Niterói, 22 de novembro de 2010
Da Redação
O Clube IPC na década de 1950. Foto extraída de: http://fotolog.terra.com.br/lembrancas_de_niteroi:93
Hoje, 22 de novembro, é feriado em Niterói, cidade onde a Revista Tema Livre foi criada em 2002 e tem sua sede. Esta data é entendida como a da fundação deste município do Grande Rio. Poder-se-ia, como os demais veículos de comunicação fazem repetitivamente todo ano, contar a história da cidade ou mostrar suas inúmeras maravilhas. Belezas da antiga capital fluminense – não todas – já foram mostradas nas primeiras edições de Tema Livre, no início da década de 2000 (Para os que desejarem rever, seguem os links: www.revistatemalivre.com/crep1p.html e www.revistatemalivre.com/crep2p.html.)
Mais do que as repetidas homenagens, a cidade merece que se chame a atenção para a destruição do seu patrimônio histórico, problema enfrentado por outras cidades do país, adversidade que empobrece a história e o turismo dos municípios, bem como priva as gerações futuras de conhecerem o patrimônio material da cidade onde virão a viver. Tudo em nome da especulação imobiliária, que acaba por trazer uma série de problemas, promovendo o caos urbano.
Neste 437º aniversário, em que concomitantemente às celebrações da cidade de quase 500.000 habitantes, de área de 129,375km², e com o melhor IDH do estado e terceiro do Brasil, é relevante lembrar, dentre os muitos já destruídos, de dois marcos históricos e arquitetônicos da cidade que sofrem com os tempos de grande especulação imobiliária nas grandes áreas urbanas brasileiras: O impasse do cinema Icaraí, na praia de mesmo nome, logo situado em um dos pontos mais valorizados da cidade, e que está fechado desde 2005, a deteriorar-se, sendo que especulou-se, inclusive, sua destruição para a construção de um espigão.
O imóvel foi “destombado” parcialmente em 2006 pela Câmara dos Vereadores, mesmo não havendo unanimidade na questão. Em suma: Planejava-se manter a fachada e construía-se um prédio de 14 andares. Ignorava-se, então, que o cinema era um dos últimos em estilo Art Déco em Niterói. Outro prédio é o da Reitoria da UFF, antigo Cassino Icaraí, a uma quadra do antigo cinema. Porém, pela pressão popular, o cinema não foi destruído, mas ainda seria propriedade de uma construtora que espera o desfecho da questão.
O outro caso é o do clube IPC (Icaraí Praia Clube), construção que dista poucos metros do antigo cinema, logo também situado em área nobre e, igualmente, está de frente para o mar. Em função do alto número de sócios inadimplentes e da crise financeira da agremiação, esta encerrou suas atividades em 2009. Seu prédio foi passado para uma grande construtora em um negócio que ultrapassou os R$ 35 milhões, porém, sem o alarde do cinema Icaraí. Posicionaram-se contra 60 sócios e uma inquilina, que dava aulas de balé no clube há 54 anos, e que chegara a investir financeiramente em seu espaço dentro do IPC. O caso foi parar na justiça, mas isto não impediu que no local venha a ser construído um prédio de alto luxo, com 52 unidades, de três e quatro quartos, que chegam a ter 4 vagas de garagem, e que tem a alcunha de ser “o mais exclusivo da Praia de Icaraí”. As raras unidades que ainda restam para venda estão entre aproximadamente R$ 1.200.000,00 e R$ 1.500.000,00. Uma das coberturas tem mais de 500m².
Para dar lugar a tamanho luxo e beleza, neste fim de semana prolongado para os niteroienses e de comemorações na cidade, ignora-se completamente a demolição do tradicional IPC, sendo que este era um significativo exemplar da arquitetura moderna em Niterói, com suas curvas e pilastras, basicamente sem ornamentos, como tal estilo arquitetônico pede.
Tentativa de cerceamento do registro histórico e da memória afetiva: Problema que atinge a população em geral e o ofício de historiadores, jornalistas, fotógrafos e tantos outros profissionais.
O mais curioso no caso IPC, ao menos em relação à Revista Tema Livre, foi que durante sua destruição, fotógrafo da publicação foi fazer registro histórico do fim deste marco moderno da cidade e gerou profundo incomodo em indivíduo que aparentava ser responsável pela obra (Não pode-se afirmar, pois o mesmo não encontrava-se sequer devidamente identificado, com crachá), mas vestia calça jeans e camisa social parda. Talvez fosse um engenheiro? Talvez um corretor? Enfim, o que importa é que mesmo o fotógrafo estando na calçada, em via pública e em pleno vigor democrático, mirando sua lente para o imóvel semi-destruído, o supracitado senhor acabou por convocar alguns trabalhadores da construção civil, que, pouco a pouco, abandonavam o seu caráter cordial e seus postos e transformavam-se em uma espécie grotesca de leões de chácara, tentando, em um tom picaresco, porém, para eles, sério e verdadeiramente intimidador, forjar um cenário lamentavelmente ridículo e cerceador da liberdade de expressão e de imprensa.
Provavelmente a reprovável e descompensada atitude nada tem a ver com a internacionalmente reconhecida e respeitável construtora, que sequer imagina que em uma de suas obras esteja a acontecer lamentável tentativa de coerção. Igualmente, pode-se especular que a atitude do senhor de camisa social deva-se, quem sabe, a alguma espécie de insegurança, quem sabe temia uma matéria de cunho investigativo? Porém, como já diz o velho ditado, “quem não deve, não teme!”. Enfim, não há como saber as razões deste senhor. Resta apenas lamentar e apontar sua atitude de coibir o direito do registro do que ainda existia naquele momento do nosso patrimônio histórico, que, provavelmente, até o fim desta semana, terá desaparecido.
Mais do que o disparate promovido pelo citado senhor, é válido que a partir deste caso ocorrido em Niterói se deixe o registro que cada vez mais torna-se mais difícil fazer registros fotográficos, seja para acervos pessoais ou não, de lugares públicos, que compõem os cenários brasileiros ou os locais relativos à memória afetiva de cada cidadão. Surge, silenciosamente, uma espécie de ditadura, que usa funcionários e/ou seguranças de empresas para impedirem o trabalho de profissionais que necessitam fazer estes registros, e que o fazem mais do que por suas necessidades econômicas, mas por amor a sua profissão, à memória e à História.