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Homenagem a António Manuel Hespanha

Niterói, 02 de julho de 2019.

Da redação.


Foto do Prof. Dr. António Manuel Hespanha/Fonte: Flickr UFPR.

Foto do Prof. Dr. António Manuel Hespanha/Fonte: Flickr UFPR.

 

Faleceu no último dia 01 de julho de 2019, em Lisboa, o historiador António Manuel Hespanha, aos 74 anos. O pesquisador veio a óbito em virtude de um câncer. Em razão do triste fato, a Revista Tema Livre relembra nas linhas que se seguem e de forma sucinta a trajetória do intelectual português, que marcou a historiografia lusófona.

 

Hespanha nasceu em Coimbra, em 1945, nos tempos do Estado Novo português. Em 1967, na prestigiosa universidade da cidade que o viu nascer, graduou-se em Direito e, logo em seguida, em 1971, obteve o título de mestre em Ciências Histórico-Jurídicas pela mesma instituição. Doutorou-se, em 1986, em História pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (UNL) com a tese “As Vésperas do Leviathan. Instituições e Poder Político em Portugal no século XVIII”, que versou sobre o sistema de poderes das monarquias tradicionais europeias. A obra tornou-se marco da historiografia lusófona, sendo importante contributo para a compreensão das sociedades portuguesa e brasileira do período.

 

Ainda sobre o resultado de pesquisas de Hespanha, o português publicou cerca de duas dezenas de livros e quase duzentos artigos acadêmicos em Portugal e no exterior. Entre suas realizações mais recentes, publicou o livro "Filhos da Terra, Identidades Mestiças nos Confins da Expansão", no qual retoma temas da história colonial. O Centro de Investigação e Desenvolvimento sobre Direito e Sociedade (CEDIS) da Universidade Nova de Lisboa o definiu como "o historiador português mais citado internacionalmente" e "um dos nomes mais importantes no estudo da história institucional e política dos países ibéricos".

 

Também como pesquisador pertenceu a diversos grupos e instituições de pesquisa em Portugal e em outros países. Como exemplo, no Brasil, era membro do Antigo Regime nos Trópicos (ART), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Também ao longo de sua trajetória esteve vinculado ao Instituto de Ciências Sociais da Universidade Nova de Lisboa (1989-2003), onde, concomitantemente, desempenhava a docência universitária. 

 

Como professor visitante passou pela Ecole des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS), Yale, University of California/Berkeley, Universidad Autónoma de Madrid (UAM), University of Macau, Universidade Agostinho Neto (UAN) e o Instituto Superior de Ciências e Tecnologia de Moçambique (ISCTEM), dentre outras. Na América Latina, foi visitante da Universidad Nacional de Quilmes, na Argentina, da Escuela Libre de Derecho, no México, e do Instituto de Estudos Brasileiros, da Universidade de São Paulo.

 

Fundou e compôs os quadros das revistas acadêmicas Penélope, em Portugal, e Themis, em Porto Alegre, e fez parte do corpo editorial de muitos outros periódicos, como a Tempo (Universidade Federal Fluminense), Almanack Braziliense (Universidade de São Paulo) e E-journal for Portuguese Studies (Brown University). Entre 1995 e 1998, dirigiu a Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses.

 

A receber o título de Doutor Honoris Causa na UFPR/fonte: Flickr UFPR.

A receber o título de Doutor Honoris Causa na UFPR/fonte: Flickr UFPR.

O reconhecimento de sua atuação o fez receber vários prêmios e títulos, como dois doutoramentos Honoris Causa. O primeiro, na Universidade de Lucerna (Suiça), e o segundo, na Universidade Federal do Paraná. Também era membro correspondente estrangeiro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHBG), situado no Rio de Janeiro, e do Instituto de Investigaciones de Historia del Derecho, em Buenos Aires. Era Grande Oficial da Ordem de Cristo, título dado pela Presidência da 

                                                 República Portuguesa.

 

 

Repercussão

O óbito de Hespanha repercutiu dos dois lados do Atlântico. Os principais jornais portugueses noticiaram a perda do pesquisador. João Cravinho, ministro da Defesa de Portugal, em sua conta no Twitter, postou que “A melhor homenagem possível é a leitura da sua obra. Estou a meio de ”Filhos da Terra”, recentemente publicado, que rasga horizontes novos para a historiografia de Portugal no mundo”. António Costa Pinto, professor e pesquisador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, postou em sua conta no Facebook que a produção acadêmica de Hespanha teve "grande impacto na Alemanha, Europa do Sul e América Latina." Na mesma rede social, o Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa afirmou que "estamos de luto com a partida do Prof. António Manuel Hespanha (1945-2019)".

 

No Brasil, o grupo de pesquisa Antigo Regime nos Trópicos emitiu a seguinte nota, em que afirma que “lamenta profundamente o falecimento do Professor António Manuel de Hespanha, um dos maiores modernistas dos últimos anos e uma das principais referências para estudiosos dos mundos ibéricos da época moderna, inclusas as áreas de conquista da América lusa. Recentemente, finalizamos a organização de um seminário interno do ART, a se realizar entre os dias 28 e 30 de agosto de 2019. Em razão de seu falecimento e por sua vasta e marcante obra, o seminário será dedicado à sua memória. Igualmente, dividimos nosso pesar com colegas de trabalho no Brasil e de outras partes do mundo, sobretudos historiadores modernistas portugueses. Damos, igualmente, pêsames aos familiares de António Manuel de Hespanha”.

 

Releia entrevista que o professor catedrático da Universidade Nova de Lisboa concedeu à Revista Tema Livre clicando aqui.

 

António Manuel Hespanha: conferencista no XXII Simpósio da Anpuh/Acervo Revista Tema Livre.

António Manuel Hespanha: conferencista no XXII Simpósio da Anpuh/Acervo Revista Tema Livre.

 

 

 

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As referências ao comunismo no início dos anos 30 no Diário de Notícias

Artigo de Cristiano Cruz Alves

Licenciado em História pela Universidade Federal da Bahia; pós-graduando em metodologia em pesquisa, educação e extensão pela Universidade do Estado da Bahia; Mestrando em História Social pela Universidade Federal da Bahia. Professor da rede municipal de ensino de Camaçari. E-mail: ccalves@ufba.br. Orientador Prof. Dr. Muniz Ferreira Gonçalves.

 

O COMUNISMO: UMA ILUSÃO

O anticomunismo é um fenômeno social e político que encerra em si um conjunto de ações, discursos e estratégias que visa combater o objeto da sua crítica e recusa: o comunismo (MOTTA, 2002, p. XIX). Para tanto, a construção de um conjunto de idéias acerca do comunismo é necessário para conformá-lo como um inimigo social, um ente que se contrapõem aos valores, instituições e estruturas sociais e econômicas vigentes na sociedade capitalista e ocidental.

Dentre os elementos mais importantes que estão presentes nos discursos anticomunistas é a idéia de que o comunismo tende a desintegrar a sociedade tal como as pessoas a conhecem e a aceitam, laçando-a numa desordem social. O discurso é concatenado com os referenciais sociais que mantém coeso o todo social em que as representações são criadas e transmitidas. O que pude constatar no caso baiano é que as idéias e noções disseminadas pelos anticomunistas estão relacionadas às questões religiosas, à família e a harmonia social, principalmente.

Estas idéias se constituíram num ideário disseminado pelas forças conservadoras da sociedade cuja formação se deveu à propagação de uma noção de comunismo como ameaçador para a ordem social e o proponente estabelecimento de uma sociedade comunista levaria ao fim valores cristãos e capitalistas. Por isto as classes dominantes no intuito de legitimar as desigualdades existentes e negar a eficácia do comunismo, descaracterizavam-no ao apresentar-lhe como um "perigo", redefinindo conceitos e moldando ações políticas.1

A construção de um imaginário em torno do comunismo, cuja definição é forjada pelos seus opositores mais radicais é um produto do anseio das classes dominantes de torná-lo aos "olhos" da sociedade um ideário de desgraça, da emergência do caos social e do terror político. Assim, o comunismo seria destrutivo, constituindo sua principal meta a aniquilação da escala de valores sociais, pois o comunismo é tão somente uma ideologia que cria o caos, elimina as distinções ou quebra escala de valores sociais.

Compreender a forma como e porque este imaginário é forjado e para que interesses ele serve é também apreender o significado na constituição deste, imaginário fundado em certas restrições ou preconceitos com relação a posturas e a mentalidade política e social. Se a sociedade baiana não era considerada um terreno fértil para a sementeira comunista, como afirmavam alguns anticomunistas, fica claro o contrário: a incipiente mobilização popular no início dos anos 30 provocou temores às alguns setores das elites que passaram a ver a Revolução de Outubro como ameaça à hierarquia social.2

 

A REVOLUÇÃO DE 30 E A BAHIA

A principal característica política do período 1889-1930 é a representatividade restrita e a rigidez da estrutura de poder. Baseado nestes dois elementos, os setores tradicionais conservaram-se no poder sem grandes percalços até 1930 quando houve um rompimento na perpetuação da monopolização dos espaços de poder.

A persistência desta máquina político-administrativa, excessivamente vulnerável ao poder das elites econômicas tradicionais, tornou-se incompatível com as mudanças em curso na sociedade brasileira, em vias de superação do status de economia primário-exportadora.(DINIZ, 2004, p.82)

A incompatibilidade exposta acima, entre as mudanças na sociedade e a permanência das mesmas elites agrário-exportadoras no poder, se expressava principalmente na demanda por uma participação autônoma de outros setores que vinham sistematicamente protestando contra o sistema político vigente, como por exemplo, o operariado, alguns funcionários públicos e a pequena classe média. Entretanto, na Bahia isso não ocorria de maneira intensa, tal como no Centro-Sul estava acontecendo.

A despeito das caracterizações que se possa fazer a respeito das mobilizações populares na Bahia nas primeiras três décadas do século XX, posto que sua importância está na negação da visão de indolente e pacífico que é atribuída ao baiano, as organizações e mobilizações do povo não atingiram o mesmo grau de contundência e enfrentamento se comparadas com as de São Paulo e Rio de Janeiro, exceto pela greve de 1919. Parafraseando um dos autores que estudou as condições do trabalhador baiano na Primeira República, um dos traços mais importantes foi a cooptação de setores populares por parte das classes dominantes e a sua domesticação. (SANTOS, 2001, p. 101)

Indo mais além, podemos afirmar que ao contrário do que algumas correntes pensam a respeito da reestruturação política, da participação e representação nacional após 1930, continuou existindo uma sistemática exclusão por parte das classes dominantes e por alguns representantes da própria classe trabalhadora. Constitui-se assim, na visão de Ítalo Tronca uma ocultação do real, já que a escrita da história da revolução de 1930 "foi e continua sendo um poderoso instrumento de dominação, na medida em que apagou a memória dos vencidos na luta e construiu o futuro na perspectiva dos vencedores." (TRONCA, 1982, p. 7)

O temor gerado pelas elites quanto às indefinições dos rumos que o país iria tomar gerou a continuidade e o aprimoramento de um circuito de dispositivos repressores e disseminadores do medo à instabilidade social. Ao mesmo tempo em que ocorria o recrudescimento da disposição totalitária, ocorria uma série de redefinições em relação a cidadania e ao que é "o brasileiro" e o contraponto disto – a formação de um inimigo configurado pela negação destas noções construídas pelo Estado e por parte da sociedade. Este inimigo seria o comunismo

A partir de 1930, ocorreu uma alteração na relevância que a imprensa escrita atribuía ao "credo de Moscou". No âmbito estatal, se conformaram também algumas mudanças em relação ao regime anterior, como a criação de uma seção especial de combate ao comunismo no Rio de Janeiro e a edição de leis que tornavam o movimento operário atrelado ao governo (TRONCA, 1982, p. 92-93). As ações policiais e as leis que limitavam a manifestação e organização das classes populares justificavam as repressões devido à propalada "ameaça comunista". Neste sentido, a preocupação era a contenção de possíveis movimentos que ameaçassem a estabilização do novo governo. Portanto, a violência continuou a ser infligida nas delegacias e prisões contra os dissidentes políticos e pertencentes às correntes políticas que não acatavam a normalização do regime tal como estava se processando, principalmente, os comunistas. (PINHEIRO, 1991, p. 259).

A Bahia não esteve alheia à profusão da institucionalização das ações autoritárias, principalmente após 1930, gerado pelo temor às mobilizações populares. Na Bahia, também ocorreu uma maior atenção ao comunismo por parte das elites locais. Contudo esta preocupação estava assentada em formulações ideológicas que remontam ao início da República. O comunismo era um elemento novo que contribuía para a "conturbação" social, mas que não se dissocia de outros – se pensarmos que o combate ao comportamento arredio das camadas populares tanto em seus aspectos culturais como em suas condições de trabalho já existia.

Refiro-me especificamente às modalidades de violência que se praticava para conter a ascensão de uma camada considerada inculta, irracional e incapaz de ocupar os espaços de poder. Este processo de constante segregação social que continuou na década de 1930 – não obstante certos momentos de legalidade liberal – ocorreu paralelamente a um projeto elitista de adequar á Bahia a um modelo de "civilização" que pelo seu caráter excluía manifestações outras que a ameaçavam sobremaneira. É possível nos aprofundarmos nisto se admitirmos que aspectos, abordagens, atores sociais negligenciados pela história factual agora se tornam vitais para entendermos o quanto pode parecer normal que na Bahia, não tendo um movimento operário hegemonizado pelo anarquismo ou comunismo possa existir um anticomunismo tão presente nos jornais.

Ações e idéias que excluíam a grande parte da população vinham sendo implementadas para afastar as classes perigosas do centro dos acontecimentos sociais e políticos. Um dos exemplos que poderia ser citado é o carnaval. Considerado pela elite baiana como uma festa européia porque resgatava elementos "bons" e "civilizados" do velho continente, o carnaval com influência africana não era bem visto. Vê-se no início do século XX, a linguagem de "civilização" contra o "barbarismo" devido ao aumento da africanização do carnaval.(BURKE, 2000, p. 228)

A violência não era descartada, pelo contrário, era elemento presente quando ocorria resistência de qualquer tipo a este modelo de sociedade, e nisto se inserem várias lutas contra a carestia, por exemplo. A partir de 1930, as mudanças que irão ocorrer no âmbito governamental para aplacar estas lutas, como a regulamentação trabalhista e a organização sindical terão reflexos na relação entre camadas populares e Estado, mas não fizeram dissipar a repressão tanto concreta como simbólica – nesta tendo como feixe principal o anticomunismo.

Estas características da sociedade baiana contribuíram sobremaneira para a construção do "outro" como inimigo. Recorrendo a Dutra, trabalho no qual faz um paralelo entre anticomunismo e a construção de um Estado autoritário e discricionário, o comunismo é este "outro" o que ameaça a ordem (DUTRA, 2002, p. 126). O anticomunismo, nesta ótica, então faz parte de um processo de reforço de valores morais, religiosos, familiares e pátrios que ao delimitá-los, os simpatizantes e seguidores do totalitarismo fascista automaticamente discricionam aqueles valores que não se inserem no campo conservador-autoritário. Esta ação combinada com a formulação de representações acerca do "outro" em uma sociedade que procura expurgar as classes populares, mais as resistências políticas à Revolução de 30 pelo seu caráter indefinido conflui para o comunismo.

Justificadas pela eminente desagregação social, provocada pela instabilidade política e econômica, as forças que defendiam um Estado forte atribuíam ao comunismo a causa para a desunião e a descrença nas instituições. Em 1935, aos olhos das elites, a Intentona Comunista veio apenas confirmar o perigo que representava, visto que, os conceitos e formulações acerca do comunismo estavam provando seu poder aniquilador do Estado e sociedade brasileiras. A conseqüência para os comunistas foi a intensificação da hostilidade e um clamor por punição e prevenção contra novas rebeliões.(HILTON, 1986, p. 93)

 

O DISCURSO ANTICOMUNISTA

Uma das manifestações mais importantes do início da década de 1930 que gerou protesto de vários jornais quanto ao seu caráter foi o Quebra-bondes.

Ocorreu no dia 4 de Outubro, um dia após o início do movimento militar. A insatisfação em relação aos aumentos de passagem aliada ao fato da companhia ser estrangeira fizeram surgir uma associação do explorador com a exploração. O culpado era o americano, que além de tudo usava a bandeira brasileira de maneira vil3. Houve a quebra dos bondes, um ataque ao edifício-sede do jornal A Tarde e a destruição de prédios públicos e privados. Os revoltosos foram presos. Eis a notícia que foi veiculada dois dias após, num jornal do interior da Bahia:4

 

OS GRAVES ACONTECIMENTOS DA BAHIA5

O povo, num assomo de revolta, depreda edifícios e incendeia bondes da Linha Circular. A Cidade viveu hontem uma noite de intensa agitação por ter um grupo numeroso de pessoas do povo, depois de engrossado e dividido por outros grupos, atacado o prédio da Companhia Circular apedrejando-o e modificando-o. Em seguida o referido grupo voltou-se para os bondes que desciam o Saldanha, rumo ao Terreiro, apedrejando-os rapidamnte. Appareceu logo ahi kerosene e gazolina e vários carros foram incendiados (…) Parece que há germem de comunismo nos graves acontecimentos de sabbado último.6

A intenção do jornal baiano neste evento específico era associar a violência do evento ao comunismo. Reforço do comunismo como um mal, a violência era uma das suas manifestações mais evidentes, causa para atitudes desreguladas socialmente. É neste sentido que as palavras guardam o efeito de produzir para o leitor as noções de Bem e Mal: O Bem são os baianos pacíficos e ordeiros, enquanto que o Mal, são os outros, neste caso o comunismo.

Nos meios de comunicação a ilusão da objetividade do discurso é mais visível por que intencional. O jornal, por exemplo, transmite uma ordem onde estão contidos valores ocidentais, "onde o bem é o anticomunismo em função dos consensos, explicações com encadeamentos de causa e efeito etc., que vão sendo organizados".(MARIANI, 1998, p.122). O discurso jornalístico tende a encadear os sentido e produzir uma lógica que aparenta ser imanente a realidade, sem discussão profunda do que venha a ser o comunismo e se o que está sendo posto como comunismo o é de fato.

O comunismo era uma ideologia que não tinha possibilidade de ser implantada no Brasil e para alguns se tinha que tomar todo cuidado por parte do governo para que o comunismo não pudesse se expandir e instituir a "anarquia". Neste sentido, a Revolução de 1930 trouxe um medo quanto à inserção de comunistas no movimento, como no texto abaixo:

Cuidados com as insídias communistas! […] Como em Buenos Aíres, incubiram-se dessa ignominiosa tarefa de subversão da ordem, para implantar o domínio da anarchia, os elementos comunistas que se acoitam neste momento, nas grandes capitais das nações civilizadas, aguardando opportunidade propícia, para semeadura dos seus planos machiavélicos. E, com esse propósito, e encorajados para essa finalidade, os comunistas do Rio de janeiro, aproveitando-se daquelles instantes de irreflectidas deliberadamente, crearam, de chofre, uma situação de desentendimento entre as forças do Exército nacional alli estacionados e a polícia militar e o corpo de bombeiros que deixaram os seus quartéis e, na praça pública, entraram, corpo a corpo, em lucta ingloriosa, dahi resultando o desfecho conquistador de um morticinio.7

A notícia se refere ao Rio de Janeiro, mas não impede sua análise por conta da concordância por parte do diário baiano em publicá-la. Demonstra preocupação em relação aos rumos da revolução em face de acontecimentos ocorridos em outros países. Os exemplos estrangeiros e de outros estados colaboram para a formação de um anticomunismo ao apontar a desordem causada ao alertar para a possibilidade disso ocorrer caso o comunismo destruísse o Estado.

Podemos inferir também que ao ressaltar os embates militares entre o exército e os comunistas, aqui ainda chamados de "anarquistas", a interpretação do leitor pode indicar um perigo de um conflito militar interno, o que contribui ainda mais para a rejeição do comunismo e seu combate como ideologia "perniciosa".

A partir de 1930, há uma atenção maior também para a situação do operariado. Este, considerado alvo preferencial pelos comunistas, precisava ser alertado das falsas promessas da "doutrina vermelha". Para tanto, notei que houve um discurso específico construído para "esclarecer" o que seria o comunismo e apontar as negatividades que poderia trazer para o operário se este fosse levado à adotar o comunismo.

Parte do que foi veiculado pelo Diário de Notícias foi realizado a partir de conclusões a respeito da condição do operariado russo após a revolução comunista de outubro. Mesmo não sendo explícitos neste ponto, os autores do artigo tomavam como referência o operariado da Rússia para estabelecer prognósticos sobre como poderia ser no Brasil, apontando as mazelas que seriam geradas caso o comunismo dominasse o país.

Um artigo que mostra este ponto de vista é apócrifo – como boa parte dos artigos o é:

O Operário da Indústria Escrevemos estes artigos como propaganda que instrua o povo brazileiro acerca dos porquês a que se expõe se prestar ouvindo à predica de falsos apóstolos da liberdade individual, da igualdade social e da fraternidade em que viverão os homens de todas as condições de cultura, de origem social. Promettem esses apóstolos uma organização social ideal, em que cessam as desigualdades e toda gente se bitola pelo principio, que nosso povo defini tão bom como tão bom. Pois espere isso o bom povo brazileiro: – o contrário há de acontecer porque taes apóstolos trazem, como disse o poeta lusitano – Mel na voz, fel na tenção. E quem são no Brasil taes pregadores do communismo, do anarchismo, da demolição total da organização social, para sobre sua ruína implantar-se o communismo , que significa guerra de noite à santa religião de Christo, de destruição completa da Família e obliteração do sentimeno da Pátria, que lida com indissolúvel cadeia, o indíviduo à gleba que o viva nascer? Sim, quem são esses homens. […] [nesta parte, o artigo descreve a vantagem da organização do trabalho em relações as aptidões dos indivíduos em determinadas áreas] E vide o que seria, si em vez dessa bella organização em que cada um escolhe o gênero de actividade que se coaduna com a sua natureza, todo um povo fosse obrigado a trabalhos necessários a apenas a sua subsistência, sob o mando de governos despóticos, sem liberdade na escolha do modo de applicar o seu esforço! E, a propósito disso, acabo citando a palavra de um autor – A rotina, a ausência de expontaneidade da vida communista, é um peso para os espíritos, que a segurança dos meios de vida não compensa.8

Neste texto, como na grande maioria, há uma referência à religião, onde se reafirma o comunismo como uma ameaça ao cristianismo. Denuncia também a "ilusão comunista" da liberdade, igualdade e fraternidade, cuja realização não é possível de acordo com os princípios e moldes comunistas. O problema desta utopia seria o represamento da espontaneidade humana que no comunismo estaria posta pela impossibilidade do homem escolher sua própria atividade. Atingindo a religião e a liberdade, bases fundamentais da sociedade brasileira para os liberais e conservadores da elite no poder, o jornal tende a criar nos seus leitores um repúdio ao comunismo pela negação destes aspectos da vida social.

Não obstante a isto tudo, o jornal representava os interesses do governo que acabara de ocupar o poder. Através da publicação de várias cartas e artigos de Agripino Nazareth, advogado e um dos líderes operários da Greve de 19199, o jornal compactuava com a política sindical do governo Vargas.Esta política que ao mesmo tempo legalizava direitos reivindicados por mais de duas décadas, trazia para perto de si líderes operários para auxiliar o governo a organizar os sindicatos para atender o seu desejo de controlar os trabalhadores.

As violências perpetradas contra a classe trabalhadora e a população descontente com o regime não eram noticiadas pelo Diário de Notícias. Mas a inquietação do governo quanto à organização e à articulação dos sindicatos baianos com os comunistas era algo latente, pois vários foram os textos jornalísticos que versavam sobre o assunto. Curiosamente, em quase todos eles Agripino Nazareth está presente, ou como destinatário de uma carta ou mencionado por outro autor, o que nos permite especular a respeito da função organizacional desempenhada por ele na Bahia com vistas ao controle e a impedir a inserção dos comunistas no sindicalismo baiano.

Um destes textos é uma resposta de Agripino Nazareth a um líder operário – não mencionado – em relação a preocupação do primeiro quanto ao comunismo.

Certo devereis prosseguir no trabalho de reivindicação do Centro Operário da Bahia para os operários, delle afastados os elementos estranhos que o converteram num colo de politicalha. […] O homem que ora dirige os destinos da Bahia vem de uma campanha iniciada na propaganda liberal, prosseguida nas urnas eleitorais e victoriosa, afinal, no embate das armas revolucionárias com as dos defensores do regimen olygarquicos. É, portanto, o interventor federal um integrado na mentalidade do Brasil Novo e não opporá entraves à reorganização syndical dos trabalhadores bahianos até porque fiéis à antiga orientação de adeptos do syndicalismo puro, sem mescla de ideologia política ou philosophica, sereis uma barreira á penetração do bolchevismo dissolvente e da politicagem profssional, um e outra igualmente funestos à vida das associações de classe. Com os meus agradecimentos às confortadoras expressões do telegrama que me dirigistes em nome do proletariado bahiano, o abraço fraternal a todos os companheiros e o concitamento a que retomeis o fio mentalmente interrompido da syndicalização obreira.10

O comunista é visto como estranho à classe operária baiana. Não merece atenção pois é "de fora", não pertence às tradições locais nem respeita às características do operariado baiano. O reforço de valores morais e religiosos combinada com a formulação de imagens acerca do outro confluem para o comunismo como aquilo que não se insere na sociedade e, portanto, o ameaça. É preciso então extirpá-lo; as práticas, ações e representação cumprem inseridos no jornal baiano cumprem este papel. Portanto, o comunismo é o "outro" por ser estranho ao processo de construção de valores religiosos e morais.(DUTRA, 2002, p.126)

No final há uma consideração interessante, que demonstra o quanto é inócuo o operário, incapaz de se auto-organizar e frágil politicamente para impedir a penetração do comunismo no sindicalismo baiano. Este era visto como "uma classe incapaz de pensar e agir por si mesma, totalmente manipulada pelo partido"[PCB].(SILVA, 2001, p. 73). Aliás é interessante assinalar que as algumas referências à sociedade baiana especificamente se acham implicitamente nestes textos – como o baiano pacífico e ordeiro.

Também havia a inquietação em relação às greves. Curioso foi ler que, no trecho abaixo, esta apreensão partiu dos próprios operários(sic)!

Tivemos oportunidade de receber hoje, nesta redação, a visita de uma comissão de empregados da Companhia Circular, comissão esta que era constituída dos seguintes srs.: Américo Gomes da Silva, inspector; Gumercindo Ferreira, inspector; Juvêncio Alves do Nascimento, inspector; Argileu de Oliveira Lima, fiscal; Albino Garcia Martins, motorneiro; Antonio Pereira Souza Filho, conductor e Euclydes Gomes da Silva, motorneiro. Em nome dos mesmos, falou interpretando a orientação geral o sr. Gumercindo, que disse dos sentimentos seus e de seus colegas, contrários a qualquer greve, nesta hora, em que urge a acção da paz e do trabalho , para que a população nada soffra nos seus interesses. Ora comprovar a solidariedade dos companheiros, exibiu-nos, então um abaixo-assassinado de cerca de quatrocentas assignaturas, estando já assignados 364 empregados e faltando ainda outros assinar. Acrescentou a Comissão que, nos visitou que os ensaios de gréve são promovidos por indivíduos estranhos à classe, tendo encontrado repulsa da mesma.11

Além da própria disposição dos operários a repudiarem o movimento grevista, eles reconhecem que este é promovido por estranhos ao operariado, nada tendo a ver com este. Infelizmente não é possível tecer afirmações a respeito deste texto, pois faltam ainda trabalhos sobre o operariado baiano no período, o que poderia contribuir em muito na resposta para várias questões acerca da relação do operário baiano com uma importante organização operária, o Centro Operário.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em geral o anticomunismo baiano circunscrito no Diário de Notícias no início doa anos 1930, seguiu a linha de argumentação que outros trabalhos do gênero identificam em jornais, revistas livros e imagens de outras regiões do país em relação ao comunismo.

A construção de algumas referências sobre o comunismo na Bahia por parte do Diário de Notícias se processou certamente pela ótica elitista, tendo em vista as concepções de participação política excludente e repressora eu esta camada sociedade propugnava de maneira velada, o eu tornava as manifestações populares como foi a do Quebra-bondes ou as ameaças de greve, preocupações as mais diversas possíveis, em relação a possível penetração do comunismo no seio das classes populares.

A "questão social" foi um tema recorrente no Diário de Notícias. Quando tratada pelos intelectuais do periódico baiano, a maior parte da população não era vista como um ente que emitisse opinião sobre os problemas sociais. Está nisto, ao meu ver, uma das razões pelas quais a repressão violenta a manifestações contra o aumento de preços do bonde e a redução das condições de trabalho era algo normal e aceito pela pelo poder instituído. Como não é capaz de seguir uma conduta "correta", segundo os parâmetros ditados pela "sociedade baiana" é necessário guiar o povo para eu não enverede pelo comunismo. Assim, os protestos e as greves são formas incorretas e insidiosas eu atentam contra os valores religiosos e morais.

O operário foi sem dúvida um dos temas mais freqüentes no Diário de Notícias. Seu tratamento se dava em certa medida pela mesma perspectiva em relação ao restante da população: era preciso instruí-lo para afastá-lo do "mal vermelho" e obter maior eficiência no trabalho. Mas diferentemente disto, ocorria em parte dos textos, uma precaução com relação à articulação do operariado baiano com o comunismo. A interferência de Agripino Nazareth demonstrava que o governo Vargas não pretendia deixar a pequena classe operária baiana à deriva dos "sabores do diabo vermelho".

A organização dos sindicatos era um tema crucial, sendo sempre levantado por Agripino Nazareth em alguns telegramas publicados pelo Diário de Notícias. A postura de alguns líderes operários e Agripino Nazareth era clara: organizar os operários para impedir a propagação do comunismo.

No jornalismo baiano, mais especificamente em dos seus principais jornais, o Diário de Notícias foi notado uma postura claramente anticomunista com a intenção de transmitir idéias e noções sobre o comunismo que pudessem "esclarecer" a população. Sendo um órgão da grande imprensa e chamando para si a responsabilidade de focalizar um inimigo imputando a ele parte das mazelas vividas pela sociedade, o jornal assumia uma postura que reforçava o interesse de classe e a manutenção de uma determinada ordem que mantinha os mesmos grupos políticos na disputa pelo poder.

_________________________________________________________________________ Notas

01 – Admito que só podemos definir classe quando se conhece o processo histórico na qual está inserido, pois é no desenvolvimento da inter-relação cultural entre os diversos grupos que se reconhecem como distintos dos outros, com o qual podemos definir quem são. Assim, não é o processo de produção e distribuição material entendido como economia pura e simplesmente que define classe sem nos reportarmos a outros aspectos sociais e a sua posição nas disputas de poder e espaço político.Classes dominantes seriam aquelas que detém a hegemonia na produção de valores, representações e idéias culturais que são comumente aceitas e permeam direta ou indiretamente a construção e desenvolvimento de outros universos culturais.

02 – Segundo Sampaio (1998, p. 222) a Bahia era legalista. A Revolução que começara em Minas Gerais, Rio Grande do Sul, não teve apoio dos grupos que ocupavam o poder naquele momento.

03 – Segundo Luiz Henrique (2001, p. 382), "os protestos tiveram origem no grupo de populares que teria visto a bandeira nacional servindo de tapume para obras na encosta dos fundos do prédio da Circular"

04 – Não houve por parte do Diário de Notícias a publicação de notícias referentes aos acontecimentos, apenas uma nota de lamento dos diretores da empresa de bondes quanto aos "incidentes". Alguns dias depois uma outra nota de esclarecimento foi publicada para explicar a paralisação de linhas por conta da destruição dos bondes no dia 4 de Outubro.

05 – A grafia original das citações dos jornais será mantidas

06 – Ver Diário da Tarde de Ilhéos 06/10/1930.

07 – Ver Diário de Notícias 30/10/1930

08 – Ver Diário de Notícias 10/07/1931

09 – Ver CASTELUCCI, Aldrin Armstrong Silva. Salvador dos Operários: uma história da greve de 1919 na Bahia, 2001. 152 p. Dissertação (Mestrado em História). UFBA. Salvador.

10 – Ver Diário de Notícias 08/01/1931.

11 – Ver Diário de Notícias 25/11/1930

_________________________________________________________________________ REFERÊNCIAS

CARONE, Edgard. A Segunda República (1930 – 1937). São Paulo: DIFEL, 1974.

BURKE, Peter. Variedades da História Cultural. Rio de Janeiro: Civilização, 2000.

CASTELUCCI, Aldrin Armstrong Silva. Salvador dos Operários: uma história da greve de 1919 na Bahia. 2001. 152 f. Dissertação (Mestrado em História). UFBA, Salvador.

DINIZ, Eli. "O Significado da Revolução de 30: conservação ou mudança". In FAUSTO Boris (org.) O Brasil republicano: sociedade e política (1930-1964). 3º ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004 (História Geral da Civilização Brasileira).

DUTRA, Eliana Regina Freitas. O fantasma do outro – espectros totalitários na cena política brasileira dos anos 30. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 12, n. 23/24, p. 125-141, out/2002.

HILTON, Stanley. A Rebelião Vermelha. São Paulo: Record, 1986.

MARIANI, Bethânia. O PCB e a imprensa: os comunistas no imaginário dos jornais (1922-1989). Rio de Janeiro: Revan; Campinas: UNICAMP, 1988, p. 120.

MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda contra o "Perigo Vermelho": o anticomunismo no Brasil (1917-1964). São Paulo: Perspectiva, 2002.

PINHEIRO Paulo Sérgio. Estratégias da ilusão: a revolução mundial e o Brasil: 1922-1935. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.

SAMPAIO, Consuelo Novais. Partidos políticos da Bahia na Primeira República: uma política de acomodação. Salvador: EDUFBA, 1998.

SANTOS, Mario Augusto da Silva. A República do povo: sobrevivência e tensão(1889-1930).Salvador: EDUFBA, 2001.

SILVA, Carla Luciana. Onda Vermelha: imaginários anticomunistas brasileiros (1931-1934). Porto Alegre: EDIPUCRGS, 2001.

TAVARES, Luís Henrique Dias.História da Bahia. São Paulo: Editora UNESP; Bahia: EDUFBA, 2001.

TRONCA, Ítalo. A Revolução de 30: a dominação oculta. 8º ed. São Paulo: Brasiliense, 1993.

 

 

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Tema Livre Especial: Real Gabinete Português de Leitura

Real Gabinete Português de Leitura visualizado a partir do Largo Alexandre Herculano.

Real Gabinete Português de Leitura visualizado a partir do Largo Alexandre Herculano.

 

Nesta edição, a Revista Tema Livre apresenta o Real Gabinete Português de Leitura, ponto obrigatório para quem quiser apreciar um Rio de Janeiro que vai além de suas belas praias e montanhas. Para os interessados em conhecer a história e a cultura da cidade, que também é maravilhosa por seu vasto potencial histórico-cultural, o Real Gabinete é uma preciosidade.

 

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A instituição foi fundada em 14 de maio de 1837 como Gabinete Português de Leitura, no número 20 da então rua Direita (atual Primeiro de Março), por um grupo de 43 portugueses residentes no Brasil. Este grupamento era composto por comerciantes estabelecidos na praça do Rio de Janeiro e por exilados políticos, em função do absolutismo em Portugal. O primeiro presidente da instituição foi o Sr. Augusto José Marcelino da Rocha Cabral e, atualmente, o Real Gabinete é presidido pelo Sr. António Gomes da Costa.

 

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A atual sede da instituição, localizada na Rua Luís de Camões nº 30, no Centro do Rio, teve sua pedra fundamental lançada em 10 de junho de 1880 pelo imperador do Brasil, D. Pedro II, e a sua inauguração ocorreu em 10 de setembro de 1887, com a presença da Princesa Isabel e do seu esposo, o Conde D’Eu.

 

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Hall de entrada do Real Gabinete. Ao fundo, salão de leitura da biblioteca.

Hall de entrada do Real Gabinete. Ao fundo, salão de leitura da biblioteca.

 

Construído em estilo ‘neomanuelino’, o prédio teve como arquiteto o português Raphael da Silva e Castro. Acrescenta-se, ainda, que foi no edifício da Rua Camões que ocorreram as primeiras sessões solenes da Academia Brasileira de Letras (ABL), sob a presidência de Machado de Assis.

 

Vista geral do salão de leitura da biblioteca.

Vista geral do salão de leitura da biblioteca.

 

Busto de Camões, no salão de leitura.

Busto de Camões, no salão de leitura.

 

Em 1906, o Rei de Portugal, D. Carlos, concedeu o título de Real ao Gabinete de Leitura do Rio de Janeiro, sendo o único dos gabinetes localizados no Brasil (os outros dois estão em Salvador e Santos) a possuir tal designação. A partir de 1935, a biblioteca do já intitulado Real Gabinete Português de Leitura passou a contar com o depósito legal luso.

 

Aspecto geral do salão de leitura.

Aspecto geral do salão de leitura.

 

Vista de parte do acervo.

Vista de parte do acervo.

 

 

Atualmente, o Real Gabinete possui aproximadamente 350.000 livros, sendo, em todo o mundo, o maior acervo de autores portugueses fora de Portugal, além de contar com diversas publicações de autores africanos e de Macau, possessão lusa até 1999.

 

Corredor do terceiro andar da biblioteca.

Corredor do terceiro andar da biblioteca.

 

Porta que dá acesso ao Salão dos Brasões.

Porta que dá acesso ao Salão dos Brasões.

 

 

Sobre o acervo, a bibliotecária da instituição, Vera Lúcia Almeida, afirma que o mesmo “foi formado através de coleções doadas ao Gabinete e, adquirido, também, através de compra e do depósito legal português, sendo assim, nós temos o acervo atualizado com o que é editado em Portugal.” Vera Lúcia ainda chama a atenção de que a instituição possui a primeira edição dos Lusíadas, de Luís de Camões, datada de 1572. Ressalta-se, também, que o Real Gabinete possui manuscritos autógrafos de “Amor de Perdição”, de Camilo Castelo Branco, e do “Dicionário da Língua Tupy”, de Gonçalves Dias.

 

Vitral e lustre do salão de leitura.

Vitral e lustre do salão de leitura.

 

Aspecto do teto do salão de leitura.

Aspecto do teto do salão de leitura.

 

A consulta ao acervo do Real Gabinete é aberta à comunidade e a instituição também fornece regularmente cursos e palestras, além de possuir importante coleção numismática e de pinturas de José Malhoa, Carlos Reis, Oswaldo Teixeira, Eduardo Malta e Henrique Medina. Ressalta-se, ainda, que o Real Gabinete publica a revista Convergência Lusíada e possuí pólo de pesquisas.

 

Lustre do salão de leitura. No teto, ao fundo, pintura em homenagem a Pedro Alvares Cabral.

Lustre do salão de leitura. No teto, ao fundo, pintura em homenagem a Pedro Alvares Cabral.

 

Destaca-se, ainda, que os citados cursos e palestras ocorrem no Salão dos Brasões. Este salão tem no seu teto brasões das cidades portuguesas à época em que o Real Gabinete foi construído, bem como das possessões ultramarinas de Goa, Luanda, Macau e Maputo.

 

Salão dos Brasões, onde ocorrem cursos e palestras.

Salão dos Brasões, onde ocorrem cursos e palestras.

 

Ao centro, brasão de Portugal. À esquerda, o de Lisboa, e à direita, o do Porto.

Ao centro, brasão de Portugal. À esquerda, o de Lisboa, e à direita, o do Porto.

 

Assim, o Real Gabinete é uma instituição de enorme valor histórico-cultural para o Rio de Janeiro, que já chegou a ser, atrás, somente, de Lisboa, a maior cidade com população lusa em todo o mundo. O Real Gabinete reflete a relevância da colônia portuguesa nas terras em que Cabral chegou, além de ser um ponto de acesso à cultura e à educação. Pelo acervo de sua biblioteca, com o maior número de títulos de autores lusos fora de Portugal, e pelos seus cursos e eventos, definitivamente, o Real Gabinete Português de Leitura é ponto obrigatório para aqueles que querem conhecer e desfrutar da cultura e da história do Rio de Janeiro, do Brasil, de Portugal e de todos os emigrantes portugueses ao redor do mundo.

 

Endereço: Rua Luís de Camões, 30.
CEP: 20051-020 – Rio de Janeiro – RJ – Brasil.
Tel.: +55 21 2221-3138/2221-2960
Correio eletrônico: gabinete@realgabinete.com.br

 

 

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Prof.ª Dr.ª Carla Ferretti Santiago (PUC-MG)

A seguir, entrevista que a historiadora Carla Ferretti Santiago concedeu à Revista Tema Livre no dia 29 de julho de 2003, durante o XXII Simpósio Nacional de História. Na entrevista, a historiadora conta da sua experiência na produção de documentários, fala sobre a atuação do profissional da historia em veículos de comunicação, além do uso da televisão e da internet para a divulgação do conhecimento histórico.

Revista Tema Livre – Comente um pouco a sua experiência na TV Universitária.

Carla Ferretti Santiago – A nossa experiência é resultado da parceria do departamento de história da PUC-MG com a TV PUC, e tem o objetivo da produção de documentários de temas históricos para a televisão. Nós temos dois documentários hoje, já há um ano e meio que nós temos produzido para a televisão universitária, um se chama “Coração Informado”, que trata de personagens da história brasileira, especialmente vinculados a Minas Gerais, que tiveram ações de defesa dos direitos humanos, direitos políticos, da defesa da dignidade humana de uma maneira geral. O segundo documentário é uma série de mini documentários da década de vinte e da década de cinqüenta, documentários de um minuto e meio, um minuto aproximadamente, que são inseridos nos intervalos da televisão universitária. Essas duas séries são coordenadas por quatro professores e, em um ano e meio de produção, já envolveram quatorze alunos.

RTL – Qual o papel do profissional da história nesta área em que história e comunicação são integradas?

Santiago – Olha, esses documentários nós fizemos a proposta de parceria com a TV Universitária com dois objetivos. Primeiro, divulgar a história para um público mais amplo e, segundo, aproximar o nosso aluno de um veículo de comunicação no qual o historiador se faz cada vez mais presente. E que nós não temos uma formação, nem pensamos este espaço como espaço de atuação profissional. Além disso, para a elaboração destes documentários os nossos alunos realizam a pesquisa primária, que embasa os documentários, pesquisa de texto, de imagem e de som. Então eles se preparam também como pesquisadores. E, de uma maneira mais resumida, estes documentários estão colocando alunos e professores para refletirem sobre este espaço que é a televisão, para que ele cada vez mais se afirme como espaço no qual a presença do historiador seja cada vez mais significativa.

RTL – Qual a sua opinião sobre estas novos espaços, como a televisão e a internet, por exemplo, para a divulgação da história?

Santiago – Vejo sempre com muita satisfação, acho que quanto mais espaços tiverem para a divulgação do conhecimento histórico, melhor, e que o historiador seja presente nesses espaços. É obvio que nem sempre ele está presente, muita coisa é produzida por profissionais da área de comunicação, do jornalismo, o que não inviabiliza estes espaços como espaços de divulgação. Mesmo estas produções, como produções que estão produzindo uma narrativa sobre o passado com a qual os historiadores têm que dialogar.

RTL – Neste trabalho na TV Universitária, qual a maior dificuldade encontrada?

Santiago – Eu vejo duas dificuldades. A primeira é a de fontes, especialmente imagens, e muito particularmente, imagens em movimento. Filmes. Nós não temos em Belo Horizonte um arquivo de filmes em número significativo, tem um arquivo, mas precário, pouco numeroso os documentos fílmicos, então isso para nós é um grande embaraço. O segundo embaraço é conciliar o ritmo da televisão, o ritmo do jornalista, que é o ritmo acelerado, do instantâneo, do imediato, com o nosso ritmo da pesquisa histórica que exige um tempo um pouquinho mais alentado. Isso, às duras penas o curso, os alunos, os professores envolvidos nos projetos e a televisão universitária, nós estamos adequando os nossos tempos.

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