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Prof.ª Dr.ª Maria Helena da Cruz Coelho (Universidade de Coimbra)

Catedrática em História Medieval da Universidade de Coimbra, a Profª. Drª Maria Helena da Cruz Coelho, possuí ainda assento em diversas instituições nacionais, dentre as quais, o Instituto de Paleografia, do qual é Diretora, e internacionais, sendo membro da Commission International de Diplomatique e da International Commission for the History of Representative and Parliamentary Institutions, académica de número da Academia Portuguesa da História e académica correspondente da Academia das Ciências de Lisboa. Possui publicado, entre obras e artigos, mais de uma centena de estudos, alguns traduzidos em russo, espanhol, francês e italiano.

No dia 29 de abril de 2004, no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a Drª. Maria Helena proferiu a conferência “O Poder Municipal e o Poder Régio: evolução de um Relacionamento”. Na oportunidade, a Revista Tema Livre realizou entrevista, que consta a seguir, com a historiadora:

Revista Tema Livre – Qual o tema da conferência que a Sra. proferiu hoje?

Maria Helena da Cruz Coelho – Hoje, proferi a conferência sobre “O Poder Municipal e o Poder Régio: evolução de um Relacionamento”, tentando mostrar como é que o poder régio necessitava do poder municipal, atuava sobre ele, mas sempre na perspectiva de o manter como um suporte da sua política. Mas, por outro lado, do ponto de vista do poder municipal, procurou-se analisar as relações entre os concelhos e o rei, sobretudo em cortes. Este relacionamento tem vindo a ser muito estudado na parte da representação oficial dos concelhos às cortes. Mas, para, além disso, acho que trouxe a novidade de se conhecerem as presenças em cortes de delegações paralelas às delegações oficiais, que levavam as queixas e a procuravam remédio para os males daqueles que eram dominados, que sofriam, com o poder municipal, portanto, essencialmente, lavradores, homens do artesanato ou, como eles mesmo muitas das vezes se diziam, o povo miúdo.

RTL – E como o poder régio necessitava desse poder municipal?

Maria Helena – O poder régio necessitava do poder municipal, como até podemos dizer também do poder senhorial. A actuação dos oficiais régios estendia-se sobre um território, mas um território que tinha enquadramentos locais. O que o monarca queria é que esses poderes se concertassem com a política régia. Não que acabassem. E, portanto, nunca atentou acabar, nem por um lado, com os senhorios – durante a Idade Média, nem durante todo o Antigo Regime – , nem pelo outro, com os concelhos. Tenta assim chegar até eles por oficiais de justiça, chegar até eles por oficiais fiscais, por oficiais militares, já que precisava destes órgãos de enquadramento, como hoje se precisa, porque ninguém pode governar uma monarquia, ou uma república, só a partir de um poder central. Tem que se apoiar, digamos, em outros enquadramentos de poderes mais locais. Assim, na Idade Média, como durante todo o Antigo Regime, o enquadramento através de senhorios, ou de concelhos foi uma realidade.

RTL – Esse poder municipal era composto basicamente por quem?

Maria Helena – O poder municipal, mesmo na Idade Média, foi variando. È preciso lembrar que ainda antes de termos cartas de foral, e temos cartas de foral em Portugal ainda antes de termos reino, porque já foram dadas pelos condes, já antes (séculos VIII-IX) havia comunidades de homens livres, que decidiam e que punham em prática as suas decisões exatamente porque os reis das Astúrias estavam longe e eles tinham de tomar as suas próprias decisões. Não havendo poderes próximos eram eles que as tomavam. E esse poder nunca deixou de existir, existiu de facto e foi reconhecido juridicamente por cartas de foral e depois foi assumido por oficiais e pelos homens bons do concelho. Primeiro de uma forma mais aberta e alargada, depois, nos séculos XIV e XV tendendo a, digamos, um exercício de um poder através de uma câmara, que é um órgão fechado, contrariamente à assembléia dos vizinhos, que se reuniam em espaços abertos, e houve uma tendência a fechar-se mais esse grupo de poder. Ao fechar-se esse grupo de poder, também se fechou o número de pessoas que governavam, e tendeu-se ao desempenho do poder por um grupo mais restrito, que assegurava o poder por alianças familiares, por rotatividade nos cargos e que poderia sempre conter o perigo de exercer o poder menos em nome de toda a comunidade e olhando mais para os próprios interesses. Claro que também não podemos ver isto só por esta maneira, já que estes homens também quereriam que a sua comunidade não os hostilizasse completamente e, portanto, também eles próprios determinavam posturasa favor do bem comum. Também levavam ao rei aspectos que poderiam interessar a toda a comunidade, pois quando falamos de conflitos, não podemos pensar que, cotidianamente, andavam em conflitos, já que de tal maneira não se tinham sustentado ao longo de todos estes séculos. Na verdade se na história municipal pensarmos o ontem, ela ajuda-nos a refletir sobre o hoje. Verdadeiramente, acho que há muitos problemas que nos levam a pensar melhor. Pensar que não podemos esperar tudo das autoridades, mas tem de haver o comprometimento como cidadãos, e que nos devemos então também organizar para tentar resolver os nossos próprios interesses. E esse movimento associativo, esse movimento confraternal, já existiu na própria Idade Média, era uma maneira daqueles que queriam lutar pelos seus interesses não esperar que os outros o fizessem por eles, mas eles que fizessem por si mesmos.

RTL – O afastamento da população do poder e a busca de determinados setores pelo seu próprio interesse através da utilização do poder municipal existia em outras partes da Europa? Como deu-se tal processo?

Maria Helena – Claro que existia, a prova de que tal existia é que quando chegamos à época das tensões, ou mesmo se quisermos, das revoluções, sejam elas rurais ou urbanas, que rebentam na Inglaterra, que eclodem na Flandres, isso significa que, quer os homens que trabalhavam a terra ou aqueles que se dedicavam ao artesanato, estavam a lutar pelos seus próprios interesses. Portanto, teriam consciência de que não estavam bem, viam, sentiam na pele que não estavam bem, mas, também entendiam que podiam a vir conseguir alguma coisa fazendo as suas exigências, apresentando as suas reivindicações, algumas vezes de forma institucional outras por meiode uma luta aberta ou mesmo de uma revolução.

RTL – A Sra. pode falar um pouco sobre o papel da escrita no âmbito municipal, a guarda e a destruição de documentos da câmara durante conflitos com Castela à época da primeira dinastia?

Maria Helena – O que eu quis lembrar é que se nós temos sempre muito a idéia, correta, de que o mundo letrado pertence aos eclesiásticos em uma primeira fase da Idade Média. Depois, o circuito das universidades, nos séculos XII e XIII, fez com que grupos do laicado tivessem acesso à cultura e, portanto, a escrita e aos escritos. O que eu quis demonstrar é que não sendo a maioria da sociedade na Idade Média uma sociedade alfabetizada, teria por certa consciência de que a escrita podia ser uma arma. Podia ser uma arma que se voltasse contra eles, ou também uma arma que pudesse ser a sua reivindicação. Do ponto de vista municipal e dos corpos que dirigiam o municipalismo é claro que, nos séculos XIV e XV, a escrita invadia já a vida municipal. Nas reuniões de câmara, eles escreviam todas as decisões que tomavam nos livros de vereação, as posturas eram passados a escrito, as cartas que enviavam aos concelhos ou ao monarca eram também escritas. Claro que, por exemplo, a postura municipal era decidida, era passada a escrito.Mas depois para ser conhecida e cumprida tinha de ser anunciada por um pregoeiro à população, porque esta era analfabeta e não saberia nunca lê-la. Tinha de ser divulgada oralmente para ser cumprida, sem poderem alegar a ignorância como meio de possível incumprimento.

Mas a consciência de que a escrita era um poder tinham-na já nessa época. O que foquei é que guardando os seus escritos, muitas vezes em arcas, onde estavam estes livros de vereação, essas posturas, essas cartas régias, essa correspondência expedida e recebida por parte do município, quando estávamos em guerra, e temos casos das guerras ao tempo da segunda dinastia, concretamente até o tempo de D. João I, entre Portugal e Castela, quando os castelhanos invadiram alguns concelhos, ou roubaram, ou queimaram mesmo as arcas, na certeza de que ao fazê-lo estavam a queimar ou a roubar a memória municipal. Portanto, tudo aquilo em que eles poderiam ir ver, ou que tinham decidido, ou que o rei lhes tinha dado, ou que eles tinham mandado a alguém , antes sabiam perfeitamente o que era com o apoio da escrita e depois deixavam de ter um registo, uma memória desses factos.

Como depois, em um outro registro peranteuma pergunta que me fizeram, tentei explicar que mesmo os analfabetos tinham bem consciência de que a escrita poderia ser um bem ou um mal, em termos de ter conhecimento do que lá estava para poder fazer valer os seus direitos. Daí que uma profissão com poder, com muito poder era a dos tabeliães. Eram esses homens que escreviam para a população os documentos, porque eram eles que passavam a escrito a vontade daqueles que a ditavam, que era oral, e eram eles que depois lha liam para ver se estava conforme. Conheciam muito da vida privada das pessoas, porque faziam testamentos, cartas de divida, ou contratos e, portanto, tinham conhecimento do que se passava na comunidade e na vida de cada um pelos escritos que faziam.

RTL – Como é o acesso e as maiores dificuldades para trabalhar com fontes para o período medieval em Portugal?

Maria Helena – Bom, em Portugal temos alguns arquivos de primeira monta, porque tem mais documentação para qualquer medievalista ou mesmo para qualquer estudioso. O grande arquivo é o da Torre do Tombo, em Lisboa, mas depois existem arquivos distritais, arquivos municipais, arquivos ligados às Universidades, onde se encontra muita documentação inédita. Em alguns casos, temos muita coleções de documentos, já publicadas, a que podemos ter acesso. É evidente que, no caso da documentação inédita, existe sempre o ônus de quem não vive no local onde está o arquivo, ter de acarretar com as deslocações, a permanência no local, o que equivale e tempo e custos. Outros problemas são a espera de microfilmagem, ou fotocópia da documentação, entraves com que o investigador se tem de deparar e que, com certeza, também como aqui, muitas vezes não são muito fáceis. E são onerosos. Muito onerosos. E, é sempre muito pouco o apoio à investigação, porque mesmo para a investigação em História, que não será uma investigação tão dispendiosa como em outras áreas da ciência, ela é uma investigação cara exatamente por essa necessidade, por um lado, de ir até as fontes, por outro, de comprar bibliografia, e nós sabemos que os livros estão cada vez mais caros. E, portanto, aquela idéia de que a investigação só nas ciências exatas tem custos, não é verdadeira, porque na área das ciências sociais e humanas a investigação está também cada vez mais pesada. As fontes não estão no local onde o investigador reside, acho que raramente estão, e os livros têm de vir de todo o mundo. E aí a internet não resolve todos os problemas. Temos de adquirir mesmo os livros e eles estão mundialmente cada vez mais caros, portanto, a investigação é uma coisa que deveria de ser mais apoiada pelos governos, e eu falo por Portugal e, os meus colegas brasileiros dirão certamenet o mesmo por aqui. Merecia ser apoiada, porque toda a esperança está no que a investigação puder trazer de novo tanto nas áreas com uma aplicação mais prática, como no caso da história que é o suporte das identidades das comunidades e do conhecimento do seu passado. Eu acho que a investigação deveria ser mais apoiada e faço votos para que o seja tanto lá como cá.

RTL – A Sra. falou sobre a internet no cotidiano do pesquisador. Então, finalizando, qual a sua opinião a respeito da internet como meio de divulgação da história?

Maria Helena – A internet tem muitíssimo interesse. A capacidade de termos acesso a bibliografias internacionais, a base de dados, a trocarmos trabalhos que possam estar em livre acesso na internet… Mas continuo a dizer que a internet não resolve todos os problemas. Não chega haver dinheiro para computadores, é preciso dinheiro para livros, continua a ser preciso dinheiro para ir aos arquivos, para fazer reprodução da documentação, etc, etc, etc O computador passou a ser mais um instrumento de trabalho. Já podemos dispensar o suporte do papel e caneta para a escrita, mas não podemos dispensar os livros. Se um historiador algum dia dispensar os livros deixa de ser historiador, penso eu. Não podemos também dispensar as fontes, quer sejam as coleções documentais, quer sejam os fundos que estão ainda inéditos, e logo isso não se resolve com nenhum computador, nem com uma base de dados, ainda que esses elementos sejam auxiliares no trabalho de investigação, e muito preciosos.

Prof.ª Dr.ª María Silvia Leoni (Universidad Nacional del Nordeste, Argentina)

Durante os dias 20 e 23 de julho de 2004, realizou-se em Maringá, Paraná, no campus da UEM (Universidade Estadual de Maringá), o VI Encontro da ANPHLAC (Associação Nacional de Pesquisadores de História Latino-Americana e Caribenha), que contou com historiadores de diversos países hispano-americanos e do Brasil.

Dentre os profissionais presentes, estava a historiadora argentina María Silvia Leoni, da Universidad Nacional del Nordeste (UNNE – Argentina). A pesquisadora é autora de diversas publicações no âmbito da história regional, referentes a historiografia, a história política e cultural. No encontro de Maringá, a Drª. María Silvia Leoni apresentou a palestra intitulada “Visiones sobre ‘el otro’ en una historiografía provincial: Brasil, Uruguay y Paraguay en la historiografía correntina”. e concedeu, no dia 23, entrevista à Revista Tema Livre, que está a seguir.

Revista Tema Livre – Primeiramente, qual o tema da palestra que a Sra. proferiu hoje?

María Sílvia Leoni – El tema fue las visiones de la historiografía nacional y provincial en la Argentina. El trabajo que presenté es sobre la visión de los historiadores correntinos sobre la inserción de Corrientes en el marco nacional y en el marco regional, sus relaciones con Paraguay, con Brasil y con Uruguay. Como la ven los historiadores, como se construyó esa visión del lugar de Corrientes en ese debate historiográfico.

RTL – E como nesta historiografia que a Sra. teve contato a presença luso-brasileira na região do Prata é vista?

Leoni – En la historiografía correntina, la presencia luso-brasilera aparece, inicialmente, como una cuestión en conflicto y, en el caso de, Corrientes, fue visto siempre por ella como un antemural de defensa frente a ese avance luso-brasilero sobre las fronteras de Argentina. Una tarea en la que los correntinos consideraban que Buenos Aires los habían dejados solos y fueron encargados de defender esas fronteras. Y eso se ve muy bien, fundamentalmente, en la cuestión sobre las misiones jesuíticas donde se denuncian en esa historiografía el avance luso-brasileño, lusitano primero, sobre esa zona y, después, brasileño en lo que va ser la provincia de Misiones y cómo Corrientes hizo un ímprobo esfuerzo por ocupar esos espacios y defender, digamos, los intereses nacionales en ellos. La visión que se tiene de la presencia de Brasil es una presencia de conflicto que va tratar de revertirse a partir de la década 1920, a través de una política de acercamiento y de amistad con el Brasil, que va a llevar a tratar de suavizar esas diferencias y a no buscar, digamos, responsables en esos conflictos, sino atribuirlos más bien a un determinismo de tipo histórico y geográfico que llevaba, a esos enfrentamientos, o sea, en la guerra con el Brasil no hay culpables, no hay responsables, no se habla de intereses expansionistas, sino que fue la misma dinámica histórica y la conformación del espacio geográfico que los obligo, digamos, a enfrentarse. Pero, con la convención de paz de 1828, en gran medida se habrían terminado esos conflictos para entrar Corrientes y Brasil o la Argentina y Brasil en una relación, digamos, más armónica, y de intercambio de tipo económico. Esa es la perspectiva que se construye.

RTL – Como se relacionam as historiografias nacional e regional?

Leoni – Bueno, lo que pasa es que la historiografía argentina se ha construido fundamentalmente desde Buenos Aires. Entonces, los historiadores de Buenos Aires han visto únicamente con los ojos de lo que pasaba en esta ciudad y, muchas veces, procesos que ocurren en Buenos Aires tratan de mostrar como que son iguales, o similares, en todo el país, sin tener en cuenta las diferencias regionales. Entonces, ese ha sido un problema siempre presente entre los historiadores de Buenos Aires, que hacen historia “nacional”, según ellos, y los historiadores regionales, que hacen historia “regional”, que parece que és algo menos importante. Y, todavía, hoy los historiadores que escriben desde Buenos Aires desconocen las realidades regionales. Entonces, nosotros vemos muchas generalizaciones que hacen y homologaciones; aparece Buenos Aires como sinónimo de Argentina. Lo que pasa en Buenos Aires es lo que pasa en la Argentina. No se tienen en cuenta los distintos procesos y, así, tan poco cómo las distintas regiones tejen distintas relaciones con los países limítrofes. Una cosa es la relación que establece Buenos Aires con Brasil, con Uruguay… Y otra cosa es la que tejen las provincias del interior. Y esa relación no se tiene en cuenta en la perspectiva desde Buenos Aires.

Pero, otra cosa que quería decir es que un problema de la historiografía argentina en general, tanto en la nacional, como las provinciales, es esa idea de que la Argentina ha ido perdiendo terreno frente a los vecinos. Entonces, eso no ha ayudado a ver bien la historia, bueno, una visión un tanto nacionalista, de pérdida, de que la Argentina también había tenido un territorio enorme y que lo fue perdiendo por culpa de los avances extranjeros. Yo creo que eso es algo que se están empezando a revisar, pero que quedó muy fuerte en la historiografía argentina y que impidió tener visiones más integradas de los procesos, de ver una historia, digamos, en el ámbito regional, y no la historia centrada en esos marcos nacionales, que defiende la nación y los limites nacionales… sin insertar en un marco mayor todos estos problemas. Me parece que eso es un aspecto importante.

RTL – Finalizando, como está o intercâmbio acadêmico entre historiadores argentinos e brasileiros?

Leoni – Yo creo que hay un intento importante por realizar un intercambio… me parece muy interesante, por ejemplo, cuando en el 2000 hubo una jornada de historia regional comparada para tratar de establecer comparaciones entre los procesos en Argentina y Brasil, que se hizo en Porto Alegre, pero donde, todavía, se ve que se siguen haciendo las historias nacionales y cuesta ver los procesos de una forma más integrada.

Y, por otro lado, yo hablaba este proyecto, que todavía es un proyecto, de hacer una historia regional del nordeste argentino que integre también las visiones de los países limítrofes y, después, llegar a hacer acuerdos con los países, con Paraguay, con Brasil, con Uruguay, para construir entre todos libros para la enseñanza de la historia que tenga una visión integradora de los procesos y que dejen de lado esas imágenes de las historias nacionales clásicas, pero todavía pienso que esta en un principio, queda todo por hacer.

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Prof.ª Dr.ª Rosalina Ríos Zúñiga (Universidad Nacional Autónoma de México, UNAM)

Durante os dias 2 e 3 de agosto de 2004 realizou-se, no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ, com a coordenação dos historiadores Francisca Azevedo e Marcelo da Rocha Wanderley, o Ciclo de Conferências “Elites e Poder na História do México”.

No evento, a Dr.ª Rosalina Ríos Zúñiga, pesquisadora do Centro de Estudios sobre la Universidad (CESU) da Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM) e docente do Colegio de Estudios Latinoamericanos daquela Universidade, apresentou a conferência intitulada “Elites provinciais no México independente: Zacatecas (1821-1854)”.

A seguir, a entrevista que a Drª Rosalina Rios Zúñiga concedeu a Revista Tema Livre durante o evento.

Revista Tema Livre – Primeiramente, qual o tema da conferência que a Sra. irá apresentar no Ciclo “Elites e Poder na História do México”?

Rosalina Ríos Zúñiga – El tema de la conferencia es la recomposición de una elite provincial en el México independiente, Zacatecas 1821-1854 y, bueno, lo que trato de hacer es sobretodo seguir por una parte ese proceso de recomposición de la elite colonial a la elite independiente en este estado de la República Mexicana. Y, también, tratar de mostrar, pues, que esa elite que aparentemente es política únicamente no lo es tanto sino que tenia fuertes intereses económicos que eran los que la inducían a tomar posiciones políticas. Eso es sobre lo que trata la conferencia.

RTL – Quais são as diferenças entre as elites do período colonial e do período independente?

Zúñiga – Bueno, si lo que estoy viendo es que hay cambios importantes en tanto que por ejemplo la elite colonial mucha de ella tenía origen vasco, españoles en general y, obviamente, había criollos pero, digamos, que por lo menos en este caso, los criollos están muchas veces subordinados a la elite principal que es española. Entonces, lo que va permitir la independencia y los posteriores movimientos que se van a dar en el período que yo estudio, es que esa elite que, obviamente, ya no va ser criolla en el período independiente, por lo menos no é en el nombre, se va ahí acomodando en esos sitios que van a dejar los españoles que salen de México o que por alguna causa son despojados de sus propiedades, posesiones, etc. Y, entonces, esa nueva elite que antes era menor va siendo la elite principal y, ese es por un lado y, por otro, también vemos la llegada de gente que no es del lugar, que es de otras regiones de México, que también va a posesionarse de esos sitios de elite. Y, luego, otro punto muy importante que tiene mucha relación, pues con estas diferencias entre lo que la elite colonial y la que va ser la elite en el período independiente es que la elite colonial tenía muchos integrantes de la clerecía. Va a seguir la clerecía formando parte de la elite. Sin embargo, se va haber menos. No se en cuestiones de formación en el período independiente, lo que vamos a tener es sobretodo el predominio de los abogados, y se vamos encontrar letrados dentro de la elite van a ser sobretodo abogados. Yo creo que esas son algunas de las diferencias que podemos destacar más ampliamente entre una elite y otra elite.

RTL – Para o pesquisador de história no México, quais são as maiores dificuldades ou, mais especificamente, no seu trabalho, quais foram as maiores dificuldades?

Zúñiga – Bueno, la mayor dificultad que yo encuentro es precisamente la cuestión de las fuentes. Primero, porque en el siglo XIX desafortunadamente no tenemos la cuantidad de fuentes con la que se cuenta para la época colonial, entonces, muy pocas fuentes son la que tenemos. Además, están como muy dispersas entonces la labor del investigador tiene que ser, pues, doble, buscar en todos los lugares posibles: hemerotecas, bibliotecas, archivos, buscar las fuentes y, a parte, tratar de sacarles el mayor jugo posible para que de esa manera podamos reconstruir la historia del México independiente. Eso es una. La otra, en mi caso particular, también es que yo no soy de provincia, ahora si que no estoy en mi tierra, estoy tratando de hacer historia de una región lejana a la mía. Entonces, este también es una dificultad pues geográfica y económica, porque si uno quiere hacer historia de otro lugar, pues tiene que contar con recursos para poder hacer estancias investigación y poder este trabajar, pues los materiales más este digamos propios que son los que se generan en la propia región que estamos estudiando el propio estado en este caso, Zacatecas.

RTL – A Sra. pode falar um pouco mais sobre Zacatecas?

Zúñiga – Ah sí, ¡como no! Buenos, Zacatecas es uno de los estados que formó la república mexicana en el período independiente. Zacateca es una zona minera y esté en el centro norte de México, entonces, durante la colonia fue sumamente importante por dos motivos. Por una parte, por la extracción de plata, tan importante para la corona española y, también, porque su situación geográfica le permitió ser punto de arranque para la colonización del norte de la Nueva España y para todos los territorios del norte. Zacatecas durante la época colonial pues guardó las mismas estructuras sociales, económicas y políticas del resto de la Nueva España. Sin embargo, si tuvo una característica especial, quizás por ser zona de paso y zona minera, tuvo siempre un fuerte carácter mestizado a diferencia de otras regiones de México, en los que la población era más indígena que Zacateca. Zacateca no sucedió eso. Habían mucha población este pues criolla, había también combinación de mulatos, de indios, en fin, una población muy mestizada. Y ya para la época independiente, Zacatecas primero se independizó de lo que era la intendencia de Guadalajara y, poco a poco, comenzó a constituirse como un Estado y este fue de los estados con más fuerte tradición federalista de los que constituyeran México. Y si gracias a un auge de la producción minera y una década después de la independencia parecía que el estado iba ser sumamente beneficiado por esto y, obviamente, las elites del estado y que esto le iba permitir tener un lugar muy importante dentro de las decisiones políticas en el plano nacional. Sin embargo, precisamente la defensa de su federalismo, lo llevo a ser atacado por el ejercito federal, por el gobierno federal y esto terminó por lo menos este en el corto plazo con esa fuerte presencia política que tenía hasta que tuvo hasta 1835. Entonces, después del Estado como que no logra recuperarse en mis investigaciones sobre las elites del estado, yo he visto no sé este discursos, oraciones cívicas, incluso todas estas honras fúnebres que se le hacen al que va ser considerado héroe local. Denotan un fuerte pesimismo de la elite. Denotan para ellos, según dicen, la falta de dirección de liderazgo, y creo que tiene que ver pues con esta situación en la que cae después que son derrotados por el gobierno federal. Entonces el estado, incluso ahora, yo puedo pensar que no es tan importante en el plano nacional, y que esa falta de importancia tiene que ver con todo este proceso histórico que tuvo en el siglo XIX, de pasar de ser un estado fuerte, importante, a pasar a ser un estado con menos fuerza política y, quizás, la fuerza económica también fue cayendo. Entonces, son dos aspectos que incidieron en el desarrollo del estado y en su historia presente. Ese es Zacatecas a grande rasgos.

RTL – E, para finalizar, em sua opinião, como está o intercâmbio entre os historiadores brasileiros e mexicanos?

Zúñiga – Desafortunadamente, el intercambio académico entre historiadores mexicanos y brasileños es mínimo, yo no he venido platicando con mis colegas que me acompañan en este viaje y es prácticamente nulo. Yo estuve dando clases en México, en lo que se llama Colegio de Estudios Latinoamericanos hasta el momento yo no me he encontrado ningún mexicano que estudie Brasil, y solamente uno, uno historiador brasileño que estudia México y que estaba en México el profesor Marcelo da Rocha Wanderley. Pero, fuera dai, por lo menos mis contactos más cercanos no… Sé que en el Colegio de México, que es tan importante en la investigación histórica, hay también un brasilianista mexicano. No es prácticamente nulo el intercambio y creo que este tras la experiencia que estoy teniendo en esta visita creo que sea bien importante y necesario establecer esos intercambios, tanto de profesores, como de estudiantes, pues para estar más interesados en lo que es América Latina y, América Latina incluye Brasil. Creo que as veces se ha llegado a olvidar eso y que, pues, eso nos lleva a no comprender toda la dimensión que tiene América Latina, cada una de sus partes y, bueno, que no por el hecho de ser este o manejar otra lengua los brasileños se pueden quedar a parte. Entonces, creo que falta mucho intercambio y que debemos, pues ¡no sé!, hacer algo para subsanar este hasta ahora inexistente intercambio cultural entre México y Brasil.

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Evento: posse do historiador José Murilo de Carvalho na Academia Brasileira de Letras (ABL)

José Murilo de Carvalho a discursar na cerimônia de sua posse. À esquerda do acadêmico eleito, a compor a mesa, Affonso Arinos, Arnaldo Niskier, Ivan Junqueira, Almicar Viana Martins e Ana Maria Machado.

O historiador José Murilo de Carvalho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), foi empossado na cadeira nº 5 da Academia Brasileira de Letras (ABL) no dia 10 de setembro de 2004. A cadeira conta com Bernardo Guimarães como patrono e teve como ocupantes Rachel de Queiroz, falecida em novembro último, Cândido Mota Filho, Aloísio de Castro e Oswaldo Cruz.

A cerimônia de posse ocorreu no salão nobre do Petit Trianon, no centro do Rio de Janeiro, e iniciou-se às 21 horas. A mesa foi presidida pelo acadêmico Ivan Junqueira, presidente da Instituição, e composta pelos acadêmicos Arnaldo Niskier, secretário de cultura do Estado do Rio de Janeiro, Affonso Arinos de Mello Franco e Ana Maria Machado, primeira secretária da ABL, além do representante do governador de Minas Gerais, Dr. Almicar Viana Martins, presidente da Fundação João Pinheiro.

Depois que todos tomaram seus lugares à mesa, são anunciadas pelo presidente as seguintes presenças no evento: Pedro Correia do Lago, presidente da Biblioteca Nacional, a representar o Ministro da Cultura, Sr. Gilberto Gil; o Prof. Manuel Domingos Neto, vice-presidente do CNPq; Dr. Arno Welling, presidente do IHGB; Dr. José Fernandes Neto, prefeito de Piedade do Rio Grande, cidade natal do acadêmico eleito; Dr. Jacó Tales Júnior, vice-presidente da Academia Brasileira de Ciências; e João Ricardo Roberto, presidente da Academia Brasileira de Filosofia. A solenidade contou também com a presença de diversos imortais e membros da academia universitária.

Após o anúncio, os acadêmicos Alfredo Bosi, Tarcísio Padilha e Antonio Olinto introduzem no salão nobre o acadêmico eleito José Murilo de Carvalho, que é aplaudido de pé pelos presentes.
A palavra é passada ao novo membro e o seu discurso, que dura cerca de 45 minutos, aborda o patrono da cadeira e os antigos ocupantes desta. Em seguida, o acadêmico eleito assina o livro de posse e, após a assinatura, recebe pelas mãos dos acadêmicos Alberto da Costa e Silva o colar, Humberto Portela a espada, e de Cícero Sandroni o diploma.
O novo imortal, após o seu discurso, sendo cumprimentado por Affonso Arinos.

José Murilo de Carvalho a assinar o livro de sua posse.
Em seguida, o presidente declara José Murilo de Carvalho empossado na cadeira nº 5, citando o patrono da mesma, o fundador – Raimundo Correia –, e os outros ocupantes, passando a palavra ao acadêmico Affonso Arinos de Mello Franco.

Affonso Arinos, convidado para receber o acadêmico eleito, discursa por aproximados 40 minutos. No discurso, fala de José Murilo de Carvalho e a relevância de sua obra acadêmica. Após citar várias das instituições das quais o historiador faz parte, Affonso Arinos finaliza assim o seu discurso: “Adentrais agora com merecimento total e para honra nossa, nos umbrais da Academia Brasileira de Letras. Historiador José Murilo de Carvalho, interprete do Brasil, esta casa de grandes historiadores é naturalmente de direito e de fato a vossa casa, obrigado”

Logo após, o coral composto por ex-colegas de seminário do acadêmico eleito, que vieram de Minas ao Rio, presta uma homenagem ao novo imortal.

Ao final, os acadêmicos Marcos Vinicius Vilaça e Alberto Venancio Filho conduzem o acadêmico José Murilo de Carvalho e a sua esposa ao salão dos fundadores, onde recebem os cumprimentos dos presentes à cerimônia, seguido de um coquetel.
José Murilo de Carvalho a receber o cordão de Alberto da Costa e Silva.

– Leia a entrevista que José Murilo de Carvalho concedeu à Revista Tema Livre.
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Prof. Dr. José Murilo de Carvalho (UFRJ/ABL)

No dia 11 de março de 2004, realizou-se na Academia Brasileira de Letras (ABL) a eleição para a cadeira nº 5 ocupada, até novembro de 2003, pela escritora Rachel de Queiroz. Concorreram o historiador José Murilo de Carvalho, que venceu o pleito com 19 votos, o publicitário e empresário Mauro Salles, que obteve 14, e o jurista Paulo Bonavides, que recebeu 4, sendo a eleição decidida no primeiro escrutínio em menos de 20 minutos. 

José Murilo de Carvalho possui pós-doutorado em duas universidades: na de Stanford, nos Estados Unidos, e na de Londres. Membro da Academia Brasileira de Ciências, o historiador tem uma trajetória profissional em diversas instituições de pesquisa, no Brasil e no exterior, como, por exemplo, na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), na École des Hautes Études em Sciences Sociales, no Instituto de Estudos Avançados de Princeton, e nas Universidades de Londres, Oxford, Stanford, Califórnia (Irvine) e Leiden (Holanda). Atualmente, leciona na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde é professor do Departamento de História. 

No que tange a sua obra, José Murilo de Carvalho conta com diversos livros publicados, entre eles “Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi”, “Cidadania no Brasil: o longo caminho”, “A construção da ordem: a elite política imperial”, “A formação das almas: o imaginário da República no Brasil” e “Teatro de sombras: a política imperial”. 

Em janeiro deste ano, o seu trabalho “Cidadania no Brasil” recebeu, em Cuba, o Prêmio Literário Casa das Américas, na categoria literatura brasileira, onde concorreram 82 obras. Entretanto, este não é o único livro de Carvalho a ser premiado. “A formação das almas”, por exemplo, obteve, em 1991, o Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro. 

Ao longo da sua trajetória profissional, o acadêmico foi agraciado com a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico (Presidência da República), Medalha de Honra da Inconfidência e Medalha Santos Dumont (ambas do Governo de Minas Gerais), Medalha de Oficial e Comendador da Ordem de Rio Branco (Itamarati) e Medalha de Honra-UFMG (UFMG). 

A seguir, a entrevista exclusiva que o historiador concedeu à Revista Tema Livre, no dia 18 de março de 2004, na qual o pesquisador e membro da ABL, fala a respeito da sua eleição para a instituição criada por Machado de Assis, da sua trajetória profissional e dos projetos acadêmicos que está a desenvolver. 

 

O historiador José Murilo de Carvalho em sua posse na Academia Brasileira de Letras

Discurso de posse do historiador José Murilo de Carvalho na Academia Brasileira de Letras

 


Revista Tema Livre – O Sr. pode falar um pouco sobre a cadeira nº 5, da ABL, para a qual o Sr. foi eleito? 

José Murilo de Carvalho – A cadeira nº 5 teve como ocupantes pessoas notáveis, o que torna mais fácil o trabalho de lhes fazer o elogio no discurso de posse. Para início de conversa, o patrono é Bernardo Guimarães, autor de “Escrava Isaura”, um excelente tema para analisar. Outro notável ocupante da cadeira foi Oswaldo Cruz, cientista que aliou a temática social, a luta contra as epidemias no Rio de Janeiro, com a ciência. Ele era um cientista, um pesquisador, até certo ponto um homem da Universidade. Manguinhos não era exatamente uma Universidade, mas foi o primeiro grande instituto moderno de pesquisas do Brasil. Toda a minha carreira profissional foi feita dentro da Universidade, de uma instituição de pesquisa e ensino. Outro ocupante importante foi Cândido Mota Filho, que escreveu um livro interessante sobre Alberto Torres e criou o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), quando era Ministro da Educação. Finalmente, Rachel de Queiroz, primeira mulher na Academia, excelente escritora, e romancista com temática social vinculada à realidade nordestina, desde seu primeiro livro “O Quinze”. São todas pessoas que honraram a Academia e se salientaram na vida científico-cultural do país. É gratificante ocupar uma cadeira com tais predecessores. 

RTL – Quando vai ser a sua posse na ABL e, também, comente sobre o intercambio que o Sr. pode realizar entre as duas academias, a Brasileira de Letras e a Universitária? 

Carvalho – A data da posse depende do eleito, do tempo que ele requer para preparar o discurso de posse. Em geral, os eleitos tomam posse dentro de três ou quatro meses. Pretendo ater-me a esse prazo e tomar posse em julho ou agosto. A segunda parte da pergunta tem a ver com o intercâmbio entre as duas academias. Como já disse, passei minha vida profissional dentro da Universidade e também pertenço a Academia Brasileira de Ciências. Não vou entrar para a ABL por causa da pompa e circunstância, coisas que não me atraem. O que me atrai é a possibilidade de trabalhar em um ambiente novo, com pessoas diferentes daquelas com as quais convivi até agora. Uma das idéias que tenho, não sei se terei condições de implementá-la, seria aproximar as duas academias, a Universidade e a ABL, somar suas contribuições e seus estilos de produzir conhecimento e cultura. Há algumas áreas que podem servir de contato. Penso, sobretudo, em uma melhor utilização pelos alunos da biblioteca da Academia, que está muito boa, muito modernizada. Penso na possibilidade de publicações conjuntas. Penso ainda na melhor utilização do acervo documental da Academia, que é muito rico, pelos alunos para efeito de feitura de monografias, dissertações e teses. Essa documentação é quase ignorada pela Universidade. O uso desse material para análises acadêmicas permitiria um diálogo interessante entre as duas instituições pela combinação de tipos de abordagens diferentes. 

RTL – O Sr. pode falar da sua trajetória profissional? 

Carvalho – Tenho formação meio anfíbia. Minha formação acadêmica se deu na área de Ciências Sociais, sobretudo da Ciência Política. Minha pesquisa se dá, sobretudo, área da história política e da história social das idéias. Essa mistura incomoda um pouco os defensores de fronteira disciplinares rígidas. A mim não incomoda, porque não vejo problema em combinar as duas coisas. A ciência social serve para melhor trabalhar o lado conceitual que vai servir para melhor costurar a narrativa histórica. A combinação, se bem usada, pode eventualmente gerar maneiras novas de abordar certos problemas, de interpretar evidências. É isso o que tenho feito. Trabalhei em instituições dos dois tipos, na UFMG e no Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro (IUPERJ), em departamentos de Ciência Política, e na Casa de Rui Barbosa e no CPDOC, que são instituições de pesquisa histórica. Finalmente, vim parar aqui no departamento de história da UFRJ. 

RTL – Finalizando, o Sr. pode falar um pouco da pesquisa que o Sr. está a desenvolver agora? 

Carvalho – Além de um grande projeto coletivo do PRONEX, que abrange a UFRJ, a Fluminense, a UERJ e a UNIRIO, financiado pelo CNPq e pela FAPERJ, que consiste em tentativa de fazer uma grande revisão da historiografia sobre século XIX, o que me ocupa mais no momento é um projeto em colaboração com a professora Lúcia Bastos, da UERJ, e um aluno aqui do doutorado da UFRJ, Marcello Basíle e que conta com o apoio da Biblioteca Nacional. Trata-se do levantamento e publicação do que chamamos de panfletos da independência. Estamos em fase final de levantamento dos panfletos em bibliotecas e coleções do Brasil, Portugal e Estados Unidos. A idéia é publicar esses panfletos em “fac-simile”. Acredito que a publicação será de grande auxílio como instrumento de trabalho para muitos pesquisadores, que não vão precisar mais percorrer essas bibliotecas. Acredito também que a análise dos panfletos permitirá reinterpretar a independência no sentido de ressaltar que, se não houve muita guerra, muito tiro, houve, como disse o autor de um dos panfletos, uma guerra literária muito intensa. O fato indica grande participação não apenas de uma elite, mas de muitas outras pessoas no debate sobre a independência. A independência não foi complô de ninguém, nem da elite, nem da dinastia. Foi algo muito mais amplo em que se envolveram muitas pessoas. Foi um processo mais popular e nacional. 

 

 

 

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Prof. Dr. James Naylor Green (California State University)

A seguir, a entrevista que o brasilianista da California State University James Naylor Green concedeu à Revista Tema Livre, no dia 30 de julho de 2003, durante o XXII Encontro Nacional de História, em João Pessoa, na Paraíba. Na entrevista, o historiador fala da oposição ao regime militar brasileiro nos Estados Unidos, da sua atuação como militante em movimentos contra a Guerra do Vietnã e aos regimes militares latino-americanos, além dos seus trabalhos a respeito da América Latina. 

O brasilianista James N. Green durante a sua conferência no Simpósio.

O brasilianista James N. Green durante a sua conferência no Simpósio.

 

Revista Tema Livre – Primeiramente, qual o tema da sua conferência que será proferida hoje?

James Naylor Green – Eu vou falar sobre a oposição à ditadura militar brasileira, que foi realizada nos Estados Unidos nos anos 60/70. 

RTL – E como ocorreu essa oposição nos Estados Unidos?

Green –Primeiro, houve um contato de um grupo de brasileiros com clérigos e acadêmicos norte-americanos, em 69, pedindo ajuda para denunciar internacionalmente a tortura e a repressão no Brasil. Esses acadêmicos e clérigos montaram um comitê para tentar divulgar informações sobre a situação política no Brasil e enfrentaram um certo boicote, um bloqueio, uma filtração da mídia americana, que realmente não acreditava e não exigia provas da questão da tortura. Então, eles montaram todo um esquema de colocar artigos denunciando as torturas, fazendo outras atividades para romper esse bloqueio da informação da grande mídia norte-americana e, realmente, lograram fazer isso. Hoje à noite vou falar mais sobre a atividade dos brasilianistas, ou seja, os acadêmicos norte-americanos que estudam o Brasil, e que cumpriram um papel fundamental nessas campanhas de denúncia à ditadura militar, apoiando os abaixo-assinados, colocando avisos pagos no “The New York Times” denunciando, por exemplo, a prisão do Caio Prado Junior em 70, ou seja, tentando criar uma nova imagem do Brasil. O Brasil, antigamente, sempre foi visto como país tropical, de carnaval, de Carmem Miranda, dos índios, e essas pessoas tentaram colocar no imaginário americano outro tipo de realidade sobre o que estava acontecendo no Brasil nos anos mais difíceis da ditadura militar. 

RTL – E surtiu efeito?

Green – Eu acho que sim, ou seja, você não vai poder ver um efeito claro, direto, dramático. Mas, por exemplo, houve toda uma preparação, um trabalho, em 70, para influenciar um senador do Congresso Americano, que realizou, em 71, uma CPI sobre o apoio militar do governo americano ao Brasil. Então, esse senador, Franklin Church, realizou essa CPI em maio de 71, onde várias pessoas apresentaram provas da tortura no Brasil, a situação da repressão, etc e tal, onde eles tentaram fazer uma ligação entre a ajuda militar, a polícia, e essa tortura. O que, na verdade, não ficou muito claro porque não tinham acesso à documentação para provar isso naquela época. Mas, de qualquer modo, isso cria todo um impacto político no Congresso, na sociedade, em Washington, onde se realizou essa CPI e aqui no Brasil também. Os militares ficaram muito chateados com essa CPI, achando que era uma intervenção nos assuntos internos do país, mas, no ano seguinte, o governo americano, o senador americano apresenta no Congresso uma lei, que não foi aprovada, rompendo a ajuda militar ao governo brasileiro. Um ano depois, em 73 e, depois, em 74, com a crise do presidente Nixon com os escândalos de Watergate, houve uma mudança da composição do Congresso, e muitos congressistas começaram a apoiar esta medida de tirar a ajuda militar aos governos que estavam violando os direitos humanos. Neste caso, o Brasil foi o exemplo mais claro naquela época, foi alicerce de todo um trabalho posterior, denunciando a repressão no Brasil. E, com o golpe no Chile, em 73, que foi muito dramático e chocante, o trabalho do Brasil se expande para o resto da América Latina, então cresce a solidariedade, os grupos, e as pessoas que estão fazendo este trabalho. 

RTL – Falando sobre o apoio norte-americano ao regime militar brasileiro, como ele ocorreu?

Green – Bom, no primeiro momento, houve um apoio político antes do golpe de 64. Por exemplo, uma coisa clássica e que é chocante, é que o governo americano já estava canalizando milhões e milhões de dólares para a aliança para o progresso, para ajudar programas de desenvolvimento, com a idéia de que era fundamental combater o comunismo com alternativas de desenvolvimento etc e tal. Assim, eles canalizaram esse dinheiro em vários estados do nordeste onde tinham governadores da direita, e eles boicotaram qualquer apoio financeiro aos governos da esquerda, como Miguel Arraes, em Pernambuco, para que esses governadores beneficiados aproveitassem nas campanhas eleitorais, ou seja, um projeto nobre sempre ajuda na divulgação de um candidato para governador. Então, houve uma interferência direta de meter-se em assuntos internos do país nesse sentido, por parte do governo americano, para manipular a situação política no país. Esse é um exemplo. 

Está bem trabalhado o apoio que o governo americano deu imediatamente depois do golpe de 64 ao novo governo, ou seja, reconhecendo os militares antes mesmo do Jango sair do país. João Goulart ainda estava na sua fazenda no sul, o Congresso decreta que ele havia abandonado o seu cargo, mas ele estava ainda no país, já estava se retirando da presidência, e o governo americano Johnson reconhece o novo governo, todo ilegalmente, mas que estava procurando uma aparência de legalidade. Sabemos que, indiretamente, eles deram sinais aos militares que o governo americano ia apoiar o golpe de 64, e mandaram um barco com petróleo, gás e armas, para que se fosse necessário, se estourasse uma guerra civil, apoiar os militares. Neste caso, quer dizer, quando ficou claro que os militares realmente já tinham consolidado o seu controle sobre a situação, eles retiraram esse apoio que estava sendo mandado para o Brasil. 

Depois, eles mandaram milhões e milhões de dólares para apoiar a economia do novo governo, o de Castelo Branco e o começo do de Costa e Silva, que tiveram problemas econômicos sérios, muita inflação, e o governo americano ajudou muito para tentar dar uma estabilidade à economia brasileira, para sustentar o regime militar. E, na verdade, em 68, 69, após o AI-5, eles vacilaram um momento, vamos retirar o nosso apoio a esse governo, mas resolveram, assim, continuar com o reconhecimento diplomático ao governo militar. 

Em 76, 77, um novo discurso, um discurso sobre os direitos humanos, o governo de Jimmy Carter, então esse discurso de Jimmy Carter vem do trabalho que nós, os ativistas, eu era militante deste movimento, fizemos no público americano, que ele vai apropriando para a campanha eleitoral dele, para mostrar que ele é moral, religioso, que Nixon era um corrupto, um cara imoral, então vai ter um novo rumo a política exterior dos Estados Unidos. 

RTL – Conte-nos a sua experiência como ativista.

Green – Pois bem, eu era um jovem ativista, no movimento contra a Guerra do Vietnã, era estudante universitário entre 68 e 72, participava ativamente, fui preso várias vezes nas manifestações em Washington contra a Guerra do Vietnã e, em 70, eu já tinha caracterizado que a próxima intervenção norte-americana talvez fosse na América Latina. Então, eu e um grupo de pessoas começamos a formar um coletivo, um grupo de estudos para estudar a América Latina. Eu fui para o México para aprender espanhol, me interessava muito as condições da América Latina e, justamente, conheci por acaso um brasileiro exilado, Marcos Arruda, que foi torturado, conseguiu asilo nos Estados Unidos, a mãe dele morava lá, e ele conseguiu ficar nos Estados Unidos e organizou um comitê, “Committee Against Repression in Brazil”, Comitê Contra a Repressão no Brasil, que organizou um protesto contra o Médici na Casa Branca, quando ele foi visitá-la em 71. Me integrei neste grupo em 73, e fizemos todo um trabalho sobre Brasil e, após o golpe de 11 de setembro de 1973, sobre a situação no Chile e, depois, na Argentina, Uruguai e no resto da América Latina. 

RTL – Qual foi o impacto na sociedade norte-americana do fim do regime militar?

Green – Na verdade, infelizmente, o público americano desconhece a realidade brasileira, sabe muito pouco, não acompanha… E mesmo os universitários, que tem uma certa educação, não sabem sobre esta realidade, então o trabalho que foi realizado naquele momento, o trabalho que eu faço como presidente da Associação de Estudos Brasileiros, como professor de história do Brasil lá, é difícil, é contra a corrente, porque há pouca informação. O que eles conseguiram naquela época da ditadura foi criar uma segunda imagem do Brasil, além da garota de Ipanema e carnaval, um país de terror, de tortura, então conviviam duas imagens do país entre as pessoas que liam os jornais e prestavam a atenção e lembravam que o Brasil era na América Latina e não na África etc e tal. Então, na verdade, eu acho que foi pouca informação sobre esse processo de queda da ditadura militar, também porque foi um processo muito lento, não houve momentos dramáticos, assim, de mobilizações massivas. Houve as mobilizações pelas diretas, que saíram nos jornais, as pessoas que acompanhavam podiam saber o que estava acontecendo, não houve o impacto, vamos dizer, da Revolução Sandinista, ou da Revolução do Iran, que enfrentaram diretamente os interesses americanos, então, estão sempre nos noticiários, esta é uma diferença grande. País muito importante, enorme, mas 80% da população americana, infelizmente, não sabe que se fala o português no Brasil, por exemplo. 

RTL – Qual a inserção do historiador na sociedade norte-americana?

Green – Na verdade, o historiador não tem um peso como, talvez, os historiadores aqui tenham, no sentido de que um historiador da USP, facilmente possa fazer uma coluna na Folha de São Paulo e ser conhecido, a sua voz ser importante etc e tal. Nos Estados Unidos tem alguns historiadores, intelectuais que são importantes nos meios intelectuais, quando eles falam em uma questão política, eles são ouvidos porque tem um certo prestígio, mas eu acho muito mais dispersa esta influência, este efeito na sociedade. 

RTL – Finalizando, como o Sr. vê a internet como meio de divulgação da história?

Green – Eu, que ensino história, acho fabuloso e ruim ao mesmo tempo. Por exemplo, meus alunos agora não sabem ler livros, eles só lêem a internet, facilmente você dá uma tarefa deles fazerem uma pesquisa e eles vão sugando da internet essa informação, sem reflexão, copiando, é muito complicado controlar isso. Então, tem o acesso imediato à informação, mas não existe uma maneira de avaliar quais fontes são verídicas e tem valor, de outras que são coisas que qualquer pessoa colocou em uma página, você entrou por uma frase, aparece essa página, você vai lendo aquilo e acha que isso tem um valor, um peso importante, então isso é um problema sério. Por outro lado, facilita muito a pesquisa. Por exemplo, eu estava procurando várias pessoas, um padre que foi preso em 68, eu vi o nome dele no “The New York Times”, eu queria entrevistá-lo, e, de repente, através da internet, eu o localizei, fizemos contato e ele foi entrevistado. Então, a possibilidade de contato imediato é fabulosa. Outro exemplo é que existe a possibilidade de um intercâmbio muito mais rico entre historiadores brasileiros e de outros países, então, eu tenho laços enormes com centenas de acadêmicos brasileiros através da internet, então há um intercâmbio muito rico neste sentido. Isto é bom, isto é muito bom! 

 

 


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Prof. Dr. Walter Rela (Universidad Catolica del Uruguay)

O historiador uruguaio Walter Rela, no dia 04 de março de 2004, recebeu a Revista Tema Livre para uma entrevista em seu escritório, em Montevidéu, de onde é possível avistar o rio da Prata, rio este que, às suas margens, durante séculos, ocorreram disputas entre portugueses, espanhóis e brasileiros, um dos temas que o historiador discorre na entrevista concedida. Além disto, o historiador fala-nos a respeito da sua trajetória acadêmica, que inclui passagem pelo Brasil, na então Faculdade Nacional de Filosofia do Rio de Janeiro, e a sua experiência em instituições em países como os EUA e Espanha.

 

O historiador Walter Rela em seu escritório, em Montevidéu.

O historiador Walter Rela em seu escritório, em Montevidéu.

 


Revista Tema Livre – Primeiramente, conte-nos um pouco sobre a sua trajetória acadêmica.

Walter Rela – Em primeiro lugar, gostaria de expressar a minha gratidão por este convite, amo muito o Brasil, é a minha segunda pátria, inclusive, a minha avó era brasileira, fazendeira de San Pedrito, no Rio Grande do Sul, de modo que tenho sangue brasileiro, ademais, tenho netos que são brasileiros, então tenho motivos… 

Bem, a minha formação na primeira fase foi no Brasil. Em 1956, tive uma beca do Itamarati para investigação em história, aí a minha ligação com o poeta Manuel Bandeira, que foi um dos meus maiores amigos. Estudei na Faculdade Nacional de Filosofia do Rio de Janeiro, na velha Faculdade de Filosofia, da rua António Carlos e, depois, lecionei, no ano seguinte, na Federal do Rio de Janeiro. 

Depois, fui para a Argentina, me vinculei com a Universidad de Buenos Aires, com a Universidad Católica, lecionei aqui em Montevidéu e, em 1977, comecei a lecionar nos Estados Unidos. Recebi um convite da Washington University, St Louis Missouri, Michigan, e comecei a minha carreira nos Estados Unidos, como professor de letras. Daí, segui até 1992, quando me retirei da Georgetown University, uma das maiores e mais prestigiosas universidades americanas. Durante dez anos lecionei na Universidade de Michigan, lecionei na Universidade de New York, onde no ano passado me fizeram, no 61º congresso anual, uma homenagem à minha obra, que vai ser publicado agora na Revista que saí em 2004, e fui muito feliz. Foi uma etapa de muita felicidade para mim, lecionar e receber o apoio dos alunos, dos colegas, dos professores… Trabalhei muito, porque não há melhor coisa que ter paixão pelo que se faz. Uma vida dura, mas cheia de gratidão, tu vistes aí meus diplomas, meu reconhecimento, fundei academias, como a Academia Uruguaya de Historia Marítima y Fluvial, que é uma das mais importantes academias do Uruguai, que se dedica à história do rio da Prata… 

Bom, em 1988, o governo espanhol, estando eu lecionando em Washington D.C., me convidou para as homenagens do bicentenário do Rei Carlos III. Fui para uma semana e fiquei por muito tempo! Como se passa sempre! Gostei, gostaram das minhas aulas, e comecei a trabalhar em história e a pesquisar. A ir a Lisboa, ao Rio de Janeiro, e tudo isso… E sempre estive no tema do rio da Prata, ou seja, de 1988 até agora, só faço trabalho sobre o rio da Prata. Colônia do Sacramento, a presença portuguesa primeiro e a brasileira depois, Espanha… Preparei muitos trabalhos, publiquei muitas coisas, que tenho o grande prazer em dar-te como presente por tua visita e, bom, uma vida de muito trabalho e de muita satisfação. Sempre muita satisfação. Acho que a maior missão que um homem pode receber neste mundo é a virtude do trabalho, da honra, da dignidade, é uma prenda ao longo do tempo. Dignidade. Com dignidade sempre, uma linha de conduta irreprochável, que ninguém tenha que fazer objeções a tua obra, a tua pessoa, é ótimo. 

Aqui no Uruguai, eu fui um dos fundadores da Universidad Católica del Uruguay, comecei quando era um antigo instituto de filologia, história e letras, depois fui diretor ou decano da faculdade de filosofia e letras por dois anos e, depois, por razões de idade e por regulamentos que existe no Uruguai, tive que me retirar da carreira. Tu sabes, o mesmo ocorre no Brasil, enfim, nos Estados Unidos… 

Agora, tenho 82 anos, sinto um grande prazer em receber-te em minha casa, que é a tua casa e sempre estarei a sua disposição. 

RTL – O Sr. pode falar a respeito das diversas premiações que o Sr. recebeu ao longo da sua carreira?

Rela – Bem, são muitas. Cinqüenta anos dedicados a trabalhos de literatura e de história… Tenho prêmio dado pela Unesco, no ano de 1985, que é o maior prêmio para quem faz dramaturgia. A PUC, em 2001, me fez uma homenagem com motivo de 45 anos de dedicação ao trabalho com eles; a Universidad de Buenos Aires…; o 5º centenário, em Espanha, me premiam com uma obra sobre viajantes marinos e naturalistas no rio da Prata… Sou membro do Círculo de Cultura Pan-Americano, uma das mais importantes organizações hispanista dos Estados Unidos, com assento em Nova Iorque, com assento em Miami, me honro em ter este diploma como membro de honra… Fundador da Academia Uruguaya de Historia Marítima y Fluvial, bem, membro da Academia Carioca, da Academia do Rio Grande de Letras, Membro da Academia Argentina de Letras, e sigo lutando. Sigo lutando com muita paixão, com muito amor pelas coisas e com muito amor pela vida, que é o maior galardão, muito amor pela vida. Bem, esta é a minha vida, tenho 82 anos, estou feliz em conhecer-te, de ver o trabalho da Revista Tema Livre, que acho que é um grande empreendimento, e estou disposto a apoiar. 

RTL – Conte-nos um pouco mais sobre as diversas instituições que o Sr. faz parte, como, por exemplo, a Academia Uruguaya de Historia Marítima y Fluvial…

Rela – Então, a Academia Uruguaya de Historia Marítima y Fluvial, que foi fundada em 1995, ocorre como conseqüência a uma homenagem que se fez à expedição de Alessandro Males Pina, que esteve em Montevidéu e foi uma grande figura de Espanha. O evento coincidiu com a chegada do Rio da Prata da Nave Escola de Espanha, Sebastião Elcano. E o comandante chefe da armada espanhola nos deu uma conferencia incrível. Nós pensamos, confesso o meu erro, o meu profundo erro, que fosse algo protocolar, mas não… Ele era um sábio. Fez uma dissertação de uma hora e meia sobre todas as vinculações de Espanha e de Portugal desde quase o descobrimento da América por Colombo e de Cabral ao Brasil até o fim do século XVIII. Realmente, como espero que se passe na tua vida, acho que foi uma espécie de toque. Disse, este homem, com esta sabedoria… Aliás, com muita persuasão é a palavra… Uma simplicidade, as coisas mais brilhantes e mais profundas ditas com simplicidade. Isso é comovente. Acho que esse homem, que nunca mais vi em minha vida, e nem se quer sabe, teve uma influencia muito grande, porque me demonstrou as qualidades de um pesquisador, de um homem profundamente compenetrado no seu ramo naval, mas, ao mesmo tempo, um homem com uma simplicidade, de dizer eu conheço isto aqui, mas o que conheço eu conheço muito bem, e é um exemplo para todos. 

RTL – E sobre outras instituições…

Rela – Bom, bom, na etapa da minha vida, que trabalhava metade do tempo nos Estados Unidos e metade do tempo na América do Sul, estive muito vinculado ao Brasil. Fiz um trabalho, uma publicação sobre o teatro jesuítico no Brasil, Argentina e Paraguai, que foi muito bem recebido. Este trabalho foi a base para ingressar na Academia Carioca de Letras, que foi um acontecimento muito charmoso, no Rio de Janeiro e, depois, o Dr. Leodegário Azevedo Filho, que era professor da Federal do Rio de Janeiro, me convidou para integrar a Academia Brasileira de Filologia, que é uma das grandes academias que existem na América do Sul. E, neste mesmo dia, nesta mesma noite, entrei com um eminente professor de Florença, o Dr. Giovanni Tavanni, um grande professor, um grande filólogo, uma eminência na filologia latina. Após isto, também ingressei na Academia do Rio Grande do Sul, como membro de honra. Também estou muito vinculado à PUC, onde realizei meu doutorado em Letras. 

RTL – O Sr. estava a falar sobre o Brasil… Então, pode nos falar da presença luso-brasileira, primeiramente a portuguesa, com a Colônia do Sacramento, aqui no Rio da Prata…

Rela – Bem, Normanjos, que publicou nove tomos que realizei, é uma das mais importantes empresas dedicadas à história, tanto em microcar, quanto em microficha, ou em publicação de livros. Publicou-se nove tomos sobre o Uruguai, desde a Colonização espanhola até agora, até o ano 2000. Um destes tomos está dedicado à Cisplatina. Não só a etapa da presença de Portugal, com Lecor, enfim, que vem a Montevidéu, a luta contra Artigas, como tu sabes, mas também dedicada à parte da cruzada libertadora de Lavalleja, que está muito bem referenciada no artigo que eu li em um dos números da Revista Tema Livre [edição nº 06] e, publiquei, consegui, com muita paciência, com muito cuidado, muita dedicação, todas as atas anteriores ao dia 25 de agosto de 1825. Porque a gente se preocupa com esta data. Mas e o anterior? Dia 18, 19, 20, 21, 22, 23… Procurei tudo. Então, tem uma unidade. A gente chega ao dia 25 quando solenemente um grupo de orientais declara nula e sem nenhum valor os documentos assinados com o Brasil, sendo que é um processo anterior que se vem gestando, e esse é o valor da obra, o valor maior da obra é isso, até que chega a Assembléia Geral Constituinte, e se libera a Independência do Uruguai, com o visto da Argentina, da Inglaterra, do Imperador brasileiro, como tu sabes. 

RTL – Bem, como Lecor e a presença luso-brasileira na década de 1820 são tratados pela historiografia uruguaia?

Rela – Bom, eu diria, subjetivamente. Acho que não se viu todas as virtudes, ou as vantagens que teve, por exemplo, Lecor que, com o Padre Dámaso Antonio Larrañaga, introduz na pedagogia o método lancasteriano, que é muito importante, é um aporte valioso. O método lancasteriano é um avanço revolucionário sobre a pedagogia escolástica dos jesuítas, e a pedagogia da Igreja Católica. Bom, se dá ênfase à Cruzada Libertadora. Mas acho que o período, dos portugueses primeiro e logo brasileiro, com a Independência do Brasil, e que Lecor passa a comandar as tropas brasileiras na Banda Oriental é uma coisa muito importante. Acho que tem que estudar muito, ver com melhores olhos, sem partidarismo, sem sectarismo, com objetividade, que é uma das virtudes do investigador, porque a subjetividade te parcializa, as tendências políticas, ou religiosas, ou o que seja, e comete-se erros. E as coisas, eu aprendi uma grande lição na minha vida, há que faze-las para os vindouros, nada de fazer para o presente. Que os vindouros tenham em ti uma referência. O que tu publicas como documento, aqui tem, por exemplo, todos os tratados entre o reino de Portugal e Espanha para a América Meridional. Aqui estão todos. Isto é o que serve. Não, dizem, que disse que… Não, não. É o que está escrito. O que está assinado. O que está comprometido. O que está para a vida. Por exemplo, 1681 o tratado, o acordo entre Portugal e Espanha pelo qual se toma de novo a Colônia do Sacramento, fundada em 1680 por Manuel Lobo, até o último tratado de El Pardo de 1778, que Espanha reassume, pelo tratado anterior, de 1777… Enfim, de modo que tudo isto é o que importa. Eu sou um documentarista. Me honro de que as coisas são para os vindouros, e as coisas para os vindouros tem que ter a objetividade suficiente para que todos digam não disse que alguém disse. Não, não, não. É o que está escrito, é o que está assinado, o que está nos códigos. Um autor pode interpretar a sua moda, a sua maneira de ver, ter uma visão das coisas. Mas as coisas estão aqui. Acho que é uma lição que aprendi muito jovem, felizmente, com bons mestres, e nunca as abandonei em minha vida. E aconselho aos jovens terem objetividade. 

RTL – O Sr. está aqui com os documentos relativos a Colônia do Sacramento. O Sr. pode falar um pouco deste período da história uruguaia e como a questão é tratada pela historiografia deste país?

Rela – Bom, no livro, que te faço como presente e que resultou em um sucesso neste momento, justamente eu parto da grande idéia que tiveram os portugueses da importância estratégica e geográfica de um ponto em frente ao porto de Buenos Aires, que era a Colônia do Sacramento. Não é um fato fortuito. É um fato muito pensado. Portugal, como tu sabes, tem grande experiência em viagens ultramarinas. Toma o Atlântico Sul, chegou a Índia, ao Brasil, que não é pequena coisa, mas o Rio da Prata é a chave do Atlântico Sul, mas é a chave por vias fluviais Paraná–Paraguai. Quem é dono da trilogia Paraguai, Paraná e Rio da Prata, é dono da chave do Atlântico Sul. Isto a Corte portuguesa viu com muita lucidez. Com grande lucidez. Quando o rei, ou melhor, o príncipe regente, porque Portugal era príncipe regente à época, dá instruções muito precisas a Manuel Lobo, porque sabe da importância que tem isto, e publico aí, neste livro. A outra coisa é o avanço que fazem os portugueses, fronteiras ao sul do Rio Grande, até tocar. Intentam povoar Montevidéu. Fracassam. Zavala vem de Buenos Aires, mandado pelo rei de Espanha, e desaloja os portugueses. Mas a idéia era: Colônia do Sacramento, Montevidéu e Maldonado, três portos de águas profundas, ao contrário de Buenos Aires, são, assim, os donos da chave do Atlântico Sul. 

RTL – O Sr. esteve em Espanha, trabalhou lá, e como esta questão dos portugueses terem estabelecido um ponto luso no Prata é visto pela historiografia espanhola?

Rela – Bom, em Espanha também são parciais… É um século de lutas entre Espanha e Portugal. 1680 funda-se a Colônia do Sacramento, em janeiro de 1680, se desaloja para os espanhóis em 1778. Só faltam dois anos para se fazer um século. E este século de lutas parece tanto importante o tratado de 1750, chamado tratado de permuta ou tratado de Madrid, porque foi assinado em Madrid, que dá os povos das Missões aos portugueses, contando em ter a chave do rio da Prata. Que desenvolve a Guerra Guaranítica que é uma das mais cruéis e horríveis… Guerra em que os exércitos portugueses e espanhóis se juntam para destruir os guaranis, que eram indefesos. E havia labrado com os jesuítas os sete povos. Que está no sul do Rio Grande e a Oeste do Rio Uruguai. 

RTL – O Sr. pode falar um pouco da sua obra, do que se trata, do que já escreveu…

Rela – Prefiro que os outros falem de minha obra. Leia-a e opine. É o melhor presente que podem fazer para mim. 

RTL – E qual trabalho o Sr. está a desenvolver agora?

Rela – Agora estou preparando um grande trabalho de oitocentas, novecentas páginas sobre toda a presença espanhola e portuguesa no Rio da Prata, século XVI, XVII e XVIII. É um trabalho muito importante e pega quase todos os tratados. 

RTL – Finalizando, qual a sua opinião a respeito do uso da internet para a divulgação da história?

Rela – Bem, eu tenho uma dedicação muito grande à internet. Tenho uma comunicação com quase todo o mundo, me interessa, estou inscrito em jornais muito importantes, do Brasil, Argentina, Chile, México, Espanha, Estados Unidos… E, também, através do “Yahoo!”, “Google” ou “Altavista” tenho relações com a história, com o passado, então, para mim, é um instrumento muito importante a internet. Pela internet eu conheci a Revista Tema Livre, assim que maior coisa não pode ser. 

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Prof. Dr. António Manuel Hespanha (Universidade Nova de Lisboa)

A seguir, a entrevista que o historiador António Manuel Hespanha, da Universidade Nova de Lisboa, concedeu a Revista Tema Livre, realizada no dia 29 de julho, durante o XXII Simpósio Nacional de História.

 

O professor António Manuel Hespanha durante conferência no Simpósio.

O professor António Manuel Hespanha durante conferência no Simpósio.

 

Revista Tema Livre – Qual o tema da sua conferência no XXII Simpósio Nacional de História?

António Manuel Hespanha – Eu procurei refletir com os meus colegas acerca da natureza do poder. E a minha idéia principal é que o poder não está tanto no sítio onde nós julgamos que ele está, ou seja, no Estado, na polícia, nos tribunais, mas no fundo está em todo o lado, nas nossas próprias casas, nas relações com os nossos amigos, e que em casa um desses lugares ele se manifesta de uma forma diferente. E que é isso que precisa ser estudado pela história política.

RTL – Qual a diferença entre a história política e história do Estado?

Hespanha – É justamente isso, é que se reduzirmos a história política à história do Estado há muitos fenômenos de poder que ficam fora e que nós nunca vimos, e o que temos que ver e é explicativo da sociedade é justamente esse outro poder que está fora do Estado. Porque nem na sua vida nem na minha, o Estado, se calhar, nunca entrou. Nunca esteve na cadeia, nunca teve querelas com tribunais, enfim, o Estado na sua vida não entrou, na minha que sou bastante mais velho também praticamente não entrou, e, no entanto, nós não somos livres. Não somos livres por quê? Porque há muitos poderes na sociedade que não são o Estado. E é nesses que é preciso que nós, para criticarmos a sociedade atual ou para percebermos as sociedades históricas, é que temos que atentar.

RTL – Qual a inserção do historiador na sociedade portuguesa?

Hespanha – Os historiadores têm alguma importância na sociedade portuguesa e nas outras não portuguesas também, porque ajudam a perceber o presente. Os historiadores tratam sobre o passado, mas, no fundo, tem que servir, como toda a gente, ao presente e, por isso, se a história não tiver nenhum significado para o presente, para tornar a sociedade actual mais perfeita, menos injusta, a história não tem grande sentido. Ou seja, o historiador não deve ser só um amante de coisas antigas, do passado pelo passado, mas deve tentar perceber a sociedade em que vive, para melhorá-la naturalmente.

RTL – Como estão as relações acadêmicas entre Portugal e o Brasil?

Hespanha – Muito melhor que há uns anos. Hoje em dia há contactos e trocas regulares entre professores dos dois países e as coisas estão a melhorar muito, já não é a velha retórica da fraternidade, é mais do que isso, as pessoas estão a trabalhar mesmo.

RTL – Qual a importância, na sua opinião, de um evento como a ANPUH?

Hespanha – Bom, é muito grande, para mim é absolutamente inédito porque nunca tinha visto reunidos tantos professores universitários de história. Portugal é um país pequenino, o Brasil é um país muito grande, e tem muita gente e muito boa gente.

RTL – Finalizando, em Portugal há a discussão sobre a regulamentação da profissão do historiador? E se há, qual o seu posicionamento?

Hespanha – Não, não há. Esse problema em Portugal não se pôs sobre a regulamentação da profissão do historiador. Devo dizer que nem sei eu o que se quer dizer com isso. As regras da profissão do historiador nós sabemos, nós historiadores sabemos quais são, temos que ser honesto com as fontes, consultar as fontes, seguir as regras da arte… Mas isso não é nada que possa ser imposto por leis, digamos, está dentro do coração de cada historiador, da consciência de cada historiador, como fazer a história. Não creio que a lei possa adiantar nada.

Prof. Dr. Francisco Carlos Palomanes Martinho (Universidade do Estado do Rio de Janeiro, UERJ)

A seguir, os principais trechos da entrevista concedida à Revista Tema Livre pelo professor Francisco Carlos Palomanes Martinho, presidente da ANPUH regional, no dia 14 de Outubro de 2002, durante a realização do X encontro regional de história, no campus da Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ. Na entrevista, o Professor Martinho faz sua analise do evento, fala da regulamentação da profissão de historiador e, ainda, da utilização, por parte da TV e do cinema de personagens e fatos históricos.

Revista Tema Livre – Primeiramente, o que é a ANPUH regional ?

Francisco Carlos Palomanes Martinho – ANPUH regional é a seção do Rio de Janeiro, a organização no âmbito do estado, da Associação Nacional de História. A Associação Nacional de História é uma entidade civil, criada em 1961, que congrega professores universitários de história, e que tem como finalidade mais importante a difusão de trabalhos acadêmicos dos professores afiliados a entidade.

RTL – Qual a sua analise do evento ?

Martinho – É uma analise muito positiva. Na verdade, ao contrário da maioria das outras associações acadêmicas, a ANPUH prefere fazer encontros dentro de universidades, no próprio campus universitário, ao invés de um hotel ou coisa que o valha, como a maioria das outras associações. E nós procuramos trazer para a participação da ANPUH o número maior possível de alunos tanto de graduação quanto de pós-graduação. Quer dizer, é um evento relativamente grande, relativamente oneroso, mas muito positivo. Ao final do encontro, os trabalhos aqui entregues são publicados nos anais do encontro, o que seria a última atividade da atual gestão da ANPUH. Outra coisa positiva desse encontro e que eu acho que vai dar um salto qualitativo para a associação é o fato de que nós que tínhamos uma dificuldade logística muito grande, dessa vez conseguimos uma sede própria para a ANPUH. A ANPUH agora vai ter uma sala localizada no arquivo público do Estado do Rio de Janeiro, que é o lugar ideal para uma associação de historiadores, e o nome da sala vai ser Sérgio Buarque de Holanda, em homenagem ao centenário do Sérgio Buarque. A obtenção dessa sala vai facilitar a organização da entidade, a distribuição de material junto aos associados, e o seu funcionamento naturalmente será mais eficaz do que vem sendo até hoje.

RTL – Existem planos para estender aos alunos da graduação a possibilidade de vir a filiarem-se à ANPUH para terem acesso a publicações da associação ?

Martinho – Na verdade o planejamento foi em um sentido contrário, quer dizer, o termo original ANPUH, a sigla, significava Associação Nacional de Professores Universitários de História, depois ela mudou, manteve a sigla ANPUH mas passou para Associação Nacional de História, na qual podem se filiar não só professores universitários, mas professores do ensino médio e fundamental. Nos anos 80, alunos de graduação podiam participar das comunicações coordenadas e demais comunicações, hoje, já não podem mais, uma vez que, em primeiro lugar há fóruns para os alunos de graduação participarem, nomeadamente as semanas de iniciação científica, as universidades e etc e essa é uma associação que apesar de não ser mais, ou de não se chamar mais uma associação de professores universitários é uma associação de profissionais, então ela não deve ser confundida com outro tipo de associação. Há uma reivindicação que está em aberto que é em relação à participação dos alunos que tem bolsa de iniciação cientifica, porque o CNPQ cobra desses alunos a participação em eventos acadêmicos. Alguns professores consideram ruim a ANPUH vetar a participação dos seus próprios alunos de história em um evento organizado para a difusão cientifica da história e para a difusão de trabalhos acadêmicos na área de história, quer dizer, seria ir contra o espirito da bolsa de iniciação cientifica. Então essa é uma reivindicação que vai ser posta em questão em assembléia (A assembléia, realizada após a entrevista, decidiu permitir a participação do aluno de graduação desde que tenha a orientação de um professor).

RTL – No atual contexto brasileiro, qual o papel do historiador ?

Martinho – Quer dizer, todo profissional tem uma importância muito grande. O historiador não deve, naturalmente, superdimensionar o seu papel, nem subdimensionar. O papel do historiador é importante como difusor de conhecimento e como propagador do pensamento crítico. Quer dizer, a rigor, ao contrário do que se pensou muito nos anos 70, não é exatamente o papel do historiador fazer um trabalho de intervenção. O trabalho de intervenção cabe ao político. É natural que um historiador como um cidadão é um ser político também, mas o trabalho dele será tanto melhor quanto mais critico for e quanto mais abrangente for na sua critica, quer dizer, o papel do historiador não é o papel do militante social, embora muitas vezes possam existir pontos de interseção entre um e outro.

RTL – E sobre a regulamentação da profissão, na sua opinião, isso seria algo importante ou desnecessário para o historiador?

Martinho – Esse também é um tema aberto na associação. Há colegas associados que são favoráveis e há colegas associados que são contrários, quer dizer, no encontro de Florianópolis, em 99, que foi o encontro nacional da ANPUH, essa questão foi discutida, sendo ponto de polêmica e de indagação, havendo uma tendência predominante a aceitação ao apoio da regulamentação. Eu pessoalmente sou contra, acho que há um exagero nesse bacharelismo, na necessidade de determinar, quando, na prática, você tem no Brasil um número muito grande de excelentes historiadores que não tem o diploma de história. Como você teve e tem cada vez menos, infelizmente, um número muito grande de excelentes jornalistas que não tem o diploma de jornalismo. Aliás, depois que houve a regulamentação da profissão de jornalista, os jornais se empobreceram. Claro que essa não é a única relação, mas esse é um fato. Hoje, por exemplo, figuras como João Saldanha e como Sandro Moreira não poderiam ser jornalistas, assim como figuras como Caio Prado Júnior ou Jacob Gorender não poderiam ser historiadores, embora não tenham o diploma de historiador, e são excelentes historiadores. O Gorender, aliás, não tem nem o diploma de nível superior, então essa amarra é, ao meu juízo, muito perigosa. Agora, essa é uma opinião minha, individual, como cidadão que tem opinião sobre as coisas. A Associação, de uma maneira geral, tende a ser favorável a regulamentação.

RTL – Qual o seu ponto de vista sobre a utilização por parte da TV de fatos e personagens históricos, como recentemente, houve uma série que colocou uma figura um tanto quanto polêmica do D. João, da Dona Carlota e de toda a família real?

Martinho – Olha, eu acho que aí essa questão da relação entre a arte e a história, seja literatura, seja o cinema, seja a tv, ela é sempre polêmica e provocadora de tensões. Não cabe a nós censurar o trabalho do artista, o trabalho do artista é um trabalho livre, toda criação é livre, e você pode fazer dela o que você quiser. O problema é quando essa obra literária ou artística pretende ser uma obra interpretativa de um determinado período histórico. Quer dizer, quando para além da criação artística ela tem uma visão histórica e pretende fazer opinião a partir da visão histórica que ela tem. Aí eu acho que é justo que o historiador critique o conteúdo daquilo que está sendo feito, daquilo que está sendo elaborado. Tanto nesse episódio da minissérie da Rede Globo, quanto no filme da Carla Camurati, Carlota Joaquina, que são os dois mais recentes e que causaram mais polêmica, o grande problema é que a figura do D. João foi colocada de maneira muito caricaturada, quer dizer, de maneira muito empobrecida, enquanto na verdade ele foi um grande estadista. Para o bem ou para o mal é D. João um dos responsáveis diretos pela manutenção da América Portuguesa unificada, enquanto a América Espanhola é toda retalhada em pequenas repúblicas. A América Portuguesa se manteve unificada em decorrência do papel desempenhado pelo D. João nas relações políticas, nas relações internacionais à época. Então, eu acho que é justo que o historiador critique o conteúdo, na medida em que esse conteúdo pretende de certa maneira reconstituir a história passada.

RTL – Quais são os futuros eventos que a ANPUH regional pretende realizar?

Martinho – Bom, a ANPUH realiza encontros de dois em dois anos de âmbito regional e encontros de âmbito nacional também de dois em dois anos não coincidindo os anos, então, nos anos pares, são os encontros regionais e, nos anos ímpares, são os encontros nacionais. Agora, nesse encontro, na assembléia da associação, vai ser definido o tema do próximo encontro, pois cada encontro tem um tema especifico, onde as conferências e as mesas redondas obedecem a um tema, e o desse ano é história e biografia, mas no próximo encontro vai ser outro. Agora, para além disso, nós temos vários grupos de trabalho vinculados à ANPUH, vários GTs, que pegam temas dos mais variados, desde os GTs de gênero, por exemplo, como o GT de história da ciência, GT de história agrária e esses GTS têm a obrigação, têm a função de, ao longo desses dois anos, funcionarem, quer dizer, promoverem um conjunto de atividades que não dependem desses encontros bianuais da associação. Então, a associação se mantém viva através desses grupos de trabalho, dessas pesquisas congregadas de historiadores das várias universidades daqui do Rio.

RTL – Finalizando, para associar-se a ANPUH?

Martinho – Para se associar a ANPUH tem que procurar a direção regional, se associando aqui está automaticamente associado a ANPUH nacional e a ANPUH como um todo. A obrigação do associado é pagar a anuidade, estar em dia com a mesma e, pagando a anuidade, o associado tem o direito a receber a Revista Brasileira de História, publicada pela ANPUH nacional. Então, o certo é procurar a direção da ANPUH regional. Esse ano como o encontro foi na UERJ, a direção é da UERJ, o próximo encontro provavelmente será na UFRJ, então o futuro presidente da ANPUH provavelmente será um professor do Departamento de História da UFRJ (Após a entrevista, a presidência da ANPUH-RJ passou a ser ocupada pelo professor Manuel Salgado Guimarães – UFRJ/UERJ -, tendo como vice a professora Tânia Bessone – UERJ).