois os últimos viriam para o Brasil pelo “estilo aventureiro” ou, ainda, veteranos das guerras napoleônicas que estavam desempregados e, na busca de empregos, pleiteavam a vinda para o Brasil.

Observa-se que a marinha brasileira também incluí-se como força onde seus quadros foram compostos por homens contratados para a Guerra Cisplatina, assim como os portenhos, conforme afirma Lemos (ibid, p.141), que após fazer tal afirmação descreve a marinha dos oponentes do Brasil da seguinte maneira: “(…) a esquadra buenairense era comandada pelo irlandês William Brown e guarnecida unicamente por europeus, auxiliados por alguns índios (…)” e, diante desse fato, o autor salienta o papel importante dos mercenários, em ambos os lados, na guerra pela Cisplatina.

A participação de ingleses em ambas as forças navais também pode ser constatado em Waddell (2001), que afirma que na busca de recompensas, muitos acabam por abandonar a marinha mercante do seu país de origem e, assim, ingressam na guerra, sendo os ingleses, segundo Bethell e Carvalho (2001), a maioria dos marinheiros de ambos os lados.

No que diz respeito às forças navais, o Brasil, maior marinha latino-americana à época, sofre várias derrotas no Prata pelo fato das suas embarcações serem inadequadas para o rio que as batalhas tinham palco.20 Porém, apesar dos fracassos, o Brasil chega a bloquear Buenos Aires, no que gera a insatisfação inglesa e francesa, que vêem os seus negócios na região prejudicados.

Principalmente para a Inglaterra, país cuja livre navegação do Prata era fundamental para o seu interesse comercial, o conflito entre os dois países americanos torna-se prejudicial, pois os dois maiores compradores dos seus produtos no novo mundo estavam mergulhados nessa contenda, além da dúvida de como seria solucionada a navegação do citado rio em circunstâncias beliculosas, daí a mediação inglesa desde o início do conflito.

Sobre o envolvimento britânico no conflito, e de como o mesmo prejudica-os, gerando o interesse pela paz, Lynch (1989, p.105) observa que:

“(…) Gran Bretaña tenía ‘motivos de interés propio al igual que benevolencia’ para buscar una fórmula de paz. La guerra estaba perjudicando el comercio británico en el Atlántico sur y los comerciantes sufrían graves pérdidas debido al bloqueo brasileño de Buenos Aires y al aumento de la piratería. Y políticamente Canning daba una curiosa importancia a la conservación de al menos una monarquía en las Américas, salvando a Brasil de si mismo y de sus vecinos republicanos.”

Soma-se ao citado acima, a preocupação britânica de que havia a possibilidade do Brasil ou das Províncias Unidas recorrerem a ajuda dos Estados Unidos e, uma vez recebendo o apoio norte-americano, este país teria vantagens comerciais em detrimento da Inglaterra.

Então, cada vez mais, com o passar e a indefinição da guerra, é conveniente aos ingleses, e também as duas partes beligerantes, o estabelecimento da paz e, assim, a diplomacia britânica, tanto no Rio de Janeiro, quanto em Buenos Aires, começa a trabalhar neste sentido. Pela parte do governo brasileiro, discute tal questão, conforme pode ser constado em Carvalho (1998), o Marquês de Queluz, que durante o período joanino foi o administrador português de Caiena.

Paralelamente ao empate entre os dois países sul americanos na guerra, Rivera, em 1828, conforme narra Lynch (1989), recruta forças guerrilheiras e, a avançar pelo rio Uruguai, conquista as missões brasileiras, tendo, assim, com que negociar junto ao Brasil. Tal invasão, segundo Carvalho (1998), também resulta no retardamento da assinatura de um acordo entre brasileiros e argentinos, pois diante da conquista do território dos inimigos, os segundos passam a postergar a solução definitiva do caso.

No que tange o ataque de Rivera ao Brasil, Padoin (2001, p.62) afirma que mais do que ter um instrumento de barganha para com o Império, conforme cita Lynch (1989), Rivera tem como propósito “(…)torna-las [as missões brasileiras] mais uma das Províncias Unidas, conforme o projeto artiguista”, além de que, com tal ataque, o governo brasileiro acaba por abrir mão do controle da Cisplatina.

Diante de tais fatos, o tratado de paz entre o Brasil e as Províncias Unidas do Rio da Prata, mediado pela Inglaterra, é assinado em 27 de agosto de 1828, quando ambos desistem das suas pretensões na região que outrora fora a Banda Oriental e que foi a província Cisplatina. Fica acordado o reconhecimento de um novo país na região litigiosa, a República Oriental do Uruguai.

Ainda sobre o acordo em que os dois países americanos reconhecem a independência da então província Cisplatina, é válido salientar que a Inglaterra recebe o aval de navegar livremente pelo estuário do Rio da Prata pelo período de quinze anos.21

Sobre o acordo celebrado entre as duas partes beligerantes, e a independência da província Cisplatina como Uruguai, destaca-se o seguinte trecho de Lynch (1989, p.105 e p.106): “El vehículo de la independencia [da Cisplatina] fue la mediación británica que se inició en 1826 y reforzó los esfuerzos de los patriotas. (…) Fue un reconocimiento de los hechos el que Brasil y las Provincias Unidas firmaran un tratado de paz (27 de agosto de 1828), declarando la independencia de la Provincia Oriental. En 1830 el Estado Oriental del Uruguay tuvo su primera constitución, que culminó y completó la lucha por la independencia.”

Entretanto, o autor observa que o novo país independente estava longe dos ideais de Artigas, esquecendo a reforma agrária, e havendo a exclusão do sufrágio de diversos setores da sociedade, que participaram inclusive da guerra pela cisão com o Brasil, como, por exemplo, peões, vaqueiros, trabalhadores assalariados, soldados rasos e gaúchos.

5. Conclusão

Bandeira dos 33 orientais: as cores vermelha, azul e branca já eram usadas desde os tempos de Artigas, não só na Província Oriental, mas, também, em outras partes do Prata.

Bandeira dos 33 orientais: as cores vermelha, azul e branca já eram usadas desde os tempos de Artigas, não só na Província Oriental, mas, também, em outras partes do Prata.

Assim sendo, a província Cisplatina torna-se parte integrante do Império Brasileiro menos por questões ideológicas do que pragmáticas, havendo por parte dos orientais o desejo da resolução da situação de penúria que estavam a enfrentar, pelo seu território ter sido palco de conflitos desde 1810.

Sobre o não aportuguesamento da região, Ferreira (2002) citando Felde, afirma que a ocupação luso-brasileira foi efetivamente militar, ignorando a possibilidade de realizar benefícios materiais e intelectuais na área ocupada.

No que tange a Guerra Cisplatina, ela pode ser entendida como um conflito entre duas nações em processo de formação, no caso, Brasil e Argentina, que a esta época estavam a definir o seu território nacional, tentando manter, na maioria das vezes, a hegemonia de cidades que foram a capital dos antigos domínios coloniais sobre o país independente, além da manutenção da configuração do território colonial: no caso brasileiro, o Rio de Janeiro luta para manter a sua supremacia sobre as demais províncias e, no argentino, Buenos Aires sobre o antigo Vice Reino do Rio da Prata,.

Pode-se dizer que neste aspecto a formatação do Brasil Imperial assemelha-se praticamente com a recebida de Portugal em 1822, tendo sido perdida apenas a Província Cisplatina. Já as Províncias Unidas não conseguem manter a configuração do Vice Reino em 1810, pois o domínio colonial platino dos espanhóis, hoje, forma o Paraguai, parte da Bolívia, Uruguai e Argentina, além de que a configuração do último esteve diversas vezes comprometida, havendo, ao longo do século XIX, vários momentos de cisão, como quando as suas províncias fecham com Artigas, abandonando Buenos Aires, ou quando a mesma, em meados do século, separa-se do resto do país.

Evidentemente, o Brasil do século XIX também passa por momentos em que a sua integridade esteve em jogo, seja durante o período de D. Pedro I, seja durante a regência, porém, o resultado final foi a integridade e a manutenção – exceto no caso da Cisplatina – das configurações herdadas em 1822.

Ressalta-se ainda que a Guerra contribuiu para o desgaste de figuras de ambos os lados, no Brasil, de Pedro I, que abdica em 1831 com a sua imagem comprometida, nas Províncias Unidas, dos unitários, que assiste a chegada ao poder do federalista Rosas, que permanece aí até 1852, governando ditatorialmente, entretanto, contribuindo enormemente para a formatação da atual Argentina.

O resultado da Guerra foi favorável aos britânicos, que vêem o seu projeto da criação de um estado “tampão” no Rio da Prata, favorecendo os seus interesses comerciais nesta parte do globo. Evidentemente, tal criação não era o desejo do Brasil e das Províncias Unidas ao início do conflito, entretanto, com o Uruguai, os brasileiros saem do Rio da Prata – conforme desejavam os argentinos e os ingleses – e as Províncias Unidas não estendiam o seu território a outra margem do rio – o que não anelavam os brasileiros e ingleses. Pode-se perceber na assinatura do trato entre os dois países beligerantes forte dose de pragmatismo, pois já não possuíam condições para pelejar e se não obtinham a configuração territorial ideal ao fim do conflito, ao menos não permitiam que o seu rival também a obtivesse.

Entretanto, os conflitos na região do Prata não terminam com a Guerra da Cisplatina, durante o século XIX vários são os embates travados entre os quatro países da região, Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, além da questão da demarcação de limites entre os países dessa região virem sempre a tona e a ocorrência da intervenção de um na política do outro, como, por exemplo, os partidos uruguaios colorados e blancos receberem, respectivamente, o apoio dos brasileiros e argentinos, e o apoio dado aos farroupilhas por facções uruguaias e por Rosas.

Finalizando, o conflito cisplatino dá-se no contexto da formação de dois países, Brasil e Argentina, sendo a primeira grande guerra das nações em formação, além de repercutir internamente de forma negativa para os seus governos.

6. Notas

1 – Para maiores detalhes, ver: FERREIRA, Fábio. A Presença Luso-Brasileira na Região do Rio da Prata: 1808 – 1822. In: Revista Tema Livre, ed.03. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

2 – GOLIN, Tau. A fronteira: governos e movimentos espontâneos na fixação dos limites do Brasil com o Uruguai e a Argentina. Porto Alegre: L&PM, 2002, p.328.

3 – Disponível em: http://www.ufpel.tche.br/fae/siteshospedados/A17TAMBARA.htm

4 – GOLIN, Tau. A fronteira: governos e movimentos espontâneos na fixação dos limites do Brasil com o Uruguai e a Argentina. Porto Alegre: L&PM, 2002, p.328.

5 – Frutuoso Rivera é natural de Montevidéu, tendo nascido nesta cidade em 1788. Luta ao lado de Artigas, depois do Brasil, que promove-o de coronel a brigadeiro, e a partir de 1825 contra o mesmo. É o primeiro governante do Uruguai independente, até 1834, funda o partido Colorado, teoricamente mais próximo ao Brasil, e retorna ao poder em 1838. Nos anos de 1840 luta contra Rosas e tenta mais uma vez voltar ao poder em seu país, no que fracassa, exilando-se na capital do Império. Em 1853 integra uma junta governativa do seu país, porém, no ano seguinte, falece. Vainfas (2002, p.303) define-o como exemplo da “(…) oscilação das identidades políticas e nacionais da Cisplatina, entre o Brasil e o Uruguai, bem como a constante inversão de papéis e alianças que marcaria muitas lideranças política dessa ex-província brasileira, espremida entre o Brasil e a Argentina.”

6 – Juan Antonio Lavalleja (1784-1853), considerado um dos 33 orientais, lutou ao lado de Artigas, no que culminou, por um curto tempo, na sua prisão por parte do novo governo que se instala na Banda Oriental, ficando preso durante três anos na ilha das Cobras, no Rio de Janeiro, e ganha a sua liberdade em 1821. Após os adventos de 1825-1828, disputa a presidência do seu país com Rivera, entretanto é derrotado e exila-se em Buenos Aires, de onde alia-se com Oribe contra aquele que derrotou-o no pleito. Na guerra civil que dura de 1843 à 1851 é aliado dos Blancos contra os Colorados. Chegaria ao poder via a junta designada para comandar o seu país em 1853, porém falece antes. CARNEIRO, David. História da Guerra Cisplatina. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1946 e Disponível em: http://www.bartleby.com/65/la/Lavallej.html e http://www.todo-argentina.net/biografias/Personajes/juan_antonio_lavalleja.htm

7 – GOLIN, Tau. A fronteira: governos e movimentos espontâneos na fixação dos limites do Brasil com o Uruguai e a Argentina. Porto Alegre: L&PM, 2002, p.332.

8 – Op. cit., p.100.

9 – Nascido em 1793 na província de Buenos Aires, chega a frente das Províncias Unidas em 1829, permanecendo aí até 1852. É válido observar que é um personagem controverso na historiografia argentina, na qual gerou construções dispares, como, por exemplo, a de Domingo Sarmiento, contemporâneo de Rosas, que em seu livro “Civilização e Barbárie” ojeriza-o; e a interpretação dada pelo revisionismo histórico, que resgata a figura de Rosas, em um intento de modificar a galeria de heróis nacionais. Vários dos autores do revisionismo defendiam Rosas, a atribuirem-lhe legitimidade popular; defensor da soberania nacional contra os interesses imperialistas franceses e ingleses; e a sua tirania era justificada pela sua contribuição a unidade nacional. Assim, esse personagem histórico fomentador de tantas construções dispares na historiografia de seu país, chegou ao poder sob a bandeira do federalismo, apoiou os farroupilhas contra o Império, e declarou guerra ao Brasil em 1851, termina a sua vida exilado em Londres depois que perde o poder na Argentina. Vem a falecer na capital inglesa em 1877.

10 – Segundo Carneiro (1946), dos 33 orientais, na verdade, 17 o eram. Onze eram argentinos, dois africanos, um paraguaio, outro francês e, ainda, um era brasileiro.

11 – CARVALHO, Carlos Delgado de. História diplomática do Brasil. Coleção Memória Brasileira, v. 13. Brasília: Edição fac-similar. Senado Federal, 1998, p.58.

12 – Simón Bolívar nasce em Caracas em 24 de julho de 1783. Estuda no exterior e, na sua formação, sofre influência de Rousseau e Napoleão Bonaparte. Ao retornar a sua cidade de origem, participa dos movimentos de emancipação da atual Venezuela, assim como dos atuais Panamá, Colômbia, Equador, Peru e Bolívia. Fica conhecido como “El Libertador”. Após ser presidente de diversos países que ele participa da independência da Espanha, Bolívar morre em 17 de dezembro de 1830, em uma fazendola perto de Santa Marta, Colômbia. Disponível em: http://www.its.utas.edu.au/users/creyes/simon_bolivars_home_page.htm e http://www.auburn.edu/~jfdrake/teachers/gould/bolivar.html e http://www.bolivarmo.com/history.htm

13 – Bernardino Rivadavia (Buenos Aires, 20/05/1780 – Cádiz, Espanha, 02/09/1845), ligado ao partido Unitário, ocupa a presidência das Províncias Unidas de 08/02/1826 à 07/07/1827. Disponível em: http://www.historiadelpais.com.ar/

14 – Disponível em: http://www.rio.rj.gov.br/multirio/historia/modulo02/cisplatina.html

15 – Disponível em: http://www.historiadelpais.com.ar

16 – GOLIN, Tau. A fronteira: governos e movimentos espontâneos na fixação dos limites do Brasil com o Uruguai e a Argentina. Porto Alegre: L&PM, 2002.

17 – Op. cit., p.126.

18 – A esposa de D. Pedro I falece em 8 de dezembro de 1826.

19 – Disponível em: http://www.arqnet.pt/dicionario/joao6.html

20 – Disponível em: http://www.geocities.com/ulysses_costa2000/oconflitonacisplatinap.html

21 – Disponível em: http://www.rio.rj.gov.br/multirio/historia/modulo02/cisplatina.html

7. Bibliografia e sítios consultados

BETHELL, Leslie. A independência do Brasil. In: BETHELL, Leslie (org.) História da América Latina: da Independência até 1870. v. III. São Paulo: EDUSP; Imprensa Oficial do Estado; Brasília: Fundação Alexandere de Gusmão, 2001.

BETHELL, Leslie; CARVALHO, José Murilo de. O Brasil da independência até metade do século XIX. In: BETHELL, Leslie (org.) História da América Latina: da Independência até 1870. v. III. São Paulo: EDUSP; Imprensa Oficial do Estado; Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2001.

CALÓGERAS, J. Pandiá. A política exterior do Império. Edição fac-similar. Brasília: Senado Federal, 1998.

CARVALHO, Carlos Delgado de. História diplomática do Brasil. Coleção Memória Brasileira, v. 13. Brasília: Edição fac-similar. Senado Federal, 1998.

CARNEIRO, David. História da Guerra Cisplatina. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1946.

DICIONÁRIO Histórico, corográfico, heráldico, biográfico, bibliográfico, numismático e artístico. v. III. Portugal: João Romano Torres, 1904-1915. Disponível em: http://www.arqnet.pt/dicionario.html

DUARTE. Paulo de Q. Lecor e a Cisplatina 1816-1828. v. 2. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1985.

FERREIRA, Fábio. A Presença Luso-Brasileira na Região do Rio da Prata: 1808 – 1822. In: Revista Tema Livre, ed.03. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

GOLDMAN, Noemi; SALVATORE, Ricardo (comp.). Caudillismos Rioplatenses: nuevas miradas a un viejo problema. Buenos Aires: Editorial Universitária de Buenos Aires, 1998.

GOLIN, Tau. A fronteira: governos e movimentos espontâneos na fixação dos limites do Brasil com o Uruguai e a Argentina. Porto Alegre: L&PM, 2002.

LEMOS, Juvêncio Saldanha. Os mercenários do imperador: a primeira corrente migratória alemã no Brasil (1824-1830). Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1996.

LIMA, Oliveira. D. João VI no Brasil. Rio de Janeiro: Topbooks, 1996.

LYNCH, John. Las Revoluciones Hispanoamericanas: 1808-1826. Barcelona: Editorial Ariel, 1989.

PADOIN, Maria Medianeira. Federalismo Gaúcho: fronteira platina, direito e revolução. Coleção brasiliana novos estudos, v. 3. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2001.

PROENÇA, Maria Cândida. A independência do Brasil. Lisboa: Colibri, 1999.

RAMOS, Luís António de Oliveira. D. Pedro imperador e rei: experiências de um príncipe (1798 – 1834). Lisboa: Inapa, 2002.

SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem ao Rio Grande do Sul. Brasília: Senado Federal, 2002.

SARAIVA, José Hermano. História de Portugal. Lisboa: Alfa, 1993.

SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Apêndice In: MAXWEL, Kenneth. Condicionalismos da independência do Brasil. In: SERRÃO, José; MARQUES, A.H. Oliveira (coord.). Nova História da Expansão Portuguesa, volume VIII. Lisboa: Estampa, 1986.

VAINFAS, Ronaldo. Dicionário do Brasil Imperial (1822 – 1889). Rio de Janeiro: Objetiva, 2002.

WADDELL, D.A.G. A política internacional e a independência da América Latina. In: BETHELL, Leslie (org.) História da América Latina: da Independência até 1870. v. III. São Paulo: EDUSP; Imprensa Oficial do Estado; Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2001.

– Para obter mais informações na Revista Tema Livre relacionadas ao primeiro quartel do século XIX, basta clicar nos ícones abaixo:
(Em ordem alfabética)

Entrevista com a prof. dra. Francisca Azevedo.

As incursões franco-espanholas ao território português: 1801-1810.

A Presença Luso-brasileira na Região do Rio da Prata: 1808-1822.

Moeda e Crédito no Brasil:
breves reflexões sobre o primeiro Banco do Brasil (1808-1829)

E, na seção fotos, a exposição virtual Imagens de Portugal: Palácio de Queluz.

A Presença Luso-Brasileira na Região do Rio da Prata: 1808-1822

Por Fábio Ferreira

 

1. Introdução 

D. João de Bragança

D. João de Bragança

O presente trabalho propõe abordar brevemente as pretensões luso-brasileiras na região do Rio da Prata à época joanina, porém, para compreender melhor as incursões do então príncipe regente D. João nessa região, é necessário um retorno ao período colonial, quando Portugal funda no Prata a Colônia do Sacramento.

Em virtude de tal necessidade, o próximo item do trabalho trata desde a fundação da já citada Colônia do Sacramento, até os primeiros anos do século XIX, passando pelos inúmeros conflitos sobre a posse da margem esquerda do Prata, ora em mãos lusitanas, ora castelhanas.

O terceiro item é dedicado a chegada da corte ao Rio de Janeiro, e as pretensões da esposa do príncipe regente, Dona Carlota, em estabelecer uma monarquia no Prata sob seu domínio.

No item seguinte, é a vez das incursões que Dom João realiza na Banda Oriental, atual Uruguai, que, em 1816, culmina com uma ocupação um pouco mais duradoura da Coroa portuguesa nessa região.

Ainda nesse item, é abordada as atividades do caudilho Artigas nessa área, além da anexação ao Brasil em 1821, que faz com que, mesmo após a independência brasileira face a Portugal, o que hoje é o Uruguai, tenha sido por alguns anos uma província brasileira.

Assim, nas linhas que se seguem, serão encontrados alguns pontos a respeito das pretensões luso-brasileiras na região do Prata, e, mais especificamente, no território uruguaio.

2. Fundação da Colônia do Sacramento e a Presença Portuguesa no Prata

Mapa da bacia do Prata com a divisão político-administrativa atual.

Mapa da bacia do Prata com a divisão político-administrativa atual.

O interesse luso na região do Rio da Prata pode ser constatado através de várias atitudes portuguesas, como, por exemplo, a fundação da Colônia do Sacramento na parte em frente a Buenos Aires no território que hoje é a República Oriental do Uruguai, em 1º de Janeiro de 16801.

Entretanto, a fundação da Colônia do Sacramento não é o único fato que evidencia os objetivos de Portugal nessa região. Outras atitudes da metrópole lusa demonstram o seu interesse na região platina, como, por exemplo, o ato da Santa Sé2 de, em 1671, colocar sob a jurisdição espiritual da Diocese do Rio de Janeiro essa região, e mais, essa mesma região ter sido concedida como sesmaria a membros da família Corrêa de Sá, no ano de 1676.

Sobre o local onde a Colônia foi fundada, pode-se dizer que, segundo Carvalho (1998), era mal escondido, o que dificultava a defesa da área; além de ficar a apenas oito léguas de Buenos Aires e, assim, o melhor local teria sido Maldonado para o empreendimento lusitano.

O objetivo de tal fundação, segundo o mesmo autor, era colocar um ponto português na região, e com isso, desagregar o domínio espanhol nessa parte da América, o que culminaria em territórios hispânicos sem ligação.

Outra razão que levou Portugal a fundar tal colônia no Rio da Prata foi de ordem econômica, já que havia relações comercias com Buenos Aires, sendo que tais relações forneciam “(…) ao Brasil, carente de prata, a obtenção mais ou menos abundante deste metal, através dos ‘peruleiros’ que desciam do Alto Peru, trocando sua cobiçada mercadoria pelo não menos desejado escravo negro de suma utilidade ao trabalho crescente das minas do altiplano.”3

Sobre a circulação da prata peruana na América Portuguesa, mais precisamente no Rio de Janeiro e as relações comercias com o Prata, Muller e Lima (1999) mostram que

“(…) os comerciantes sediados no Rio de Janeiro compravam as mercadorias portuguesas para depois revendê-las na América espanhola. Dessa forma, os reales de prata do Peru afluíam ao Rio de Janeiro (…)

A entrada de reales de prata no Rio de Janeiro deve-se também ao fato de que os navios que saiam do Prata (…) passaram a abastecer-se no Rio de Janeiro, onde compravam pau-brasil e mercadorias (…) necessárias para alimentar a tripulação durante a travessia do Atlântico.”

Tal contato não fica restrito ao Rio de Janeiro. Em outro trabalho4, Muller e Lima observam que “(…) no extremo sul, na área onde atualmente se localiza o estado do Rio Grande do Sul, circulavam indistintamente moedas brasileiras e dos países vizinhos.”, o que também evidencia a relação existente entre o Brasil e a região do Prata.

É igualmente válido ressaltar que o número de portugueses em Buenos Aires era grande, e que, durante a União Ibérica, o contrabando ocorria com a conivência castelhana. No entanto, a partir de 1640, com a separação de Portugal da Espanha, os súditos da monarquia lusa que viviam em Buenos Aires passaram a sofrer as duras leis fiscais impostas pelos espanhóis. Assim, a Câmara do Rio sugere a fundação de um estabelecimento luso na margem esquerda do Prata5.

No que diz respeito aos argumentos utilizados por Portugal para justificar a sua presença na região platina, um deles era terem sido os lusitanos os descobridores desse rio e, o outro, era o de que eles estavam a buscar os limites naturais da América portuguesa.6

Entretanto, tal discurso não impediu que o governador de Buenos Aires atacasse a Colônia do Sacramento que, já em Agosto de 1680, estava nas mãos dos espanhóis, tendo sido restituída a Portugal no início de 1683, e, em 1701, Felipe V, novo rei da Espanha, renunciou aos seus direitos sobre a já citada colônia.

Porém, devido às alianças feitas por Portugal na Europa, a Guerra de Sucessão espanhola tem seus reflexos na América: Entre 1701 e 1705, Buenos Aires ataca mais uma vez a Colônia do Sacramento, que fica nas mãos dos súditos de Castela até o Tratado de Utrecht, realizado em 1715 e, assim, Portugal volta a ter a posse da colônia.

Voltando a ser uma possessão lusa, o governador da Colônia do Sacramento começa a competir com o de Buenos Aires, ambos visando fundar novas povoações à esquerda do Prata. Nesse contexto, o representante da monarquia espanhola funda, em 1726, a atual capital do Uruguai, Montevidéu.

Pode-se interpretar essa fundação como prejudicial a Portugal, já que a criação de Montevidéu acarretou em dificuldades de comunicação entre a Colônia e o Rio de Janeiro, e, na criação pelos portenhos, da Banda Oriental.

Em 1735, mais um novo ataque de Buenos Aires à Colônia do Sacramento, tendo sido resistido por 23 meses pelos que ali estavam. Em 1737 há entendimento entre as duas potências, Portugal continua com a possessão que fora atacada por Buenos Aires, e, nesse mesmo ano é criada, como posto português no sul do atual Brasil, a Colônia do Rio Grande de São Pedro.7

Alguns anos depois, mais precisamente no dia 13 de Janeiro de 1750, devido às mudanças territoriais ocorridas desde o estabelecimento da linha de Tordesilhas, um novo acordo é celebrado entre Portugal e Espanha, o tratado de Madrid, que anula as decisões anteriores sobre os limites territoriais, e, assim, a Colônia do Sacramento é trocada pelos Sete Povos das Missões.

Entretanto, esse tratado batizado com o nome da capital espanhola gerou insatisfações, tanto em Pombal, ministro de D. José I, quanto em Carlos III, novo soberano espanhol, e então, em 1761, o tratado de Madrid é anulado pelo de El Pardo.

Vale observar que mesmo com a anulação de um tratado e a realização de um novo, esses atos não impediram novos ataques portenhos à Colônia do Sacramento: um devido à guerra dos sete anos, contabilizando a quarta investida contra essa região, sendo que de tal ataque nem mesmo o Rio Grande do Sul ficou livre; e um outro, após 1776, ano em que Portugal recuperou tais domínios, mas que não impediu nova investida espanhola – dessa vez com 13.000 homens – contra a Ilha de Santa Catarina, a Colônia do Sacramento, e o Rio Grande, tendo somente malogrado o intento castelhano de atacar o último.

A Ilha de Santa Catarina é devolvida a Portugal em 1777, pelo Tratado de San Ildefonso assinado pela herdeira de D. José I, D. Maria, porém, a Colônia do Sacramento, assim como os Sete Povos das Missões, ficaram sob o domínio espanhol.

Um novo tratado é realizado em Badajoz no ano de 1801, no entanto, sem invalidar o de San Ildefonso. Assim, nesse ano, Portugal recupera os Sete Povos das Missões e fixa-se definitivamente no arroio Chuí.

Tais conflitos e disputas não findam-se nesse momento, havendo ainda mais investidas luso-brasileiras no território do atual Uruguai, além das pretensões da esposa do príncipe regente português em constituir uma monarquia no Rio da Prata. Entretanto, entendendo a complexidade dessas questões, elas serão estudadas nos próximos itens do presente trabalho.

3. A Chegada da Família Real ao Rio de Janeiro e o Carlotismo

“Chegada da família real de Portugal em 7 de março de 1808″: Óleo sobre tela de Geoff Hount, que retratou, em 1822, a transmigração da Corte.

“Chegada da família real de Portugal em 7 de março de 1808″: óleo sobre tela de Geoff Hount, que retratou, em 1822, a transmigração da Corte.

Devido à invasão de Napoleão a Portugal8, a família real chega ao Rio de Janeiro no dia 8 de março de 18089 e, ao contrário do que alguns autores, ou até mesmos filmes e séries de tv, tentam atribuir ao fato ocorrido nos primeiros anos do século XIX como um ato de covardia de um monarca fraco e débil, Lima (1996) mostra o contrário.

O autor evidencia que o príncipe regente tendo vindo para a América, evitava as humilhações pelas quais passaram os seus parentes castelhanos; perdia o reino, mas ficava com as colônias, em sua totalidade muito mais ricas do que a metrópole; não perdeu seus direitos como soberano, e mantinha as suas pretensões e esperanças políticas, por exemplo; além de ser uma ameaça viva ao sistema napoleônico; e mais, a atitude de vir para a colônia não foi algo impensado, irrefletido, tendo sido já discutido por figuras como o padre António Vieira e o Marquês de Pombal.

Ainda sobre a vinda da família real para a América, vale extrair do texto de Lima (1996, p.43) o seguinte trecho: ” (…) é muito mais justo considerar a trasladação da corte para o Rio de Janeiro como uma inteligente e feliz manobra política do que como uma deserção covarde.”

Assim, por ter vindo para a América, o príncipe regente D. João10 pôde continuar a agir como um monarca, sendo através dos benefícios realizados na cidade do Rio de Janeiro – basta lembrar da Biblioteca Nacional e do Jardim Botânico – sendo através de atitudes como a anexação de Caiena em 180911 e as intervenções efetuadas na Banda Oriental.

À época da transferência da Corte portuguesa para o Brasil, a Região do Prata estava a ferver, o que fez com que D. João ansiasse reaver o território que já fora perdido quatro vezes pela Coroa portuguesa. Sobre tais desejos, Acevedo (1933, p.71) narra que “Procuró desde el primer momento la Corte portuguesa apoderarse del Río de la Plata.”

Em 1808, a esposa do príncipe regente português, Dona Carlota Joaquina12 demonstra os mesmos interesses que o seu marido no Prata, e procura legitimá-lo por ser filha de Carlos IV e irmã de Fernando VII, assim, a manifestar os seus desejos de governar em nome dos seus, que neste momento, na Europa, Napoleão mantinha-os em cativeiro.

Assim, segundo Lima (1996), Carlota, mesmo tendo perdido os seus direitos como infanta espanhola devido ao casamento, mantém intensa correspondência com pessoas influentes e autoridades de Buenos Aires, mas também, de Montevidéu, Chile, Peru e México, sempre a usar o pretexto de que estava a zelar os interesses de seus parentes.

Segundo Carvalho (1998), de início, D. João ficou de acordo com os planos de sua esposa em estabelecer uma monarquia no Rio da Prata que ficaria sob o domínio da espanhola, e que teria como herdeiros do trono os filhos do casal, e assim, mais tarde, formando no continente sul-americano um grande império luso-espanhol, além da ida de Carlota para o Prata ser uma maneira de D. João ver-se livre da esposa.

Lima (1996, p.191) também aborda como o príncipe regente encarou tal situação, que pode ser observado através dos seguintes fragmentos: “É fora de dúvida que Dom João VI esteve a começo de acordo com o projeto que teria dupla vantagem de livra-lo da presença nefasta da mulher, enxotando-a com todas as honras para Buenos Aires (…) e ao mesmo tempo estender com essa parceria distante a sua importância dinástica (…)” e “(…) Dom João VI [ao] favonear os desejos régios da consorte, satisfazia ambos os sentimentos em conflito íntimo: o prosaico, libertando-se da megera que o atormentava, e o idealista, realizando um velho sonho real português, o de reunir as descobertas debaixo do mesmo cetro.”

A Inglaterra, também em um primeiro momento13, coloca-se a favor das pretensões de Dona Carlota, pois via nos planos da princesa uma maneira de impor a hegemonia do comércio britânico no Prata, e, para alguns portenhos, tal idéia não era de todo mal, ao contrário, era um meio de obter a independência face a Espanha.

Sobre como os objetivos de Carlota Joaquina foram recebidos no Prata, Carvalho (1998, p.53) mostra que “No vice-reinado em revolução não era mal recebido o plano, pois Belgrano, Pueyrredon, Mariano Moreno e outros próceres acolhiam a idéia de obedecer a uma Infanta da casa de Espanha.”

Lima (1996) cita alguns dos motivos que levaram esses homens a apoiarem os planos da princesa: o desligamento do Prata da metrópole sem sacrifícios; o novo estado criar uma relação pessoal com o seu soberano, de forma diferente que fora na época da colônia; a preferência em seguir alguém ligado à casa que legitimamente, na opinião desses homens, tinha direito de reinar no Prata, e não serem governados por estrangeiros

Nesse período, o Rio de Janeiro foi palco da atuação de argentinos partidários da princesa que articulavam a favor dela, como Saturnino Rodríguez Peña, que escreveu a seguinte missiva a Carlota, onde fica claro o seu apoio, e o desejo da presença da esposa de D. João no Prata, conforme o trecho a seguir:

“Los Americanos en la forma más solemne que por ahora les es posible, se dirigen à S.A.R. la Señora Doña Carlota Joaquina, Princesa de Portugal e Infanta de España, y la suplican les dispense la mayor gracia, y prueba de su generosidad dignandose trasladarse al Río de la Plata, donde la aclamaran por su Regenta en los términos que sean compatibles con la dignidad de la una, y livertad de los otros.”14

Assim como o Rio assistiu a ação de partidários da princesa, Buenos Aires foi espectadora da atuação do agente secreto britânico James F. Burke, enviado pelo secretário de guerra Castlereagh, para proteger os interesses do comércio do Reino Unido na região platina, e, assim, esse agente vinculou-se ao grupo carlotista, como também aos membros do governo e seu circulo.15

Frente ao projeto carlotista não era clara a política do gabinete britânico: O almirante Sidney Smith16, chefe da esquadra inglesa, colocava-se ao lado da princesa, tendo inclusive preparado a sua frota para leva-la até Montevidéu; já Lord Strangford era opositor aos planos de Carlota, sendo que Londres fica ao lado do último, e Smith é substituído pelo almirante De Courcy.

Sobre tais eventos, Carvalho (1998, p.54) mostra que

“Apesar dos numerosos e influentess partidários de D. Carlota Joaquina, a execução do plano falhou por causa da oposição britânica, manifestada por Lord Strangford. À Grã-Bretanha convinha a libertação completa das colônias espanholas, porque o sistema de comércio adotado pela Espanha impunha um monopólio para a metrópole e isto constituía um obstáculo à política inglesa.”

O mesmo autor ainda explicita que à Inglaterra não era conveniente a expansão lusa na América, já que, assim poderia criar-se um “bloco latino forte e coeso” (Carvalho, 1998, p.54), o que poderia ter como resultado o comprometimento das vantagens que os britânicos tiravam de Portugal.

O posicionamento de D. João também muda em relação às pretensões de sua esposa. Segundo Carvalho (1998), o príncipe regente não confiava na princesa, que poderia vir a conspirar contra ele quando chegasse ao poder, pois ela já tramara contra ele antes, e, então, D. João, que inicialmente viu com bons olhos tais planos, muda de opinião à respeito de vê-la em um trono platino.

Vale também citar que, segundo Lima (1996) a persuasão de Lord Strangford, que seguia o posicionamento do gabinete inglês e as aspirações do comércio britânico; e as intrigas dos protegidos do príncipe regente contra Carlota, também influíram na decisão de D. João de retirar a permissão para a esposa embarcar para o rio da Prata.

4. As Ações Luso-Brasileiras na Banda Oriental: 1811 e 1816

Aquarela de Debret: “Embarquement des troupes a Prahia Grande pour I'Expedition contra Monte Video”.

Aquarela de Debret: “Embarquement des troupes a Prahia Grande pour I’Expedition contra Monte Video”.

Como foi mostrado anteriormente, as pretensões de Dona Carlota Joaquina na região platina malogram, e a independência de Buenos Aires ocorre em maio de 1810, criando-se assim as Províncias Unidas do Rio da Prata, que desejavam fazer um novo país que geograficamente se assemelhasse ao antigo Vice-Reinado17.

Para tal anseio, se fazia necessário atrair o Alto-Peru, atual Bolívia, e o Paraguai, além do que hoje é o Uruguai. Entretanto, o plano portenho de atrair os dois primeiros malogra, restando somente Montevidéu, ainda em mãos espanholas.

Em virtude da manutenção de tal poder europeu na Banda Oriental, Buenos Aires apoia os uruguaios partidários da independência desse país, entretanto, segundo Padoin (2001), os criollos de Montevidéu posicionaram-se contra a revolução de maio de 1810, pois competiam com os portenhos no comércio na bacia do Prata. Assim, os já citados criollos ficam ao lado do representante espanhol, Javier Elío.

Esses acontecimentos acarretaram diversas turbulências na Banda Oriental, tendo como conseqüência guerrilhas que chegaram, inclusive, a perturbar a fronteira com o Rio Grande.

Então, sobre tais incursões joaninas na região platina, a primeira delas foi realizada em 1811, com os pretextos de resolver essa já citada contenda, além de garantir esse território aos Bourbon, que, como já foi dito, era a casa cuja qual vinha D. Carlota Joaquina, esposa de D. João, e que nesse momento, devido ao fato da Espanha estar ocupada por Napoleão, essa família estava sem o trono espanhol, ocupado por um irmão do líder francês. Entretanto, no ano seguinte, após um armistício, Portugal retira-se da Banda Oriental.

Soma-se ainda a incursão de 1811 o fato de que, segundo Padoin (2001), as tropas de Buenos Aires e de Artigas18 cercaram Montevidéu, que recorreu à ajuda lusa, tendo o Rio de Janeiro enviado 4 mil soldados para apoiar tal cidade. A conseqüência de tal ato foi o recuo dos portenhos, que deixaram de apoiar Artigas e prometeram não mais pelejar com Elío.

Nos anos seguintes, seguem-se agitações nessa região que a pouco estava dominada por forças lusas, e as pretensões de Buenos Aires em anexar tal área continuam: Buenos Aires ocupa Montevidéu em junho de 181419 e, no ano seguinte, é a vez das forças artiguistas dominarem tal região.

Uma vez no poder, ainda segundo Padoin (2001), Artigas expropria terras e gados daqueles que foram seus inimigos, distribuindo-as àqueles que o apoiaram, na forma de pequenas propriedades. Os beneficiados foram, na sua maioria, gaúchos, escravos libertos, indígenas, enfim, pessoas que não gozavam de boas condições na sociedade de então, porém, eles deviam cultivar as terras que receberam e/ou recuperar o rebanho, senão o fizesse, havia o risco do bem converter-se a favor do Estado que estava a formar-se.

Com tal atitude, Artigas punia seus inimigos, visava recuperar a economia local, e assegurava efetivos para as lutas armadas. O caudilho também procurou recuperar o comércio dos portos de Montevidéu, Maldonado e Colônia; e também, controlar o contrabando.

Entretanto, as violações ao território brasileiro continuam, o que tem como conseqüência nova invasão lusitana à Banda Oriental, dessa vez em 1816, sendo que as hostes portuguesas que marcharam sobre esse território eram possuidoras de 12.000 homens20, considerados a elite do exército lusitano, veteranos das guerras napoleônicas, e mais, tal ocupação fora planejada detalhadamente, segundo Padoin (2001), desde 1815.

As atividades de Artigas nessa área serviram como justificativa para tal invasão, que foi interpretada pela corte portuguesa localizada no Rio de Janeiro – muito conveniente para si, já que as pretensões lusas na área já eram anteriores a esse momento – como se a região estivesse mergulhada em uma profunda crise política e social e, então, a ocupação significaria colocar ordem na “anarquia” que a região atravessava.

Vale observar que segundo Carvalho (1998) o argumento de proteger os direitos dos Bourbons nesse momento já não tinha mais razão, pois desde 1815 os parentes da Casa Real portuguesa voltaram a ocupar o trono de Espanha, e que, na verdade, havia preocupações por parte da monarquia sediada no Rio de Janeiro de ver o estuário do Rio da Prata tornar-se um bloco político espanhol.

Porém, em Carneiro (1946), pode-se ler que Artigas intentava construir um estado independente, cujo território seria o Uruguai, as províncias argentinas de Entre Rios, Corrientes e Missões, e a província brasileira do Rio Grande do Sul.

Então, são utilizadas como justificativa as pretensões de Artigas, a quem as tropas luso-brasileiras, lideradas pelo general Carlos Frederico Lecor (mais tarde visconde de Laguna)21, impõem várias derrotas, e assim, o militar chega a Montevidéu no dia 20 de janeiro de 1817: “O cabildo… saiu a recebe-lo solenemente e Lecor entrou na praça sob luzes e no meio de aclamações entusiastas tal era o estado a que Artigas e seus sequazes havia traído o espírito de seus compatriotas.” (BERRA, 1874, p. 73)22

Tendo tal fato ocorrido, é instalado um novo governo na Banda Oriental, que tem como chefe Lecor. Entretanto, segundo Carvalho (1998), as atividades de guerrilhas lideradas por Artigas continuam no interior da Banda, tendo o caudilho sido derrotado somente em 1822.

Sobre tais atividades guerrilheiras no interior e a ocupação de Montevidéu, destacam-se os seguintes trechos de Lima (1996, p.391 e p.392): “(…) Lecor estava senhor de Montevidéu, mas não da campanha, a qual continuava percorrida, dominada e assolada pelos rebeldes, só podendo os portugueses comunicar-se com o Brasil por mar.” e que o general estava em tal situação por “(…) apenas conta[r] [com] uma brigada acampada a alguma distância da cidade, e não era possível então, com a insurreição no norte [Pernambuco], enviar-lhe reforços, que por outro lado o velho reino só muito constrangido consentia em prestar.”

O já citado autor ainda explicita que tal postura do governo sediado no Rio de Janeiro devia-se ao alto custo das expedições, e que as finanças do reino não iam nada bem, sendo que os oficiais do exército não recebiam os seus soldos há oito meses, e os oficiais da esquadra, há onze.

Porém, mesmo Lecor tendo ocupado primeiramente Montevidéu e ter “sido senhor” – reproduzindo aqui as palavras de Oliveira Lima – desta cidade, a capital da Banda Oriental estava longe de ser um sítio aonde reinava a paz: havia ações de partidários de Artigas; agentes de Buenos Aires; e ainda, espanhóis, militares e civis, que visavam a restauração do antigo domínio da sua coroa.

Entretanto, em 1817, segundo o mesmo autor, tanto no Rio, quanto em Montevidéu, era sabido que Artigas não estava bem de saúde, daí entregando-se à bebida, que por sua vez tinha como resultado a piora do seu estado, e, paralelamente, sua popularidade caía, tanto que, já em meados de 1818, locais como a antiga Colônia do Sacramento, Maldonado, e o curso do rio Uruguai já estavam em mãos lusas.

À medida que a autoridade de Artigas ia sendo enfraquecida, a população local ia mostrando-se simpática a ocupação portuguesa que Lecor soube tirar proveito, dando armas à população e organizando-os em guerrilhas.

Rivera e Andresito, companheiros de Artigas, como pode ser constatado em Padoin (2001), foram derrotados. O primeiro, em 1819, deixa de apoiar Artigas, tornando-se Coronel do Exército português, e recebendo o título de Barão do Império do Brasil, enquanto que o segundo não é possuidor de tal sorte: é preso e levado para o Rio de Janeiro.

Ainda segundo a mesma autora, por volta de 1820, vários líderes artiguistas passaram a apoiar os portugueses, outros buscaram o exílio, enquanto que um terceiro grupo, caudilhos das províncias de Entre Rios e de Santa Fé, entraram em acordo com Buenos Aires, abandonando a causa de Artigas e a Banda Oriental.

Artigas, não aceitando os fatos reage, mas é derrotado pelo caudilho de Entre Rios, Ramirez, o que tem como conseqüência o seu exílio no Paraguai.

Alguns anos após a ocupação liderada por Lecor, o mesmo cria o governo da Província Cisplatina, que é incorporada ao Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve no ano de 1821. Sobre tal anexação, o uruguaio Felde (1919, p.87) escreve que

O Congresso reunido por Lecor, sancionando a anexação da Banda Oriental ao Império português é a expressão de uma fatalidade. O país já não tem vida própria; sem população, sem gado, sem agricultura, sem comércio, sem rendas, sem exércitos, a incorporação é um imperativo. (…) [O país] perdera todas as condições materiais de um país independente. Reconhecendo os fatos, e adotando uma atitude de sentido prático os deputados votam a incorporação

O autor uruguaio ainda evidencia que era necessário uma força para recolocar o país em ordem, já que ele estava mergulhado em uma crise, e que Buenos Aires nesse momento estava a debater-se anarquicamente entre ‘federales’ e ‘unitarios’, logo, era incapaz de oferecer essas garantias que a Banda Oriental necessitava.

Sobre a situação dessa nova parte do Império Português, Padoin (2001, p.58) observa que “A guerra afetara tanto a riqueza monetária das cidades, dificultando o comércio, quanto a zona rural com a escassez do gado vacum e cavalar.”

Com esta atitude do Congresso em relação à incorporação, segundo Felde (1919), é a chance de converter a Banda Oriental em uma parte integrante do Império, e assim, ela passava a ter a chance de desfrutar dos benefícios que o Império podia dar, gozando dos mesmos direitos que as outras províncias gozavam. Os habitantes orientais deixariam de ser rebeldes, para serem cidadãos do Império, podendo, inclusive, exercer funções no governo.

 

Bandeira da República Oriental do Uruguai.

Bandeira da República Oriental do Uruguai.

Felde (1919) ainda evidência que essa dominação lusa não teve nenhuma influência aportuguesadora no Uruguai, já que para tal é necessário escolas, professores, industria, artes, enfim, benefícios materiais e intelectuais, no entanto, a ocupação portuguesa fora estritamente militar.

Em 1822, com a Independência do Brasil, a antiga Banda Oriental é anexada ao novo país com o nome de Província Cisplatina, no entanto, tal comunhão não é duradoura: em 1828, tal província torna-se um país independente, a República Oriental do Uruguai.

5. Conclusão

Assim sendo, a região do atual Uruguai, por diversos momentos da história, foi parte do Império Português, e mais tarde, com a Independência do Brasil, uma província brasileira, sendo a única que conseguiu tornar-se um estado independente, pois outros intentos separatistas no Brasil malograram, como, por exemplo, o de Pernambuco, em 1817, ou, ainda, os que ocorreram durante as rebeliões regenciais.

Sobre a região do Prata, pode-se dizer que, segundo Padoin (2001, p.60), foi uma área “(…) que se caracterizou pela clara luta de poder entre Estados decadentes (Espanha e Portugal), Estados em ascensão (Inglaterra e França) e entre futuros Estados nacionais (Argentina, Brasil, Uruguai) e, dentro dessa moldura, pela disputa intra e entre elites locais e regionais, bem como alianças entre as mesmas.”

Vale ainda observar que, para a mesma autora, o Prata foi uma região de comunicação, seja através de idéias, riquezas materiais, e pessoas, fatos que contribuíram para, aí, formar uma sociedade semelhante, seja na parte brasileira, argentina ou uruguaia. Aí formou-se, até fins do século XIX, uma sociedade centrada na propriedade da terra e do gado, além das relações caudilhescas.

Também é valido ressaltar que, com o pequeno contato com a historiografia uruguaia, portuguesa e argentina, vários personagens, como, por exemplo, D. João, Dona Carlota Joaquina, e Artigas, são abordados de maneira diferente da brasileira. Pode-se notar que, Artigas, por exemplo, é realmente tratado como um herói nacional pela historiografia uruguaia, colocando-o sempre como o homem que visava obter a independência de sua terra face a Espanha, Argentina, Portugal e Brasil, e que, para essa mesma historiografia, a anexação luso-brasileira é sempre rechaçada, ou, no mínimo, vista com certa antipatia.

Para chegar a reflexões mais profundas sobre as intenções luso-brasileiras no Prata durante as primeiras décadas do século XIX é mister um estudo mais profundo do assunto, através do confronto sobre tal questão entre a historiografia uruguaia, argentina, brasileira e portuguesa, além de um estudo feito com uma série de documentos da época. Assim como para as pretensões de Carlota Joaquina de criar um reino para si na região do Prata, é igualmente necessário o conflito entre autores luso-brasileiros e espanhóis, portenhos e uruguaios.

6. Notas

1 – Disponível em: http://www.mre.gov.br/acs/diplomacia/portg/h_diplom/lc002.htm.

2 – Tal atitude da Santa Sé beneficia Portugal, sendo que na história portuguesa essa não é a primeira vez que a Igreja Católica toma atitudes a favor desse país. Basta lembrar à época da formação de Portugal, ainda na Idade Média, os conflitos entre os arcebispos de Braga (Portugal) e Toledo (Espanha), e que a restauração da metrópole de Braga estava ligada à independência portuguesa. Maiores detalhes ver FERREIRA, Fábio. O Condado Portucalense e as relações de poder no Portugal de D. Henrique: Séculos XI/XII. Revista Tema Livre, ed.01. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

3 – Disponível em: http://www.mre.gov.br/acs/diplomacia/portg/h_diplom/lc002.htm.

4 – MULLER, Elisa e LIMA, Fernando Carlos Cerqueira. Moeda e Crédito no Brasil: breves reflexões sobre o primeiro Banco do Brasil (1808-1829). Revista Tema Livre, ed. 01. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

5 – CARVALHO, Carlos Delgado de. História Diplomática do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1998, p. 53.

6 – Disponível em: http://www.mre.gov.br/acs/diplomacia/portg/h_diplom/lc002.htm.

7 – op. cit.

8 – A França invade Portugal por esse país não ter fechado os seus portos aos navios ingleses. Assim, Napoleão faz um tratado com a Espanha no dia 27 de outubro de 1807, em Fontainebleau, que dividia Portugal em três estados. Para por em pratica tal tratado, Napoleão manda tropas lideradas por Junot para invadir o reino, tendo os franceses chegado a Lisboa no dia 30 de Novembro, sendo que a família real tinha embarcado para o Brasil no dia anterior. Disponível em: http://www.arqnet.pt/dicionario/joao6.html.

9 – LIMA, Oliveira. D. João VI no Brasil. Rio de Janeiro: Topbooks, 1996, p. 65.

10 – O príncipe nasceu em 13 de maio de 1767, em Lisboa, e, em 1788, devido ao falecimento do seu irmão, D. José, é declarado herdeiro do trono. D. João, devido à doença de sua mãe, D. Maria, dirigia o reino desde 1º de fevereiro de 1792. Assume a regência oficialmente no dia 14 de julho de 1799, quando foram perdidas as esperanças de D. Maria restabelecer-se de sua doença. Sua mãe vem a falecer em 1816, mais precisamente no dia 16 de março, e assim, o príncipe D. João é aclamado e coroado no dia 6 de fevereiro 1818, tornando-se rei do Reino Unido, e ganha o título de D. João VI. Após passar alguns anos no Brasil devido a invasão de Napoleão a Portugal, volta ao seu país de origem, adentrando o Tejo no dia 3 de julho de 1821, e jura a Constituição no dia 1º de outubro de 1822. Sua esposa, aliada com o seu filho D. Miguel, realizam inúmeras tentativas de usurpar-lhe o trono, o que culmina com o exílio do filho – conselho dos embaixadores inglês e francês – e, em uma nova revolta, a prisão da esposa. Pelo decreto de 6 de Março de 1826, D. João VI nomeia uma Junta de Regência, presidida pela sua filha D. Isabel Maria. D. João VI, O Clemente, 27º rei de Portugal, falece em Lisboa, a 10 de Março de 1826. Disponível em: http://www.arqnet.pt/dicionario/joao6.html.

11 – Disponível em: http://www.mre.gov.br/acs/diplomacia/portg/h_diplom/lc003.htm.

12 – Filha primogênita do rei espanhol Carlos IV, nasceu em Aranjuez no dia 25 de abril de 1775, tendo se casado com o príncipe D. João em 8 de maio de 1785. É comum encontrar muitos autores definindo-a como alguém de temperamento forte, ambiciosa e violenta, além de atribuir a princesa planos para usurpar o governo do seu marido, já em 1805. A partir daí, Dom João e Dona Carlota passam a viver separadamente, ele em Mafra, ela em Queluz, sendo que tal distanciamento também ocorreu no Rio de Janeiro, com o príncipe vivendo em São Cristóvão, e a princesa em outras localidades, como Botafogo, por exemplo. Retornando a Portugal, em 1821, Carlota coloca-se a favor do absolutismo, e aliada com o seu filho, D. Miguel, inúmeras vezes tenta tirar D. João VI do poder. No dia 30 de Abril de 1824, D. Miguel obriga seu pai a abdicar, no que ficou conhecido como a Abrilada, entretanto, D. João VI acaba por mandar o filho dele com Carlota para o exílio. Mesmo sem o filho em Portugal, a princesa continua envolvida em conspirações contra o marido, o que tem como conseqüência, nesse mesmo ano de 1824, a prisão de Carlota Joaquina em Queluz, falecendo lá no dia 07 de janeiro de 1830. Disponíveis em: http://www.arqnet.pt/dicionario/carlotajoaquina.html e http://www.arqnet.pt/dicionario/joao6.html.

13 – Disponível em: http://www.argentina-rree.com/2/2-012.htm.

14 – Documento Nº 70, carta de Saturnino Rodríguez Peña, Río de Janeiro, 4 de octubre de 1808. Disponível em: http://www.argentina-rree.com/2/2-012.htm.

15 – Disponível em: http://www.argentina-rree.com/2/2-012.htm.

16 – O almirante inglês era um intimo amigo de Carlota e auxiliou a transladação da família real para o Brasil. Devido a este serviço, ganhou do príncipe regente pelo uma chácara perto da Armação, atual Ponta da Areia, em Niterói. (LIMA, Oliveira. D. João VI no Brasil. Rio de Janeiro: Topbooks, 1996, p.705).

17 – O Vice-Reinado do Prata foi constituído em 1º de Agosto de 1776. Uma das razões que levaram a Espanha a criar o Vice-Reinado foi defender esse território dos ataques luso. Traduzido do Espanhol e disponível em: http://comunidad.ciudad.com.ar/ciudadanos/candido/virreinato.htm.

18 – José Gervasio Artigas, nascido em Montevidéu em 1764, é considerado pelos uruguaios como um herói nacional, tendo – postumamente – estampado notas de pesos desse país, e também, tendo o seu nome sido dado a uma cidade e a uma província no noroeste do Uruguai, localizada entre o Brasil e a Argentina. Despertou admiradores e seguidores, como também detratores. Defendeu a autonomia do seu país contra os espanhóis, contra os interesses centralistas dos portenhos – sendo que em ambos os casos obtivera vitória – e também, defendeu-o contra a investida lusa, nesse caso, não tendo sucesso. Disponíveis em: http://www.clarin.com/diario/especiales/9julio/htm/biogra/artigas.htm e http://www.contenidos.com/historia/historia-latina/artigas/artigas.htm.

19 – PADOIN, Maria Medianeira. Federalismo Gaúcho: fronteira platina, direito e revolução. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2001, p.53.

20 – Disponível em http://www.ufpel.tche.br/fae/siteshospedados/A17TAMBARA.htm.

21 – LIMA, Oliveira. D. João VI no Brasil. Rio de Janeiro: Topbooks, 1996, p.374.

22 – Disponível em http://www.ufpel.tche.br/fae/siteshospedados/A17TAMBARA.htm.

7. Bibliografia e Sítios Consultados

ABREU, J. Capistrano de. Capítulos de História Colonial (1500-1800). Brasília: Senado Federal, 1998.

ACEVEDO, Eduardo. Anales Históricos Del Uruguay. Montevideo: Casa A. Barreiro y Ramos, 1933.

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Secuestros y tráfico de esclavos en la frontera uruguaya: Estudio de casos posteriores a 1850

 

Artigo de Eduardo R. Palermo
Docente, Historiador. Mestre em História pela UPF – Passo Fundo, RS

Director del Centro de documentación histórica del Río de la Plata-Rivera- Uruguay

 

 

"Anteayer fue conducido a la cárcel de esta villa un pardo brasilero de nombre Sergio, peón contratado al estilo del Imperio, es decir para pagar su libertad, del estanciero Fermiano Cardozo. A propósito del contrato de ese peón, se nos viene a la mente la idea de cuando desaparecerá de nuestros protocolos internacionales ese infamante tratado que nos obliga a devolver los esclavos al Brasil, sino también admitir esos contratos en que aquellos infelices se obligan servir un largo número de años bajo el falso nombre de peones por un mísero salario que deben dejar en manos del señor para amortizar la cantidad en que se ha convenido la manumisión".1

Esta nota aparece publicada en un periódico de la villa de San Fructuoso de Tacuarembó, a escasos 100 kilómetros de la frontera uruguayo – brasilera en octubre de 1880. Por si sola derriba las afirmaciones en cuanto a la inexistencia de esclavos en territorio oriental con posterioridad a 1852. El caso es que en las zonas rurales y en menor grado en las villas y poblaciones cercanas a la frontera el fenómeno de la utilización de mano de obra servil, trabajadores esclavizados, continuaba existiendo en contraposición a las leyes uruguayas y a las afirmaciones de sus gobernantes.

Esto requiere algunas explicaciones previas. Los territorios fronterizos con Brasil estaban poblados mayoritariamente por propietarios de ese origen, desde 1821 en forma masiva, dada la práctica de repartos de tierras realizadas por el General Carlos Federico Lecor y seguida por Fructuoso Rivera durante los primeros años de la década de 1830. Durante la Revolución Farroupilha (1835-1845) muchos estancieros se refugiaron en los campos fronterizos uruguayos, adquiriendo nuevas estancias, trasladándose con sus ganados y esclavos.

En el período 1843-1851 todo el territorio uruguayo, excepto Montevideo, quedo bajo la dominación del Gobierno del Cerrito encabezado por Manuel Oribe, su política de prohibir la exportación de ganado en pie al Brasil (1848), el combate al contrabando de haciendas y la declaración efectiva de la abolición de la esclavitud en 1846, promovieron la reacción de muchos hacendados riograndenses sintiéndose afectados en sus intereses económicos, reclamando ante el gobierno Imperial acciones concretas.

Paralelamente desde 1846 se activó desde territorio riograndense la fuga de cautivos dada su consideración de libres en territorio oriental, no obstante, la mayoría de los trabajadores esclavizados "fujões" eran incorporados al ejército de línea y luego de un período de actuación, en principio de 5 años, se los consideraba libres.

Probablemente esas situaciones promovieron la intervención imperial en el Plata, conjuntamente con sus planes estratégicos de controlar el crecimiento del poder de Juan Manuel de Rosas y evitar una eventual guerra en gran escala. Su participación definió la victoria del Partido Colorado asediado en Montevideo desde 1843 y la posterior derrota de Rosas a manos de su antiguo aliado Urquiza. El enfrentamiento uruguayo culmina con la firma de los Tratados de 1851, impulsados en Río de Janeiro por el representante oriental Andrés Lamas. Los cinco tratados: Límites, Comercio y navegación, Alianza, Prestación de socorros y Extradición, representaron la conjunción de los intereses del Imperio con el de los estancieros riograndenses que desde 1850 reclamaban por las medidas adoptadas por Oribe.

Estos tratados acabaron creando las condiciones legales para que los hacendados riograndenses continuasen utilizando la región al norte del Río Negro como invernada de ganados destinados a los saladeros de Bagé, Pelotas y Jaguarao. Las excelentes pasturas y los precios accesibles de las tierras sumados a las garantías legales ahora respaldadas por el gobierno Imperial constituyeron un fuerte argumento para el retorno masivo de hacendados riograndenses. Las estancias en sus manos sumaban más de 1600 leguas cuadradas, es decir 4 millones de hectáreas, con una población estimada en 1 millón de bovinos.

El propio Lamas, creador de este afrentoso conjunto de tratados se lamentará de su creación reiteradas veces,

"los criadores riograndenses monopolizando el terreno sobre las líneas fronterizas monopolizan el ganado para alimentar los saladeros de su provincia, no solo por el hecho de la ocupación de la tierra, sino por los gastos, embarazos y trasbordos que con violación de los tratados se ha agobiado a los productos de los saladeros orientales. A estos establecimientos los han herido de muerte, los han arruinado, los extinguirán del todo si el presente estado de cosas no se modifica sustancialmente. Una extensa zona del territorio oriental fronterizo está convertida, exclusivamente, en criadero de ganado, de materia prima, para alimentar los saladeros riograndenses".2

Los números reflejan con claridad estas opiniones, en 1850-51 se exportaron 619 mil arrobas de charque, en 1851-52, 256 mil, en 1852-53 disminuyó a 231 mil y al año siguiente cayó aún más, 212 mil arrobas. La creciente industria saladeril oriental que unos años antes había crecido he incorporado tecnología estaba quebrada, condenada a muerte. En 1854-55 las exportaciones bajaron a 126 mil arrobas.3

En contrasentido las existencias de ganado de cría introducido desde RGS por propietarios brasileños a Uruguay superaba el medio millón de cabezas. Para el mismo período analizado, la exportación de charque de Río Grande se mantuvo en cifras muy importantes: 1851-1 millón 900 mil arrobas, en 1852 – 1 millón 493 mil arrobas, en 1853 – 1 millón 755 mil arrobas, en 1854 – 1 millón 400 mil arrobas.4 En otras palabras en 1851, mientras Río Grande exportaba 22 mil toneladas de charque, el Uruguay exportaba 7200 toneladas, en 1854 Río Grande exportaba 16 mil toneladas y nuestro país apenas 2400 toneladas. Este fue el efecto inmediato y devastador del tratado comercial.

Como corolario se firmó el Tratado de Extradición, el cuál esencialmente apuntaba a la recuperación de los esclavos refugiados en territorio oriental, lo cuál constituía una clara ilegalidad. Esto permitío la continuidad del fenómeno esclavista desde Río Grande hacia la región Norte especialmente, siendo una extensión de la producción ganadera y de la cría de ganados la reproducción de esclavos para luego ser vendidos en territorio brasileño, especialmente en Pelotas.

El bajo valor de las tierras, estimulo a los aventureros a convertirse en el Uruguay, en terratenientes por poco dinero. En estas tierras casi desiertas, se instalaron los nuevos propietarios con sus familias y sus esclavos. Los brasileños emigrados continuaban considerándose súbditos del Imperio e ignorando la legislación uruguaya, trasladando una esclavitud apenas disfrazada. En 1857, "estimava-se que os riograndenses possuíssem cerca de 30% do território oriental. Em meados do séc. XIX, o Uruguai estava convertido num imenso campo de engorda de gado para a indústria de charque brasileira. Convertido em invernada dos estancieiros riograndenses que necessitavam cada vez de mais terras, tendo em vista sua exploração extensiva, a fronteira norte da República Oriental, transformara-se em um apêndice econômico do Império." A tal punto llegó la situación que el Senador de São Paulo, Silva Ferraz, afirmará em 1859: "ao passar para o outro lado do Jaguarão senhores, o traje, o idioma, os costumes, as moedas, pesos e medidas, tudo, até a terra é brasileiro".5

Un censo de los propietarios brasileros en la frontera ordenado en 1850 por el gobierno imperial reveló la dimensión de la situación: frontera del Chuy, 35 hacendados con 342 leguas cuadradas, 154 propietarios en Cerro Largo y Treinta y Tres, en el distrito de Cerros Blancos 87 estancieros con 331 leguas, en Arapey grande y chico, cuchilla de Haedo y Cuareim 281 propietarios.6 La lista general de propietarios brasileros en la frontera revela la existencia de 1181 propietarios que sumaba 3403 leguas de campo, es decir 8 millones y medio de hectáreas pobladas que alimentaban los saladeros fronterizos. "En la hora actual, el Brasil, después de continuados y pacientes esfuerzos domina con sus súbditos, que son propietarios del suelo, casi todo el Norte de la República: en toda esa zona hasta el idioma nacional se ha perdido ya, puesto que es el portugués el que se habla con más generalidad." José Pedro Varela.7

El análisis de los datos estadísticos de 1880 en los departamentos de la frontera, Salto (incluye Artigas), Tacuarembó (incluye Rivera) y Cerro Largo (incluye Treinta y Tres) permiten afirmar que los propietarios extranjeros superan en número y valor de capitales a los nacionales. Dentro de ese sector los brasileños son los más numerosos con valores muy cercanos a los 26 millones de pesos. Adicionalmente en estos departamentos ocurre una alta concentración de los capitales norteños, ya que esa cifra representa el 70,15 % del total de los capitales brasileros en el país en ese año.

La frontera Norte, abrasilerada y comprometida por sinnúmeros de problemas entre los cuáles se destacan: la extranjerización de la tierra, el contrabando, la persistencia de formas semi serviles y aún serviles de trabajo, un alto índice de delincuencia y la permanente fricción entre las autoridades a resultas de los permanentes reclamos de los hacendados brasileros, dueños de la tierra, a lo que debemos sumar las profundas vinculaciones y alianzas políticas entre caudillos y partidos a ambos lados de la frontera, representaba uno de los principales obstáculos para crear la "unidad nacional" o más bien para consolidar el poder centralista del grupo agro exportador montevideano.

Este problema no puede ser situado en exclusiva en los propietarios brasileros, sino en la falta de poder real del Estado Oriental para hacer valer sus leyes y prerrogativas en su propio territorio.

LA PERMANENCIA DE FORMAS ESCLAVISTA

Andrés Lamas, promotor intelectual de los Tratados de 1851, en nota a Silva Paranhos, en Río de Janeiro, afirmaba en 1856 que los hacendados traen esclavos a territorio Oriental bajo contratos que a veces se extienden por 30 años, con ello convierten al esclavizado en colono y cuando conviene lo llevan al otro lado de la frontera, haciéndose costumbre que se los bautizara allí para que nazcan esclavos.

"Varios brasileros de los que ocupan la mejor parte del territorio oriental fronterizo han introducido notable número de personas de color para el servicio y manejo de sus establecimientos. Estas desgraciadas personas de color entran en la calidad ostensible de personas libres, ligadas al servicio del introductor por contratos de locación de servicios….En el momento en que por cualquier circunstancia le conviene al poseedor de la persona de color, le hace trasponer la frontera y transpuesta cae el mentiroso y audaz disfraz con que se ha burlado las leyes de la República y la desamparada víctima vuelve a asumir su pública condición de esclavos. Las infelices personas de color que se introducen en la República, a la sombra de fraudulentos contratos…no solo son tratados como esclavos…sino que sufren allí, en aquel territorio en que nadie puede ser esclavo, la última y peor desgracia de la esclavitud, la de que la madre se vea arrebatar el fruto de sus entrañas para que la marca del cautiverio destruya en el la condición de hombre…los hijos de las personas de color introducidas…son traídos al Río Grande y allí bautizados como nacidos de vientre esclavo. Muchas veces ni aun traídas son las míseras criaturas, las sustituyen por otras en las pilas bautismales o no las sustituyen siquiera y obtienen una falsa fé de bautismo.De esta manera en algunos establecimientos del Estado Oriental no solo existe de hecho la esclavitud sino que al lado del criadero de vacas se establece un pequeño criadero de esclavos".8

En las estancias ubicadas en los departamentos fronterizos, particularmente en Cerro Largo y en Tacuarembó donde predominaba el brasileño, la mano de obra podía considerarse esclava. Podía catalogarse de esclavitud encubierta bajo el genérico y amplio nombre de "contratos de trabajo" de 15 a 30 años de plazo.9

El cronista de un diario montevideano (1852) en viaje por los departamentos de la frontera comenta: "Entre varias cosas que han llamado mi atención me he fijado con especialidad en la desventaja en que se encuentran nuestros compatriotas dedicados a la cría de ganado, respecto de los hacendados Brasileros en la República. Mientras que uno de nuestros estancieros se ve obligado a pagar 10 o 12 pesos mensuales por el salario de un peón, los Brasileros tienen ese peón por el insignificante de 5 pesos; pues que traen sus negros contratados desde el Brasil, donde aprovechándose del ascendiente de amos, obligan a los infelices esclavos a celebrar un contrato en que carecen absolutamente de libertad".10

En los archivos de la curia en Tacuarembó ubicamos partidas de bautismo de 7 cautivos adultos procedentes de África, realizadas en 1850 y en agosto de 1852.11

La presencia de esclavizados aún figura en los bautismos de Tacuarembó en años posteriores y suponemos se extiende en el tiempo aunque la denominación de esclavo se sustituye por "moreno africano" o "negro", en 1866 encontramos el bautismo de Casimira, no dice que sus padres sean esclavizados, pero en el margen del acta el cura asentó, "Casimira, la esclava de Bálsamo".12

En el caso de la parroquia de San Eugenio del Cuareim (Artigas), predominan los bautismos y matrimonios de indígenas, prácticamente la palabra esclavo no se utiliza, en general se los denomina "negros", "morenos" o "africanos", luego "mulatos" o "pardos".

Interesa destacar que en 1860 se registra el matrimonio de José, 60 años, natural de la costa de África con Rita, afrodescendiente brasileña de 50 años, "ambos esclavos de Feliciano da Costa". Al margen el cura dispuso además "negros pobres". Este es uno de los pocos casos en que figura la palabra esclavo, los curas evidentemente no hacían uso de este término habida cuenta que legalmente desde 1846 no existía más la esclavitud, no obstante, cada tanto la fuerza de la costumbre permitía que emergiera la realidad.

Esa realidad social de la frontera contaba con el reconocimiento del parlamento, en la sesión del 26 de marzo de 1860, el diputado Vázquez Sagastume declaraba ilegales los contratos celebrados en el Brasil entre patrones y peones, sosteniendo: "informes que debo juzgar como muy exactos han hecho llenar a mi conocimiento, y es casi del dominio público, que la ciudadanía oriental se está extinguiendo en el Norte del Río Negro; que contra lo expreso de la Constitución de la República y lo establecido por la liberalidad de nuestras Leyes, la esclavatura es un hecho en algunas partes: que la mayor parte de los estableci-mientos de campo situados al Norte del Río Negro están servidos por brasileros; unos como esclavos, y otros esclavos con el nombre de peones, que vienen del Brasil por contratos que hacen registrar en alguna Oficina Pública. En esa localidad tan importante de la República, puede decirse que ya no hay Estado Oriental: los usos, costumbres, el idioma, el modo de ser, todo es brasilero: puede decirse, como continuación del Río Grande del Sud".13

En 1872 el Jefe Político de Tacuarembó recuerda a los comisarios de las diversas seccionales que "se prohíbe la entrega de esclavos fugados del Brasil" razón para creer que está era una práctica que se continuaba en el tiempo, y luego aconseja: "para evitar la costumbre inmoral de llevar negros libres de este Estado a esclavizarlos en el Brasil, se ordena a los comisarios de frontera apersonarse a los transeúntes que vayan acompañados de tales negros a fin de averiguar si lo hacen de libre y espontánea voluntad"14

Ese mismo año (1872) el Maestro director de la Escuela de varones de Rivera y secretario de la Junta Económica y Administrativa solicitaba por escrito al Jefe Político local la devolución de una cautiva fugada de Livramento ya que su amo era el Teniente Dinarte Correa un influyente militar, esto para evitar molestias y mantener las normas de buena convivencia entre las dos poblaciones. La esclava fue devuelta a su amo en la línea divisoria acompañada por un guardia civil.15

El diario El Siglo de Montevideo manifiesta en octubre de 1877, que en Tacuarembó fue comprada la libertad de esclavizados fugitivos del Brasil que desde hacia algún tiempo permanecían detenidos por la justicia a solicitud de su propietario, Desiderio Antúnez Maciel, estos eran Adán Martínez y Pedro Piriz. Cabe decir que Desiderio tenía sus campos en la zona de Vichadero, departamento de Rivera y él y varios familiares fueron denunciados por tener criaderos de cautivos en sus estancias.16

LOS CONTRATOS DE PEONAJE (1850-1860)

Resulta interesante profundizar aspectos de lo que estamos relatando con el análisis de los contratos de peonaje correspondientes al departamento de Cerro Largo. Estos contratos estipulados por ley son sin dudas una prolongación disfrazada de la esclavitud. No tenemos por que dudar de la voluntad positiva del legislador, pero queda claro que la frontera tiene sus propias normas de funcionamiento y las autoridades locales rara vez verificaron la información disponible y no se sorprendieron ante algunos contratos claramente vergonzosos como el de niños menores de 4 años por ejemplo.

Este documento se compone de 183 contratos realizados entre 1850 y 1860, 65 % de estos se concentran entre 1853 y 1856, la edad promedio es 25 años, los extremos etáreos son 66 años y 2 años, existe una marcada masculinización de los contratos, solo el 28 % son mujeres, su edad promedio es de 22 años, 25 % de los contratos femeninos figuran sin edad pero podemos inferir por los montos de los mismos que su edad es la del promedio o menor, el valor promedio es de $ 697.17

A los efectos de hacer inteligible el análisis del documento, hemos agrupado los datos siguiendo el criterio de establecer una escala de edades (de 1 a 9 años, de 10 a 17, de 18 a 24, de 25 a 29 y de 30 a 49 años), la duración promedio de los contratos y el monto estipulado de los mismos, con lo cuál lo resumimos en los siguientes aspectos:

– La mayoría de los contratos son de individuos en plenitud de su fuerza laboral (18 a 49 años) que representan el 64,5 % del total, mientras que púberes y adolescentes representan el 13 %. Un 18 % de los contratos figuran sin edad, pero podemos inferir que son individuos mayores de 18 años de acuerdo a los montos que se fijan.

– El promedio general de duración de los contratos fue de 17 años, el valor promedio de los mismos fue de 687 patacones, pero debemos señalar que estos promedios varían según los sectores etáreos:

De los 32 contratos sin determinar edad, los datos que se desprenden son: duración promedio de los contratos – 17 años y monto promedio 668 patacones. Entre los contratados figuran niños de 2, 3, 4 y 6 años, con plazos de 20 a 22 años de extensión, valorados en 1000 patacones, en cuanto a la finalización de los mismos los casos extremos se sitúan entre 1895 y 1900. En cuanto a los sexos, 29,5 % son mujeres, marcando así un claro predominio del sexo masculino.

Lamentablemente aún no sabemos si estos contratos fueron cumplidos en su totalidad, parece poco probable que la validez de los mismos se sustentara ante la justicia y pensamos se hayan extinguido con el cambio de residencia o la muerte del contratante.

A modo de ejemplo transcribimos uno de los contratos, correspondiente a un propietario riograndense con campos en Vichadero, actual departamento de Rivera: "Bagé 25 de Noviembre de 1852: Digo eu João Borges, que entre os meus bens que possuo livres desempedidos ha bem assim hum escravo crioulo de nome Jose, de idade de vinte annos, profissão campeiro com o qual tenho contratado darlhe sua liberdade como esta o face para que delha gose desde ja como se livre nasceu, este faso pela quantia de quinhentos patacões em prata en que foi judicialmente avaliado, ficando o mesmo obrigado a satisfaserme esta quantia de 500 patacões no prazo de dez annos a contar de hoje em servisos pessoais por ele prestados como peão de fazenda que posuo no Estado Oriental do Uruguai em lugar denominado Vigiadeiro a razão de cinqüenta patacões annuais, obrigandome a darlhe vestiario e comida a minha conta. E pelo mencionado crioulo Jose foi dito que aseitava a liberdade que lhe foi conferida com as condições assinadas e que também se obriga a não abandonar o serviço que seu Patrão em quanto não ouver satisfeito pela forma que fica declarada a importância por que foi liberto, e que no caso de abandono de serviço se seguira huma multa de cem patacões alem da constituição imediata da quantia correspondente ao tempo que faltar para o completo do prazo estipulado. Para firmeza e segurança de todo empedido de pessoa o presente em duplicata para serem entregues a cada hum dos interessados que abaixo assignao, a saber arrogo do crioulo Jose por não saber escrever o faz Francisco Jose Ferrerira Camlay na presença das duas testemunhas abaixo firmadas. Villa de Bage, 24 de novembro de 1852."18

De la lectura de este contrato se desprende que la relación entre el plazo y el monto del mismo es abusivo, 50 patacones por año, vale decir $ 4,16 por mes, casi un tercio del salario de un peón libre, o el equivalente a una vaca por mes. En 1859 el departamento de Tacuarembó registraba más de un millón de cabezas bovinas y en comparación, los salarios que se pagaban a los peones camperos en el Uruguay oscilaban entre 10 y 12 pesos mensuales.19

Estos contratos de peonaje fueron discutidos y condenados en el parlamento uruguayo por representar una forma encubierta de esclavitud. El presidente Bernardo Berro, denunció la cláusula del tratado de Comercio y prohibió la celebración de contratos de trabajo por más de 6 años. El 11 de noviembre de 1861, el Ministro de Gobierno Enrique de Arrascaeta envió a los jefes políticos de los departamentos fronterizos una orden por la cual: "No procederá V. S. a registrar contrato alguno por servicio personal con colonos de color introducidos del Brasil, sin serle antes presentada por el colono la carta de libertad que justifique su condición de hombre libre. Los peones deberán ser traídos a la presencia de V. S. y les hará saber que en la República no hay esclavos, y que ellos como los demás habitantes son completamente libres sin otra obligación para con su patrón que las que se imponen por el contrato. Los contratos entre los patrones y los peones de color no podrán exceder del plazo de 6 años".20

El proyecto de ley fue tratado en Comisión de Legislación y sufrió modificaciones, aunque finalmente no fue aprobado. Es interesante notar que ante la constatación de las denuncias de esclavitud disfrazada y de pérdida de soberanía en la zona de frontera, "al Norte del Río Negro, puede decirse que no hay Estado Oriental, los usos, las costumbres, el idioma, el modo de ser, todo es brasilero" decía Vázquez Sagastume, las modificaciones propuestas fueron reducir el plazo de los contratos a 10 años y "2ª) Que el salario por el servicio personal a que se refieran no sea menor de ocho pesos mensuales"21. Observamos que esta modificación representa un aumento del 100 % en el salario de los contratos de peonaje para el caso citado anteriormente.

Parece claro que la vigencia de los derechos personales asegurados por la ley de abolición de 1846, que involucraba a toda persona sometida a esclavitud en territorio nacional, no era tomada en cuenta por los legisladores. El problema radicaba en la frontera y el Estado Oriental carecía de una política de fronteras, pero además las vinculaciones políticas entre Estado Imperial y fuerzas políticas orientales triunfantes en la Guerra Grande (Divisa Colorada) operaban como justificativa en algunos sectores para no afectar los intereses de los propietarios brasileros.

El presidente Berro en 1862, en el marco de la desbrasilerización de la frontera, decreta la nulidad de los contratos de peonaje, limita a 6 años los existentes y prohíbe en lo sucesivo admitir nuevos contratos. Junto a la denuncia del Tratado de Comercio de 1851 este aspecto terminó provocando la airada protesta de los hacendados fronterizos y promovió la reacción armada del General Venancio Flores (Colorado) quien aprovecha los resentimientos de los hacendados para derrocar al gobierno.

Los sucesos políticos de 1863-1865 y las vinculaciones del gobierno uruguayo de Flores con los países vecinos en la guerra del Paraguay y subsecuentes procesos revolucionarios internos hicieron que las medidas anteriores tuvieran una aplicación incierta, especialmente en la región de frontera donde el tema estaba más difundido. El triunfo de Flores en la guerra civil determinó la anulación de las medidas de Berro y un retorno al status quo anterior en relación a estos temas.

Adicionalmente es importante remarcar que a partir de los Tratados de 1851 la Justicia oriental se enfrentó a un problema de difícil resolución, decidir en que casos los esclavos huídos de Brasil y reclamados por sus amos o por la Cancillería Imperial podría ser devueltos. Si bien este tema no es el central de nuestra exposición, del estudio de dichos expedientes hemos obtenidos datos valiosos sobre las complejas relaciones políticas tanto en la frontera como a nivel de los poderes políticos. La documentación es muy numerosa y sumada a la vinculada a los robos y secuestros nos permiten tener una visión de conjunto de la situación vivida entre 1852 y 1880 en los territorios fronterizos.

SECUESTROS Y TRAFICO SUBREGIONAL

En julio de 1854 el representante diplomático oriental en Río de Janeiro, Andrés Lamas, dirige una nota de reclamo al gobierno Imperial por el secuestro de 9 personas negras en Tacuarembó, el hecho ocurrió: "en la noche del 14 de abril ppdo., una gavilla compuesta de once hombres capitaneados por el brasilero Fermiano José de Mello asaltó diversas casas en las inmediaciones de aquella villa y arrebató de ellas a varias personas de color con el objeto presumido de reducirlas a esclavitud en el territorio brasilero para donde las condujo".22

Esa "gavilla" compuesta de 11 hombres entre quienes se reconoció además a "Emilio, hijo de la viuda Brígida que vive sobre la costa del Tacuarembó chico (por lo tanto vecino del pueblo) y a un indio a quien nombran Yuca Tatú", secuestró a: Antonio Tavares, negro libre desde 1836, "propietario de una chacra, donde vivía y desde donde fue secuestrado, intentó resistir el ataque y fue herido en la cabeza con un golpe de sable", Manuel, negro libre desde 1845, Juana, negra libre desde 1845, los negros Antonio y José, el negro Evaristo Borrego que servia en la infantería de Tacuarembó, dos negras de nombre Juana y Laureana, Antonio Piñeiro y su mujer María los cuales fueron liberados por su avanzada edad 70 y 60 años respectivamente. La denuncia del secuestro fue registrada ante el Delegado de Policía de Bagé hacia donde se habría dirigido el grupo.

Hemos estudiado al menos 30 expedientes completos, que representan el 50 % de las denuncias y de las cuáles han permanecido registros, ya que en muchos casos el expediente sustanciado no existe en los archivos consultados sino solamente la carátula del mismo, lo que nos permite pensar que la cifra podría elevarse sustancialmente. De este estudio que complementamos con datos provenientes de otras fuentes documentales podemos inducir que el secuestro de ciudadanos orientales, afrodescendientes libres y de esclavos huidos del territorio de Brasil fue una práctica constante en la frontera oriental complementada con otras estrategias también denunciadas como el bautismo en ciudades riograndenses de niños nacidos en territorio oriental, hijos de esclavos en su mayoría, para mantener así su condición de tal.

En noviembre 1854 Lamas denuncia a un hacendado fronterizo y al cura de Santa Ana do Livramento por "haber sido raptadas 5 criaturas nacidas de vientre libre en el Estado Oriental y bautizadas como esclavas" en dicha villa el 4 de agosto de 1854. El Capitán Chagas, brasilero, propietario de estancias y esclavos de este lado de la frontera, hizo que el padre Joaquín Ferreira los bautizara en su casa y luego se trasladaron a Livramento donde se realizó el registro correspondiente en el libro parroquial, con lo cuál pasaron a condición de esclavos. El Presidente de la Provincia de RGS, condena el acto y reconoce: "proceder com todo o rigor da Lei, não só contra aqueles indivíduos que fossem ao Estado Oriental raptar gente de cor, para os introduzir nesta Província como escravos, mas também contra os que roubassem crianças de ventre livre para nas freguesias da fronteira os batizarem como cativos e bem assim contra os padres que ministrassem esse sacramento".23 24

Estas situaciones ocurren especialmente a partir de 1852, concomitantes con el fin del tráfico esclavista transatlántico y que acarreará una fuerte demanda de mano de obra servil y el consecuente tráfico ilegal, tanto para los saladeros fronterizos en Río Grande del Sur como para el desarrollo de la cafeicultura en Río de Janeiro y San Pablo.

Maestri25 indica con respecto a la dotación de esclavos de Pelotas durante la Revolución Farroupilha, que la misma cayó a poco menos de 31 mil hacia 1846, una disminución de 9 mil esclavos que sin dudas afectó el potencial productivo de la zona. Culminada la guerra se realizan compras masivas a tal punto que en 1858 el número de "cativos" alcanza los 72 mil, buena parte de los mismos adquiridos en el marco del tráfico ilegal. "Nos anos 1845-52 enquanto se extenguia a escravidao no Uruguay, o contrabando de cativos de criadores sulinos e uruguayos, desde os departamentos setentrionais daquele pais, para o Rio Grande do Sul contribui certamente para a a elevaçao da populaçao cativa sul riograndense".

Este número elevado de esclavizados permitió la singularidad de que esta Provincia "tornou-se, possivelmente, importante exportador de cativos". Este autor sostiene que si después de 1850, Rio Grande do Sul, exportó esclavos y paralelamente se mantuvo el crecimiento de dicha población hasta 1880, "restaria a única hipótese de a expansão pelo crescimento natural…acrecida…pelo contrabando de cativos afro-uruguaios, ou homens livres uruguaios de origem africana".

Efectivamente muchas de las denuncias permiten comprobar las afirmaciones de Maestri a la vez que rastrear los caminos del tráfico subregional y el destino de los infelices secuestrados que culminan en Río de Janeiro o en lugares más lejanos.

En agosto de 1866 solicita el apoyo de la Legación Oriental en Río, el afrodescendiente Matías Correa, declarando que "fue esclavo del brasilero Juan Correa y trabajaba en la estancia de la costa de San Luis propiedad de dicho Correa y hoy de sus herederos. Quedó libre después de 1842, y aunque trabajo como peón en la dicha estancia algún tiempo mas, vino después como libre que era a trabajar por su cuenta en la villa de Rocha. En esa villa se casó con Donata Barrios, liberta…Vivía en un rancho… De allí fue tomado con otro compañero llamado Juan Correa por los años de 1856 o 1857… y a pesar de sus reclamaciones y de las suplicas… los condujeron a la frontera del Chuy y de alli al Río Grande donde los entregaron a Manuel Correa, hijo de su antiguo amo, quien lo recibió y los trato como esclavos. Como esclavos el dicho Correa los mando vender a Río de Janeiro, donde sin embargo de haber declarado siempre que era libre fue vendido como esclavo y ha vivido y se encuentra en esclavitud."26

En la medida que las denuncias alcanzaban un grado importante de detalles los traficantes con el auxilio de las autoridades políticas y policiales locales obtenían documentos, reputados como falsos por la representación diplomática oriental, con la cual trasladaban "su mercancía" a otras regiones. Tal es el caso de "la negra Gregoria, oriental, libre, de 14 años, vendida como esclava en Río Grande y de allí enviada a Río de Janeiro con el nombre de María Tomasa". Según la denuncia "el 17 de setiembre de 1857 a las 2 y media de la mañana Gregoria fue secuestrada de su casa por el capitán Joaquin Jose Mollina, llevada a Jaguarão y de allí a Rio Grande donde la vendió como su esclava" y se la remitió a Río de Janeiro con el nombre de Maria Tomasa. Se solicita su captura allí, ocurrido esto, la justicia ordena que sea devuelta a su amo por ser esclava y su propietario exhibir los documentos correspondientes. El gobierno Brasilero responde que a instancia de la información que poseen, Maria Tomasa no es oriental y es esclava.27 28

El gobierno Imperial no podía ser omiso ante el número elevado de denuncias que le hacia llegar la cancillería, no obstante las demoras en las respuestas, finalmente se terminaba reconociendo la existencia de tales hechos delictivos.

"Estatística relativa ao decennio de 1ero de Janeiro de 1857 ao ultimo de Dezembro de 1866 das pessoas livres que foram arrebatadas do Estado Oriental e reduzidas a injusto cautiverio no território desta Província".
Sigue la lista de personas:
 
    Nombres Naturalidade Residencia
Leonor, preta e seus filhos María e Honorato Estado Oriental Alegrete
 Adao, preto  Estado Oriental  Pelotas
 Francisca, preta e seus tres filhos  Estado Oriental  Pelotas
 Liborio, pardo  Estado Oriental  Pelotas
 Valerio, pardo  Estado Oriental  Pelotas
 Faustino Rodríguez, pardo  Estado Oriental  Pelotas
 Francisco, pardo  Estado Oriental  Pelotas
 Jose Maria, preto  Estado Oriental  Pelotas
 Hilario, pardo  Estado Oriental  Conceiçao do Arroio
 Claudina, parda  Estado Oriental  Bage
 Rosaura, preta e seus tres filhos  Estado Oriental  Bage
 Reina Rodríguez e seu filho Pancho  Estado Oriental  Sao Leopoldo29

 

Varios documentos como el antes citado se repiten en años posteriores y van confirmando la existencia de una persistente acción de secuestros y ventas ilegales de personas, los números en los registros son de algunas decenas, pero ello permite suponer que se elevaría a cientos los casos totales, ya que solamente aquellos denunciados o reconocidos por las autoridades diplomáticas o provinciales llegaron hasta nosotros.

Las denuncias también nos permites reconstruir la secuencia de los "negocios de tráfico con carne humana". El caso del afrodescendiente Juan Vicente es indicativo de este procedimiento. Nacido en Cerro Largo de vientre libre, sirvió como soldado en el ejercito oriental al mando del capitán Zoilo Gutierrez, hallándose como policía en Mansavillagra fue capturado por una partida del ejercito brasilero que evacuaba el territorio nacional en 1852 y conducido por el capitán Oroño a una casa situada a 5 leguas de Jaguarao. En esta casa lo tuvieron con grillos algunos meses obligándolo por medio de frecuentes castigos a aprender portugués, lo que nunca lograron completamente por que lo resistió .Después lo llevaron a Pelotas donde no pudieron venderlo por que era notoriamente oriental, de allí lo trasladaron a Río Grande donde obtuvieron un pasaporte de esclavo con el cual lo trasladaron a Río de Janeiro y lo pusieron a la venta en la Rua da Quitanda. En esa circunstancia y junto a otros cautivos allí depositados la policía realizo un allanamiento y se exigió que presentaran los pasaportes, lo cual no quiso cumplir el dueño de Juan Vicente y lo escondió en el almacén de tabacos de la Rua de San Pedro, vuelto luego al lugar la venta se demoró por que para sacarlo de Río debía pasar por la inspección policial. Finalmente fue vendido a Joao José Riveiro Silva quien lo llevó a su chacra no Caminho Velho do Botafogo, de donde se fugo para refugiarse en la Legación Oriental. El procedimiento de secuestro y su legalización como esclavizado lo cumplió haciendo el circuito Jaguarão, Pelotas, Río Grande y Río de Janeiro.30

Este trayecto se repite muchas veces en las denuncias, del territorio oriental a Bagé, Alegrete, Jaguarão, Camaqua y otras poblaciones para luego ser trasladados en algún momento a Pelotas donde eran negociados.

La cancillería denuncia el secuestro, en la noche del 20 de abril de 1858 de una afrodescendiente oriental, Emilia de 20 a 30 años con sus dos hijos menores siendo trasladados al Jaguarão. Allí el principal responsable de estos crímenes es un anciano de nombre Terra que la vendió como esclavizada por 600 patacones. Este tráfico era común y reconocido públicamente en Jaguarão. Denunciado el hecho ante la policía de aquel lugar Emilia desapareció enseguida, siendo vendida en Pelotas y de allí trasladada a Río Grande y luego a Río de Janeiro "este nuevo crimen de los traficantes de carne humana y esta nueva tolerancia con que las autoridades alientan este odioso tráfico en la Provincia de Río Grande del Sur….es intolerable por las autoridades de la República Oriental"31

El Cónsul oriental en Pelotas denuncia la esclavización de Petrona, afro-oriental libre y su hijo por Federico de Freitas. Días después de la denuncia, la misma y su hijo desaparecen. "Petrona fue llevada a la ciudad de RG en el vapor Especulación, allí fue depositada ocultamente en el almacén de Fco. Manuel Barboza, …de allí fue sacada de noche y embarcada en el patacho Cyro, que la llevó a bordo de bergantín Ligeiro que estaba a salir para este puerto de Río de Janeiro y en el que quedó embarcada clandestinamente". Denunciada esta situación ante el jefe de policía de Río Grande este ordena el rescate de Petrona y su hijo. Pero el jefe de policía de Pelotas, Alejandro Viera da Cunha en vez de detener al traficante cuando se realiza la denuncia, le expidió un pasaporte para embarcarla como esclava hacia Río de Janeiro "que esta siendo el lugar en que se obtiene mayor provecho y seguridad para el fruto maldito de esos nefandos crímenes. Ved ahí un ejemplo nuevo del espíritu, por regla general inspira a las autoridades locales en las reclamaciones sobre personas de color".32

Petrona finalmente será embarcada a Río de Janeiro, pues el documento expedido en Pelotas por el Jefe de Policía la hace figurar con otro nombre. Este será un recurso frecuente para legalizar los secuestros.

El apoyo de las autoridades brasileras era explícito y con pretendidos fundamentos legales, así ocurrió en el caso de Joaquín, quien solicita protección del vicecónsul oriental allí aduciendo que es oriental y libre, para lo cual presentó 3 testigos. El subdelegado de Pelotas desconoció este procedimiento basado en el artículo 75, numeral 2 del código de proceso criminal que dice "no se admite denuncia del esclavo contra su señor".33

En algunos casos las propias autoridades estaban involucradas en la compra – venta de los secuestrados. Son varios los casos donde los secuestradores y negociantes son autoridades policiales o militares. Tal es el caso denunciado el 13 de enero de 1857 fue asaltada la casa de Justo Costa en el arroyo Monzón por dos brasileros secuestraron a José Rodríguez empleado de Costa y se lo llevaron amarrado, en el camino asaltaron otra casa y se llevaron otro negro a la frontera del Jaguarão. El segundo secuestrado fue entregado en dicho lugar a Luis de Farías Santos quien le pago 12 onzas de oro. José Rodríguez fue vendido a Jerónimo Viera Costa, delegado de policía de Jaguarão. "Este Sr. Delegado de policía, que a lo que parece negocia con carne humana, lo vendió a la ciudad de Río Grande consignado al comerciante portugués Joao Agostinho da Silva, el cual lo embarcó hacia Río de Janeiro." En Jaguarão existe 1 hombre llamado Manoca Diogo, "que estaba tomando a comisión el robo de negros en el Estado oriental mediante porcentaje". Con fecha 19 de mayo de 1857 se le contesta a Lamas que fueron citados los negociantes de esclavos Cordeiro, Baptista, Antonio da Rocha e Souza y Tinoco Medeiros con quienes no pudo aclararse nada sobre el esclavo vendido ya que no se poseían señas ni ficha de esa persona. Lamas responde que Viera da Costa lo compro el 17 de enero de 1858 en Jaguarao, lo embarco el 18 en el vapor especulación para Río Grande y días después fue enviado a Río de Janeiro.34

Los detalles de cómo se realizaron los negocios revelan que los mismos era llevados adelante sin mayores discreciones, en verdad se trataba de una comercialización legal en territorio brasileño. Para la cancillería oriental y los viceconsulados no era tarea simple llevar adelante las denuncias, en muchos casos las mismas carecen de señas particulares de los afectados, pero en compensación hay lujos de detalles sobre la forma y características del transporte y venta de los afrodescendientes. Estos detalles permitieron que algunas de las denuncias no pudieran ser dejadas de lado y fueron efectivamente reconocidas como secuestros reales y comercio ilegal.

La existencia legal de los contratos de trabajo en territorio oriental, más allá de las condenaciones políticas, dificultaba los reclamos sobre el tráfico de esclavos. Aún en 1866, Lamas afirmaba: "los hombres de color introducidos en territorio oriental para el servicio de los establecimientos que posee los brasileros en este territorio son considerados esclavos en RGS, aún en los casos en que fueron introducidos por medio de contratos registrados en los vice consulados de la republica y que en consecuencia, desde que los dichos hombres de color vuelven a ser traídos a la provincia de RGS, lo que se verifica sin dificultad, vuelven a su anterior condición de esclavos y siendo tratados como tal se venden, se compran e incluyen como cosa en los inventarios y particiones de herencias".35

Especialmente en los departamentos fronterizos las relaciones políticas y el poder económico de los hacendados riograndeses hacían que las autoridades locales no adoptaran las medidas ajustadas a la legislación vigente. Por otra parte la realidad social de la época marcaba una clara diferencia entre los aspectos jurídicos y la aplicación de las órdenes emanadas desde el Gobierno nacional, órdenes que muchas veces demostraban una ambigüedad tal que ambientaba la interpretación más o menos libre de las leyes por los poderes locales. Tal es el caso del Jefe Político de Cerro Largo en 1853, quién constata que: "existen en algunas estancias de Brasileros porción de esclavos introducidos furtivamente, en el territorio de la República que en virtud del tenor espreso de la circular espedida por orden del Gobierno Imperial publicada por la presidencia del Rio Grande fecha 7 de Agosto de 1852 y comunicada a esta Jefatura en 15 de Octubre del mismo por el ministerio de V.E deben quedar manumitido dichos esclavos según el espíritu de nuestras leyes y la prevención espresa del Gobierno Imperial a sus súbditos. Considero de mi deber dar este paso y llevar a efecto la manumisión de estos siervos pero reflexionando sobre el estado de nuestra política con el Imperio por la suspensión de el deslinde del territorio, y deseoso de no crear embarazo al Gobierno pido una resolución que me sirva de regla en este caso".36

La respuesta del Ministerio de Gobierno establece, "Contéstese con la instrucción acordada". Cuál era dicha instrucción, "respecto de los contratos con que son introducidos al territorio de la República, las gentes de color en calidad de peones de Brasileros; ha resuelto se diga a V.E. que en aquellos contratos, la única intervención que debe tener la autoridad, es asegurarse de la libre voluntad de los contratantes, sin entrar a avalorar la conveniencia que forma siempre la materia de los contratos entre personas libres"37

Lo acordado era en definitiva respetar los contratos realizados en Brasil entre patrones y esclavizados, respetándolos en la medida que se debe reconocer el acto voluntario entre hombres libres. Realmente la respuesta es paradojal ya que considera al esclavo como hombre libre por la firma de un contrato que llevaba por tal una cruz o el dedo pulgar del infeliz. ¿Qué otra opción restaba al esclavo que aceptar lo que se imponía?

Los compromisos asumidos por el Estado a partir del Tratado de Extradición impusieron una situación de difícil explicación, por un lado se reclaman las personas secuestradas, se pide considere el gobierno brasileño libres a todos los esclavos introducidos a territorio oriental por medio de contratos de trabajo, se acusa que dichos contratos son una forma de esclavitud disfrazada pero no se derogan los mismos, salvo en el gobierno de Berro, adoptando una postura de respeto a los tratados internacionales que se transforma en temor y connivencia con el gobierno imperial.

En 1874 en Memorando elevado al gobierno imperial con motivo de rectificar el Tratado de extradición de 1851 Carlos María Ramírez dice: "no pueden sostenerse más las cláusulas relativas a la extradición de esclavos ya que las mismas está fuera de todo principio de derecho internacional. Las naciones que recibieron del pasado la pesada herencia esclavista no pueden imponerla a aquellos países que no tienen este problema" – "no puede reconocerse como delito la fuga del esclavo, es ocioso demostrar que el delito legal del esclavo fugitivo no se encuentra en esas indeclinables condiciones, ¿se justifica entonces la extradición de esclavos como observación de los deberes generales de buena vecindad?, esa es una de las razones que más pesaron en la celebración de las estipulaciones vigentes".38

Afirmaciones esas que la vida cotidiana de las ciudades de frontera se encargaban de transformar, tal como citáramos anteriormente con el caso de la joven cautiva refugiada en Rivera y que a instancias del Maestro de la escuela fuese devuelta a su propietario para mantener las relaciones cordiales entre ambas ciudades.

En un territorio donde la frontera seca es extensa y los cursos de agua fronterizos no son un impedimento mayor para su paso, el tránsito de la mano de obra en general, la servil en particular, los ganados y bienes, fue intenso a partir de la segunda década del siglo 19.

Particularmente después de 1851, con los Tratados firmados, se hizo muy difícil controlar el contrabando, robos y secuestros donde estaban involucrados hacendados y autoridades de ambos lados de la línea divisoria. Paralelamente esta frontera estaba sometida a constantes desmanes por parte de las tropas de línea brasileras y los salteadores que reiteradamente usaban inteligentemente la frontera para refugiarse luego de sus delitos.

El libre tránsito y la escasa consolidación de los poderes nacionales del Estado, a uno y otro lado, hizo de estos territorios el escenario propicio para que los jefes militares y políticos, erigidos en caudillos rurales, omnipotentes por la posesión de las armas, detentaran el poder y lo utilizaran a su real saber y entender.

Las ventajas comparativas de la utilización de mano de obra esclava en las haciendas fronterizas donde obtener trabajadores asalariados era difícil y caro, empezó a declinar en la medida que el Estado nacional comenzó su proceso de centralización y concentración del poder entorno a la burguesía montevideana y con la dictadura militar desde la mitad de la década de 1870 hasta finales del siglo 19. El código rural, el alambramiento de los campos, la policía rural armada con Remington y la cárcel para los que no pudieran demostrar que tenían trabajo fijo, presionó fuertemente para establecer mano de obra asalariada.

El cercamiento de los campos promovió la expulsión de los ocupantes de la tierra sin título y de los pequeños propietarios que se transformaron en asalariados rurales en competencia por acceder a un empleo, esto determinó en parte la baja de los salarios altos de otrora y la pérdida de las ventajas comparativas del esclavo. Este proceso en la frontera fue lento y no implicó la desaparición de los contratos de peonajes en forma inmediata, pero promovió el trabajo asalariado.

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Notas

1 – El Norte – 10/10/1880 – Tacuarembó, Biblioteca Nacional. (BN). Montevideo.

2 – Barrán, José y Nahum, Benjamín. Historia rural del Uruguay moderno. Montevideo, Banda Oriental, 1967, p.51 – V.1.

3 – Barrán – Nahum. Historia rural del Uruguay moderno. Ob.cit. p.20.

4 – Una arroba equivale aproximadamente a 11 quilos 500 gramos.

5 – Bleil, S., Pereira Prado,F. "Brasileiros na fronteira uruguaia: economia e política no século XIX". En: Simposio Fronteras en el espacio platino. 2das.jornadas de Historia económica. Montevideo, Udelar, 1999. Edición en Cd.

6 – Da Costa Franco, Sergio. Gentes e coisas da fronteira sul. Ensayos históricos. Porto Alegre. Sulina. 2001.

7 – Varela, José Pedro. La Legislación escolar. 2da. Edición. Montevideo, Imp. El Siglo Ilustrado, 1910, p.137.

8 – AGN. Ex. AGA. Relaciones Exteriores. Caja 102.Carpeta 124 A. pp.1 a 5.

9 – Barrán – Nahum. Historia rural del Uruguay moderno. Ob.cit. p.36.

10 – Diario La Constitución, 29 de diciembre de 1852. Nº 146. Biblioteca Nacional.

11 – Archivo parroquial de Tacuarembó. Libro de bautismo. 1850-1852.

12 – Archivo parroquial de Tacuarembó.Libro de bautismos, 1866, acta 754.

13 – Citado en: Barrán – Nahum, Historia rural del Uruguay moderno, Ob.cit. pp.87.

14 – AGN. Jefatura Politica de Tacuarembó. 1872.

15 – AGN. Actas de la Comisión Auxiliar de Rivera. 1866 – 1883.

16 – Diario El Siglo, 20 de octubre de 1877. Biblioteca Nacional.

17 – Museo Histórico Nacional. Archivo del Coronel José Gabriel Palomeque. Tomo III. 1862. Cf. Palermo, Eduardo. (2005) "Vecindad, frontera y esclavitud en el norte uruguayo y sur de Brasil" En: Memorias del simposio La ruta del esclavo en el Río de la Plata, p.93 a 115. Montevideo,UNESCO, 2005. Cf. Borucki, Alex, Chagas, K y Stalla, N. Esclavitud y trabajo entre la guerra y la paz. Una aproximación al estudio de los morenos y pardos en la frontera del Estado oriental (1835 – 1855). Montevideo, Pulmón, 2004.

18 – Archivo General de la Nación. Montevideo. Fondo AGA. Caja 1003 – 1852 – hoja 2.

19 – Barrán, Nahum. Historia rural del Uruguay moderno. Ob. Cit. Apéndice documental. p.332.

20 – Barrán ; Nahum. Historia rural del Uruguay moderno. Ob.cit. p.36.

21 – Barrán y Nahum. Historia rural del Uruguay moderno. Ob.cit. p.87.

22 – AGN. Caja 106. Exp. 35 – Nota de Andrés Lamas a Antonio Paulino Limpo de Abreu. Río de Janeiro. 4 de julio de 1854.

23 – AGN. Caja 106. Exp. 72- Nota de Andrés Lamas a Antonio Paulino Limpo de Abreu. Río de Janeiro.19 de enero de 1855.

24 – AGN. Caja 106. Exp. 72- Copia 49 de Nota del Presidente de Rio Grande del Sur, Joao Lins Vieira Cansansao do Sinimbú a Antonio Paulino Limpo de Abreu. Porto Alegre.12 de dezembro de 1854.

25 – Maestri, Mario. Deus e grande o mato e maior. Passo Fundo, UPF, pp.153 a 167.

26 – AGN. Caja 107. Exp. 289- Nota de Andrés Lamas al Ministro de Relaciones Exteriores de Uruguay, Alberto Flangini. Río de Janeiro.20 de agosto de 1866.

27 – AGN. Caja 89. Exp. 163- Nota del Vizconde de Maranguape al Sr. Andrés Lamas. Río de Janeiro, 22 de julio de 1858.

28 – AGN. Caja 89. Exp. 163- Nota de Andrés Lamas al Consejero Vizconde de Maranguape. Río de Janeiro.31 de agosto de 1858.

29 – AGN. Caja 129- Expediente 427.Secretaria de Governo em Porto Alegre, 24 de julio de 1867.

30 – AGN. Caja 106- Expediente 58. 24 de setiembre de 1854.

31 – AGN. Caja 89 – Expediente 182. 31 de agosto de 1858.

32 – AGN. Caja 89 – Expediente 185. 4 de octubre de 1858.

33 – AGN. Caja 89 – Expediente 187. 4 de octubre de 1858.

34 – AGN. Caja 102 – Expediente 128. 11 de abril de 1858.

35 – AGN. Caja 107. Expediente 315. Nota de Lamas a Flangini. 27 de setiembre de 1866.

36 – AGN. AGA. Caja 1004. hoja 2. Febrero 24 de 1853.

37 – AGN- AGA. Caja 1004. Nota al Jefe Político de Cerro Largo. 14 de marzo de 1853.

38 – AGN- Caja 101. Expediente 370. 29 de mayo de 1874.

 

 

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