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Organização militar, poder local e autoridade nas conquistas: considerações acerca da atuação dos corpos de ordenanças no contexto do Império português

 

Artigo de Ana Paula Pereira Costa1 Doutoranda em História Social pelo PPGHIS/UFRJ

Introdução

Não obstante alguns autores enfatizarem a importância das organizações militares para a Coroa portuguesa, seja enquanto força coercitiva seja enquanto força administrativa, o interesse pela história militar no Brasil colonial tem-se mostrado bastante reduzido2. Boa parte da historiografia que trata do período colonial destaca a relevância das forças militares para a Coroa na administração dos domínios ultramarinos visto que normatizavam a população a fim de enquadrá-la em uma ordem que permitisse o bom funcionamento da sociedade colonial3.

A estrutura militar lusitana, que se transferiu para o Brasil, se dividia em três tipos específicos de força: os Corpos Regulares (conhecidos também por Tropa Paga ou de Linha), as Milícias ou Corpo de Auxiliares e as Ordenanças ou Corpos Irregulares. Os Corpos Regulares, criados em 1640 em Portugal, constituíam-se no exército "profissional" português, sendo a única força paga pela Fazenda Real. Essa força organizava-se em terços e companhias, cujo comando pertencia a fidalgos de nomeação real. Cada terço era dirigido por um mestre-de-campo e seus membros estavam sujeitos a regulamentos disciplinares. Teoricamente, dedicar-se-iam exclusivamente às atividades militares. Seriam mantidos sempre em armas, exercitados e disciplinados4.

As Milícias ou Corpos de Auxiliares, criados em Portugal em 1641, eram de serviço não remunerado e obrigatório para os civis constituindo-se em forças deslocáveis que prestavam serviço de apoio às Tropas Pagas. Organizavam-se em terços e companhias, sendo seu enquadramento feito em bases territoriais, junto à população civil. Os Corpos de Auxiliares eram armados, exercitados e disciplinados, não somente para operar com a Tropa Regular, mas também para substituí-la quando aquela fosse chamada para fora de seu território. Esta força era composta por homens aptos para o serviço militar, já que eram "treinados" para tanto e que sempre eram mobilizados em caso de necessidade bélica. Entretanto, não ficavam ligados permanentemente à função militar como ocorre nas Tropas Regulares. Sua hierarquia se organizava da seguinte forma: mestres-de-campo, coronéis, sargento-mores, tenentes-coronéis, capitães, tenentes, alferes, sargentos, furriéis, cabos-de-esquadra, porta-estandartes e tambor. Deve-se observar que o título de Mestre de Campo era atribuído ao comandante de Terço de Infantaria, enquanto o título de Coronel era atribuído ao comandante do Terço de Cavalaria5.

A completar o tripé da organização militar estariam os Corpos de Ordenanças. Criados pela lei de 1549 de D. João III e organizados conforme o Regimento das Ordenanças de 15706 e da provisão de 15747, os Corpos de Ordenanças, possuíam um sistema de recrutamento que deveria abranger toda a população masculina entre 18 e 60 anos que ainda não tivesse sido recrutada pelas duas primeiras forças, excetuando-se os privilegiados8. Conhecidos também por "paisanos armados" possuíam um forte caráter local e procuravam efetuar um arrolamento de toda a população para as situações de necessidade militar. Os componentes das Ordenanças também não recebiam soldo, permaneciam em seus serviços particulares e, somente em caso de grave perturbação da ordem pública, abandonavam suas atividades. O termo "paisanos armados" carrega em si a essência do que seria a qualidade militar dos integrantes das Ordenanças, isto é, um grupo de homens que não possuía instrução militar sistemática, mas que, de forma paradoxal, eram utilizados em missões de caráter militar e em atividades de controle interno9. Também se organizavam em terços que se subdividiam em companhias10. Os postos de Ordenanças de mais alta patente eram: capitão-mor, sargento-mor, capitão. Os oficiais inferiores eram os alferes, sargentos, furriéis, cabos-de-esquadra, porta-estandartes e tambor11.

O presente artigo pretende abordar alguns aspectos acerca dos mecanismos de funcionamento desta última força militar, tendo como recorte espacial e cronológico a comarca de Vila Rica entre os anos de 1735-1777, atentando-se sobretudo para os direitos, privilégios e obrigações inerentes a seus postos de mais alta patente. Neste sentido, consideramos que era fundamental que o ocupante de um posto nas Ordenanças obtivesse autoridade e reconhecimento público e social para que conseguissem tornar-se face visível do poder.

Assim, consideraremos que se por um lado os direitos, privilégios e obrigações apresentadas a este oficialato delimitavam seus papéis sociais e funções, por outro, lhes propiciavam firmar espaços de prestígio e distinção, os quais levavam à consolidação de seus instrumentos de mando e "qualidade" social nas conquistas.

Ressaltes-se que a invocação da "qualidade" (social) é visível nos atos de nomeações para postos militares a fim de escolher o dirigente ideal12, pois tanto em Portugal quanto no ultramar, mais importante que os saberes particulares de guerra na composição de um chefe militar era sua "qualidade"13.

No ultramar esta qualidade estava invariavelmente associada à nobreza, mas não a uma nobreza derivada do ilustre nascimento, do sangue e hereditária, e sim a um ideal que invocava a concepção de "nobreza civil ou política" isto é, baseada na prestação de serviços ao Monarca14 , bem como a um ideal com um caráter guerreiro, atrelado à noção de conquistador15.

1. Conhecendo as forças

De acordo com António Hespanha, as Ordenanças em Portugal, e mesmo no ultramar, tiveram um impacto político disciplinador, pois através delas se fazia chegar às periferias as determinações do centro; bem como tiveram um caráter dispersor do poder régio ao fomentar o reforço das elites locais e também ao se oporem aos comandos centralizados da Tropa profissional Paga16.

Para o caso português, alguns autores têm destacado a importância das Ordenanças como fonte de poder na esfera local e aliada na implementação das diretrizes administrativas17. Por seu turno, a convivência da Coroa com os poderes locais tem sido apontada como principal contraponto do exercício "absoluto" da autoridade régia em seus domínios18. O papel que tais poderes desempenharam compreende uma conjugação entre comportamentos classicistas (pois as classes dirigentes das localidades não eram homogêneas, fato que repercutiu em seus comportamentos), solidariedades estamentais e laços de patrocínio, tudo conjugado com o poder conferido pela outorga de honras pelo Rei. Este poder podia ser significativo quando a Coroa tinha uma ampla capacidade de patrocínio visto que, quando usado judiciosamente, permitia incorporar novos grupos sociais ao aparelho estatal e assim ampliar sua base social. Entretanto, este processo fazia com que a Coroa não pudesse prescindir do apoio destes grupos dando lugar ao florescimento de clientelas e de redes de intermediários sociais19.

Vale lembrar que esta sociedade regia-se a partir de um paradigma corporativista segundo o qual o indivíduo não existe sozinho e sim como parte de um todo ocupando um lugar na ordem, uma tarefa ou dever social20. Desta forma, a partir deste paradigma pregava-se que o poder era, por natureza, repartido; e, numa sociedade bem governada, esta partilha natural deveria traduzir-se na autonomia político-jurídica dos corpos sociais. A função da cabeça (Rei) não era, pois, a de destruir a autonomia de cada corpo social, mas por um lado, a de representar externamente a unidade do corpo e, por outro, a de manter a harmonia entre todos os seus membros, atribuindo a cada um aquilo que lhe é próprio; garantindo a cada qual o seu estatuto ("foro", "direito", "privilégio"); numa palavra, realizando a justiça21. Nesta perspectiva, a representação do sistema político ocorreria através de uma articulação hierarquizada de múltiplos círculos autônomos de poder tais como as famílias, as cidades, as corporações, os senhorios, os reinos, o Império, nos quais a articulação dos poderes se faria de acordo com os mecanismos espontâneos decalcados sobre as relações sociais de poder, ou seja, sobre o poder efetivo de cada esfera para impor às outras o seu reconhecimento22.

Deste modo, e conforme destacou António Hespanha, o Estado português na Época Moderna não deve ser entendido sob o ponto de vista da centralização excessiva, mas a partir do conceito de Monarquia Corporativa. Neste sentido teríamos um Estado no qual o poder real partilhava o espaço político com outras instâncias de poder: Igreja, Concelhos, Senhores, Família; onde o direito legislativo da Coroa seria enquadrado pela doutrina jurídica e por usos e práticas locais; onde os deveres políticos cediam ante os deveres morais (graça, piedade, gratidão, misericórdia) ou afetivos (redes de amigos e clientes); e onde os oficiais régios teriam ampla proteção de seus direitos e atribuições, tendendo a minar o poder real23.

Assim, ao mesmo tempo em que se reconheceu a importância dos poderes locais para a efetivação do poder régio em muitos de seus domínios, se descobriu que a vitalidades do mesmo era indissociável da constituição de poderosas elites locais24. Como bem demonstrou Pedro Cardim, o Rei estabelecia com os grupos dirigentes do reino, e das localidades ultramarinas, vínculos de interdependência e de complementaridade: o monarca cada vez mais contou com os serviços destes homens nomeando-os para os mais variados postos e cargos nos mais variados lugares de seu Império. Por seu turno, tais indivíduos esperavam que a realeza os recompensassem devidamente pelos serviços prestados. Este sistema de remuneração de serviços funcionou como o principal suporte do regime político luso moderno. Em contrapartida, este mesmo sistema de concessão de mercês abriu espaço para uma maior perifização do poder e para a emergência de grupos locais com interesses próprios25.

Dentro deste viés, na última década estudos que têm se dedicado ao processo de colonização brasileira vêm se atentando para a limitação dos poderes régios e, consequentemente, para a atuação de poderes locais na construção da autoridade metropolitana na colônia; para a negociação que envolvia as relações entre Coroa e súditos, para a formação de uma "nobreza da terra" e para a influência de práticas e valores de Antigo Regime nos diferentes setores da sociedade26. Esta historiografia assinala que as tensões afetando os principais grupos de poder na América Portuguesa estiveram vinculadas a um dado perfil de formação do súdito colonial, destacando a forma e a força da dinâmica local nas relações de poder. Conforme destacou Jack Greene as elites coloniais foram capazes tanto de opor resistência quanto de usar as instituições metropolitanas em prol de seus objetivos27.

Ressalte-se que este processo de atuação das elites no território colonial vinha seguindo um padrão definido em moldes gerais pelas normas e agências institucionais estabelecidas pela própria Coroa. Maria Fernanda Bicalho analisou muito bem esta questão destacando que nas conquistas, através do controle de instituições locais como as Câmaras, as Ordenanças e as Irmandades, as elites coloniais procuraram ter acesso a honras, privilégios e signos de distinção28. Estes três órgãos/instituições constituíam-se em esferas de poder local, sendo fundamentais para garantir a convivência "ordenada" da população na América Portuguesa29.

No caso das Ordenanças sua importância para a Coroa tem sido atestada por se constituírem em um espaço de negociação que fundamentava os vínculos políticos entre a Metrópole e a Colônia sendo, portanto, um canal de encontro e colaboração entre Metrópole e comunidades locais, bem como uma esfera de negociação de conflitos e divergências30, e também por se constituírem em um importante componente da administração lusa na colônia, pois levavam a ordem legal e administrativa da Coroa para os lugares mais longínquos de seu vasto Império31. Este elemento também é ressaltado por Raymundo Faoro, para quem as Ordenanças constituíram a "espinha dorsal" da colônia, elemento de ordem e disciplina32.

Alguns autores destacam que os indivíduos que ocupavam os quadros da oficialidade de Ordenanças eram, em sua maioria, membros das elites proprietárias locais, sem nenhuma experiência militar, e que sua posição de patenteado implicava em prestígio e poder, mas em nenhuma responsabilidade, e por isso atuavam, muitas vezes, de forma independente, violando ordens e abusando de sua autoridade33. Não se desconsidera que os abusos de autoridade existiram, muito menos que os indivíduos atuantes nas Ordenanças não se constituíam em meros executantes dos interesses do poder central e de seus representantes ultramarinos, pois eram também agentes representantes de interesses inscritos na esfera local34. Contudo, a idéia de que os oficiais de Ordenanças não possuíam nenhuma responsabilidade e de que se constituíam em forças independentes sem nenhuma ligação com o poder régio, é demasiado deturpada. Estes estudos não se atentaram para o fato de que o Rei detinha o controle da nomeação dos oficiais, através da concessão de postos militares, e que por meio disto, e da concessão de outras mercês, a Coroa estabelecia vínculos estratégicos com os colonos que propiciavam a expansão de seus interesses no além-mar35.

2. Direitos, privilégios e obrigações apresentadas aos oficiais de Ordenanças

Ser capitão- mor, sargento-mor, capitão era uma forma de identificação no mundo colonial que muitos indivíduos passaram a assumir instalados nas conquistas e essa identificação definia seu lugar social na hierarquia do Antigo Regime que, além de lhes impor uma série de obrigações, lhes garantiam também direitos que faziam questão de usufruir36.

Os privilégios adquiridos com uma patente de Ordenanças eram vários e sempre sublinhados nas cartas patentes que assim sobre eles discorriam "[…] na ocupação do posto não vencerá soldo algum mas gozará de todas as honras, privilégios, liberdades e isenções e franquezas que em razão dele lhe pertencem […]". Através do Regimento de 1570 podemos ter acesso a alguns destes privilégios dados aos homens de patente. No referido Regimento ficava assim estipulado:

"[…] todo capitão-mor e capitão logram do privilegio de cavalleiro fidalgo; todo militar goza de nobreza pelo privilegio do foro, ainda que antes de o ser militar tenha sido mecanico, de qualquer qualidade, ou condição, por ella he dado a suas mulheres, filhas e descendentes do genero feminino o titulo de dom. São tambem isentos dos encargos dos concelhos, não pagão jogados aos reguengos, não podem ser presos em ferros nem presos por dívida,; lograo privilegio de aposentadoria ativa e passiva […]"37.

De todos os direitos que possuíam, o que os possibilitavam meio de nobilitação era o mais valorizado e sempre que alguma situação impedia que tal direito fosse exercido, os oficiais não se privavam de reivindicá-lo. O caso do capitão-mor de Ouro Preto António Ramos dos Reis denota exemplarmente o que estamos querendo dizer quando remete para o Conselho Ultramarino uma reclamação de que os privilégios cabíveis a seu posto não estavam sendo respeitados e validados. Natural do Porto chegara ao Brasil com 9 anos de idade com seus pais António Martins Ramos e Maria Gonçalves e vivera no Rio de Janeiro antes de vir para as Minas. No Rio de Janeiro se casou com Vitória dos Reis e com ela tivera três filhos. Ainda nesta cidade iniciou sua carreira militar servindo alguns anos em praça de soldado infante em um dos terços da Guarnição do Rio de Janeiro38. Em 1714 encontramos António Ramos dos Reis em Minas Gerais onde estabeleceu uma trajetória de sucesso ocupando vários postos militares importantes como o de capitão de auxiliares no distrito de São Bartolomeu, o de mestre-de-campo de Vila Rica em 1732 e ,em 1741, o de capitão-mor das Ordenanças de Vila Rica. Mostrou-se:

"[…] fiel a V. Mag. em todos estes serviços fazendo muitas de suas obrigações com despesas de sua fazenda, como na ocasião em que socorreu o Rio de Janeiro quando os franceses invadiram tal cidade com seus escravos armados e fazendo tal jornada à custa de sua fazenda. Como também na ocasião em que ajudou na contenção da revolta contra o ouvidor geral Manoel da Costa Amorim com seus escravos armados […]"39.

Além da ocupação de importantes postos militares, António Ramos dos Reis ocupou também importantes cargos como o de vereador e o de juiz de órfãos, ambos em Vila Rica, sendo também membro de importantes Irmandades de Vila Rica, do Rio de Janeiro e de Portugal40. Além de todos estes postos e cargos que lhe conferiam enorme prestígio e atestavam sua "qualidade" , este oficial foi também um dos homens mais abastados das Minas Gerais, sendo descobridor de uma grandiosa lavra localizada no morro chamado comumente de morro do Ramos onde tem serviço de talho aberto e varias minas com muitas grades, tanques de recolher águas onde tem para cima de 100 escravos. Além disso, tinha também várias moradas de casas em Ouro Preto e no Rio de Janeiro, além de outra fazenda, também no Rio de Janeiro, com casa de vivenda e capela, hum curral de criação de gado vacum com mais de 20 escravos41, dados nada desprezíveis nesta sociedade para aqueles que quisessem reconhecimento público da distinta posição social que ocupavam. António Ramos dos Reis era também cavaleiro professo da Ordem de Cristo42, o que consistia num poderoso mecanismo de distinção social que evocava dignidade e nobreza43.

Segundo Norbert Elias, numa sociedade permeada por valores e práticas de Antigo Regime, a forma como se era visto era imprescindível para a determinação de sua posição e distinção enquanto elite44, e as festas barrocas eram excelente momento para se externalizar posições de mando e prestígio. Emanuel Araújo destaca que as festas eram lugar de expressão de fidalguia, que ressaltava o brilho, o poder e a grandeza dos participantes, sendo legitimadoras do poder local na medida em que introjetavam valores necessários à ordenação e domínio sobre a sociedade45.

Assim, nesta sociedade marcada por símbolos, rituais e valores voltados para a distinção e nobiliarquia, o respeito às regras do cerimonial e a ocupação das posições de destaque eram fundamentais para o reconhecimento da "qualidade" e da autoridade.

Não por acaso, António Ramos dos Reis reclama que suas honras e lugar que deveria ocupar na festa realizada em Vila Rica para comemorar o nascimento da infanta não foram respeitados. Argumenta que:

"[…] na referida festa se deo ao suplicante acento com impropriedade faltandose a elle a honra devida e que por ocupar o posto de capitão-mor lhe eram competentes todas as honras e privilegios, liberdades e isençoens concedidos às pessoas que ocupam tais postos em qualquer parte do reino […]"46.

Para tentar evidenciar que este privilégio era quase um "direito adquirido" o dito oficial cita um caso semelhante ao seu que ocorreu na Bahia em 1716 ao se negarem as honras ao mestre de campo Miguel Pereira da Costa onde se resolveu que se restituissem ao dito mestre de campo seu lugar de direito47.

Do acima exposto depreende-se que em uma sociedade de Antigo Regime, para que os oficiais conseguissem manter sua "qualidade", fazia-se necessário estar em constante movimentação nas teias sociais que permeavam seu cotidiano. Por ser uma sociedade marcada por tensão permanente, a estagnação podia ser fatal para aqueles que almejassem ascender socialmente48. Por estagnação entendemos o não aproveitamento dos recursos de que este oficialato dispunha nesta sociedade para adquirir mais prestígio e aumentar suas posições de comando; recursos estes que surgiam das próprias relações sociais que eles mantinham e que em última instância denotava autonomia e autoridade política por parte destes indivíduos.

Muitas também eram as obrigações a que este oficialato estava sujeito. Talvez uma das mais elementares era ter de morar no distrito onde atuava. Em todas as cartas patentes vinha assim estipulado "[…] são obrigados a residir sempre dentro do distrito da dita sua companhia, sob pena de se lhes dar baixa e prover outra pessoa no referido posto […]”. O Regimento das Ordenanças de 1570 também dissertava acerca deste assunto argumentando que “[…] se o capitão-mor se ausentar até 2 meses no verão e 6 meses no inverno o sargento-mor lhe substitui, se sua ausência passar disso deve-se eleger outro capitão-mor […]"49. De fato, encontramos alguns casos em que a perda de um posto foi devida à mudança para outras localidades. António Luís Brandão, por exemplo, ganha a patente de capitão de Ordenança de Pé no arraial da passagem em 1741 devido "[…] ausência que fez para o Rio de Janeiro o capitão della António Álvares da Cruz, estabelecendo nesta cidade sua casa, como me constou por informação do capitão mor desta villa"50. A importância do "critério da residência" é atestada por Fernando Dores Costa para quem "a cadeia de autoridade definida na companhia rege-se pelo critério da residência. O 'espírito' que parece guiar o regimento é o de garantir a presença dos dirigentes do treino obrigatório nos locais onde se organizam as companhias"51.

Outra obrigação dos oficiais de Ordenanças, sobretudo dos capitães-mores, bem como dos sargentos-mores era organizar os alardos ou "mostras gerais", ou seja, impor o treino militar. Estes deveriam ter lugar duas vezes por ano, mas sem uma regularidade definida. Após a convocatória as companhias de cada localidade deveriam reunir-se no local determinado, geralmente na praça pública em frente às câmaras, para serem inspecionados e se efetuarem os exercícios. Durante os alardos estes oficiais examinavam as armas dos soldados, para verificar se estas se encontravam em condições de uso52.

Cabia ainda aos oficiais, em caso de ataque inimigo, organizar a defesa e zelar pela conservação e reparo das estruturas defensivas. Durante todo o século XVIII foi constante a atuação de oficiais de Ordenanças em contenção de revoltas, ataque a quilombos, vigilância de caminhos e defesa de fronteiras.

A fragilidade da estrutura burocrática da Coroa determinava que para o desempenho de certas funções administrativas também se recorresse à colaboração dos oficiais de Ordenanças, o que acabou se tornando quase uma "obrigação" para estes indivíduos, até porque sem estas prestações de serviços não conseguiam sua ascensão e atestação de sua "qualidade". Eleitos entre os "principais da terra", eles eram muitas vezes chamados a desempenhar funções que em princípio caberiam as extensões periféricas do poder central, realidade presente não só no ultramar mas também no reino53. Entre estas atividades administrativas sob responsabilidade dos oficiais de Ordenanças, no período abordado, estavam a construção de obras públicas e a coleta de alguns tributos, como a capitação e o quinto, atuações com as quais também contribuíam para a manutenção da ordem pública54.

Por exemplo, em 1748 Manuel Cardoso Cruz e Manuel Teixeira Chaves, capitães de Ordenanças de Mariana, enviam um requerimento ao Rei D. João V solicitando que se ajustasse a melhor forma de se evitar as inundações da cidade, causadas pelas cheias do ribeirão do Carmo. Argumentam que:

"[…] desejam evitar os dannos que se encaminha para a cidade e a ruina dos seos habitantes e que querem fazer hua obra para evitar as ditas cheias, mas que tal obra é impocivel não só as rendas do senado da vila, mas ainda as posses de todos os moradores da vizinhança della […]"55.

Reconhecem que tal obra era de utilidade ao "bem comum" e à Coroa e se oferecem para fazer a dita obra "movidos não só de utilidade própria, mas do bem comum e pelo desejo que como leais vacalos tem de servir a S. Mag". Entretanto, colocam algumas condições:

"[…] pedem uma pequena despesa annual do senado da mesma cidade, os foros que se paga ao senado das terras que se tem aforado e aforarem de casas feitas que rendem 600 mil por anno(…)e pedem também as terras por onde passa o dito rio das quais já se tirou já o ouro e que alguns proprietários os ajudem com certo número de escravos correspondentes as terras que tiverem, e pedem também que os escravos, assim como pardos, prettos, forros que por crimes merecerem degredos lhe sejam dados para trabalharem na dita obra"56.

Do acima exposto pode-se dizer que os oficiais participavam de certa forma do controle da vida política e econômica das localidades, exerciam um relativo poder sobre as populações e revelavam-se essenciais a um aparelho estatal em construção; um recurso que a Coroa lançou mão em Portugal, depois da guerra da Restauração, e que foi repassado para a América57.

Para finalizar destaco que o funcionamento da organização bélica, pelo menos no que diz respeito às Ordenanças na região e período enfocados, estava estritamente ligado às medidas régias que por meio do sistema de mercês, coadunava as ações e relações dos coloniais, no caso dos oficiais, para o ordenamento do espaço social que pretendia dominar. Obviamente que nem sempre os desígnios régios para ordenamento do espaço social iam de encontro aos interesses dos indivíduos ou grupos que os colocavam em prática, e que justamente por se constituírem em homens possuidores de autoridade dos quais a Coroa não podia prescindir, podiam negociar com a mesma a defesa de interesses.

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Notas

01 – As observações aqui apresentadas foram retiradas de minha Dissertação de Mestrado intitulada "Atuação de poderes locais no Império Lusitano: uma análise do perfil das chefias militares dos Corpos de Ordenanças e de suas estratégias na construção de sua autoridade. Vila Rica, (1735-1777)" defendida no PPGHIS/UFRJ.

02 – MELLO, Christiane Figueiredo Pagano de. Os Corpos de Auxiliares e de Ordenanças na segunda metade do século XVIII: as capitanias do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e a manutenção do Império Português no centro-sul da América. Niterói: UFF, 2002. Tese de doutorado, p. 1.

03 – Neste sentido ver FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. Vol. 1. São Paulo: Globo; Publifolha, 2000, passim e PRADO Jr. Caio, Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Brasiliense; Publifolha, 2000, especialmente o capítulo 3; LEONZO, Nanci. As companhias de ordenanças na capitania de São Paulo: das origens ao governo de Morgado de Mateus. São Paulo: coleção do museu paulista, série história, v. 6, 1977; BELLOTTO, Heloísa Liberalli. Autoridade e conflito no Brasil colonial: o governo do Morgado de Mateus em São Paulo (1765-1775). São Paulo, Conselho Estadual de Artes e Ciências Humanas, 1979; PEREGALLI, Enrique. Recrutamento militar no Brasil colonial. Campinas: Editora da Unicamp, 1986. MELLO, Christiane Figueiredo Pagano de. Os corpos de auxiliares e de ordenanças na segunda metade do século XVIII… Op. cit.; MELLO E SOUZA, Laura de. Desclassificados do ouro… Op. c it.; ANASTASIA, Carla. Vassalos e rebeldes: violência coletiva nas Minas na primeira metade do século XVIII. Belo Horizonte: C/ Arte, 1998.

04 – SILVA, Kalina Vanderlei. O miserável soldo & a boa ordem da sociedade colonial: militarização e marginalidade na Capitania de Pernambuco dos séculos XVII e XVIII. Recife: Fundação de Cultura Cidade de Recife, 2001, ver capítulo 2.

05 – FILHO, Jorge da Cunha Pereira. "Tropas militares luso-brasileiras nos séculos XVIII e XIX". In: Boletim do Projeto "Pesquisa Genealógica Sobre as Origens da Família Cunha Pereira". Ano 03, nº. 12, 1998, p. 19-21.

06 – A respeito disso ver: Regimento das Ordenanças de 1570. In: COSTA, Veríssimo Antonio Ferreira da. Collecção Systematica das Leis Militares de Portugal, Tomo IV – "Leis pertencentes às Ordenanças", Lisboa, Impressão Regia, 1816. Localização: BN/F,4,3-5/Divisão de Obras Raras.

07 – Esta provisão editada quatro anos depois de promulgado o Regimento das Ordenanças complementava o mesmo com algumas alterações e esclarecimentos fundamentados nas necessidades decorrentes da atuação prática das Ordenanças. Para maiores detalhes ver: Provisão das Ordenanças de 1574. In: COSTA, Veríssimo Antonio Ferreira da. Collecção Systematica… Op. cit.

08 – MONTEIRO Nuno G. "Os concelhos e as comunidades". In: HESPANHA, António M. (Org). História de Portugal: o Antigo Regime. Lisboa: Editorial Estampa, 1998. Vol. 4, p. 273.

09 – COTTA, Francis Albert. "Os Terços de Homens Pardos e Pretos Libertos: mobilidade social via postos militares nas Minas do século XVIII". MNEME – Revista de Humanidades. http://www.seol.com.br/mneme/, p. 3.

10 – Idem, p. 4.

11 – FILHO, Jorge da Cunha Pereira. "Tropas militares luso-brasileiras nos séculos XVIII e XIX…" Op. cit., p. 5-9.

12 – COSTA, Fernando Dores. "Fidalgos e plebeus". In: HESPANHA, António M. (Org). Nova História Militar de Portugal. Vol. II – séculos XVI-XVII. Lisboa: Círculo de Leitores: 2003, p. 106-107.

13 – HESPANHA, António M. "Introdução". In: HESPANHA, António Manuel (Org). Nova História Militar de Portugal… Op. cit., p. 20-24.

14 – MONTEIRO, Nuno Gonçalo. "Poder senhorial, estatuto nobiliárquico e aristocracia" In: HESPANHA, Antônio M. (Org). História de Portugal…Op. cit., p. 298-299. Conforme destacou Nizza da Silva, a nobilitação dos coloniais perpassa pela prestação de serviços ao Monarca que retribui com mercês que vão nobilitando cada vez mais estes indivíduos. SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Ser nobre na colônia. São Paulo: Ed. Unesp, 2005, p.7-10.

15 – Acerca desta noção ver: FRAGOSO, João. "A nobreza da República: notas sobre a formação da primeira elite senhorial do Rio de Janeiro (séculos XVI e XVII)". In: Topoi: Revista de História. Rio de Janeiro, vol. 1, 2000; FRAGOSO, João. "A nobreza vive em bandos: a economia política das melhores famílias da terra do Rio de Janeiro, século XVII: algumas notas de pesquisa". Revista Tempo. Niterói, volume 15, 2003. Ver ainda BICALHO, Maria Fernanda. A cidade e o Império: o Rio de Janeiro no século XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, principalmente capítulo 12.

16 – HESPANHA, António M. "Conclusão". In: HESPANHA, António Manuel (Org). Nova História Militar de Portugal… Op. cit., p. 362.

17 – MONTEIRO, Nuno G. "Os concelhos e as comunidades…" Op. cit., p. 273. Ver também: ALDEN, Dauril. Royal government in colonial Brazil: with special reference to the administration of the Marquis of Lavradio, Viceroy, 1769-1779. Berkeley and Los Angeles: University of California Press, 1968. p. 443-446. Ver ainda: HESPANHA, António Manuel (Org). Nova História Militar de Portugal… Op. cit.

18 – MONTEIRO, Nuno G. "Os concelhos e as comunidades". In: HESPANHA, António M. (Org.). História de Portugal… Op. cit., p. 275.

19 – PUJOL, Xavier G. "Centralismo e localismo? Sobre as relações políticas e culturais entre capital e territórios nas monarquias européias dos séculos XVI e XVII". In: Penélope, n. 6, 1991. p. 129.

20 – HESPANHA, A M. Panorama Histórico da Cultura Jurídica Européia. Madri: Editorial Tecnos, 1998. p. 59-61.

21 – Idem, p. 61-63.

22 – HESPANHA, António M. As vésperas do Leviathan: instituições e poder político. Portugal – século XVII. Coimbra: Almedina, 1994. p. 298-308.

23 – HESPANHA, António. "A constituição do Império Português: revisão de alguns enviesamentos correntes". In: FRAGOSO, João; BICALHO, Maria F. & GOUVÊA, Maria de Fátima (Orgs). O Antigo Regime nos trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI – XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. p. 166-167.

24 – MONTEIRO, Nuno G. "Os concelhos e as comunidades…" Op. cit., p. 288.

25 – CARDIM, Pedro. "Centralização política e Estado na recente historiografia sobre o Portugal do Antigo Regime". In: Revista Nação e Defesa. Lisboa: Instituto de Defesa Nacional, nº. 87, 1998. p. 134-135.

26 – A título de ilustração podemos citar: FRAGOSO, João. "A nobreza da República: notas sobre a formação da primeira elite senhorial do Rio de Janeiro"… Op. cit., p. 45-122; FRAGOSO, João, BICALHO, Maria F. & GOUVÊA, Maria F. (Orgs). O Antigo Regime nos trópicos… Op. cit.; BICALHO, Maria Fernanda. A cidade e o Império… Op. cit.; FURTADO, Júnia Ferreira. Homens de negócio: a interiorizarão da metrópole e do comércio nas minas setecentistas. São Paulo: HUCITEC, 1999.

27 – GREENE, Jack. "Negotiated Authorities: the problem of governance in the extended polities of the early modern Atlantic world". In: Negotiated Authorities. Essays in colonial political and constitutional history. Charlottesville, University Press of Virginia, 1994. Passim.

28 -BICALHO, Maria F. "As câmaras ultramarinas e o governo do Império" In: FRAGOSO, João, BICALHO, Maria F. & GOUVÊA, Maria F. (Orgs). O Antigo Regime nos trópicos… Op. cit., p. 207.

29 – GOUVÊA, Maria de Fátima. "Redes de poder na América Portuguesa: o caso dos Homens Bons do Rio de Janeiro (1790-1822)" In: Revista Brasileira de História, v. 8, nº. 36, p. 297-330. 1998, p. 310.

30 – MELLO, Christiane F. Pagano de. Os Corpos de Auxiliares e de Ordenanças na segunda metade do século XVIII… Op. cit., . p. 2-9.

31 – PRADO Jr. Caio, Formação do Brasil Contemporâneo… Op. cit., , p. 324.

32 – FAORO, Raimundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro… Op. cit., p. 222.

33 – AUFDERHEIDE, Patricia Ann. Order and violence: social deviance and social control in Brazil, 1780-1840. Thesis of the University of Minnesota, 1976. Vol. 1. p. 126. Ver ainda: KARASCH, Mary. "The Periphery of the periphery? Vila Boa de Goiás, 1780-1835". In: DANIELS, Christine & KENNEDY, Michael V. Negotiated Empires: Centers and Peripheries in the Americas, 1500-1820. New York & London: Routledge, 2003, p. 155.

34 – MELLO, Christiane F. Pagano de. Os Corpos de Auxiliares e de Ordenanças na segunda metade do século XVIII… Op. cit., p. 5.

35 – FRAGOSO, João, BICALHO, Maria F. B. & GOUVÊA, Maria. "Bases da materialidade e da Governabilidade no Império: uma leitura do Brasil colonial". Penélope, n.º 23, Lisboa, 2000, p. 75.

36 – Ver: ALMEIDA, Maria Regina C. de. Metamorfoses Indígenas: identidade e cultura nas aldeias coloniais do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2003., p. 260.

37 – "Regimento das Ordenanças de 1570" In: COSTA, Veríssimo Antonio Ferreira da. Collecção Systematica das Leis Militares de Portugal… Op. cit., p. 62.

38 – Casa do Pilar de Ouro Preto, 1º ofício – Testamento de António Ramos dos Reis. Livro nº. 20, folha 74, (1761).

39 – Arquivo Histórico Ultramarino/ Projeto Resgate – Documentação avulsa de Minas Gerais/Cd- rom/cx:39; doc:67.

40 – CPOP, 1º ofício – Testamento de António Ramos dos Reis. Livro nº. 20, folha 74, (1761).

41 – Idem.

42 – AHU/MG/cx: 31; doc:1.

43 – CUNHA, Mafalda Soares da. A Casa de Bragança, 1560-1640: práticas senhorias e redes clientelares. Lisboa: Editora Estampa, 2000, p.48-53.

44 – ELIAS, Norbert. A sociedade de Corte: investigação sobre a sociologia da realeza e da aristocracia de corte. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. Parte III.

45 – ARAÚJO, Emanuel. O teatro dos vícios: transgressão e transigência na sociedade urbana colonial. Rio de Janeiro: ed. José Olímpio, 1997. Passim.

46 – AHU/MG/cx: 41; doc: 10.

47 – Idem.

48 – ELIAS, Norbert. A sociedade de Corte…Op. cit., partes III, IV, V e VI.

49 – "Regimento das Ordenanças de 1570". In: COSTA, António. "Collecção sistemática de leys…" Op. cit. p. 9.

50 – AHU/MG/cx: 41; doc: 35. Grifo meu.

51 – COSTA, Fernando Dores. "Milícia e sociedade: recrutamento". In: HESPANHA, António M. (Org). Nova História Militar de Portugal… Op. cit, p. 73.

52 – RODRIGUES, José Damião. "A guerra nos Açores" In: HESPANHA, António M. (Org). Nova História Militar de Portugal… Op. cit. p. 249.

53 – Idem, p. 252.

54 – FIGUEIREDO, Luciano Raposo de A. "Glossário". In: Códice Costa Mattoso. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, Centro de Estudos Históricos e Culturais, 1999. Volume 2. Coleção Mineiriana.

55 – AHU/MG/cx: 51; doc: 45.

56 – Idem.

57 – RODRIGUES, José Damião. "A guerra nos Açores…" Op. cit. p. 252.

 

 

 

 

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Tema Livre Especial: Paço Imperial

Bicentenário da chegada da Corte portuguesa ao Brasil

O Rio de Janeiro e D. João VI, Rei de Portugal, Brasil e Algarves.

Imagem do Paço Imperial e da Praça XV feita por Jean-Baptiste Debret.

Imagem do Paço Imperial e da Praça XV feita por Jean-Baptiste Debret.

 

Em função dos 200 anos da chegada da família real portuguesa ao Brasil, que serão comemorados no próximo ano, 2008, a Revista Tema Livre inicia nesta edição, a de número 12, referente a abril de 2007, uma série de matérias que mostram os vestígios da época de D. João VI no atual Rio de Janeiro. A primeira matéria é sobre o Paço Imperial, edifício em estilo colonial, que ocupa uma área de 3.113 m², e é situado na Praça XV de Novembro, no centro da cidade, que, no período joanino, foi a sede administrativa da monarquia portuguesa.

 

Parte frontal do Paço Imperial visto a partir da Praça XV de Novembro.

Parte frontal do Paço Imperial visto a partir da Praça XV de Novembro.

 

Primeiramente, é importante ressaltar que o então príncipe regente D. João e a sua família partiram de Portugal em direção ao Brasil em novembro de 1807, em virtude da incursão militar que Napoleão Bonaparte realizava ao território peninsular. Em março de 1808, D. João estabeleceu-se no Rio de Janeiro. Uma vez esta cidade sendo a sede do governo bragantino, era a partir do Paço que administrava-se o Brasil, Portugal, os domínios lusos na África e na Ásia, bem como o atual Uruguai, transformado, em 1821, em Estado Cisplatino Oriental, como parte da monarquia portuguesa.

 

Lado esquerdo do Paço Imperial e trecho da Praça XV de Novembro.

Lado esquerdo do Paço Imperial e trecho da Praça XV de Novembro.

 

D. João permaneceu por 13 anos no Rio de Janeiro, até abril de 1821, quando retornou a Lisboa, e deixando no Novo Mundo o herdeiro de sua coroa, o príncipe D. Pedro, que proclama a Independência do Brasil no ano seguinte, tornando-se o primeiro imperador brasileiro.

 

Vista da lateral direita do Paço Imperial e a rua da Assembléia. Ao fundo, a rua Primeiro de Março, antiga Rua Direita.

Vista da lateral direita do Paço Imperial e a rua da Assembléia. Ao fundo, a rua Primeiro de Março, antiga Rua Direita.

 

Além disto, aponta-se que no período em que D. João esteve no Brasil, mais especificamente em 1818, ele foi aclamado rei, sob o título de D. João VI. Observa-se que este foi o único monarca de uma Casa Real européia a receber sua coroa na América e, do mesmo modo, o Rio de Janeiro foi a única cidade da América que foi palco da aclamação de um rei europeu. Também foi obra do governo de D. João, durante a estada da família real na porção americana de seus domínios, a criação do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves.

 

Lado esquerdo do Paço Imperial e a Praça XV.

Lado esquerdo do Paço Imperial e a Praça XV.

 

Sobre o prédio onde hoje encontra-se o denominado Paço Imperial, observa-se que ele já foi a Casa dos Contos ou da Moeda e, em 1743, iniciaram-se as obras do engenheiro José Fernandes Alpoim, estabelecendo neste sítio a Casa dos Governadores. Em 1763, com a transferência da sede do governo do Estado do Brasil de Salvador para o Rio de Janeiro, o prédio tornou-se o Palácio dos Vice-Reis e, a partir de 1808, Paço Real.

 

Fundos do Paço Imperial. Á direita do leitor, a Rua Primeiro de Março, antiga Rua Direita.

Fundos do Paço Imperial. Á direita do leitor, a Rua Primeiro de Março, antiga Rua Direita.

 

Ainda no que refere-se ao espaço onde o Paço situa-se, ele reproduzia as características de diversas praças do Império português, seja na Europa, seja no Ultramar, guardando uma série de semelhanças com o Terreiro do Paço, em Lisboa. Estava nesta área do Rio de Janeiro uma série de atividades vinculadas ao comércio e ao poder régio.

 

Interior do Paço Imperial.

Interior do Paço Imperial.

 

A praça, ainda hoje, abriga o chafariz de D. Maria I, obra do mestre Valentim da Fonseca e Silva, datada da segunda metade do século XVIII. Onde encontra-se o chafariz desembarcavam os navios oriundos de diversas partes do Império português. Hoje, o atracadouro do antigo porto está em uma das áreas aterradas da Baía de Guanabara. Mencionando a questão dos aterros, se estes não tivessem ocorrido, o mar chegaria bem próximo à atual Primeiro de Março (rua situada nos fundos do Paço Imperial)

 

Arquitetura colonial portuguesa em pleno centro do Rio.

Arquitetura colonial portuguesa em pleno centro do Rio.

 

Retornando ao período de D. João, com a chegada da monarquia bragantina ao Brasil, o prédio sofreu novas reformas, ganhando o seu terceiro pavimento, voltado para o mar. Além de sede do governo e palco de audiências reais, o paço foi o centro dos eventos relacionados à aclamação do então príncipe regente D. João como D. João VI, Rei de Portugal, Brasil e Algarves e, ainda, à recepção de D. Leopoldina da Áustria para o seu casamento com o herdeiro da Coroa portuguesa, o então príncipe D. Pedro.

 

Uma das entradas laterais do Paço.

Uma das entradas laterais do Paço.

 

Além disto, o Paço esteve vinculado a diversos momentos relevantes à história do Brasil e do Império português. Após a partida de D. João VI do Brasil, foi no Paço que aconteceram as articulações políticas entorno do príncipe D. Pedro e o Dia do Fico, que precederam à Independência do Brasil.

 

Pátio Interno do Paço.

Pátio Interno do Paço.

 

Com a separação do Brasil de Portugal, o Paço ganhou a designação de Imperial, que é a utilizada nos tempos atuais. Durante o Império, foi a partir do Paço que os imperadores administraram o Brasil. O prédio também foi palco dos festejos envolvendo as respectivas coroações de D. Pedro I, em 1822, e de D. Pedro II, em 1840. Em 1888, a Lei Áurea, que pos fim à escravidão no Brasil, foi assinada pela princesa Isabel de Orleans e Bragança no Paço Imperial.

 

Chafariz D. Maria I e o Paço Imperial ao fundo.

Chafariz D. Maria I e o Paço Imperial ao fundo.

 

Uma vez proclamada a República, em 15 de novembro de 1889, D. Pedro II e sua família abandonaram o prédio e partiram para o exílio na França. O local que era o centro de decisões da época da monarquia passou a ser sede dos Correios e Telégrafos, sofrendo uma série de intervenções para abrigar a repartição. É válido compreender que a República não queria vincular os seus pontos de poder com os antigos lugares monárquicos. Assim, o Paço foi rejeitado para ser a sede de ministérios e diversos palácios de antigos titulares do Império foram comprados pelo novo governo republicano para os seus ministérios.

 

Chafariz D. Maria I e o prédio da Bolsa de Valores do Rio. À direita, escada rolante que vai para o Mergulhão da Praça XV. Na foto, pode-se perceber claramente o quando a área foi aterrada.

Chafariz D. Maria I e o prédio da Bolsa de Valores do Rio. À direita, escada rolante que vai para o Mergulhão da Praça XV. Na foto, pode-se perceber claramente o quando a área foi aterrada.

 

No que tange às mudanças de nomenclaturas em função do regime político, é importante saber que o espaço onde o prédio situa-se é, desde 1890, designado Praça XV de Novembro, data que refere-se à Proclamação da República. Assim, o antigo centro da monarquia ganhava o nome da data comemorativa ao estabelecimento do regime republicano no país. A atual Praça XV já foi chamada de Largo do Carmo, Campo do Carmo, Terreiro da Polé e várzea da Senhora do Ó.

 

Paço Imperial visto a partir da Praça XV. À esquerda, Palácio Tiradentes, onde funcionou o parlamento brasileiro e, atualmente, o legislativo fluminense.

Paço Imperial visto a partir da Praça XV. À esquerda, Palácio Tiradentes, onde funcionou o parlamento brasileiro e, atualmente, o legislativo fluminense.

 

Quase 50 anos depois, mais especificamente em 1937, durante o governo de Getúlio Vargas, é criada a Secretária do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), atual Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). No ano seguinte, em 1938, o atual Paço Imperial foi tombado.

 

Parte frontal do Paço.

Parte frontal do Paço.

 

Uma outra data importante para o Paço foi o ano de 1982, quando iniciaram-se as obras para a sua restauração, que retomaram o seu aspecto externo ao da época do Reino Unido português. Em 1985, o Paço tornou-se um centro cultural ligado ao IPHAN e à Secretaria de Patrimônio, Museus e Artes Plásticas, Ministério da Cultura. Também foi na década de 1980 que o prédio voltou a receber a sua designação da época da monarquia: Paço Imperial. Em 1991, foi criada a Associação dos Amigos do Paço Imperial.

 

Lateral direita do Paço, rua da Assembléia e, ao fundo, a rua 1º de Março.

Lateral direita do Paço, rua da Assembléia e, ao fundo, a rua 1º de Março.

 

Atualmente, 22 anos depois da criação do centro cultural, o Paço mantém esta função, abrigando exposições de arte contemporânea, concertos musicais, peças de teatro, seminários, conferências, cinema e biblioteca. Neste período, o Paço recebeu quase 2 milhões de visitantes.

 

Lateral do Paço Imperial à noite. Ao fundo, a Praça XV de Novembro.

Lateral do Paço Imperial à noite. Ao fundo, a Praça XV de Novembro.

 

Assim, o Paço Imperial é um ponto extremamente importante para a cultura e a história do Rio de Janeiro, bem como para a do Brasil e a de Portugal, rememorado, também, o periodo em que D. João VI, Rei de Portugal, Brasil e Algarves estava instalado na cidade. Além disto, o Paço Imperial compõe uma região da cidade do Rio com uma série de outros edifícios relevantes, como o Palácio Tiradentes, o Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), a Casa França-Brasil, dentre outros. No entanto, estes sítios são uma outra história.

 

Endereço: Praça XV de Novembro, 48, Centro, Rio de Janeiro – RJ.
Cep: 20010-010
Tel: +55 21 2533-4491 /2533-7762/ Fax: 2533 4359

Funcionamento: Terça a Domingo, das 12h às 18h.
Entrada Franca.

 

Sítios consultados

http://www.arquimuseus.fau.ufrj.br/

http://www.iphan.gov.br

http://www.pacoimperial.com.br/

 

 

Bibliografia

 

BICALHO, Maria Fernanda. A cidade e o Império: O Rio de Janeiro no século XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

 

CAVALCANTI, Nireu. O Rio de Janeiro setecentista: A vida e a construção da cidade da invasão francesa até a chegada da corte. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004.

 

FERREIRA, Fábio. As incursões franco-espanholas ao território português: 1801-1810. In: Revista Tema Livre, ed.05, 23 abril 2003. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

 

ROBBA, Fábio; MACEDO, Silvio Soares. Praças Brasileiras. São Paulo: Edusp / Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2003.

 

SANTOS, Afonso Carlos Marques dos. Entre o mar e a montanha: a herança colonial portuguesa projetada para o Rio atual. In: LESSA, Carlos (org.) Os Lusíadas na aventura do Rio Moderno. Rio de Janeiro: Record, 2002.

 

SANTOS, Paulo F. Formação de Cidades no Brasil Colonial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2001.

Capítulos para a história luso-platina: a cidade de Buenos Aires como ponto de interseção do comércio entre Potosí e o Atlântico português

Artigo de Fábio Ferreira

Professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) e mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em História Social (PPGHIS) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

 

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho propõe-se a abordar brevemente a presença lusa no comércio de Buenos Aires e como a cidade platina serve de ponto de interseção entre a área de dominação espanhola, mais especificamente Potosí, na atual Bolívia, e áreas de dominação portuguesa no Atlântico.

Assim, o próximo item do trabalho inicia-se com as primeiras navegações européias no rio da Prata, com expedições ordenadas por Portugal e Espanha, e a fundação das primeiras cidades nesta área de domínio espanhol. Nesse item ainda é apresentada a descoberta da prata em Potosí e as conseqüências desta exploração no interior da atual Argentina, bem como no Império português, que tem acesso ao metal através do fornecimento de uma série de mercadorias para a região mineradora através do porto de Buenos Aires.

O terceiro item é dedicado ao período posterior à Restauração, quando Portugal tem que lutar para manter-se independente da Espanha e, ainda, retomar diversas das suas possessões, que, naquele momento, são controladas pela Holanda. Estes fatores prejudicam a ação dos comerciantes lusos em Buenos Aires, pois os espanhóis controlam a cidade platina, impondo uma série de restrições ao comércio feito pelos súditos dos Bragança e os holandeses controlam áreas importantes para o comércio atlântico, como, por exemplo, Luanda e Recife. Ainda nesse item, é abordada a fundação da Colônia do Sacramento, tentativa lusa de manter-se no Prata, em um período onde a economia portuguesa encontra-se em crise e a mineração em Potosí não rende os mesmos dividendos.

Assim, nas linhas que se seguem, são encontradas questões a respeito do comércio realizado pelos portugueses em Buenos Aires e como a cidade platina está, ao mesmo tempo, conectada ao império espanhol e ao português, ao Alto Peru e a Angola e ao Brasil, ao comércio espanhol e ao português.

 

2. GÊNESE DA ATIVIDADE COMERCIAL LUSA NO ESPAÇO PLATINO

Mapa do português Bartolomeu Velho (1561): Tordesilhas a cortar o Prata, fazendo parte da América lusa.

Mapa do português Bartolomeu Velho (1561): Tordesilhas a cortar o Prata, transformando a região em parte da América lusa.

Em 1501-1502, Américo Vespúcio sai de Lisboa em expedição ao Atlântico Sul e navega ao longo do continente americano e, assim, os portugueses teriam sido os primeiros europeus a chegarem ao rio da Prata. Como comprovação deste fato há somente a documentação relativa à fundação da Colônia do Sacramento, datada de 1680, muito posterior à expedição. Há, também, a possibilidade dos portugueses terem realizado viagens secretas ao Prata, tanto com fins exploratórios, quanto de povoamento.

Com a expedição de Estevão Fróes e João de Lisboa, em 1511-1512, os portugueses chegam ao citado rio, mais especificamente ao que hoje corresponde a Punta del Este. No entanto, é o português Juan Díaz de Solís1, a serviço da Espanha2, quem, em 1516, efetivamente ingressou, explorou, e desembarcou no Prata.3

Solís foi morto pelos indígenas, mas isto não impede que a notícia da expedição chegue à Europa, e que Carlos I envie o também português Fernando de Magalhães4, que chega ao Prata em 1520. Agrega-se, ainda, que em 1531-1532, fiéis a D. João III, Martim Afonso de Sousa e Pero Lopes de Sousa entram no Prata, seguem até o Paraná, e realizam observações e deixam sinais de sua presença na via fluvial.

Outras expedições estiveram no Prata nas primeiras décadas do século XVI, como, por exemplo, a de Cristóvão Jaques, a mando do rei de Portugal, e a do veneziano Sebastião Caboto, que, a serviço de Espanha, adentra o rio em 1527 a buscar a mítica Serra da Prata5. A expedição prolonga-se até 1529, sem lograr o seu objetivo.

A Coroa espanhola crê na possibilidade de conseguir no rio da Prata os mesmos lucros que conseguia com a prata peruana, incorporando, assim, a região ao seu projeto imperial. Para executar o seu plano, funda, em 1536, Buenos Aires, porto de transbordo e, a partir daí, envia expedições ao Paraná, estabelecendo-se vários assentos. Neste contexto, é fundado, em 1537, o forte de Assunção.

No entanto, os espanhóis, em função das significativas perdas que sofrem em seus contingentes humanos, do conhecimento que adquirem da região e das instalações efetuadas na mesma, decidem-se por despovoar Buenos Aires em 1541. Deste modo, a organização municipal de Assunção é a única forma de governo representativa da primeira organização da província do rio da Prata.6

Assim, em virtude da escassez de ouro e prata, a província não integra-se à Espanha. São as áreas que abundam em metais nobres, a Nova Espanha e o Peru, que são os núcleos do império espanhol na América e estão integrados à Espanha.

As áreas periféricas, no caso, o Prata, pagam seus tributos à coroa com produtos da terra, que servem, somente, para o consumo dos oficiais da monarquia instalados na província. Sobre a tributação, é válido observar que o estabelecimento de colônias nas Américas significa para a Coroa espanhola uma oportunidade de criar nova estrutura de impostos. Na Espanha, os nobres, a igreja católica, as vilas, cidades e reinos, enfim, uma série de grupamentos e instituições reivindicam e exercem seus direitos de serem isentos de taxações, em função do seu papel em diversos momentos da reconquista cristã na Península Ibérica.

Deste modo, o sistema fiscal espanhol no Novo Mundo busca que esses condicionamentos não ocorram. A Real Fazenda assegura à Coroa uma parte das riquezas dos domínios do ultramar e, ainda, os impostos das Índias são empregados para os custos da manutenção das conquistas na América. O dinheiro obtido no espaço americano é empregado na sua própria defesa, administração, instituições sociais, religiosas, educativas, enfim, a Espanha nunca assumiu estes encargos em suas colônias. O suprimento financeiro dos domínios da América advém da arrecadação da própria área ocupada.7

Durante grande parte do século XVI a população platina abastece-se de produtos europeus através do sistema de Frota e Galeões8, que é extremamente dispendioso e inseguro. Através deste sistema, as mercadorias, primeiramente, chegam ao Panamá e, depois, são reenviadas a Lima para serem distribuídas a outras partes do Vice Reino do Peru, dentre elas, a região do Prata.

Em 1563 é constituída, sob a autoridade do vice-rei do Peru, a gobernación de Tucumán9, sendo que o povoamento de Tucumán é vinculado à conquista peruana, que gera processo de exploração em direção ao sul. A primeira cidade a ser fundada na região de Tucumán é Santiago del Estero, em 1553, que, por mais de uma década, constitui-se o único centro populacional permanente, pois outras tentativas malograram10. Agrega-se, ainda, que a região vem a encontrar grande desenvolvimento em função da produção mineira de Potosí, maior depósito de prata do continente, descoberta em 1545.11

Sobre a prata potosina, a sua extração foi lenta no período de 1545 a 1572. No entanto, a partir de 1573, com a incorporação do método da amalgama12, a sua produção encontra grande salto.13

Em 1572, buscando-se o escoamento da prata potosina pelo Atlântico, o governo de Tucumán funda Córdoba, às margens do rio Suquía. A criação de Córdoba foi de fundamental importância para a rota comercial que, nos anos seguintes, liga o Alto Peru ao rio da Prata e, também, esta última região ao Chile. Outras cidades14 são fundadas em virtude da economia mineira, como é o caso de Salta, em 1582, de La Rioja, em 1591, de Madrid, em 1592 e, por fim, de San Salvador de Jujuy, no ano de 1593.

Também em função de questões econômicas, mais especificamente a busca de um porto de saída no Atlântico e, ainda, às vastas possibilidades de comércio em razão do gado cimarrón, é fundada Santa Fé em 1573, e Buenos Aires é refundada em 1580. Agrega-se aos fatores de ordem econômica que estas cidades são criadas buscando deter o avanço luso na América.

Com a fundação dessas cidades, criam-se, nesta parte do Novo Mundo, rotas comerciais, seja por via terrestre, seja por via fluvial. Como exemplo, pode-se citar que Tucumán produz cereais, gado, algodão e têxteis, e que os seus excedentes são comercializados com Potosí, Chile, Brasil e Buenos Aires. Esta cidade também recebe os excedentes de vinho e aguardente de Cuyo e o trigo de Córdoba. Santiago del Estero envia para Potosí tecidos, cera e mel. Córdoba exporta têxteis de algodão e, em finais do século XVI, seus excedentes de gado abastecem o Alto Peru e, ainda, neste mesmo período inicia-se a criação de mulas. No entanto, não pode-se ignorar a periculosidade da atividade comercial, devido ao risco de ataques indígenas.15

Além das questões relativas ao comércio, observa-se que a organização do território platino, em fins do século XVI, está divido na Gobernación del Rio de la Plata, que engloba a Banda Oriental16, Paraguai, e partes dos atuais estados nacionais da Argentina17 e Brasil18. Esta gobernación está submetida política e judicialmente ao Vice-Reino do Peru19 e, no mesmo grau de subordinação, estão o Chile e Tucumán.

Ainda no fim desta centúria, com o já citado crescimento da exploração da prata do Potosí, o Alto Peru assiste a uma verdadeira explosão demográfica: De 3.000 habitantes em 1543, a região passa para 120.000 em 1580. Em apenas trinta e sete anos a população aumenta quarenta vezes, tornando-se, deste modo, um grande mercado consumidor, extremamente importante para a realização de atividades comerciais, englobando Tucumán, Buenos Aires e o Atlântico português.

Sobre o Atlântico português, ressalta-se que ele liga Buenos Aires ao Brasil, África, Mediterrâneo e portos do mar do Norte. Além disto, desde 1590, Buenos Aires é um ponto comercial controlado pelos portugueses e, ainda, a cidade passa a competir ilegalmente com Lima e com o circuito comercial espanhol. Mesmo com a proibição da Espanha em relação ao comércio portenho, datada de 159520, Buenos Aires exporta produtos agropecuários ao Brasil em troca de escravos africanos, e os reexporta para o Chile e Potosí.

No que tange a introdução de cativos, a primeira autorização real para introduzi-los no Prata dá-se em 1534. De um modo geral, a escravidão do negro na América espanhola dá-se em regiões onde o elemento indígena encontra-se disperso ou em pequeno número. Estima-se que, de inícios do século XVI até 1810, são introduzidos quase que um milhão de negros nos domínios espanhóis na América, sendo que uma grande quantidade é desembarcada no porto de Buenos Aires.21

Devido à prata do Alto Peru e à atividade comercial em Buenos Aires, cria-se, na América do Sul, um espaço econômico integrado e conectado pelo comércio: Lima, capital política do Vice Reino, que recebe legalmente mercadorias européias e centro distribuidor das mesmas; Potosí, com a sua produção mineira, além de centro consumidor; e Buenos Aires, na sua função de porto que integra o Alto Peru ao Atlântico e a Europa.22

É válido ainda observar que Buenos Aires compõe também o sistema atlântico português. Deste modo, a cidade é um ponto de contato entre os impérios português e espanhol, pode-se pensar neste porto como interseção dos dois impérios ibéricos. Buenos Aires recebe, por exemplo, do mundo hispânico, a prata do Alto Peru, e do luso, escravos das possessões de Portugal na África. Conforme apresentado no gráfico a seguir, Buenos Aires, no período de 1597 até os anos de 1620, recebe um número crescente de escravos, de cerca de 250 no final do século XVI a 1.500 na década de 20 da centúria seguinte23, o que significa um crescimento de seis vezes nas importações em aproximadamente 25 anos.

 

Quantidade de escravos recebidos por Buenos Aires (1597-1620)

 

 

Paralelamente a presença e ao desenvolvimento do comércio controlado pelos portugueses em Buenos Aires, Portugal está a viver sob o controle de Felipe II de Espanha24. Observa-se que, mesmo tendo o mesmo rei, os impérios português e espanhol mantêm-se como entidades distintas. Assim, o comércio entre Buenos Aires e o império português ocorre de maneira ilegal.

Acrescenta-se que os portugueses adquirem projeção na atividade comercial não só em Buenos Aires, mas, também, em outros pontos do império espanhol, como Lima, Potosí, Córdoba e Tucumán. Sobre a presença lusa no comércio do mundo colonial espanhol, Frederic Mauro afirma que os

"[…] portugueses tiravam proveito do afrouxamento das fronteiras políticas entre os dois impérios. Particularmente, os contratos para o comércio de escravos com a América espanhola abriram novos mercados aos comerciantes lusos. De modo geral, os comerciantes portugueses, na maioria das vezes cristãos-novos, se estabeleceram em Lima, Potosí, Cartagena e Cidade do México, assim como em Sevilha. Buenos Aires, sobretudo, tornou-se de fato uma feitoria portuguesa para o comércio ilegal com o Peru."25

No entanto, não pode-se ignorar que medidas tomadas pela coroa espanhola buscam anular a ação desses portugueses, através da consolidação de um grupo de mercadores composto pelos vecinos e, ainda, dando-lhes direitos de obterem licenças (permisos) para realizarem atividades comerciais: Assim ocorre no período de 1602 a 1618, quando a Coroa espanhola abre uma exceção para Buenos Aires, permitindo que deste porto se negocie com Brasil e Guiné, importando manufaturas e açúcar, e exportando farinha, charque e sebo. No entanto, só recebem autorização para realizar tal comércio os vecinos de Buenos Aires. Esta medida dos espanhóis é a busca de evitar-se a saída dos metais preciosos de seu império, como vinha ocorrendo através dos comerciantes lusos.26

Esses comerciantes seriam, majoritariamente, cristãos-novos, que foram para a América em função de perseguições do Santo Ofício na Europa e possuem papel fundamental na composição da burguesia lusa. Eles possuem relações comerciais que vão além do mundo ibérico, negociam com judeus em mercados como Londres e Amsterdão.

No entanto, mesmo no Novo Mundo, estes negociantes têm problemas com o Santo Ofício. Em função de disputas comerciais, freqüentemente, os comerciantes de origem portuguesa são denunciados pelos seus rivais espanhóis à inquisição de Lima, sendo que, muitas das vezes, isto é uma tática dos concorrentes, empregada independentemente ou não da religião do rival.

Observa-se que é criado no imaginário da população dos domínios espanhóis na América que os comerciantes de origem portuguesa são judeus, inimigos da fé católica. Talvez tal vinculação tenha sido concebida para deter a expansão dos comerciantes lusos na América espanhola. Chega-se ao ponto de que ser português é sinônimo de ser judeu, mesmo que, não necessariamente, estes comerciantes o sejam.27

No entanto, mesmo diante das oposições expostas acima, os portugueses controlam o comércio de Buenos Aires e, no período de 1590 a 1640 (ano da Restauração de Portugal), as atividades comerciais desta cidade são intensas com o Brasil e com a África portuguesa. A prata peruana representa 90% do total exportado a partir de Buenos Aires28 e o contrabando realizado pelos portugueses teria sido o responsável pelo crescimento de Buenos Aires, que, pelo seu desenvolvimento, leva a estagnação econômica e a queda da importância política de Assunção.29

Agrega-se que com a União Ibérica os espanhóis dificultam a navegação holandesa e inglesa nas colônias lusas e privilegia os seus súditos na concessão de licenças. Esta medida causa a oposição dos portugueses, que temem que os espanhóis controlem o comércio com o Brasil e, assim, são rechaçadas as tentativas dos comerciantes de Espanha para penetrarem no sistema comercial português.30 Assim, os comerciantes espanhóis não conseguem ter êxito nas possessões coloniais lusas. Por outro lado, os portugueses obtém sucesso no mundo colonial espanhol, basta remeter-se à proeminência lusa no comércio de Cartagena, Lima ou Buenos Aires.

Deste modo, retornando ao espaço colonial espanhol na América do Sul, a relação comercial com o Atlântico para abastecer Potosí faz com que as principais cidades na região de Tucumán sejam centros comerciais. A própria cidade de Tucumán, por exemplo, beneficia-se desta rota, a especializar-se na produção de carretas – já que possui bastante madeira e couro – que passam a circular nas vias que ligam o Alto Peru ao Atlântico. Curtumes desenvolvem-se nas áreas rurais, produzindo, por exemplo, botas, cintos e laços, que são comercializados tanto no mercado local, quanto no Alto Peru.

Outra região a beneficiar-se é Córdoba com a sua produção têxtil, que nas últimas décadas do século XVI e primeiras do XVII tem uma grande expansão. A demanda da região mineradora e, também, a de Assunção e a de Santa Fé, onde a produção têxtil é trocada por vinho e açúcar, são razões para o incremento da produção de Córdoba, ao lado de fatores como o próprio mercado local, o crescimento dos rebanhos de ovelhas e a existência de mão de obra indígena.

Também cresce em Córdoba a produção de gado, que com o seu excedente abastece o Alto Peru e com o sebo o Brasil. A produção de mulas também é algo de destaque na região e, a partir de 1630, torna-se o setor dominante das exportações, pelo fato de que este animal mostra-se mais resistente que as lhamas. Para maiores detalhes dos números destas exportações, vejamos as seguintes tabelas.

 

Tabela 1 – Cabeças de gado exportadas de Córdoba ao norte: Século XVI/XVII

 

Períodos 1596 – 1600 1641 – 1645 1681 – 1685
Cabeças de gado 7.000 42.000 70.000

Fonte: MILLETICH, op. cit., p.212.

 

Tabela 2 Quantidade anual que Córdoba exporta de mulas: Século XVII

 

Períodos 1630 – 1640 1650 – 1700
Mulas exportadas 12.000 20.000

Fonte: MILLETICH, op. cit., p.212, 213.

 

Assim, é no século XVII que a exportação de gados e mulas de Córdoba cresce. Agrega-se, ainda, que a partir da década de 1640 incorpora-se a esse comércio a produção de Santa Fé e, posteriormente, da campanha de Buenos Aires. A importância de Córdoba vai além da criação de mulas, reside também no processo de preparação dos animais oriundos das regiões vizinhas para a exportação ao Alto Peru.

Deste modo, observa-se que, pelo fato da produção mineira estar em um sítio inóspito e carente de populações sedentárias, a mineração tem conseqüências profundas e duradouras sobre a economia colonial, não só no espaço americano controlado pela Espanha, onde o comércio estende-se rapidamente para atender a demanda potosina, como também na América portuguesa e para os comerciantes lusos. Nas relações comercias com Buenos Aires, por exemplo, fornecia-se “[…] ao Brasil, carente de prata, a obtenção mais ou menos abundante deste metal, através dos ‘peruleiros’ que desciam do Alto Peru, trocando sua cobiçada mercadoria pelo não menos desejado escravo negro de suma utilidade ao trabalho crescente das minas do altiplano.”31

Sobre a circulação da prata peruana na América Portuguesa, mais precisamente no Rio de Janeiro e as relações comercias com o Prata, Muller e Lima mostram que

"[…] os comerciantes sediados no Rio de Janeiro compravam as mercadorias portuguesas para depois revendê-las na América espanhola. Dessa forma, os reales de prata do Peru afluíam ao Rio de Janeiro […] A entrada de reales de prata no Rio de Janeiro deve-se também ao fato de que os navios que saiam do Prata […] passaram a abastecer-se no Rio de Janeiro, onde compravam pau-brasil e mercadorias […] necessárias para alimentar a tripulação durante a travessia do Atlântico."32

Tal contato não fica restrito ao Rio de Janeiro. Em outro trabalho, Muller e Lima observam que “[…] no extremo sul, na área onde atualmente se localiza o estado do Rio Grande do Sul, circulavam indistintamente moedas brasileiras e dos países vizinhos”33, o que também evidencia a relação existente entre o Brasil e a região do Prata. Frederic Mauro34 afirma que a prata do Potosí é, no período da União Ibérica, moeda usual no Brasil.

Retornando ao espaço hispano-americano, a prata estimula uma série de atividades produtivas, como, por exemplo, a de grãos em Bajío, Michoacán, Cochabamba, a de vinhos em Cuyo e na costa peruana e chilena, a têxtil em Cuzco, Quito e Tucumán, a erva mate no Paraguai e a criação de gado no rio da Prata, sendo que a atividade comercial em torno desta criação leva, inclusive, a exportação de sebo para o Brasil. No que refere-se à importação, a região produtora de prata recebe escravos africanos, sedas e especiarias do Oriente, têxteis, vinhos e ferro da Europa, enfim, a atividade mineradora no Alto Peru gera uma série de atividades comerciais e produtivas35 e, ainda, a circulação da prata em partes do império espanhol, mas, também, do português.

No entanto, não pode-se ignorar que, em princípios do século XVII, 90% do comércio de Potosí dá-se com regiões do próprio espaço americano, com produtos agrários e têxteis e insumos feitos na própria América. As regiões mais beneficiadas são o Peru, Paraguai e Tucumán, que exportam para Potosí seus excedentes agrícolas e manufaturados, obtendo, deste modo, a maioria da sua prata.36

O comércio com as regiões citadas acima deixa somente 10% da atividade comercial de Potosí com áreas externas ao espaço americano. Nesta décima parte está a importação de escravos, manufaturas européias, ferro e papel. Os comerciantes de Buenos Aires – e os que estão na cidade para comercializar – buscam participar do lucrativo negócio com Potosí. A maneira encontrada é comercializar com as regiões que previamente abastecem Potosí. Deste modo, Córdoba torna-se importante ponto redistribuidor de escravos e manufaturas. Em Santa Fé, comerciantes portenhos podem realizar trocas de parte de suas manufaturas européias por gado e erva mate do Paraguai e, assim, em Salta, o conjunto é vendido para posterior revenda em Potosí.37

É válido ainda observar que as relações comerciais entre Assunção, Santa Fé e Buenos Aires levam, dentre outras, a produção de primitivas embarcações fluviais, que podem realizar a navegação de cabotagem até o Brasil. Também é através de Santa Fé que a erva mate do Paraguai chega, além de Potosí, conforme já apresentado, ao Chile e, por mar, até Lima e Quito.

Assim, pode-se perceber a existência de uma atividade produtiva e comercial nos territórios controlados pela Espanha na porção sul do Vice Reino do Peru. A realização do comércio permite o desenvolvimento destas regiões e, além disto, a circulação da prata. O porto de Buenos Aires, excluído pela Coroa do seu sistema comercial, realiza, mesmo que semi-clandestinamente, as suas atividades comerciais.

Buenos Aires escoa a prata de Potosí, no entanto, é fundamental para os buenairenses este conjunto de economias regionais e a sua integração. Os comerciantes portenhos atuam em uma rede de mercados locais, que englobam, por exemplo, no âmbito hispano-americano, Tucumán, Paraguai e Potosí.

Pode-se afirmar que as minas tornam-se o motor da atividade econômica, a prover o maior objeto de exportação e, ainda, o meio circulante. Em princípios do século XVII, a prata americana alcança, com grande contribuição do Peru, a sua quantidade máxima de extração, no entanto, segue-se um período de contração. Na década de 1670 a Nova Espanha já produz mais prata que o Peru e, no final do século XVIII, as jazidas mexicanas produzem mais que o dobro do que os distritos do Peru e do Rio da Prata em conjunto.38

 

3. AS RELAÇÕES COMERCIAIS ENTRE OS PORTUGUESES E O PRATA APÓS A RESTAURAÇÃO DE PORTUGAL

Salvador Correia de Sá e Benevides: no contexto da Restauração lusa, governador do Rio de Janeiro planeja conquistar Buenos Aires.

Salvador Correia de Sá e Benevides: no contexto da Restauração lusa, governador do Rio de Janeiro planeja conquistar Buenos Aires.

Após sessenta anos controlado pelo rei de Espanha, Portugal aclama, em 1640, o duque de Bragança como o rei D. João IV e, assim, termina-se o controle dos Habsburgos sobre o país e seus domínios ultramarinos. Observa-se que nos primeiros anos da restauração, Portugal tem que enfrentar uma série de adversidades, como, por exemplo, conflitos com a Espanha e a Holanda, que, no caso desta última, controla diversos territórios lusos, seja na África, no Brasil ou na Ásia. Assim, Portugal tem diversas possessões em várias partes do globo ocupadas pelos holandeses, como, por exemplo, Luanda, Pernambuco, Ceilão e Japão. Os holandeses controlam dois pontos extremamente importantes para a economia lusa: O nordeste açucareiro e possessões africanas, de onde os portugueses adquiriam escravos39.

As ocupações que a Holanda realiza na Guiné e em Angola comprometem seriamente o envio de escravos para Buenos Aires, que, por sua vez, prejudica todos os negócios realizados no porto platino.40 A dificuldade de negociar com Buenos Aires significa, para os portugueses, a complicação no acesso à prata.

Assim, surgem, ainda no período da União Ibérica, planos, por parte dos portugueses, para conquistar Buenos Aires. A idéia ganha mais força quando os lusos encontram dificuldades para comercializar com esta praça em função dos conflitos com a Espanha por causa da Restauração de Portugal.41 Chega-se a cogitar plano para que Buenos Aires rompa com o Peru e declare D. João IV como rei. A operação contaria com a população lusa da cidade, que, em meados do século XVII, são 25% dos habitantes.42

Também após a Restauração, a ação dos súditos da Coroa portuguesa em territórios espanhóis chega a Corrientes, Santa Fé e ao Paraguai, através da ação das bandeiras. Conjetura-se, igualmente, a ocupação, por parte de Portugal, das atuais províncias argentinas de Entre-Rios, Corrientes e Missiones com o intuito de controlar-se linhas de comunicação entre o interior das possessões espanholas e a cidade de Buenos Aires.43

Acrescenta-se, ainda, que neste mesmo período posterior a Restauração, mais especificamente em 1641-42, não só os lusos especulam a possibilidade de avançar e conquistar pontos espanhóis na América. Os holandeses planejam atacar Buenos Aires e, assim, controlar o Atlântico Sul e excluir os portugueses do fornecimento de escravos e da obtenção ilegal da prata.

Paralelamente, em Lisboa, vislumbra-se a possibilidade de Portugal invadir Buenos Aires. Em 1643, Salvador Correia de Sá e Benevides envia ao Conselho Ultramarino a sugestão de invadir a cidade platina, argumentando que não há outra maneira para reabrir o tráfico entre o Brasil e Buenos Aires, já que Portugal, em função dos holandeses, não tem como fornecer escravos aos portenhos e, em contrapartida, obter a prata peruana.44

Salvador de Sá afirma que a conquista de Buenos Aires também significa a possibilidade de abastecer o Brasil com couro e gêneros alimentícios, além de controlar a bacia do Prata e, posteriormente, a cidade consistiria em um ponto de partida para a conquista de Potosí. O plano seria posto em execução por forças navais do Rio de Janeiro e, por terra, a cidade seria atacada pelos bandeirantes,45 que desde a primeira metade do século XVII freqüentam os domínios espanhóis no Prata, inclusive para o aprisionamento de indígenas.46

Os planos para invadir Buenos Aires vão até a década de 1650.47 Em 1648 Luanda, Benguela e São Tomé são reconquistados e Pernambuco é recuperado em 1654.48 A partir da reconquista de Pernambuco, só falta, para Portugal, apoderar-se de Buenos Aires para recuperar as suas rotas atlânticas.

Neste contexto, o interesse na conquista da cidade vai além da obtenção da prata peruana e da venda de escravos. Buenos Aires pode fornecer outros produtos produzidos na região, como, por exemplo, couro, carne-seca e erva-mate.

Portanto, observa-se a importância de Buenos Aires para a o comércio português, a integração da cidade às rotas controladas pelos comerciantes lusos e aos domínios portugueses no Atlântico. A relação de Buenos Aires com o comércio atlântico é tanta que, uma vez que Portugal vê as suas possessões africanas nas mãos dos holandeses, os negócios com a cidade platina encontram-se comprometidos. E mesmo quando Portugal, já restaurado, recupera os seus domínios africanos, os empecilhos que a Espanha coloca para que os portugueses realizem atividades comerciais em Buenos Aires compromete o acesso dos lusos à prata.

O comércio com o porto platino é fundamental para Portugal e para os seus comerciantes, surgindo, assim, os citados planos de ocupação de Buenos Aires. Além disto, não pode-se ignorar que as proibições impostas pela Espanha levam ao aumento dos negócios ilícitos entre portugueses e portenhos.

As dificuldades que Portugal tem neste período posterior à Restauração são inúmeras e, assim, a ocupação de Buenos Aires pelas armas não concretiza-se. Portugal vive uma situação internacional de enfrentamento com a Espanha, que só reconhece a restauração em 166849, e com a Holanda. Assim, Portugal aproxima-se da Inglaterra e, em troca de apoio militar e político, concede aos britânicos uma série de privilégios econômicos e comerciais.50

Os anos de guerra e a pirataria levam ao desgaste da administração e das defesas do império português na América, África e Ásia, exaurindo os recursos de Portugal. É válido pensar nos custos das ações militares para a reconquista das possessões portuguesas nos cofres da Coroa recém restabelecida51 e, ainda, nos prejuízos à monarquia lusa em virtude dos ataques que os piratas holandeses realizam ao comércio entre Portugal e o Brasil.52 As coletas de impostos em Portugal e em todo o império ultramarino não bastam para suprir as rendas portuguesas, sendo que recursos são buscados através de empréstimos, sejam eles compulsórios ou voluntários.53

No inicio do seu reinado, a dinastia de Bragança54 tem que enfrentar uma série de adversidades, conforme apresentado anteriormente. Soma-se, ainda, outra gama de dificuldades, como, por exemplo, insubordinações dos governadores do Rio de Janeiro e Pernambuco em relação ao governo central em Salvador.55

Entretanto, mesmo submetido a Salvador, o Rio de Janeiro, ao longo do século XVII, já alcança alguma projeção nos quadros do império português e é nesta centúria que inicia-se a configuração do núcleo urbano e da elite mercantil fluminense, que, no século seguinte, vem a ser a principal praça mercantil do Atlântico Sul, com uma poderosa comunidade de negociantes de grosso trato.56

Não pode-se ignorar, já nos seiscentos, a atuação do Rio de Janeiro nos quadros do império português. Por exemplo, seus habitantes fornecem 55.000 cruzados para a expedição que expulsa os holandeses de Luanda e é o seu governador, Manuel Lobo, quem funda a Colônia do Sacramento, em frente a Buenos Aires, em 1680. Entretanto, o Rio de Janeiro tem as suas limitações como praça mercantil nos idos de 160057, com papel de capitania relativamente secundária no Império português.58

Mas, mesmo com todas as suas restrições, o grupamento comercial do Rio tem o seu interesse no comércio com o espaço platino. Ressalta-se que, conforme apresentado anteriormente, o número de portugueses em Buenos Aires é grande e que, durante a União Ibérica, o contrabando ocorria com a conivência castelhana. No entanto, a partir de 1640, com a separação de Portugal da Espanha, os súditos da monarquia lusa estabelecidos em Buenos Aires passam a sofrer cerceamentos por parte dos espanhóis às suas atividades comerciais. Assim, diante das impossibilidades impostas pelos espanhóis e pela impossibilidade da ação militar para ocupar Buenos Aires, a Câmara do Rio de Janeiro sugere a fundação de um estabelecimento luso na margem esquerda do Prata59, que corresponde ao território do atual Estado Nacional do Uruguai.

Agrega-se, ainda, que além de Portugal, outras nações européias têm interesse no Prata, como, por exemplo, França, Holanda e Dinamarca60. A Espanha também tem receios em relação à aliança entre Portugal e Inglaterra que, conjuntamente, poderiam apoderar-se do estuário do Prata. Assim, em um contexto em que diversos estados europeus têm interesse em apoderar-se do rio da Prata, Portugal antecipa-se e decide apossar-se de territórios às margens desta via fluvial.61

Manuel Lobo, nomeado governador do Rio de Janeiro em oito de outubro de 1678, funda, em 1º de janeiro de 1680, a Colônia do Sacramento. Acompanham-no famílias de colonos e tropas militares.62 Assim, Portugal age no sentido de estar presente no espaço platino, repleto de oportunidades de realizações de atividades comerciais, além, é claro, do caráter geopolítico da empreitada e do controle do Prata, via de acesso ao interior do atual Brasil e dos atuais Paraguai, Uruguai, Argentina e Bolívia. Ressalta-se, ainda, que é do Rio de Janeiro que partem os mais importantes recursos financeiros e humanos para a fundação da Colônia do Sacramento.

Sacramento significa a busca do restabelecimento do comércio luso com a região platina, principalmente da rota Rio da Prata–Rio de Janeiro–Luanda e a obtenção dos metais de Potosí. Observa-se que tal fundação deve-se às necessidades da Coroa e de grupos coloniais influentes, bem como está inserida em um contexto em que Portugal encontra-se em crise econômica, com escassez de metal.63

No último quartel do século XVII, a depressão econômica do império atlântico é profunda e o Brasil e Angola sofrem grave carência de moeda, pois os comerciantes lisboetas e portuenses preferem receber o pagamento em espécie e não com o equivalente em açúcar. Deste modo, Sacramento é a tentativa lusa de ter acesso à prata peruana como ocorria no período da União Ibérica.64

Sobre a fundação do estabelecimento luso no Prata, Moniz Bandeira afirma que

"A necessidade de manter a conexão com Potosi e, reativando o comércio de contrabando com a América espanhola, fomentar o fluxo de prata, que a economia de Portugal, em crise, demandava, determinou, naturalmente, o desencadeamento da operação militar […] com o duplo objetivo de assegurar o domínio de uma das margens do grande rio e, ao mesmo tempo, criar as condições para ulterior conquista de Buenos Aires."65

Em virtude da fundação de Sacramento, o governador de Buenos Aires teme que a população da cidade, composta por portugueses e lusos-descendentes, se alinhe com os ocupadores situados à outra margem do Prata. O interesse dos habitantes de Buenos Aires em aderir a Portugal dá-se pelo fornecimento de escravos, açúcar, tecidos, dentre outros bens que os lusos oferecem à cidade com um custo menor que Lima. O comércio ilícito entre os portugueses e os buenairenses atende, também, aos interesses dos habitantes de Córdoba, Tucumán e do Alto Peru. Assim,

"Na medida, pois, em que as necessidades das populações do litoral do Rio da Prata coincidiam com os interesses mercantis de Portugal, Buenos Aires tendia a apartar-se do eixo de gravitação do sistema colonial de Espanha, assentado sobre o complexo Pacífico-Caribe e a contrapor-se ao Vice-Reino do Peru. Esse fator […] favoreceu aos portugueses, cuja expansão comercial […] foi mais importante que a conquista de territórios por eles realizada, paralelamente, porquanto quebrantou, a começar de Buenos Aires, o monopólio comercial de Espanha na América do Sul."66

Observa-se que a fundação de Sacramento dá-se no mesmo contexto do avanço dos paulistas, com o apoio da Coroa, em direção ao sul. Nesta conjuntura, eles fundam, em 1664, São Francisco do Sul e, em 1684, Laguna. No entanto, os objetivos do avanço desde São Paulo diferem daqueles feitos a partir do Rio de Janeiro, sendo que estes dois núcleos lusos na América possuem características sociais e econômicas distintas, que refletem no modo de sua expansão. Os paulistas buscam terras e rebanhos, não estando vinculados ao comércio com Buenos Aires ou África, por exemplo. Deste modo, Fabrício Prado observa que

"[…] no fim do século XVII e começo do XVIII, pode-se verificar que, desde São Paulo, estendia-se rumo ao sul uma frente colonizadora, expandindo a fronteira agrícola. As terras e os recursos existentes sobre elas foram o móvel principal desse movimento, que avançava por terra, do norte para o sul, fortemente articulado política, social e economicamente com São Paulo. Os desígnios da Coroa, nesse momento, iam ao encontro dos interesses dos grupos locais. A expansão para o sul, por terra, desde São Paulo e Laguna, constituía, entretanto, apenas uma faceta das estratégias e interesses lusos rumo ao sul."67

No que tange a conquista do Prata a partir do Rio de Janeiro, em 1673, o governo instalado na cidade prepara plano de uma possível conquista de Maldonado e, ainda, após a fundação de Sacramento, Portugal inicia a ocupação da área onde mais tarde os espanhóis fundam Montevidéu.

Sacramento é um ponto de grande interesse à Coroa lusa e aos comerciantes estabelecidos no Rio de Janeiro, pois é o meio de acesso à prata e a couros, e à venda de escravos, açúcar, fumo, manufaturados e aguardente. Após o descobrimento de ouro em Minas Gerais, a elite comercial do Rio de Janeiro polariza o ouro68 e a prata (via Sacramento) da América do Sul, além de fornecer ao mercado platino o fumo baiano e o açúcar e a aguardente dos engenhos fluminenses. Também é o Rio de Janeiro que passa, pouco a pouco, a controlar parte das rotas para o Prata.69

Com a fundação da Colônia do Sacramento intensificam-se os contatos entre os portugueses e Buenos Aires. O contrabando, que já dava-se com uma certa freqüência antes de Sacramento, após a sua criação torna-se ainda maior. O comércio ilegal no Prata envolve, além de portugueses, holandeses, franceses e ingleses, sendo que os europeus introduzem em Buenos Aires bens europeus de maneira mais barata e escravos, recebendo em troca metais preciosos, burlando o monopólio imposto pela Espanha. Desenvolve-se, assim, uma elite comercial forte e vinculada ao contrabando.70

Agrega-se, ainda, que no século XVII, mais especificamente a partir de 1610, a produção da prata de Potosí entra em decréscimo, sendo que esta situação perdura até a terceira década do século XVIII, quando há recuperação. Mas esta retomada não leva Potosi aos altos patamares de produção do século XVI. O ápice desta recuperação corresponde a 50% do primeiro auge.71

No entanto, mesmo com o declínio da produção mineira de Potosí no século XVII, isto não significa a diminuição do interesse luso em Buenos Aires, conforme já apresentado. Mesmo com a queda da produção do Alto Peru, a realização de atividades mercantis com a cidade platina continua a ser rentável.

Vilma Milletich72 apresenta a hipótese de que em função da vitalidade e intensidade das trocas inter-regionais ocorridas ao longo do século XVII, mesmo período em que a produção mineira de Potosí decresce, há uma autonomia crescente das zonas produtoras e dos circuitos mercantis. Assim, este desenvolvimento, nesta altura, já ocorre sem ter que ver com Potosí. A autora aponta que na segunda metade do século XVII a produção da erva mate paraguaia expande-se ao Peru, aumenta-se a quantidade de mulas produzidas em Córdoba, e o tráfico transatlântico incrementa-se. Deste modo, mesmo diante de uma produção de prata em declínio, há o aumento da circulação interna de produtos europeus.

Sobre a introdução de escravos no Prata do século XVII, pode-se afirmar que o fornecimento da mão-de-obra para trabalhos compulsórios dá-se, em larga medida, ilegalmente, no entanto, com a participação de funcionários da administração espanhola e dos vecinos.

Estima-se que no período de 1586 a 1665 são importados entre 25.000 e 30.000 cativos. Destes, em torno de 6.000, ou 20%, se trabalharmos com o número máximo de 30.000 escravos, entram em Buenos Aires de forma legal. 7.000, ou cerca de 23%, chegam à cidade sem autorização, no entanto, através dos remates públicos são legalizados. Assim, temos um total de 13.000 cativos que, de uma maneira ou de outra, encontram-se legalizados. Ainda adotando a quantidade de 30.000 escravos introduzidos em Buenos Aires, 17.000, que corresponde a cerca de 57%, entram e permanecem de forma ilegal, um número bastante alto.73 O gráfico a seguir apresenta a situação dos escravos, dividida entre os introduzidos em Buenos Aires de forma legal, os legalizados na cidade platina e os ilegais.

 

Situação dos escravos em Buenos Aires (1586–1665)

 

Se somarmos escravos que são legalizados (7.000 ou 23%), que de qualquer maneira entram de forma ilegal em Buenos Aires, com os que permanecem como ilegais (17.000 ou 57%), temos 24.000 escravos, ou 80% da mão-de-obra cativa que entra no mundo hispano-americano através de Buenos Aires é de forma ilegal. O gráfico a seguir mostra a situação narrada neste parágrafo.

 

Situação da mão-de-obra cativa ao chegar a Buenos Aires (1586–1665)

 

 

 

 

Este grande número de negros africanos introduzidos como escravos em Buenos Aires e de forma ilegal mostra a amplitude do comércio ilícito realizado no Prata. Observa-se que a maioria dos escravos que chega a Buenos Aires é remetida em direção ao norte, onde estes cativos são comercializados nos centros urbanos da região.

Ainda sobre o norte, no que tange a expansão da fronteira, observa-se que, durante o século XVII não ocorrem grandes avanços. O Chaco não pode ser conquistado e Concepción del Bermejo, no caminho entre Tucumán e Assunção, tem que ser despovoada, em 1633, em função da ação dos indígenas locais e, assim, a população é transferida para Corrientes. Também em função de ataques indígenas Santa Fé, na década de 1650, é transferida de local.

No sul, a resistência indígena contribui para que não haja uma expansão. A fronteira encerra-se em Mendoza e comercializar e viver nesta região é extremamente perigoso em função dos nativos, bem como o caminho entre Buenos Aires e Córdoba é freqüentemente assolado pelos ataques das populações autóctones. Além da forte oposição dos índios, o desinteresse da Coroa espanhola nos territórios sulinos tem a sua influência na estagnação da expansão da fronteira em direção ao sul.

Sobre a organização política do espaço entre Potosí e Buenos Aires, esta dá-se, durante o século XVII, da seguinte maneira: a Gobernación de Tucumán, que existe até o século XVIII (mais especificamente até 1783 e, depois, torna-se parte do Vice-Reino do Rio da Prata) e é composta pelas cidades de Catamarca, La Rioja, San Miguel de Tucumán, Córdoba, Jujuy, Santiago del Estero (residência das autoridades até finais do século XVII, depois é substituída por Salta); e Rio de la Plata, que perdura até 1778, quando é convertida em vice-reino.

Rio de la Plata tem sua capital em Assunção até 1617 e, a partir desta data, Felipe III de Espanha e II de Portugal, divide-a entre Gobernación do Paraguai ou Guayrá, com capital em Assunção, que engloba as cidade de Vila Rica do Espírito Santo, Cidade Real do Guayrá e Santiago de Jerez74, e a Gobernación do Rio de la Plata, tendo como capital Buenos Aires, e incluindo as cidades de Corrientes, Santa Fé e Concepción del Bermejo.75

Sobre estas três cidades litorâneas, elas dependem essencialmente das atividades em torno do gado e não encontram alto grau de desenvolvimento econômico e populacional. Segundo os dados obtidos a partir do senso76 realizado pelo governador do Rio de la Plata, Diego de Góngora, nos anos de 1620-21, Santa Fé possui 168 vecinos, 266 índios na zona urbana e 1.007 nas reduções; Corrientes 91 vecinos, 89 índios e 1.292 nas reduções; e Concepción del Bermejo com 81 vecinos e 399 índios.

Na Gobernación de Tucumán, Santiago del Estero é, até princípios do século XVII, a sua principal cidade. Entretanto, em virtude do declino da produção mineira de Potosí, a cidade entra em declínio econômico, que vem a comprometer o seu crescimento populacional. Deste modo, Santiago del Estero perde para Córdoba a sede da arquidiocese e para Salta a sede da gobernación.

Córdoba é uma das cidades mais prósperas de Tucumán e não é fortemente abalada pela decadência da produção de Potosí no século XVII. A sua economia cresce durante esta centúria e, ainda, desenvolve a sua industria de lã, que, por seu turno, incentiva a criação de ovinos. Córdoba também é um importante centro de comunicação e redistribuição entre a região do Litoral e o Norte, bem como ganha importância com a criação da sua Universidade. Já a cidade de Salta não fica imune à crise do século XVII, mas retoma o seu crescimento no século seguinte. O comércio de mulas e a fertilidade das terras que circundam Salta contribuem para o crescimento de sua economia.

San Miguel de Tucumán e as cidades da Gobernación de Cuyo (dependente do Chile) também são afetas pela decadência da produção mineira. Porém Tucumán permanece com a sua produção de carretas, têxtil e de curtumes. As cidades cuyanas, Mendoza, San Luis e San Juan não crescem substancialmente. San Juan, durante o século XVII, devido à diminuição do comércio e a escassez de índios e escravos, quase desaparece. O crescimento do Chile, em finais dos seiscentos, repercute favoravelmente na região de Cuyo e, assim, Mendoza, por exemplo, inicia um desenvolvimento econômico e populacional em função do comércio e transportes de mercadorias.77

A economia de Tucumán, Cuyo e do Litoral giram, durante a maior parte do século XVII, em torno da demanda do Potosí. A partir das necessidades desta região mineradora, uma das mais importantes economicamente da América, gera-se uma importante relação comercial inter-regional, bem como o desenvolvimento destes mercados.

No final do século XVII a situação da produção de Potosí é de decadência, no entanto, a economia das gobernaciones de Tucumán e Rio de la Plata encontram-se menos dependentes em relação à mineração. O desenvolvimento do porto de Buenos Aires conecta o sul dos domínios espanhóis na América ao Atlântico luso e, ainda, surgem outras possibilidades de atividades econômicas nestas regiões controladas pela Espanha.

No entanto, o comércio de Buenos Aires, mesmo interligado ao Atlântico português e conectando partes do império espanhol ao luso, deixa de ser controlado pelos portugueses, conforme apresentado no decorrer do artigo. Ao final do século XVII e já nos limiares do século XVIII, o ponto comercial luso no Prata torna-se Colônia do Sacramento, não mais Buenos Aires.

 

4. CONCLUSÃO

Assim sendo, primeiramente, a atividade mineradora do Alto Peru é responsável pelo desenvolvimento econômico das regiões ao sul, do eixo que estende-se de Potosí até Buenos Aires. Neste caminho, surgem diversas cidades e atividades produtivas e comerciais para atender a demanda do Alto Peru. Além disto, o porto de Buenos Aires cresce e ganha importância por escoar a produção mineira de Potosí e, ainda, por receber mercadorias que suprem a região mineradora.

Não pode-se ignorar a importância da atividade mercantil para o desenvolvimento de Buenos Aires e para o paulatino desligamento da economia da cidade platina, bem como do Litoral e de partes de Tucumán em relação a Potosí. As economias das gobernaciones passam a tornar-se cada vez mais conectadas a Buenos Aires e ao Atlântico português.

Deste modo, a queda da produção mineira potosina não leva a uma estagnação econômica ou a “quebra” da economia portenha. Percebe-se, ainda, o alto grau de interação do interior da atual Argentina através do comércio com o Atlântico luso. Agrega-se, ainda, que ao longo do século XVII configura-se uma unidade econômica e social entre Cuyo, Tucumán e Buenos Aires, com a economia da região a orientar-se em direção ao Atlântico. É provável que esta integração tenha evitado que o decréscimo produtivo do Potosí viesse a arrasar as economias daquelas três localidades.

Entretanto, mesmo com a crescente importância do Atlântico para a economia portenha e, também, para outros pontos espanhóis na América, é no mesmo século XVII que o comércio rioplatense controlado pelos portugueses entra em decadência.

A partir de 1625, como conseqüência direta das perdas territoriais no Atlântico para os holandeses, inicia-se a crise do comércio luso no Prata. Contribui para o agravamento da situação dos comerciantes a retração econômica européia e o decréscimo da produção mineira de Potosí, bem como a Restauração e as proibições espanholas aos lusos estabelecidos em Buenos Aires. Mesmo valendo-se do contrabando, os portugueses perdem o controle do comércio portenho.

Colônia do Sacramento demonstra que Portugal não desiste do comércio no rio da Prata, sendo, inclusive, um ponto de ingresso de mercadorias clandestinas para Buenos Aires. No entanto, neste momento, os portugueses não conseguem o destaque anteriormente alcançado e já abastecem os portenhos com produtos majoritariamente britânicos, sendo que a Inglaterra está a tornar-se a maior potência marítima e comercial do mundo. Articula-se, assim, um circuito comercial entre Brasil, Lisboa e Londres, com a perda da supremacia lusa sobre Buenos Aires.78

Destarte, pode-se entender Buenos Aires como um ponto onde o mundo português e o espanhol se encontram, onde um império supre determinada carência do outro. Por exemplo, com o comércio realizado no porto platino, Portugal tem a sua necessidade de prata suprida, e os domínios espanhóis na América têm a sua demanda por mão-de-obra cativa atendida. Além do mais, são estas atividades comerciais entre os dois impérios que contribui enormemente para o desenvolvimento do porto de Buenos Aires.

Carlos Frederico Lecor: representante de D. João VI na última ocupação portuguesa da região do Prata.

Carlos Frederico Lecor: representante de D. João VI na última ocupação portuguesa da região do Prata.

Finalizando, o controle do comércio de Buenos Aires pelos portugueses pode ser entendido como um capítulo da presença lusa no Prata. Presença que dá-se desde as primeiras expedições ao rio, ainda nas décadas iniciais do século XVI, passando pela fundação da Colônia do Sacramento, em 1680, pela criação da Cisplatina, em 1821, quando o atual Uruguai torna-se uma província controlada pelo Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, e finalizando em 1824, quando as tropas portuguesas entregam Montevidéu ao general Lecor, Barão da Laguna, que a ocupa como representante de D. Pedro I.

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Notas

01 – Solís denomina o Prata de “Mar Dulce”. Em função do falecimento do navegador, a via fluvial passa a chamar-se rio de Solís e, depois, rio da Prata.

02 – É válido observar que, de acordo com a bula Inter Caetera, emitida em 1493 por Alexandre VI, dá-se o controle das terras recém descobertas a Castela e Leão e não à Espanha. Entretanto, o rei de Castela e o de Espanha são os mesmos, mas é Castela, dentro dos reinos que compõem a Espanha, que mais beneficia-se das Índias. São suas leis e instituições que são as diretrizes para o Novo Mundo e, também, é na América onde os comerciantes castelhanos têm os monopólios comerciais e os súditos de Castela adquirem os cargos públicos, enfim, uma série de vantagens são obtidas pelos castelhanos nos territórios americanos. (ELLIOTT, J.H. A Espanha e a América nos séculos XVI e XVII. In: BETHELL, Leslie (org.) História da América Latina: A América Latina Colonial I. v. I. São Paulo: EDUSP; Imprensa Oficial do Estado; Brasília: Fundação Alexandere de Gusmão, 1997)

03 – RELA, Walter. Exploraciones portuguesas en el Río de la Plata: 1512–1531. Porto Alegre: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2002.

04 – Fernando de Magalhães naturaliza-se espanhol em 1518. (RELA, Walter. España en el Río de la Plata: descubrimiento y doblamientos (1516–1588). Montevideo: Club Español de Montevideo, 2001.)

05 – Caboto organiza expedição para chegar às Molucas, com o objetivo de alcançar o comércio das especiarias, conseguindo o apoio financeiro de Carlos I e de um grupo de comerciantes vinculados a este negócio. Em função do mito da Serra da Prata, e por acreditar nos rendimentos que esta descoberta poderia render, muda os seus planos de chegar ao mercado de especiarias pelo estreito de Magalhães, partindo em direção ao Prata, mas não logra o seu objetivo. No Prata, funda o forte de Sancti Spiritus, primeira povoação espanhola no território da actual Argentina.

06 – GUÉRIN, Miguel Alberto. La organización inicial del espacio rioplatense. In: TANDETER, Enrique. La sociedad colonial. Nueva historia Argentina. Tomo 2. Buenos Aires: Editorial Sudamericana, 2000.

07 – MILLETICH, Vilma. El Río de la Plata en la economía colonial. In: TANDETER, Enrique. La sociedad colonial. Nueva Historia Argentina. Tomo 2. Buenos Aires: Editorial Sudamericana, 2000.

08 – A ligação marítima entre a América e Espanha é chamada de Carrera de Indias. O comércio da carrera envia para América pessoas, manufaturas, trigo, animais, como porcos, carneiros e gado, além de abastecer a Europa com batata, milho, açúcar, tabaco, ouro e prata. MACLEOD, Murdo J. A Espanha e a América: O comércio atlântico, 1492-1720. In: BETHELL, Leslie (org.) História da América Latina: a América Latina colonial I. v.1. São Paulo: EDUSP; Imprensa Oficial do Estado; Brasília: Fundação Alexandere de Gusmão, 1997.

09 – A cidade de San Miguel de Tucumán é fundada em 1565.

10 – Pode-se citar como exemplo de cidades fundadas no mesmo contexto que Santiago del Estero e que desaparecem, que têm curto tempo de vida, com menos de dez anos de existência, as seguintes: Londres (1556-1562), Barco I (1550-1551), Barco II (1551-1552), Barco III (1552-1553) e Cordova del Calchaqui (1559-1562). LOBATO, Mirta Zaida; SURIANO, Juan. Atlas Histórico. Nueva Historia Argentina. Buenos Aires: Editorial Sudamericana, 2000.

11 – Anteriormente às minas de Potosí, a Espanha explora a prata, desde 1530, nas cercanias da cidade do México. Na mesma década, na América do Sul, os espanhóis exploram jazidas utilizadas anteriormente pelos incas e, em 1540, descobrem-se jazidas de ouro no Chile e Carabaya. Nos decênios seguintes, inicia-se, ao norte da Nova Espanha, a exploração das minas de Zacatecas, Guanajuato e Sombrerete. MILLETICH, op. cit.

12 – A sua implementação demanda grandes inversões de capitais em maquinaria e infra-estrutura, além do emprego extensivo de mão-de-obra. Após extrair-se o mineral, ele é triturado em uma refinaria denominada, nos Andes, de engenho, e fica do tamanho de grãos de areia. Depois, faz-se uma espécie de massa a qual se aplica o mercúrio e, em algumas semanas, ela é lavada e com a ação o calor separa-se os restos de mercúrio, obtendo-se, assim, a prata pura. Este processo, geralmente, conta com a mão de obra indígena.

13 – O primeiro auge mineiro no Novo Mundo foi no Caribe, vinculado ao ouro. No continente, encontraram-se jazidas no México, América Central, Nova Granada, Chile central e Peru. Para ter-se uma idéia das enormes quantidades enviadas à Espanha, observa-se que, antes de 1550, exportou-se, por vias legais, do México, mais de cinco milhões de pesos de ouro, e do Peru, mais de dez milhões. MILLETICH, op. cit. e LOBATO; SURIANO, op.cit.

14 – Entende-se que a concepção de cidade no período e local estudados difere da atual compreensão do que é uma cidade. Moutoukias (2000) observa que os assentamentos espanhóis, na melhor das hipóteses, tinham algumas centenas de habitantes, mas ganham a denominação de cidade pela formatação política que tinham recebido, com Cabildos e determinado número de vecinos, a diferenciar-se, assim, de um simples povoado. Segundo Areces vecinos, no século XVI, de acordo com a Recopilación de Leyes de Indias, seriam “[…] aquellos españoles jefes de familia cuyos bienes garantizaran la supervivencia de sus allegados y mantuvieran especies animales y vegetales que cubrieran las necesidades alimenticias y de abrigo.” (ARECES, Nidia. Las sociedades urbanas coloniales. TANDETER, Enrique. La sociedad colonial. Nueva historia Argentina. Tomo 2. Buenos Aires: Editorial Sudamericana, 2000, p.151.)

15 – MILLETICH, op. cit.

16 – Atual República Oriental do Uruguai.

17 – Como, por exemplo, as províncias de Buenos Aires, Corrientes, Entre-Rios, Missiones, Santa Fé, Chaco, entre outras.

18 – No caso do Brasil, engloba-se o que hoje são os seguintes estados da federação: Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso do Sul e frações de São Paulo, Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso.

19 – Observa-se que toda a América do Sul espanhola (inclusive partes significativas do Brasil de hoje) e o atual Panamá compõem, neste momento, o Vice Reino do Peru. O outro vice reino que os espanhóis possuem na América é a Nova Espanha, que, além do atual México, engloba, dentre outros, os atuais estados nacionais de Cuba, Costa Rica e Guatemala.

20 – Cédula real de dezembro de 1595 que proíbe o ingresso de escravos e de estrangeiros por Buenos Aires. GUÉRIN, op. cit.

21 – MILLETICH, op. cit., p.229.

22 – MILLETICH, op. cit.

23 – BANDEIRA, Moniz. O expansionismo brasileiro e a formação dos Estados na Bacia do Prata: Argentina, Uruguai e Paraguai, da colonização à Guerra da Tríplice Aliança. Rio de Janeiro: Revan; Brasília: Editora UnB, 1998.

24 – Felipe I de Portugal (sobrinho de D. João III). A ele sucedem-se Felipe II (1598) e Felipe III (1621) de Portugal, respectivamente Felipe III e Felipe IV de Espanha.

25 – MAURO, Frédéric. Portugal e o Brasil: A estrutura política e econômica do Império, 1580-1750. In: BETHELL, Leslie (org.) História da América Latina: a América Latina colonial I. v.1. São Paulo: EDUSP; Imprensa Oficial do Estado; Brasília: Fundação Alexandere de Gusmão, 1997, p.459.

26 – MILLETICH, op. cit.

27 – BANDEIRA, op. cit.

28 – MILLETICH, op. cit.

29 – BANDEIRA, op. cit.

30 – MAURO, op. cit.

31 – Disponível em:

32 – MULLER, Elisa.e LIMA, Fernando Carlos Cerqueira. A Circulação Monetária no Rio de Janeiro nos Tempos Coloniais. In: 4ª CONFERÊNCIA INTERNACIONAL DE HISTÓRIA DE EMPRESAS, ABPHE, 1999, Curitiba. Anais.

33 – MULLER, Elisa e LIMA, Fernando Carlos Cerqueira. Moeda e Crédito no Brasil: breves reflexões sobre o primeiro Banco do Brasil (1808-1829). Revista Tema Livre, ed. 01. Disponível em:

34 – MAURO, op. cit.

35 – MILLETICH, op. cit.

36 – Op. cit.

37 – Op. cit.

38 – Op. cit.

39 – Miller (1999) aponta que o comércio de escravos angolanos inicia-se em pequena escala, em meados do século XVI e seu fluxo substancial dá-se em torno de 1600, quando o açúcar de Pernambuco e da Bahia torna-se o maior produto agrícola do mundo. Nas décadas de 1660 e 1670 são os produtores de açúcar do nordeste que controlam o tráfico de escravos no Atlântico Sul. A partir de 1680 os comerciantes da Bahia passam a abastecer-se de escravos na Costa da Mina, com conseqüente queda do comércio de Luanda. Pela relevância política destes comerciantes de Salvador, Angola tornar-se, neste período, ponto periférico na economia do Atlântico Sul. Curdo (1999) mostra a proeminência dos comerciantes estabelecidos no Brasil em relação aos portugueses no tráfico de escravos com Angola. O autor ainda demonstra que a cachaça, geribita, e o tabaco são utilizados como moeda em troca de homens para o trabalho compulsório. Mas é a geribita, por uma série de razões, como, por exemplo, seu alto teor alcoólico, o fato de não estragar na travessia do atlântico, preço mais baixo, que acaba por conquistar o mercado angolano, em detrimento do vinho português, que já era comercializado desde a metade do século XVI em Angola.

40 – BANDEIRA, op. cit.

41 – Em 20 de dezembro de 1640, através de carta régia, a Espanha proíbe a realização de atividades comerciais com o Brasil, sendo que embarcações provenientes desta colônia são impedidas de entrar no rio da Prata. (RELA, Walter. Colonia del Sacramento: 1678 – 1778. [S.l.]: Intendencia Municipal de Colonia: 2003, p.34)

42 – BANDEIRA, op. cit.

43 – CALÓGERAS, J. Pandiá. A política exterior do Império. Edição fac-similar. Brasília: Senado Federal, 1998.

44 – BANDEIRA, op. cit.

45 – Op. cit.

46 – PRADO, Fabrício. Colônia do Sacramento: o extremo sul da américa portuguesa no século XVIII. Porto Alegre: F.P. Prado, 2002.

47 – BANDEIRA, op. cit.

48 – MAURO, op. cit.

49 – Op. cit.

50 – BANDEIRA, op. cit.

51 – A guerra de Pernambuco, por exemplo, custa 500 mil cruzados anuais.

52 – Por exemplo, em 1647, perdem-se 108 navios mercantes e, no ano seguinte, 141. Em apenas dois anos, em um total de 300 embarcações, as perdas representam 83%.

53 – MAURO, op. cit.

54 – Várias medidas são tomadas pela nova dinastia. Dentre elas, pode-se citar como exemplo a criação, em 1649, da Companhia Geral do Comércio, monopolista, e feita com o capital de cristãos-novos condenados pela inquisição e de comerciantes de Lisboa. Pela primeira vez o comércio realizado entre Portugal e Brasil conta com um sistema de frotas e é garantido por escolta adequada. Outra medida que pode ser citada é o restabelecimento, em 1654, do Estado do Maranhão, distinto do Brasil, e com capital em São Luis (Até 1737. Após este ano, a capital é transferida para Belém). Uma companhia de comércio também é estabelecida para o Maranhão no ano de 1678.

55 – MAURO, op. cit.

56 – FRAGOSO, João. A formação da economia colonial no Rio de Janeiro e de sua primeira elite senhorial (séculos XVI e XVII). In: FRAGOSO, João; BICALHO, Maria Fernanda Baptista; GOUVÊA, Maria de Fátima Silva (orgs). O Antigo Regime nos trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.

57 – João Fragoso aponta que nesta centúria há o processo de acumulação de recursos da primeira elite senhorial do Rio. O açúcar nos engenhos fluminenses, a produção de alimentos, o aprisionamentos e vendas de índios e o comércio negreiro são atividades econômicas que esta elite está envolvida. Fragoso ainda afirma que a administração real e o domínio da câmara são mecanismos eficazes de acumulação de riquezas, pois “[…] permitiram a apropriação de recursos não de um ou outro setor particular da economia, mas sim de excedentes gerados por toda uma sociedade colonial em formação.” (FRAGOSO, op. cit. p.43).

58 – SAMPAIO, Antonio Carlos Jucá de. Os homens de negócio do Rio de Janeiro e sua atuação nos quadros do Império português (1701-1750). In: FRAGOSO, João; BICALHO, Maria Fernanda Baptista; GOUVÊA, Maria de Fátima Silva (orgs). O Antigo Regime nos trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.

59 – CARVALHO, Carlos Delgado de. História Diplomática do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1998.

60 – Macleod (1997) narra que ao longo do século XVII Inglaterra, França e Holanda conquistam terras espanholas que estes dão pouca importância. Como exemplo pode-se citar que os holandeses conquistam Curaçao, estabelecendo vários entrepostos nas proximidades da Venezuela, os franceses se apoderam de Martinica, Guadalupe e ancoradouros em Hispaniola e os ingleses de Barbados, Jamaica e Antígua.

61 – BANDEIRA, op. cit.

62 – Documento 1. In: RELA, Walter. Colonia del Sacramento: 1678 – 1778. Documentario. [S.l.]: Intendencia Municipal de Colonia: 2003, p.176-177.

63 – PRADO, op. cit.

64 – BOXER, Charles R. O império marítimo português. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.

65 – BANDEIRA, op. cit., p.32.

66 – Op. cit., p.33.

67 – PRADO, op. cit., p.43.

68 – O ouro e o abastecimento das Gerais têm papel importantíssimo no sentido de transformar o Rio de Janeiro no principal pólo mercantil da América portuguesa, que supera Salvador no decorrer da primeira metade do século XVIII. As mudanças econômicas no Rio influenciam as características do seu grupo mercantil: “[…] a passagem do século XVII para o XVIII viu essa elite mercantil constituir-se enquanto grupo social autônomo em face da elite agrária (o que não significa separação total entre as duas, mas sim a criação de uma esfera tipicamente mercantil de atuação, que inexistia no seiscentos fluminense). Mais do que isso, essas transformações caracterizaram esse novo grupo como a elite colonial setecentista, responsável direta pela própria reprodução da sociedade fluminense por meio do controle dos mecanismos de crédito e da oferta de mão-de-obra escrava […]” (SAMPAIO, op. cit., p.76 e 77).

69 – PRADO, op. cit.

70 – ARECES, op. cit.

71 – A época da recuperação da produção mineira de Potosí a sua prata representa 40% do total da produção peruana. Seguem-na em importância as minas de Oruro, que representam 14% da produção, e as de Pasco, com 13%. De 1736 até 1790 a extração da prata encontra crescimento e, a partir daí, entra novamente em declínio, por fatores, como, o esgotamento das minas, a suspensão européia do abastecimento de mercúrio em função das guerras que a Espanha envolve-se a partir de 1796 e, por fim, a crise geral que afeta o Alto Peru no período de 1800 a 1805, com secas, enfermidades e carência de alimentos, que tem como conseqüência a falta de trabalhadores e de água para a energia das maquinas de moenda dos engenhos da prata. MILLETICH, op. cit.

72 – Op. cit., p.217.

73 – Op. cit., p.231.

74 – Observa-se que a exceção de Assunção, as citadas cidades que compuseram a Gobernación do Paraguai não perduraram, e a sua localização é no território do atual estado nacional do Brasil. Jerez (1580-1632) estaria no atual Mato Grosso e Vila do Espírito Santo (1570-1631) e Cidade Real (1557-1631) no Paraná.

75 – LOBATO; SURIANO, op. cit.

76 – Op. cit.

77 – ARECES, op. cit.

78 – LOBATO; SURIANO, op. cit.

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BIBLIOGRAFIA

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Prof. Dr. Rodolfo Aguirre Salvador (Universidad Nacional Autónoma de México, UNAM)

O Prof. Dr. Rodolfo Aguirre Salvador, pesquisador do Centro de Estudios sobre la Universidad (CESU) da Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM) e docente do Colegio de Estudios Latinoamericanos daquela Universidade, esteve no Brasil participando do Ciclo de Conferências “Elites e Poder na História do México”, realizado no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ.

No evento, o historiador mexicano apresentou a conferência “Grupos de poder no Arcebispado do México (1700 – 1750)” e, aproveitando a estada do historiador no Brasil, a Revista Tema Livre realizou no último dia três de agosto a seguinte entrevista:

Revista Tema Livre – Qual foi o tema da conferência que o Sr. apresentou hoje?

Rodolfo Aguirre Salvador – Hoy tuve el gusto de hablar sobre una línea de investigación que he iniciado recientemente sobre el estudio de elites clericales en Nueva España, específicamente en el arzobispado de México. La exposición se dividió en dos partes, una primera sobre una revisión historiográfica de obras que se han escrito recientemente sobre el estudio del clero en esta época, en esta región y, bueno, una segunda parte donde un estudio de caso sobre la formación de un grupo de poder, de una clientela arzobispal.

RTL – O Sr. pode falar um pouco deste estudo de caso?

Salvador – Muy bien, la idea surgió cuando descubrí, hace ya algún tiempo, una serie de inconformidades, de denuncias, sobre la actuación de un arzobispo, en donde se le acusaba de favorecer a sus familiares clérigos y de deslegitimar el derecho del clero local para ascender a las prebendas. En ese sentido, me aboque a década uno de los pleitos de las flexiones de la actuación de este arzobispo sobre este asunto del ascenso del clero y me encontré con que cada una de estas acusaciones no era aislada, sino que más viene era una conducta muy consistente que podía ver se reflejado únicamente en lo que al funcionariado se refería, sino que la influencia del arzobispo alcanzó también a la Universidad, alcanzaba el Cabildo, alcanzaba también el colegio y el seminario. Esta coincidencia, esta congruencia de todas las acusaciones, acabó por convencerme de que hacia falta hacer un estudio que pudiera ser un balance sobre la actuación de este arzobispo y que relación tenía con una posible nueva política de nombramientos eclesiásticos de Felipe V. Entonces, en este estudio, básicamente me abocó estudiar cada una de las acciones de este arzobispo en la que él pone a sus hombres de confianza en los más altos puestos del arzobispado y, después, se avoca a recaudar un donativo eclesiástico a favor de su Rey. Y me dé cuenta, al final de la investigación, de que Felipe V aprobó todas y cada una de las acciones del arzobispo y, esto, obviamente, me lleva a concluir de que Pizarrón no actuaba de manera caprichosa. Hacia su clerecía, sino que ya era una política muy clara de colocar a clérigos leales a él, y por lo tanto a Felipe V, en detrimento de los intereses locales.

RTL – E foi uma especificidade deste caso ou era algo mais comum?

Salvador – Sí, bueno, esa es una buena pregunta, porque las clientelas arzobispales, este estudio de las familias arzobispales, es un tema muy muy poco trabajado en caso de México colonial. Apenas empezamos tener atisbos de los otros problemas, de otros conflictos que vivieron otros prelados, no únicamente en el arzobispado de México, sino en otros arzobispados de Nueva España. Yo creo que siguiente paso sería ver hasta que punto estés conflictos que surgen por aquí, por allá de manera muy aislada, hasta que punto obedecen a esta posible nova política de colocar en el gobierno de la Iglesia solo a clérigos fieles a los mandatos de los obispos que tienen ya como consignan tes defender los intereses reales. Yo creo que es un estudio que estar por hacerse y creo que tiene mucho futuro porque, como repito, no hay nada trabajado, pero hay mucha documentación al respecto. Yo no creo que esto es característico solo de México, yo creo que se daba en otras partes.

RTL – O Sr. pode falar um pouco mais sobre as instituições e as funções onde essas pessoas eram colocadas?

Salvador – Más allá del funcionariado de los tribunales que dependen directo del arzobispo, los clérigos podían ser acomodados en las cátedras universitarias. Por ejemplo, porque la cátedra universitaria, desde el siglo XVI, serbilla como un escalón muy importante para las carreras eclesiásticas y, de hecho, en las consultas del Consejo de Indias, en los resúmenes de meritos de los que iban a ser nombrados como nuevos prebendados, incluso obispos, siempre un reglón estaba dedicado a si había sido catedrático o no. Las cátedras universitarias forman parte de la carrera eclesiástica y, generalmente, los clérigos con aspiraciones tratan de obtener una buena cátedra. Otras cátedras serían también lo de los colegios seminarios que valen en mismo sentido que las de la universidad. Otros cargos fundamentales para el alto clero era la obtención de curatos, sobretodo los curatos de catedral desde las principales ciudades, porque en la repoblación de Indias se mandaba que fueran preferidos para ascender a los altos cargos, aquellos que tuvieron curaría antes y eso se tradujo como que los curas más beneméritos, al haber tantos, los curas más beneméritos fueran precisamente los de la Catedral.

RTL – Quais foram as principais fontes para o desenvolvimento do seu trabalho?

Salvador – Respecto a las fuentes, bueno, tuve que abocarme básicamente a tres archivos, a las fuentes de tres archivos. Un archivo fue el Archivo de Indias de Sevilla, en donde vi, sobretodo, la correspondencia que guardaban los arzobispos con el Rey o con el Consejo de Indias y estas cartas nos dan una idea de lo que los arzobispos pensaban sobre su clero. Varias de estas cartas de hecho son informes secretos, informes reservados, que solamente podía leer o el Consejo de Indias o, incluso, algunos solo el Rey los puede leer. Entonces, es información muy muy precisa, muy concisa, y nos lleva en cuenta de lo que realmente pensaba los prelados sobre su clerecía. Otras fuentes importantes estuvieron en el Archivo General de la Nación de México, en donde pudimos encontrar los concursos de posición para las canonjías de oficio y, en donde podemos ver, pues, a todos los personajes que intervienen en este tipo de prebendas, en este tipo de posiciones, y vamos nos ayudando en todo para diferenciar a unos de otros. Fijamos a los que ganaban, finjamos en los clérigos que no ganaban y fijamos después en la postura que adoptaban ante este hecho. Y, bueno, para el caso de las cátedras de la Universidad, los concursos de posición a cátedras, básicamente nos servió el Archivo Colonial de la Universidad de México, es un archivo muy completo, y en donde podemos encontrar todos los pleitos, los litigios, la vida cotidiana en la obtención de las cátedras. Entonces, al combinar todas estas fuentes nos dio como resultado la reconstrucción de todo este grupo aliado, subordinado al arzobispo.

RTL – Para finalizar, quais as principais dificuldades no contato com as fontes, como, por exemplo, o acesso, a conservação…?

Salvador – Para el siglo XVIII, que es el siglo que trabajo, tengo la fortuna de que son las fuentes de pre colonial las más cuidadas, las mejor conservadas. Es un papel muy grosso, de consistencia muy firme y, generalmente, todas las fuentes eclesiásticas que he consultado no tienen ningún deteriore. En algunas lo más que se ha a presentar es la aparición de hongos, o papel que esta desgastándose en las orillas sobretodo, pero, en general, no hay ningún problema en cuanto el suporte del papel. Respecto al acceso a las fuentes, bueno, hay, en realidad, el único inconveniente es, por ejemplo, en el Archivo de Sevilla. La lejanía que costa muchos recursos viajar a España, hacer una estancia allá, entonces, eso tiene que hacer búsquedas muy muy precisas, pues, para optimizar el tiempo. En cuanto a los archivos de México, realmente no hay ningún problema, los archivos consultados están siempre abiertos y hay un sistema de reproducción bastante eficiente.

Considerações acerca das revoltas mineiras setecentistas

Litografia, de 1827, de autoria de Rugendas tratando do tema da mineração e intitulada

Litografia, de 1827, de autoria de Rugendas tratando do tema da mineração e intitulada “Lavragem de ouro em Itacolomi, Minas Gerais”

Texto de Carlos Leonardo Kelmer Mathias

E lá nas Minas…

(..) a terra parece que evapora tumultos; a água exala motins; o ouro toca desaforos; destilam liberdades os ares; vomitam insolências as nuvens; influem desordem os astros; o clima é tumba da paz e berço da rebelião; a natureza anda inquieta consigo, e amotinada lá por dentro, é como no inferno1.

O que pulsava por detrás desse “inferno” – que a primeira vista nos remete a uma terra de ninguém – era uma incipiente sociedade cuja formação revela, para além de suas “dores”, uma das facetas da lógica do Antigo Regime, a saber, uma contínua situação de barganha que, por seu turno, remete a negociações e mercês.

‘Tumultos’, ‘motins’, ‘desaforos’, ‘insolências’, ‘rebelião’… ‘inferno’: revolta.

No alvorecer das Minas, final do século XVII início do século XVIII, um enorme surto demográfico concorreu às descobertas de veios auríferos. Dentre os vários indivíduos presentes nas Minas no início de colonização havia membros da elite carioca, poderosos paulistas envolvidos na captura do gentio e alguns fulanos que conseguiram acumular, acolá de consideráveis cabedais, prestígio junto ao povo, mesmo não sendo, naturalmente, originários das melhores famílias da terra, quer portuguesa, quer colonial2.

Estes potentados disputavam entre si o privilégio de primeiros descobridores e povoadores das Minas, o que lhes rendeu, por parte da coroa, sesmarias, ordens de Cristo, cargos e patentes3. Contudo, tais potentados não estavam sozinhos em seus intentos, aliavam-se a eles ouvidores, juízes, militares de carreira, agregados de homens livres pobres, além de seus próprios séqüitos de negros – via de regra armados e contrariando desígnios régios4.

No desenvolver da sociedade mineira, essa situação foi caracterizando a formação de redes clientelares com interesses comerciais capazes de movimentarem ligações que se estendiam desde Minas até Lisboa, passando por Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador5. Um dos pontos interessantes a serem percebidos nessas redes são as estratégias utilizadas por esta “elite mineira” – as vezes com apoio do próprio governador, que, não obstante proibição régia, realizava tratos comerciais na colônia – para atingir seus objetivos nessa sociedade, caracterizada por Assumar de “inferno”, e por nós de Antigo Regime.

Não é meu objetivo neste artigo aprofundar-me na análise de tais estratégias, embora acredite que através de uma pesquisa nesse sentido seja possível uma melhor compreensão não só do processo de implantação do poder metropolitano em Minas, como também da lógica de funcionamento dessa sociedade enquanto parte de um todo maior, o Império Português. Nesse sentido, limitar-me-ei apenas a um ponto dessas estratégias: a revolta. Não apenas a revolta por si só, mas enquanto espelho de uma situação de barganha.

A sociedade mineira abriu novos campos sociais, carreiras públicas e privadas possibilitando a Coroa aliviar a sede de méritos e retribuições de seus súditos6. As mercês concedidas em Minas possuíam, também, outros propósitos7.

O dom no Antigo Regime integrava um universo normativo caracterizado por atos beneficiais que estruturavam as relações políticas, formando a chamada economia moral do dom, que estava na base de práticas informais de poder, como por exemplo, as redes clientelares. O funcionamento dessa economia do dom assentava-se em três valores básicos: dar, receber e restituir tríade, que regia a natureza das relações sociais e, por conseguinte, das relações de poder. Como não podia deixar de ser, as trocas regidas por tal sistema eram profundamente desiguais, donde mercês eram dadas em troca de submissão política8. Em linhas gerais, a prática de concessão de mercês tinha início com o rei e ia sendo transmitida a pessoas de menor hierarquia de forma a reproduzir o poder e hierarquizar, os sujeitos, inserindo-os em relações de favor e dependência9.

A concessão de privilégio, recompensa e mercê foi amplamente utilizada pela coroa portuguesa em sua expansão marítima, de modo a beneficiar a própria Coroa. Contudo, havia certos contratempos em toda esta lógica do dom.

Com o uso já costumeiro da retribuição – prática que se iniciou nas guerras de Reconquista – o rei, muitas vezes, via-se na “obrigação” do agraciamento a um dado serviço prestado por seu súdito10. Figurando como personagem central de todas as redes clientelares, competia ao rei restituir os vassalos com as honras e mercês proporcionais a seus serviços. Na visão destes últimos, prevalecia a idéia de contrato, na da coroa, a idéia de imperium11; do embate entre tais visões surgiam, muitas vezes, quizumbas. Freqüentemente os súditos vinham requerer uma dada mercê, alegando terem arriscado a própria vida na defesa dos reais interesses, terem gastado cabedal de suas fazendas nestes serviços ou coisas do tipo. Caso o rei e seus conselheiros não interpretassem da mesma forma, e aquele lhes negasse a mercê, os súditos, muitas vezes, sublevavam-se12. A importância da retribuição pode ser atestada nos vários motins que eclodiram em Minas nos seus 30 primeiros anos, palco dos colonos que percebiam um desnivelamento entre as remunerações recebidas e os serviços prestados13.

Nesta sociedade de Antigo Regime, os mecanismos de distribuição do poder eram caracterizados pela formação de redes clientelares e pelas trocas de favores entre as partes envolvidas. Disto conclui-se que o sentimento de pertença ao Império era profundamente marcado pela participação do súdito no governo – o acesso a cargos da governança – e pela concessão de honras e mercês. Originava-se daí uma das formas de centralização administrativa14.

A idéia de pertença dos súditos ao império, originando em uma melhor situação de governabilidade, fica melhor entendido tendo por base o que se denominou “economia política de privilégios”15.

Admite-se que para além de retribuir os serviços prestados pelos súditos na defesa do bem comum, o sistema de concessão de mercês e privilégios estreitava os laços de sujeição e o sentimento de pertença daqueles para com o Império. Por efeito, garantia-se melhores bases de governabilidade e, quiçá, de centralização administrativa. Tal dinâmica contribuía para formar uma dada noção de pacto e de soberania intrinsecamente ligada, como não podia deixar se ser, a valores e práticas do Antigo Regime. Daí depreende-se a chamada economia política de privilégios16.

Após a constituição da sociedade colonial, as elites utilizaram diferentes estratégias – dentre as quais, políticas de alianças, sistema de mercês e luta pelos cargos concelhios – para se manterem no topo da hierarquia econômica e administrativa da colônia e, assim, terem instrumentos para negociar com a Coroa17. Em Minas, isso não parece ser diferente, embora o quadro fosse um pouco mais “agitado”.

A revolta em Minas colonial era lócus por excelência de negociação e, também, de concessão de mercê. Nos primórdios dos descobrimentos auríferos, a Coroa não possuía contingente militar suficiente para fazer frente aos grandes potentados com suas redes clientelares e séqüitos negros. Como enfrentar as várias revoltas que varreram Minas desde seu alvorecer até 1736? Negociando, cooptando potentados para desarticular as redes clientelares e utilizando-se do chamado sistema de concessão de mercês. Tais estratégias, assim como a própria eclosão da revolta, perpassavam uma contínua idéia de negociação, aonde ambos os lados buscavam auferir, dentro do limite do possível, os maiores proventos em benefício próprio18.

O envolvimento dos agentes régios nos negócios coloniais e a inserção da elite local em cargos da governança foram fatores cruciais para aumentar a influência da colônia na política ultramarina, levando a metrópole a ter que respeitar os sistemas de autoridades estabelecidos na colônia sob pena de enfrentar fortes resistências. Tal situação impediu que a autoridade régia fosse imposta de cima para baixo, mas sim construída em um processo de negociações, barganhas recíprocas entre o centro e a periferia19.

Fruto das Grandes Navegações, da Reforma e do próprio Renascimento, a ordem social perde seu ornamento de estabilidade e passa a ser vista baseada em acordos provisórios aos quais os homens chegam com o intuito de, em cada conjuntura, evitar a anarquia e manter a paz. O homem, mais dinâmico, passa a modelar suas relações sociais e políticas de acordo com suas vontades, e a sociedade adquire feições de um pacto, cujas cláusulas dependem das partes integrantes, de forma que o governo estabelecido seja justo20.

De um lado temos uma elite colonial ávida por garantir seu lugar no topo da hierarquia econômica e administrativa com todas conseqüências daí advindas, do outro temos o homem barroco luso, imbuído de vontade e razão próprias que, uma vez afastado de seu rei e com poder para tal, lança-se na aventura do trato comercial na colônia. Tais retas, longe de serem paralelas, são convergentes e, num certo sentido, complementares. Cria-se, a partir de tal convergência, uma perfeita situação de negociação entre centro e periferia.

Relativo às revoltas, essas eram mecanismos de negociação dos súditos com interesses locais afetados pela política régia, levando a coroa, muitas vezes, a não reprimir violentamente os conflitos sob pena de colocar em risco “o equilíbrio das hierarquias, ameaçando as dependências e trocas clientelares, premissa fundamental no ultramar”21. Especificamente em Minas nos seus primeiros anos, a Coroa, haja vista as dificuldades que teria para controlar a área, percebeu a necessidade de contemporizar no tocante ao enfretamento das revoltas envolvendo homens brancos livres. Neste sentido, negociar com os vassalos era condição sine qua non para manter a acomodação entre estes e as autoridades régias22.

Na época em que a coroa ainda não detinha as plenas condições de cobrança do quinto, as negociações pareciam favoráveis aos colonos23. Mais especificamente, “na fase de ganhos elevados com a mineração; a Coroa lucrou menos com os tributos”, em contrapartida, lá pelos idos de 1730, quando a extração era mais dispendiosa, os habitantes de Minas foram mais “penalizados”24.

Para além de uma visão centrada simplesmente no quesito tributação – leia-se extração do excedente colonial – acredito que para uma melhor compreensão dos “mais favorecidos” com tais negociações, faz-se necessário levar em conta, também, os objetivos, as trajetórias, as estratégias e os reais ganhos dos envolvidos nesse processo, ou seja, somente um estudo mais detalhado da composição social da elite mineira e de suas redes clientelares ligadas à Lisboa será possível aventar melhores conclusões não somente acerca das negociações imperiais, mas também acerca do próprio processo de implantação do poder metropolitano em Minas e como essa elite se portou frente a tal processo. Devemos ter em mente que as elites somente conseguiam se sustentar enquanto elite utilizando-se de estratégias e, conseqüentemente, de redes clientelares. É neste sentido que o estudo dessa elite nos possibilita compreender as redes clientelares mineiras no início do século XVIII, pois tais redes não são dadas, mas se modificam de acordo com as estratégias.

Do que foi acima dito, gostaria apenas de salientar que no alvorecer das Minas o processo de implantação do poder metropolitano não pode ser pensado tendo como norte considerações acerca da tributação ou da incessante busca metropolitana pelo máximo excedente possível. Nesse processo, a Coroa enfrentou revoltas, negociou e concedeu mercês aos colonos, evidenciando, além de uma complexa sociedade de Antigo Regime, um complexo processo de implantação do poder, poder esse que possui, no mínimo, três faces: revolta, negociação, mercê.

No período compreendido entre 1694 e 1736, Minas presenciou nada menos do que 46 movimentos sublevacionistas25. Desses 46 levantes, 37 ocorreram entre 1694 e 1720 e, mais especificamente, entre 1717 e 1720 – período em que o governo das Minas esteve sob a responsabilidade de Dom Pedro Miguel de Almeida Portugal, Conde de Assumar – ocorreram 16 levantes26, ou seja, 35% dos levantes ocorridos até 1736 estiveram concentrados em 4 anos.

Em um contexto tão conturbado urge a questão do porquê da eclosão de tantos levantes. Bastante divergentes são as explicações para tal questionamento, o que demonstra o quão complexa e dinâmica era a sociedade mineira nos seus primeiros tempos.

Eis a questão que norteia nossos estudos: por que um potentado arriscaria cair em desgraça com o rei, perder seus bens, ser degredado para Angola ou Moçambique planejando, participando, financiando e incitando não somente um, mas vários levantes em Minas? A resposta a esta questão vai além da constatação de se o poder estatal estava ou não presente, se o abastecimento de fato se consumaria e se as formas acomodativas seriam respeitadas ou não. Sigamos pelos caminhos das mercês

No que tange especificamente aos levantes, a Coroa utilizou-se das mercês para aplacá-los, para tentar quebrar alianças e para minar a oposição a seu governo com a cooptação dos revoltosos. As concessões mais comuns nestes casos eram de postos civis e militares e honrarias a indivíduos estratégicos, especialmente os hábitos de ordens militares27, além de perdão aos amotinados. A Coroa utilizava mercê para negociar com os sublevados e agraciar aqueles que ajudavam na contenção de tais sublevações. Resta ressaltar o lugar e a importância da negociação neste processo.

No título desse artigo lê-se “revolta, negociação, mercê: as três faces do poder em Minas colonial”. Contudo, a face de maior importância neste processo é, sem dúvida, a negociação.

A premissa de que parto para sustentar essa opção refere-se ao fato de eu considerar a negociação ocupante do lugar central nesta tríade, ou seja, tanto a revolta quanto a mercê não podem ser analisadas sem ter a noção de negociação como substrato comum. Até pelo menos 1736, avento a hipótese de que nenhuma, ou quase nenhuma, revolta possa ser entendida se não for enquanto um complexo jogo de interesses e alianças que variavam conforme os ocupantes dos cargos mais importantes da administração régia. Minha hipótese se torna muito clara analisando as conclusões que Campos obtém dos diferentes governos mineiros até 1736. Segundo a autora, ao se depararem com uma situação de desrespeito, os governadores reagiram das mais diferentes formas:

(…) “dom Fernando Martins Mascarenhas de Lencastre recuou; Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho preferiu a cooptação; dom Brás Baltasar optou pelo recuo alternado com uma política de neutralidade diante de conflitos e lutas de facções que colocavam em risco sua autoridade; dom Pedro Miguel de Almeida desarticulou e destruiu redes de clientela; dom Lourenço de Almeida agregou em torno de si redes de clientela formada dentre os cooptados potentados e novos migrantes enriquecidos em Vila Rica; e Martinho de Mendonça complementou o processo de destruição de redes de clientelas dos primeiros povoadores de Minas”28.

Aonde entra a negociação nestas diferentes formas de governo? As várias redes clientelares que existiam em Minas muitas vezes eram inimigas umas das outras, tendo interesses concorrentes e sendo tratadas de formas diferentes pelas várias autoridades régias não só em Minas, mas também na Bahia – incluindo o vice-rei do Brasil e integrantes da corte em Lisboa.

O que estas diferentes formas de governo de fato evidenciam são na verdade três movimentos, sendo que os dois últimos são corolários do primeiro: 1) as diferentes formas utilizadas pelos governadores para negociar com a elite que integrava estas redes clientelares; 2) as diferentes formas que os governadores utilizavam para se inserirem nesta elite; 3) as diferentes formas utilizadas pelos governadores para defenderem seus próprios interesses em Minas. Nenhuma revolta é fruto de geração espontânea; nasce dos interesses de potentados que incitam o povo ou utilizam-se de seus próprios cativos e agregados para colocá-la em prática.

Neste sentido, as formas de tratar as revoltas envolviam negociações que resultavam no favorecimento de certos interesses em detrimento de outros. As mercês, via de regra, iam para os favorecidos, geralmente potentados cooptados pela Coroa, ou seja, possuíam interesses confluentes aos interesses régios ou de seus funcionários.

Pelo menos no alvorecer mineiro, a negociação estava presente em quase todos os setores dessa sociedade caracterizando-se enquanto uma das faces do poder. As outras duas, revolta e mercê, figuravam enquanto faces do poder na medida em que eram instrumentos de negociação.

A negociação está no centro dessa sociedade e a revolta e a mercê interagem com ela, formando uma complexa dinâmica de funcionamento que, acredito, está inserida dentro dos moldes do Antigo Regime.

Patrimônio da Humanidade pela UNESCO, Ouro Preto, antiga Vila Rica, ainda guarda os vestígios da arquitetura colonial e barroca do Brasil.

Patrimônio da Humanidade pela UNESCO, Ouro Preto, antiga Vila Rica, ainda guarda os vestígios da arquitetura colonial e barroca do Brasil.

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01 – DISCURSO histórico e político sobre a sublevação que nas Minas houve no ano de 1720. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 1994, Estudo crítico de Laura de Mello e Souza, pp. 59.

02 – Casos emblemáticos são Manuel Nunes Viana, Pascoal da Silva Guimarães, Manoel Rodrigues Soares dentre outros.

03 – CAMPOS, Maria Verônica. (2002), Governo de mineiros: “de como meter as Minas numa moenda e beber-lhe o caldo dourado” 1693 a 1737. São Paulo: USP, FFLCH (Tese de doutoramento inédita), pp. 30-105.

04 – “[…] e porque é preciso evitar esta desordem, mando que nenhum negro cativo entre nesta Vila com bordão de nenhuma casta nem também com nenhuma arma de nenhuma qualidade […]. APM, SC 27, fl. 65. BANDO de D. Lourenço de Almeida para todas as vilas deste governo das minas em 31 de maio de 1730. Também o Conde de Assumar relata a situação de negros armados em Minas, ressalvando que eles tinham a […] confiança de seus senhores, que não só lhes fiavam todo o gênero de armas, mas encobriam as suas insolências e os delitos […]. APM. SC 04, fls. 587-596. SOBRE a sublevação que os negros intentaram a estas Minas. Carta do Governador ao Rei de Portugal de 20 de abril de 1719”.

05 – Campos, Maria Verônica, op. cit., passim.

06 – ALENCASTRO, Luiz Felipe de. (2000), O trato dos viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul. São Paulo: Companhia das Letras, pp. 302-303.

07 – Ressalvamos que a análise que ora se segue não é passível de restrição à sociedade mineira, mas ampliável a todo Império luso.

08 – HESPANHA, Antônio M. & XAVIER, Ângela B. “As redes clientelares”. (1998), In: José Tengarrinha (org.). História de Portugal: o Antigo Regime. Lisboa: Editorial Estampa, pp. 340-342.

09 – Sobre a idéia da graça enquanto categoria do poder, manifestação do direito e da justiça, ver Antônio Manuel Hespanha, As vésperas do Leviathan: instituições e poder político. Portugal – século XVII. Coimbra: Almedina, 1994, p. 282-287 e 489-498.

10 – HESPANHA, Antônio M. & XAVIER, Ângela B, op. cit., pp. 347.

11 – Campos, Maria Verônica, op. cit., pp. 19.

12 – Caso emblemático foi o de Pero de Hates Henequim, ver Adriana Romeiro. Um visionário na corte de D. João V: revolta e milenarismo em Minas Gerais. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2001.

13 – Campos, Maria Verônica, op. cit., pp. 371.

14 – Idem, ibidem, pp. 43-44.

15 – BICALHO, Maria F. B., FRAGOSO, João & GOUVÊA, Maria. (2000), “Bases da materialidade e da Governabilidade no Império: uma leitura do Brasil colonial”. Penélope, n 24, Lisboa, pp. 75.

16 – Destacamos que tal conceito faz parte de um todo maior denominado “economia do bem comum” que, devido aos interesses deste artigo, não cabe aqui discutir. Para outras considerações acerca da economia do bem comum e da economia política de privilégios, ver João Fragoso, “A nobreza da República: notas sobre a formação da primeira elite senhorial do Rio de Janeiro (séculos XVI e XVII)”. In: Topoí: Revista de História. Rio de Janeiro, vol. 1, 2000, p. 45-122. Do mesmo autor, A nobreza vive em bandos: a economia política das melhores famílias da terra do Rio de Janeiro, século XVII – algumas notas de pesquisa, Rio de Janeiro, Departamento de História, UFRJ, 2003 (texto inédito), Maria de Fátima Gouvêa, “Redes de poder na América portuguesa: o caso dos homens bons do Rio de Janeiro (1790-1822)”. In: Revista Brasileira de História. São Paulo, vol. 18, n 36, 1998, p. 297-330, Maria Fernanda Bicalho, A administração colonial: debate historiográfico e algumas questões teóricas, mimeo

17 – BICALHO, Maria F. B., FRAGOSO, João & GOUVÊA, Maria, op. cit., pp. 67.

18 – Apenas a título de nota, outro campo muito importante de negociação era as câmaras municipais com suas elites locais que, através de petições, mantinham uma integração política no espaço imperial MONTEIRO, Nuno Gonçalo. (2001), “Trajetórias sociais e governo das conquistas: notas preliminares sobre os vice-reis e governadores-gerais do Brasil e da Índia nos séculos XVII e XVIII”. In: Maria F. Bicalho; João Fragoso & Maria de Fátima Gouvêa (orgs.). O Antigo Regime nos trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI – XVIII). Rio de Janeiro: civilização brasileira, pp. 283.

19 – GREENE, Jack P. (1994), Negotiated authorities: essays in colonial political and constitutional history. The University Press of Virginia, pp. 11.

20– __________. As estruturas políticas em Portugal na época moderna. (2000), In: TENGARRINHA, José (org). História de Portugal. Bauru, SP: EDUSC; São Paulo, SP:UNESP, pp. 119-120.

21– FIGUEIREDO, Luciano. “O império em apuros: notas para o estudo das alterações ultramarinas e das práticas políticas no império colonial português, séculos XVII e XVIII”. (2001), In: Júnia Furtado (org.). Diálogos oceânicos: Minas Gerais e as novas abordagens para uma história do Império Ultramarino Português. Belo Horizonte: HUMANITAS, pp. 229-244.

22 – ANASTASIA, Carla & SILVA, Flávio M. da. “Levantamentos setecentistas mineiros: violência coletiva e acomodação”. (2001), In: Júnia Furtado (org.). Diálogos oceânicos: Minas Gerais e as novas abordagens para uma história do Império Ultramarino Português. Belo Horizonte: HUMANITAS, pp. 309.

23 – Campos, Maria Verônica, op. cit., pp. 76.

24 – Idem, pp. 415.

25 – Idem, pp. 390-404.

26 – Idem, pp. 390-398.

27 – Idem, pp. 175.

28 – Idem, pp. 385-386.

Conheça outros artigos disponíveis na Revista Tema Livre na seção "Temas".

Imagens de Portugal: Palácio de Queluz

Um pouco de história

A Quinta de Queluz, outrora posse de simpatizantes de Castela que tiveram seus bens confiscados devido à Restauração (1640), pertencia aos filhos segundos dos reis portugueses, devido à instituição da Casa do Infantado, criada por D. João IV em 1654.

A passagem da “Casa de Campo” de Queluz para Palácio deveu-se a D. Pedro III (1717-1786), que iniciou as obras em 1747. Devido ao casamento de D. Pedro com sua sobrinha (filha do seu irmão D. José I), a futura rainha D. Maria I (1734-1816), o projeto inicial foi alterado e novas obras foram iniciadas, tendo como arquiteto o francês Jean Baptiste Robillion.

O palácio é considerado a Versalhes portuguesa e o mais belo exemplo da arquitetura rococó em Portugal, tendo se tornado a residência oficial de D. João e Dona Carlota em 1794, mesmo local onde foi realizado o casamento deles quase dez anos antes. Por fim, nesse palácio, ainda vieram a viver outros personagens vinculados às histórias do Brasil e de Portugal: D. Miguel, D. Pedro I do Brasil/D. Pedro IV de Portugal (nasceu e faleceu no Palácio, assim como sua progenitora, que teve o seu óbito em 1830).

 

Fotos

 

Vista parcial do exterior do Palácio de Queluz.

Vista parcial do exterior do Palácio de Queluz.


 

No primeiro plano, o Lago da Anfitrite, também chamado de Lago da Nereida, localizado nos jardins suspensos, denominado Jardim Pênsil ou Jardim Novo, projetado por Robillion. Segundo Ferro (1997), tal jardim deve ter sido concluído na década de setenta do século XVIII. Desse jardim, pode-se ter vista parcial do Palácio.

No primeiro plano, o Lago da Anfitrite, também chamado de Lago da Nereida, localizado nos jardins suspensos, denominado Jardim Pênsil ou Jardim Novo, projetado por Robillion. Segundo Ferro (1997), tal jardim deve ter sido concluído na década de setenta do século XVIII. Desse jardim, pode-se ter vista parcial do Palácio. 


 

 

Jardim do Palácio de Queluz

Jardins do Palácio

 

 

Acima, a Sala dos Embaixadores, designação que ganhou a partir de 1794, pois aí D. João, até a sua vinda para o Brasil, em 1807, realizava audiências do corpo diplomático e ministros estrangeiros. Nesse mesmo local, D. João realizava as cerimônias do Beija-Mão. O recinto teve a sua construção iniciada em 1754, tendo como arquiteto Robillion.Decorada com vasos chineses de porcelana, a Sala, na época de D. Pedro III, foi palco de diversos concertos em que as próprias Infantas cantavam e tocavam. Por ordem de D. João VI, esta parte do palácio recebe reparações em 1820, as vésperas do seu retorno a Portugal. Segundo Ferro (1997, p.87), “É este o espaço do palácio onde melhor se sente a influência da decoração em chinoiserie, tão ao gosto da segunda metade do século XVIII (...)”

Sala dos Embaixadores: designação dada a partir de 1794, pois D. João (até sua vinda para o Brasil), realizava audiências do corpo diplomático e ministros estrangeiros. 

 

Quarto de Carlota Joaquina em Queluz, único cômodo do Palácio com ornatos prateados. Situado no Pavilhão Robillion, foi projetado e decorado pelo arquiteto francês de mesmo nome.

Situado no Pavilhão Robillion, foi projetado e decorado pelo arquiteto francês de mesmo nome.

 

 

Detalhe da cabeceira da cama de Dona Carlota Joaquina.

Detalhe da cabeceira da cama de Dona Carlota Joaquina. 
 

 

Busto de Dona Carlota e D. João pertencente ao acervo do Palácio de Queluz.

Busto de Dona Carlota e D. João pertencente ao acervo do Palácio de Queluz. 
 

 

 

Louça com inscrição Carlota Joaquina Princesa do Brasil (CJPB). Acervo do Palácio de Queluz.

Louça com inscrição Carlota Joaquina Princesa do Brasil (CJPB). Acervo do Palácio de Queluz. 
 

 

O Palácio Nacional fica na freguesia de Queluz, concelho de Sintra, distrito de Lisboa. 
Contato: Tel.: +351 214 343 860 
Fax: +351 214 343 878 
Correio Eletrônico: pnqueluz@ippar.pt 
 

 

Bibliografia e sítios consultados:

FERRO, Maria Inês. Queluz: o palácio e os jardins. Londres: Scala Books, 1997.

SARAIVA, José Hermano. História de Portugal. Lisboa: Alfa, 1993.

http://www.cidadequeluz.com/palacio_queluz.htm

http://www.ippar.pt/monumentos/palacio_queluz.html

http://www.malhatlantica.pt/sintra/monument/m16.htm

http://www.portugalvirtual.pt/_tourism/costadelisboa/sintra/queluzp.html

 

 

Mais informações disponíveis na Revista Tema Livre sobre a Casa de Bragança e sua articulação com a história de Portugal:
(Em ordem alfabética)

As incursões franco-espanholas ao território português: 1800 – 1810

A Presença Luso-brasileira na Região do Rio da Prata: 1808-1822,

Entrevista com a Prof. Dra. Francisca Azevedo, biógrafa de Carlota Joaquina.

Para mais imagens de Portugal disponíveis na Revista Tema Livre, clique aqui.

Com Queluz, inaugurou-se a exposição "Imagens de Portugal", na edição 05 da Revista Tema Livre, em comemoração ao primeiro ano da publicação.

 

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