A Arquitetura do Convento dos Lóios de Santa Maria da Feira: relação entre as formas*

Por Jéssica Alves Fontes

Mestre em Ensino de História no 3.° Ciclo do Ensino Básico e no Ensino Secundário. Licenciada em História da Arte pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Correio electrónico: up201303797@letras.up.pt.

 

  1. Introdução

 

Este convento confinado à regra que regulava a Congregação de São João Evangelista é resultado de uma época e meio no qual está inserido. Uma congregação que ao longo do tempo vai adquirindo uma boa imagem e protecionismo por parte da realeza portuguesa e outras figuras ilustres, pelo prestamento de um serviço de excelência nas missões de evangelização, assim como, na administração dos melhores hospitais do país.

A escolha desta congregação para o novo convento do Espírito Santo da Feira deve-se ao grande desejo por parte da família Forjaz Pereira, nomeadamente D. Manuel Forjaz Pereira e seu filho, D. Diogo Forjaz Pereira, que tinham como ambição a construção de um convento não só para o seu benefício, como também para habitantes da vila.

Embora a questão da encomenda esteja mais do que entendida, as imensas transformações que este convento sofreu ao longo do tempo, levaram consequentemente à ausência de documentação manuscrita referente a quem pertence ao certo o traço do convento, da igreja, bem como o envolvimento de possíveis artistas na sua edificação. “(…) por isso venho escrever da Feira, terra importante, mas pobre em documentos antigos para a sua história, para a história do seu colégio[1].”

Com efeito, foram várias as circunstâncias que levaram a esta escassez de fontes, como a extinção das Ordens Religiosas em 1834, que fez com que a parte sul do convento ficasse sob a posse da Câmara, sofrendo posteriormente diversas alterações para poder albergar o Tribunal e as Conservatórias. E mais tarde, em 1878, o antigo refeitório passou a ser uma sala de espetáculos, o Real Teatro de D. Fernando II[2].

Na atualidade, apenas a igreja do convento possui o traço original, uma vez que não sofreu alterações significativas ao longo do tempo, o mesmo não aconteceu nas suas dependências, como é o caso da zona claustral que para além das modificações fruto das consequências acima referidas, teve que se adaptar para a construção do museu[3].

Assim sendo, iremos nos deter sobretudo na análise do corpo da igreja conventual através da observação em confronto com arquiteturas contemporâneas e contíguas ao nosso objecto de estudo, como também com a tratadística.

Deste modo, dos diversos tratados que circularam em Portugal, como o Tratado de S. Carlos Borromeu, Instruciones Frabricae et Supellectilis Ecclesiasticae de 1577, o Tratado de Vitrúvio, De Architectura Libri Decem, do século I a.C, De Architectura de Libri Quince, de Sebastiano Serlio, que disseminou a serliana, um motivo de Palladio, destacamos o tratado flamengo do arquiteto Hans Vredeman de Vries, Architectura oder Bauung der Antiquen auss dem Vitruvius, de 1577 e o de Wendel Dietterlin[4], uma vez que encontramos presença de uma gramática decorativa na fachada e no interior da igreja de influência flamenga, como as cartelas com enrolamentos e pontas de diamante. Este último tratado, possivelmente circulou entre o Norte e Centro de Portugal, fruto de intercâmbios entre artistas.

Assim, pretendemos aferir quais os possíveis arquitetos que terão trabalhado na igreja conventual dos Lóios da Feira e entender sua a linguagem artística.

 

  1. Especificidades da Congregação

 

A congregação vai se desenvolvendo progressivamente e a sua popularidade na sociedade e na corte vai permitir a construção de nove casas religiosas em Portugal. Nomeadamente, a casa em estudo foi a sétima a ser construída.

Neste sentido, a arquitetura elegida para estes espaços teria que permitir a dinâmica da vida religiosa comunitária, uma vez que tinham como propósito alcançar a vida evangélica e comunitária[5]. Na crónica O Ceo aberto na Terra, o autor descreve que os cónegos azuis “forão os primeiros clérigos seculares viventes em commum”, no reino português[6]. Além do mais, o Convento dos Lóios de Santa Maria da Feira é um excelente exemplo disso, tendo sido implantado junto da população e perto do Castelo. Dado que, o trabalho da comunidade consistia na pregação, doutrinação, ensino e missionarismo, algumas das casas contruídas para esta congregação como o colégio de Vilar e de Santo Elói de Lisboa, tiveram a função de colégio. Neste sentido, vários autores como António Ferreira Pinto colocam a hipótese de o Conventos dos Lóios da Feira ter tido esta função.

De facto, devido às dificuldades financeiras para finalização das obras do corpo da igreja, no final do século XVII, a Câmara da Feira propõe o assentamento de uma taxa de um real em cada quartilho de vinho vendido na vila. Em troca, os padres teriam que ensinar latim a todos os fregueses que quisessem estudar. Uma grande estratégia por parte da Câmara, remetendo as despesas e encargos da igreja no povo, ao mesmo tempo que estabelecia o ensino na vila. Deste modo, estamos perante o ensino do Convento dos Lóios da Feira, mas não é suficiente para sustentar a hipótese do edifício se tratar de um colégio.

É certo, que o edifício em estudo é organizado por duas portarias e claustro, o que remete para uma organização semelhante a um colégio. No entanto, não existe informação que comprove o ensino neste convento e não é de todo o foco deste artigo.

 

  1. A Fundação do Convento da Feira

 

Existiam duas pequenas ermidas na época, uma no local onde foi construído o convento com o seu orago dedicado ao Espírito Santo, e outra na freguesia de S. Nicolau onde a Congregação esteve instalada numa primeira fase[7].

No entanto, os condes da Feira desejavam a construção de um convento para seu benefício perto do castelo, assim como para os seus habitantes da vila. Assim, uma das principais razões que levaram à escolha da Congregação dos Lóios para a construção de um Convento na Feira foi a pertença à congregação por parte de dois dos filhos do Conde – D. Leonis e Rodrigo de Madre Deus. Para além disso, era uma congregação protegida do rei e permitiria a construção de um cemitério próprio para os Condes da Feira. De igual modo, os habitantes da vila poderiam também ter a possibilidade de cura espiritual. Neste sentido, no ano de 1560 é lançada a primeira pedra da igreja, onde outrora estava a Ermida do Espírito Santo[8], e em 1566 já estava pronta a habitar[9].

Aqui vivião pelos annos de1560 o quarto Conde da Feira D. Diogo Forjaz, & sua mulher a Condeça D. Anna de Meneses, os quaes desejavam ter naquela Villa hum convento de religiosos, em beneficio seu, & de seus vassalos. Seu, porque em quanto vivos terião no convento quem lhe fisesse cõpanhia, & assitencia, & depoes de mórtos terião quem lhe désse sepultura, & lhe rogasse pela alma[10].

De acordo com Carlos Ruão era necessário aumentar a monumentalidade da obra e deste modo, em 1580, o conde D. Diogo contrata o mestre Jerónimo Luís para a obra de pedraria da capela-mor. No entanto, com a morte de D. Diogo as obras pouco avançaram, sendo lançada a primeira pedra para a sua construção a 6 de abril de 1618. O mestre pedreiro Jerónimo Luís foi responsável pela edificação da abóbada e do claustro circular do Mosteiro da Serra do Pilar, em Vila Nova de Gaia, projetado por João de Ruão. Com efeito, até este momento estava concluído o arco cruzeiro, mas dada a imponência do desenho da capela-mor foi necessário executar um novo arco, sendo lançada a primeira pedra a 30 de junho de 1625, já na responsabilidade de outro mestre pedreiro, Francisco Carvalho[11], oriundo do Porto, sendo substituído após a sua morte pelo mestre Valentim Carvalho, também proveniente do Porto[12].

As obras para corpo da igreja permaneciam em atraso por falta de apoios financeiros e para ajudar na progressão da construção, alguns cidadãos tinham a pretensão de dar alguns contributos. De igual modo, o crescimento da comunidade dificultava ainda mais a situação e a necessidade de receber um maior número de rendas era cada vez mais urgente. Assim, em 1623 habitavam apenas quatro religiosos e entre 1639 a 1641 o administrador das obras, Pantaleão de S. Tiago registou o total de nove celas no convento, em que seis delas estavam ocupadas. De igual modo, o mestre padre Jorge São Paulo mencionava que em 1658 estavam dez religiosos a ocupar o convento[13].

Por outro lado, a encomenda de missas perpétuas por parte dos fregueses pelas suas almas e dos seus familiares, contribuíram para o acúmulo de alguns rendimentos para a continuidade da comunidade. Posteriormente, em 1693 estava terminado o novo arco cruzeiro, mas uma vez que a congregação estava com escassez de meios financeiros para a continuação das obras solicitaram apoio junto à Câmara Municipal. O apoio foi concedido com a contrapartida de os frades lecionarem aulas de latim à comunidade[14]. Deste modo, conseguiram não só a colaboração da Câmara Municipal como do poder régio, auferindo-lhes a taxa de um real por cada quartilho de vinho, num período de cinco anos[15].

Neste sentido, a construção do corpo da igreja passou a estar à responsabilidade do construtor Domingos Moreira a 3 de outubro de 1692, proveniente de Moreira, na Maia. Este teve como obras a seu cargo o aqueduto do Mosteiro de Stª Clara de Vila do Conde. Por volta de 1705 concluiu-se o coro-alto e o batistério. A fachada apenas possuía a torre norte[16], sendo que a torre sul apenas fica concluída em 1743[17].

 

  1. Observação do objeto de estudo: análise arquitetónica e relação entre as formas

 

Os cónegos azuis foram os primeiros clérigos seculares a viverem em comunidade[18] e podemos observar essa característica na escolha do lugar para a implantação deste convento, inserido perto da população e próximo ao Castelo segundo a vontade de D. Diogo Forjaz Pereira.

Assim, a igreja surge implementada geograficamente sobre um ponto alto perto do rossio e próximo do castelo, desafogada de envolventes, destacando a fachada da igreja em relação ao seu entorno. Se a área geográfica de implementação fosse plana, deveria construir-se de forma a ascender à igreja, três ou cinco degraus. Estes princípios estão de acordo com o tratado de S. Carlos Borromeu presentes no capítulo I. De igual modo, a aplicação de princípios das práticas arquitetónicas é recuperada do Renascimento após o concílio de Trento e da tradição greco-romana descrita no tratado de Vitrúvio que refere a construção dos templos em locais elevados – locais limpos, secos, sem imundices, com espaços que permitem a circulação, boa captação de sol, ou seja, boas condições de salubridade para evitar doenças.

 

Os templos sagrados dos deuses, que se consideram ser a mais alta tutela da cidade, Júpiter, Juno e Minerva, dever-lhes-ão ser distribuídas zonas no lugar mais elevado, de onde se possa observar a maior extensão do recinto fortificado[19].

 

Fig.1. Fotografia aérea do Convento dos Lóios de Santa Maria da Feira.

 

No caso da necessidade da construção de degraus na fachada estes deveriam ser em número ímpar e com medidas que permitam uma subida harmoniosa. Posto que, o terreno apresenta uma desigualdade de cota a igreja em estudo apresenta um número de degraus superior a cinco, através da configuração de uma enorme e majestosa escadaria com a largura idêntica à igreja conventual, composta por dois lanços de escadas duplos e convergentes, estabelecidos por patamares ornamentados que conferem um enquadramento cenográfico e teatral na sua envolvente.

No frontispício, os degraus deverão ser dispostos de tal modo que sejam sempre ímpares: pois como se sobe o primeiro degrau com o pé direito, também este será o primeiro a atingir a parte superior do templo. Sou da opinião de que a altura destes degraus deverá ser definida de modo que não fique maior que cinco sextos do pé nem menos que três quartos; deste modo, a subida não será custosa. Quanto à largura dos degraus, considera-se que não deverá ser inferior a um pé e meio nem superior a dois[20].

A parte inferior foi alvo de modificações no entanto, Paulo Roberto Nogueira acredita que os dois lanços divergentes que partem do terceiro patamar assinalam o fim da obra original e começo de algumas variações[21] O segundo patamar definido pelo adro da igreja, é constituído por vários sepulcros e por um cruzeiro, formado por uma coluna assenta sobre o soco com capitel coríntio que por sua vez é rematada por uma esfera que suporta a cruz latina. De uma forma geral, a escadaria é ornamentada com pequenos pináculos e elementos curvos.

Nomeadamente, após a subida da escadaria deparamo-nos com a igreja e o corpo monástico anexado a ela. Segundo o tratado de S. Carlos Borromeu, a igreja deveria assemelhar-se a uma ilha, com as suas paredes separadas das paredes dos edifícios envolventes, como casas de habitação[22]. No entanto, tratando-se de uma igreja conventual, dado a sua natureza funcional possui algumas das suas paredes ligadas às do corpo monástico.

A fachada principal (fig.2) está ladeada por torres sineiras elevadas em relação ao corpo central e sobre o mesmo plano da fachada. De certo por uma questão de regularidade da fachada, posto que compõe o equilíbrio da mesma. No topo do frontão surge o relevo de uma águia, o tetramorfo de S. João Evangelista. De facto, trata-se do único elemento iconográfico presente nesta fachada, uma vez que a Congregação não possuía muitas imagens de santos associadas, sendo a figura principal S. João Evangelista, aquela que denomina a própria Congregação.

 

Fig.2. Fachada da Igreja do Convento dos Lóios da Feira, 2019. Foto de Jéssica Fontes.

Nomeadamente a composição central da fachada é definida por dois corpos revelando uma horizontalidade e um eixo médio vertical que marca o ritmo – a porta rematada com frontão, a grande janela e as seis pilastras interrompidas que ladeiam estes elementos. Estes dois corpos são separados por um entablamento muito simples e depurado de qualquer ornamentação. Por sua vez, esta composição termina com outro entablamento semelhante ao inferior e é rematada através de um grande frontão triangular que confere um sentido plástico e valoriza a fachada, conferindo todo um programa arquitetónico que monumentaliza o acesso ao templo.

Para além disso, ao observarmos atentamente os dois pisos, conseguimos constatar que estes não obedecem ao ideal da ordem arquitetónica concebida pelo Renascimento que defendia a sobreposição de ordens, ou seja, a ordem toscana deveria estar em baixo e a jónica em cima. No entanto, o autor do traço da fachada optou por inverter as ordens, algo inconcebível para os artistas renascentistas que apenas faziam a supressão de uma ordem na sucessão, estando sempre a ordem toscana ou dórica na base, com a finalidade de suportar o piso superior. Neste caso, o autor optou por colocar a ordem mais delicada, a jónica no piso inferior e a mais robusta, a toscana no piso superior. Neste sentido, esta inversão faz-nos colocar desde logo as seguintes questões: O que levou o arquiteto a inverter as ordens? E onde foi encontrar este tipo de solução? – desde logo, se recuarmos até Miguel Ângelo poderemos obter resposta à segunda questão, dado que este ousou romper com quase todos os modelos pré-estipulados, realizando variadas possibilidades de combinações, ao duplicar colunas e inverter capitéis como podemos observar na Biblioteca Laurenciana.

Aliás, é de destacar também os dois relógios presentes nas torres que ladeiam o corpo central da fachada. Estes apresentam uma moldura em rollwerk (fig.4), enrolamentos embelezados de influência nórdica. Curiosamente, o Mosteiro de Grijó, um dos complexos monásticos contíguos ao Convento dos Lóios, apresenta uma solução semelhante no relógio da fachada, em que o possível autor do traço seria Francisco Velasquez[23] (fig.3). De igual modo, conseguimos estabelecer as mesmas relações com o tratamento plástico do claustro do Mosteiro da Serra do Pilar (fig.5), a cargo do mestre pedreiro Jerónimo Luís, um dos primeiros mestres a cargo do projeto do Convento dos Lóios da Feira.

 

Fig.3. Pormenor do relógio da Igreja do Mosteiro de Grijó, 2019. Foto de Manuel Botelho.
Fig.4. Pormenor do relógio da Igreja do Convento dos Lóios da Feira, 2008. Autor desconhecido.

 

 

 

Fig.5. Claustro do Mosteiro da Serra do Pilar, Vila Nova de Gaia. 1998. Foto de Luís Ferreira Alves. Acervo do Sistema de Informação para o Património Arquitetónico.

 

De um modo geral, estamos perante uma fachada simples, mas com um desenho arquitetónico interessante, através a inversão das ordens clássicas e da ornamentação dos relógios que remete para a linguagem artística do norte da europa.

No que diz respeito ao interior da igreja, esta apresenta uma planta longitudinal (fig.6) de nave única, com uma composição arquitetónica simétrica, apresentando proporções aproximadas ao corpo humano[24]. Porém, a igreja em estudo apresenta transepto inscrito, que corresponde apenas a uma pequena fração do braço humano, mas que vai de encontro à própria evolução da arquitetura e necessidade emergente na época, a criação de um espaço amplo, para que os fiéis conseguissem observar todos os acontecimentos que decorriam na capela-mor.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fig.6. Planta do Convento dos Lóios de Santa Maria da Feira.

 

O corpo da igreja divide-se em três tramos: o inicial, onde se situa o coro alto, e os outros dois às capelas laterais, sendo cada um deles definido por largas pilastras toscanas dispostas simetricamente (fig.7). O primeiro tramo que é ocupado em parte pelo coro alto apoia-se num arco inserido na parede da entrada, e num outro abatido aos pés da nave. O restante espaço foi aproveitado através da abertura de portas, sendo que a da direita concede acesso ao claustro.

Nos outros dois tramos, abrem-se entre as pilastras toscanas os arcos das quatro capelas laterais – duas de cada lado. Por sua vez, estes arcos são rematados por um entablamento. As capelas laterais inscrevem-se na planta de forma a que o seu eixo seja perpendicular ao da nave. Estas capelas são comunicantes entre si, através de corredores que servem de confessionários.

Neste sentido, o interior da nave central é animado através da articulação de elementos que se remetem num módulo – capelas laterais, nichos e largas pilastras toscanas, entre as quais as duas centrais parecem também ter nichos na parte superior, mas não possuem qualquer imagem de santos.

É de salientar os dois últimos tramos da igreja que para além das capelas laterais, possuem confessionários relevados em granito por baixo dos nichos do corpo da igreja, inseridos na espessura da parede entre os arcos das capelas laterais, revelando a preocupação do artista em dar funcionalidade às paredes da igreja. Estes confessionários em granito são enobrecidos plasticamente através do enquadramento com formas espirais, volutas que intencionalmente ou não, são trabalhadas de forma diferente, ou seja, uma voluta não é igual à outra.

Fig.7. Nave da Igreja do Convento dos Lóios de Santa Maria da Feira, 2019. Foto de Jéssica Fontes.

 

O transepto é inscrito de acordo com a largura da nave, não excedendo cada um dos seus braços à linha exterior traçada pelas capelas. À semelhança do que acontece nos dois tramos mais avançados da nave, em cada uma das paredes de topo dos braços do transepto abre-se um arco no qual se insere um retábulo, sendo este simetricamente ladeado por duas portas sobrepujadas por janelões. Estas portas são no braço esquerdo falsas, e no direito dão acesso respetivamente à sacristia e ao claustro. O revestimento das paredes do transepto é feito através de um esquema de azulejos 12×12 do século XVII, onde podemos observar o emprego do azul-cobalto e do amarelo antimónio, conferindo um grande efeito plástico através da diagonal.

No entanto, é no transepto que conseguimos mais uma vez detetar relações com o Norte da Europa e com arquiteturas próximas ao nosso objeto de estudo que terão sido construídas em datas aproximadas. Num detalhe quase impercetível, localizado no entablamento do transepto, por de baixo da cornija, surge uma decoração pétrea com formas em ponta de diamante articuladas com formas ovais (fig.8), que revela assimilações da tratadística flamenga, nomeadamete com o tratado de Vrederman de Vries[25]. Neste sentido, este tipo de decoração encontra-se no friso do entablamento da capela-mor da Igreja da Misericórdia do Porto (fig.9), pelo arquiteto Manuel Luís, por volta de 1590[26], na parte inferior da cornija da fachada da Igreja da Misericórdia de Aveiro (fig.13), da autoria de Gregório Lourenço e no arco cruzeiro e abóbada da capela-mor da Igreja do Colégio de São Lourenço do Porto.

Além disso, conseguimos perceber outras relações no que diz respeito ao transepto a partir dos caixotões da cobertura da capela-mor da Igreja da Misericórdia do Porto (fig.9), bem como os da cúpula do Mosteiro da Serra do Pilar (fig.10), sob a responsabilidade do mestre pedreiro Jerónimo Luís. Como podemos ver nas figuras 8, 9 e 10, os caixotões de ambas as igrejas apresentam uma solução plástica semelhante sendo os da Igreja da Misericórdia do Porto e do Mosteiro da Serra do Pilar mais exuberantes plasticamente em relação à sobriedade decorativa da igreja em estudo.

 

 

 

 

 

 

 

 

Fig.8. Pormenor dos caixotões na abóbada de berço do transepto do Convento dos Lóios de Santa Maria da Feira, 2019. Foto de Jéssica Fontes.

 

Fig.9. Pormenor dos caixotões da cobertura da capela-mor da Igreja da Misericórdia do Porto.

 

Fig.10. Cúpula da Igreja do Mosteiro da Serra do Pilar, Vila Nova de Gaia, 1998. Acervo do Sistema de Informação para o Património Arquitetónico.

 

Fig.11. Pormenor da cornija do entablamento do transepto da igreja do Convento dos Lóios da Feira, 2019. Foto de Jéssica Fontes.

 

Fig.12. Pormenor do friso do entablamento da capela-mor da Igreja da Misericórdia do Porto, 2019. Foto de Jéssica Fontes.

 

Fig.13. Portal da Igreja da Misericórdia de Aveiro, s.d. Acervo do Sistema de Informação para o Património Arquitetónico.

 

O lugar de destaque na arquitetura religiosa em relação aos restantes é sem dúvida a capela-mor, onde a assembleia dos crentes presencia o Mistério da Transubstanciação, criando um cenário celeste no seio dos participantes da eucaristia[27]. Esta capela pertence à primeira fase da edificação da igreja (fig.14), situa-se no ponto mais alto da igreja, a Este do pórtico, obedecendo às diretrizes de S. Carlos Borromeu[28]. Esta é retangular com uma cobertura em abóbada de berço organizada por três séries de caixotões irregulares com mármores rosa e negro no seu interior, assente na cornija contínua em toda a igreja, e é ligeiramente mais estreita do que a nave.

 

 

 

 

 

 

 

 

Fig.14. Capela-mor da Igreja do Convento dos Lóios de Santa Maria da Feira, 2019. Foto de Jéssica Fontes.

 

 

 

Entre estes janelões que conferem uma iluminação abundante[29] situam-se os cenotáfios (fig.16), em mármores rosa, branco e negro, rematados através de um frontão triangular – no lado do Evangelho está o cenotáfio do conde D. Manuel Pereira, e no lado da Epistola está D Diogo Forjaz Pereira. Estes cenotáfios por sua vez, possuem algumas semelhanças com o lavatório da sacristia da Igreja da Misericórdia do Porto, pela sua forma e emprego dos mesmos materiais (fig. 15). Nesta sacristia trabalharam: Pantaleão Vieira, João da Rocha, ambos viviam no Porto[30] e António Vieira.

Fig. 16. Sepulcro do lado do Envangelho na capela-mor da igreja do Convento dos Lóios da Feira, 2019. Foto de Jéssica Fontes.
Fig.15. Lavatório da sacristia da Igreja da Misericórdia do Porto, 2019. Foto de Jéssica Fontes.

 

 

 

A solução de policromia interior da capela-mor do Convento dos Lóios torna o espaço mais enobrecido plasticamente, concedendo uma paleta de cores não só através do mármore presente na cobertura e no entablamento, como do revestimento azulejar do século XVII de padrão azul cobalto e amarelo de antimónio, formando quase que dois tapetes separados por dupla cercadura nas paredes da capela.

Posto isto, tendo em conta todas estas relações facilmente conseguimos perceber as fortes assimilações da via flamenga na arquitetura religiosa do Noroeste, disseminadas pelos tratados de Hans Vrederman de Vries e de Wendel Dietterlin. Tal como Celso Francisco do Santos refere esta via é sentida sobretudo nos acidentes decorativos, como nos obeliscos, pirâmides, cartelas, enrolamentos, pontas de diamante que se revelam na gramática decorativa das fachadas, cúpulas, abóbadas e remates das arquiteturas[31].

 

4.1. Claustro

 

Em termos simbólicos, o claustro é a alma de todo o conjunto arquitetónico, um local de intensa e austera vida espiritual, que representa o centro da vida monástica através da centralidade dos elementos que o organizam. É um microcosmo e representa a imagem do paraíso, através da criação da cidade sagrada. “O cruzamento dos quatro caminhos, resultantes dos quatro lados dos pontos cardeais apontava o centro do mundo, definido no convento da Feira pelo chafariz[32].”

O claustro deste convento é quadrangular (fig.17) e situa-se a sul da igreja, constituído por dois pisos com arcadas assentes sobre pilastras, tornando-o robusto e grandioso. A regularidade do espaço é evidente através das formas simples, das arcadas que pousam sobre gigantes pilastras dóricas que constituem os dois pisos, abandonando a solução mais comum de arcos sobre colunas, ou colunas a sustentar um entablamento direito, substituindo-a pela utilização de pilastras das quais nascem os arcos e arcarias que sustentam a galeria superior, que por fim o remate é feito através de um entablamento simples. O primeiro piso é constituído por uma arcaria de arcos de volta perfeita enquanto que o segundo, o subclaustro é fechado para ter outra funcionalidade no interior, mas possui um conjunto de janelas com varandins.

 

Fig.17. Claustro do Convento dos Lóios da Feira, 2019. Foto de Jéssica Fontes.

Neste sentido, o claustro integra um elo de ligação entre os diferentes lugares que constituem o complexo conventual como a zona habitacional – as celas (localizavam-se no piso superior nas alas nascente, poente e sul) – a sala do capítulo (que hoje será os sanitários), o refeitório (que se encontrava na parte sul do claustro, voltado para o castelo), a igreja e outros compartimentos conventuais, permitindo que os religiosos usufruíssem da oração ao ar livre, ao mesmo tempo que as suas galerias funcionavam como um abrigo para os dias quentes de Verão ou chuvosos e frios do Inverno.

O centro do claustro é marcado pelo chafariz de tanque quadrilobado que não é o original, possivelmente seria o que está fixado no final da escadaria junto ao rossio. A água era fornecida pelo conde D. Diogo Forjaz Pereira através da fonte do castelo.

Com efeito, a maioria dos claustros possuíam sepulturas de religiosos, sendo um local privilegiado onde as comunidades monásticas preferiam ser enterradas, permitindo aos monges orar pela alma daqueles que já partiram, como gesto de memória. No entanto, não existe qualquer informação acerca de sepultamentos no claustro em estudo.

Por fim, uma vez que não se trata de uma comunidade monástica fechada, o claustro apresenta portarias que dão acesso exterior, sendo um local para receber visitantes, desde peregrinos, negociantes, hóspedes ou até mesmo mendigos – sobre o ideal de acolher qualquer pessoa que ali chegasse. Assim, o convento dos Lóios da Feira insere-se no modelo organizado nos colégios jesuítas com a integração de duas portarias – a comum e a do carro. A comum virada a sul, direcionada para o castelo, destinava-se em dias de grande afluência para a prática do ministério e das confissões. Uma vez dado o toque das Aves-Marias, o porteiro fechava a porta e atendia as chamadas noturnas como o auxílio de doentes e moribundos. Por sua vez, a porta do carro voltada para o rossio destinava-se ao abastecimento do convento e para acudir espiritualmente os mais necessitados, oferecendo algumas esmolas, e fornecimento de alimentação aos mendigos.

 

 

  1. Considerações Finais

 

Ao estudarmos a arquitetura não podemos descartar a relação com o sítio, a envolvente e as produções contemporâneas ao objeto de estudo. Neste sentido, uma vez que existiam à época diversos estaleiros nas cidades contíguas ao Convento dos Lóios, como em Grijó, Porto e Aveiro, consideramos a possibilidade de para além dos mestres identificados como intervenientes ao longo do processos de obra do Convento dos Lóios da Feira, como Jerónimo Luís, Francisco Carvalho e Valentim Carvalho, poderá ter havido a participação de outros mestres a trabalhar nas proximidades como Pantaleão Vieira, João da Rocha e António Vieira. Não podemos descartar as semelhanças na forma e materiais entre o lavatório da sacristia da Igreja da Misericórdia do Porto e os sepulcros da capela-mor da Igreja do Conventos dos Lóios de Santa Maria da Feira.

Apesar dos problemas financeiros que o convento sofreu, originando várias interrupções na execução da obra, e provavelmente, alterações no projeto inicial, tendo este que se adaptar consoante os recursos disponíveis, conseguimos perceber que se tratou de um projeto ambicioso. Um traço que revela algumas influências com o Norte da Europa, com um desenho arquitetónico interessante, salientando a composição anticlássica da fachada pela inversão das ordens canónicas e o emprego de materiais nobres, como os mármores e azulejos.

Neste sentido, estas assimilações flamengas só podem ser compreendidas através da dinâmica da cidade do Porto e a sua relação com o Rio Douro, uma vez se trata de um ponto de partida e de chegada, que estabelece ligações com o exterior, fazendo circulação de tratados, permitindo a viagem das formas e conhecimento daquilo que de melhor se fazia pela Europa. Podemos assim constatar, que a cultura arquitetónica internacional era estudada pelos arquitetos postugueses nos séculos XVI a XVIII.

No entanto, ao deparamo-nos com a ausência de dados concretos quanto à autoria do traço, não podemos concluir de facto qual destes mestres pedreiros referidos ao longo deste estudo terão sido responsáveis pela execução do projeto da igreja conventual dos Lóios da Feira. Possivelmente terá sido Jerónimo Luís que traçou o projeto do convento na sua totalidade, tendo posteriormente, Francisco Carvalho e Valentim Carvalho a seguir o projeto inicial, dando assim continuidade ao mesmo, algo que era muito frequente, dado a morosidade e peripécias destas construções. Assim, esta questão terá que ser deixada em aberto, mas acreditamos ter contribuído para esta investigação ao estabelecermos relações com alguns projetos da mesma época, percebendo as apropriações e soluções apresentas ao objeto de estudo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fontes e Bibliografia

Bibliografia geral:

ALVES, Joaquim J. B. Ferreira (2014) – Aspetos da Atividade Arquitetónica no Porto na segunda metade do séc. XVII. Revista da Faculdade de Letras: História, série II, vol.2. (1985), p. 251-272.

ARNHEIM, Rudolf (1988) – A dinâmica da Forma da Arquitetónica. Lisboa: Editorial Presença.

BORGES, Nelson Correia (1998) – Arquitetura monástica portuguesa na época moderna. Museu. Porto. ISSN Nº. 0871-2670. IV Série – Nº. 7.

BORROMEO, Carlos (1985) – Instrucciones de la Fábrica y del Ajuar Eclesiásticos. México: Universidade Nacional Autónoma, Introducción, traducción y notas de Bulmaro Reys Coria. ISBN 968-837-051-7.

BUSH, Harald (1966) – Arquitetura del Renascimento en Europa: Desde el Gótico tardio hasta el Maneirismo/. Madrid: Harald Bush y Bernd Lohse.

Direção Geral do Património Cultural (2011) ­­­- Mosteiro da Serra do Pilar. Disponível em: <http://www.patrimoniocultural.gov.pt/pt/patrimonio/patrimonio-imovel/pesquisa-do-patrimonio/classificado-ou-em-vias-de-classificacao/geral/view/5035987/> [Consulta realizada em 7/12/2019].

KUBLER, George (2005) – A Arquitetura Portuguesa Chã entre as Especiarias e os Diamantes (1521-1706). 2.ª Edição. Lisboa: Nova Veja. ISBN: 972-699-758-5.

ROCHA, Manuel Joaquim Moreira da (2017) – A retórica do espaço na arquitetura religiosa portuguesa nos séculos XVI a XVIII. Santiago de Compostela: Universidade de Santiago de Compostela. Quintana. Revista do Departamento de História da Arte.

RUÃO, Carlos (2006) – «Os Eupalinos Moderno» Teoria e prática da Arquitetura Religiosa em Portugal 1550-1640. Coimbra: Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Tese de Doutoramento.

SANTOS, Celso Francisco dos (1989) – A Arquitetura do Mosteiro de S. Salvador de Grijó 1574-1636. Lisboa: Faculdade de Ciências Sociais e Humanas. Dissertação de Mestrado.

 

Bibliografia específica:

CARLOS, Roberto (Janeiro de 2006) – Memórias Paroquiais de Santa Maria da Feira – 1758, N.º 20. Liga dos amigos da Feira.

FERREIRA, VAZ (1950) – Convento da Feira, pelo Padre Jorge de São Paulo. Arquivo do Distrito de Aveiro. Coimbra: Oficinas Gráficas de Coimbra. Vol. XVI, nº 63, p. 197-200.

FERREIRA, Vaz (1951) – Padre Jorge de São Paulo. O Convento da Feira. Coimbra: Arquivo do Distrito de Aveiro. Vol. XVI.

FERREIRA, Vaz (1951) – Padre Jorge de São Paulo. O Convento da Feira. Coimbra: Arquivo do Distrito de Aveiro. Vol. XVII.

FERREIRA, Vaz (1989) – Feira: A Vila, o Concelho e o Castelo da Feira onde nasceu Portugal. A Vila e as suas entradas. Câmara Municipal de Santa Maria da Feira.

GONÇALVES, A. Nogueira (1978) – Vila da Feira, Câmara Municipal de Santa Maria da Feira. Edições Portuguesas de arte e Turismo, Lda.

LÓIOS, Congregação dos – Documentação Geral, Vide: Index do Cabido, Gaveta das Religiões, Mosteiros, Ordens, Colegiadas. Seminários, vol. 6.º.

NOGUEIRA, Paulo Roberto Tavares (2007) – Convento do espírito Santo da Feira: fundação e desenvolvimento entre os séculos XVI-XVIII. Porto: [Edição de Autor]. Dissertação de Mestrado.

OLIVEIRA, Roberto Vaz de (1974) – Freguesia de S. Nicolau da Vila da Feira. Capelas. Volume I. Secção de Ciências Histórico – Geográficas pela Universidade de Coimbra. Aveiro: Junta Distrital de Aveiro.

OLIVEIRA, Roberto Vaz de (1974) – Freguesia de S. Nicolau da Vila da Feira. Capelas. Volume II. Secção de Ciências Histórico – Geográficas pela Universidade de Coimbra. Aveiro: Junta Distrital de Aveiro.

PINTO, António Ferreira (1938) – Colegiada ou Colégio do Espírito Santo na Vila da Feira, in “Arquivo do Distrito de Aveiro”, Figueira da Foz: Tipografia Popular.

SANTA MARIA, Fancisco de (1697) – O Ceo Aberto na Terra: História das sagradas congregações dos Cónegos Seculares de S. Jorge em Alga de Venesa & S. João Evangelista em Portugal. Lisboa: na Off. De Manoel Lopes Ferreyra.

SILVA, Francisco Ribeiro da (2002) ­- Os Frades Lóios, a Câmara Municipal e o Ensino. Villa da Feira. Terra de Santa Maria. Ano I, nº 2 (2002), p. 58-59.

TAVARES, Pedro Vilas Boas (1986) – Os Lóios e a Reforma Religiosa nos Meados do Séc. XVI: A Ordem e o refimento da vida Crista de Frei Pedro de Santa Maria. Porto: Faculdade Letras da Universidade do Porto. Dissertação de Mestrado.

TAVARES, Pedro Vilas Boas (1999) – Para uma revisitação dos Cónegos Lóios. Porto.

TAVARES, Pedro Vilas Boas (2003) – Em Busca das Virtudes promordiais do “Estado Apostólico”: Os Fundadores Lóios nas “Memórias” de Paulo de Portalegre (+1510).  

TAVARES, Pedro Vilas Boas (2009) – Os Lóios em Terras de Santa Maria: do Convento da Feira à realidade nacional da congregação. Santa Maria da Feira: Município de Santa Maria da Feira. ISBN 978-989-8183-04-0

TAVARES, Pedro Vilas Boas (Janeiro – Abril de 1991) – Fundação e construção da Igreja e Convento da Congregação de S. João Evangelista de Vila da Feira, in Humanistica e Teologia, Instituto de Cultura portuguesa da FLUP, Editora Correio do Minho – Braga. Vol. XII. ISSN 0870-080X.

VECHINA, Sofia Nunes (2017) – Dinâmica Artística na antiga Comarca Eclesiástica da Feira. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Tese de Doutoramento.

VINHAS, Joaquim Alves (1998) – A Igreja e o Convento de Vilar de Frades: das origens da Congregação dos Cónegos Seculares de São João Evangelista (Lóios) à extinção do Convento 1425 – 1834. Barcelos. Dissertação de Mestrado Hist. Arte, Universidade do Porto.

 

[1] PINTO, 1938: 5.

[2] DIREÇÃO GERAL DO PATRIMÓNIO CULTURAL (2011) – Mosteiro da Serra do Pilar.

[3] NOGUEIRA, 2007: 238-239.

[4] SANTOS, 1989: 89.

[5] TAVARES, 1999: 2.

[6] NOGUEIRA, 2007: 298.

[7] VECHINA, 2017: 57.

[8] VECHINA, 2017: 118.

[9] NOGUEIRA, 2007: 52-53.

[10] SANTA MARIA, 1697: 534.

[11] RUÃO, 2006:24.

[12] FERREIRA, 1950: 197-200.

[13] TAVARES, 1999: 92.

[14] VECHINA, 2017: 451.

[15] SILVA, 2002: 58-59.

[16] TAVARES, 2009: 99-101.

[17] NOGUEIRA, 2007: 217.

[18] SANTA MARIA, 1697: 228.

[19] VITRÚVIO, 2009: livro I, cap. VII, 54.

[20] VITRÚVIO, 2009: livro III, cap. IV, 119.

[21] NOGUEIRA, 2007: 222.

[22] BORROMEO, 1985: 5.

[23] Francisco Velasquez é apontado como autor do projeto do Mosteiro de Grijó, datado de 1572.

[24] VITRÚVIO, 2009: livro III, cap. I, 109.

[25] Hans Vredeman de Vries, Architectura oder Bauung der Antiquen auss dem Vitruvius.

[26] Data de conclusão da capela-mor da Igreja da Misericórdia do Porto.

[27] NOGUEIRA, 2007: 154.

[28] BORROMEU, 1985: 15.

[29] BORROMEU, 1985: 13.

[30] ALVES, 2014: 255.

[31] SANTOS, 1989: 89.

[32] NOGUEIRA, 2007: 137-138.

Imagens de Portugal: Lisboa e Mafra

Exposições virtuais de fotografia

Uma outra Carlota: evento realizado na Biblioteca Nacional apresenta novo perfil de Carlota Joaquina, fruto de recentes pesquisas desenvolvidas no âmbito das universidades brasileiras.

Niterói, 19 de setembro de 2013. 

 


A Biblioteca Nacional teve como convidados, na última terça-feira (17) , para o ciclo de debates "Biblioteca Fazendo História", os historiadores Francisca Azevedo (UFRJ) e Fábio Ferreira (UFF). O evento ocorreu no auditório Machado de Assis e teve como tema "Carlota Joaquina e as conspirações na corte". O debate, mediado por Marcello Scarrone, durou quase duas horas e foi transmitido, ao vivo, através do Instituto Embratel. 

 

À esquerda, a Prof.ª Dr.ª Francisca Azevedo (UFRJ). À direita, o Prof. Dr. Fábio Ferreira (UFF). Ao centro, Marcello Scarrone, mediador do debate.
À esquerda, a Prof.ª Dr.ª Francisca Azevedo (UFRJ). À direita, o Prof. Dr. Fábio Ferreira (UFF). Ao centro, Marcello Scarrone, mediador do debate.


Na ocasião, a Prof.ª Dr.ª Francisca Azevedo mostrou ao público o porquê do tratamento caricaturarizado de Carlota Joaquina. A historiadora apontou que este perfil deve-se, basicamente, a dois fatores. O primeiro, a questões de gênero, pois os contemporâneos da princesa do Brasil e da Rainha de Portugal realizaram relatos depreciativos pelo fato da personagem não enquadrar-se no papel que esperava-se de uma mulher da época. Carlota intervinha em situações e arranjos políticos reservados aos homens. Era decidida e afrontava-os. "Um dos relatos é o de madame Junot, extremamente preconceituoso em relação às sociedades ibéricas e, assim, ela foi implacável com Dona Carlota. Ela queria que Carlota fosse tal qual uma aristocrata francesa" contou Francisca Azevedo aos participantes do debate e complementou "Oliveira Lima, um dos maiores escritores sobre o período joanino, absorveu as ideias de madame Junot para reconstituir a imagem de Carlota Joaquina." 


Outra razão mencionada por Francisca Azevedo foi a historiografia liberal e a republicana. Inicialmente, Carlota Joaquina tinha a simpatia dos liberais de Portugal, pois sempre desejou abandonar o Brasil e retornar à península ibérica. No entanto, uma vez de volta à Europa, frente ao controle que os liberais tinham de Portugal, a Rainha consorte indispôs-se com este grupo político. Rejeitou assinar a carta constitucional, bem como, posteriormente, apoiou as pretensões absolutistas de D. Miguel. Além de não emoldurar-se no papel social dado às mulheres da época, Carlota Joaquina mostrava-se favorável ao absolutismo. Quando intelectuais liberais debruçaram-se para escrever suas versões da História de Portugal e do Brasil trataram Carlota Joaquina depreciativamente. 

 

No evento, Francisca Azevedo analisou o cartaz do filme “Carlota Joaquina, Princesa do Brasil” (Brasil, 1995), de Carla Camurati. Segundo a historiadora, a imagem reflete o imaginário popular sobre a personagem: luxuria e arrogância.
No evento, Francisca Azevedo analisou o cartaz do filme “Carlota Joaquina, Princesa do Brasil” (Brasil, 1995), de Carla Camurati. Segundo a historiadora, a imagem reflete o imaginário popular sobre a personagem: luxuria e arrogância.

 

Em sua fala, o Prof. Dr. Fábio Ferreira apontou as pretensões de Carlota Joaquina de assumir a regência da Espanha, uma vez que seus familiares estavam aprisionados na França por Napoleão Bonaparte. Narrou que Carlota Joaquina articulou com importantes lideranças políticas da Península e das Américas, a mencionar o portenho Manuel Belgrano como um dos exemplos. Fabio Ferreira mostrou que frente aos benefícios que o Rio de Janeiro recebeu com a presença de D. João, cidades como a do México e Buenos Aires tentaram levar Carlota Joaquina para comandar o Império espanhol a partir dos seus respectivos territórios. O historiador mostrou o perfil de articuladora política da esposa de D. João, bem como dados empíricos que mostram que Carlota destoava das mulheres de então. 


O pesquisador ainda levou ao público que, por diversos momentos, Carlota Joaquina quase alcançou o poder político. Primeiramente, pelos diversos abortos de sua mãe, que não dava descendência varonil à casa de Bourbon havia a expectativa de Carlota Joaquina ser, futuramente, a rainha da Espanha. Porém, quando Carlota tinha praticamente 10 anos, nasceu o primeiro varão dos Bourbon, o futuro Fernando VII, malogrando a possibilidade da então infanta espanhola de vir a chegar ao trono. Prosseguindo, o historiador Fábio Ferreira contou que, por pouco, na conspiração do Alfeite (1806), Carlota Joaquina não tornou-se regente de Portugal, no lugar de D. João. Também, por um triz, na ocasião do aprisionamento de sua família de origem, Carlota Joaquina não foi regente da Espanha. Por fim, por bem pouco, o projeto carlotista não vingou no Prata. Em tom de brincadeira, Fábio verbalizou que "Me dá a impressão que Carlota era azarada! Inúmeras vezes ela flerta com o poder político, quase o alcança, mas, por diversas circunstâncias, ela nunca o alcança." 

 

"A Espanha revogou a lei sálica (que impedia que mulheres chegassem ao tronol) em função de Carlota Joaquina, para que existisse a possibilidade dela vir a torna-se, futuramente, rainha espanhola. Mas, com o nascimento de seu irmão Fernando (1784), anulava-se, ao menos neste momento, a possibilidade de Carlota Joaquina governar a Espanha." disse o historiador Fábio Ferreira.

 

Uma questão levantada pelo público presente foi relativa à possibilidade de Carlota Joaquina ter tido vários amantes. "Se a D. Carlota teve ou não teve, não posso dizer! Pesquisei em arquivos do Brasil, da Argentina e da Espanha e não encontrei documentos que comprovem. Se ela tinha, ela fez tudo muito bem feito, de maneira que não deixasse provas!" disse Francisca Azevedo. Por outro lado, o historiador Fábio Ferreira expôs que "Praticamente ninguém se lembra que D. João chegou a ter uma filha com uma de suas amantes". 


Em tom de um leve bate-papo e em função de recentes pesquisas científicas desenvolvidas no âmbito das universidades brasileiras, o evento trouxe ao público uma Carlota Joaquina diferente da representada por séculos, seja por boa parte da historiografia em língua portuguesa, seja por parte de produções que alcançaram a TV e o cinema brasileiros, que acabaram por enveredar pela abordagem do personagem histórico pelo viés caricatural e depreciativo. Os historiadores Fábio Ferreira e Francisca Azevedo foram categóricos ao afirmar que a Carlota Joaquina que emerge das pesquisas acadêmicas é muito mais interessante e complexa do que a caricatura que é conhecida pela maioria da população. 

 


Representações de Carlota Joaquina nas telas da TV e do cinema nos últimos 30 anos. 

 

A Marquesa de Santos (Rede Manchete, 1984)

 

Personagem forte para uma grande atriz: Bibi Ferreira interpreta Carlota Joaquina na minissérie baseada no livro de Paulo Setúbal e adaptada por Carlos Heitor Cony e Wilson Aguiar Filho.
Personagem forte para uma grande atriz: Bibi Ferreira interpreta Carlota Joaquina na minissérie baseada no livro de Paulo Setúbal e adaptada por Carlos Heitor Cony e Wilson Aguiar Filho.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Dona Beija (Rede Manchete, 1986) 

 

Carlota Joaquina (Xuxa Lopes): austera e sensual na trama baseada no romance do mineiro Agripa Vasconcelos e adaptada para a TV por Wilson Aguiar Filho com dire&ccedil;&atilde;o de Herval Rossano e David Grinberg.
Agripa Vasconcelos e adaptada para a TV por Wilson Aguiar Filho com direção de Herval Rossano e David Grinberg.

 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Carlota Joaquina, princesa do Brasil (Brasil, 1995)

 

Na sátira cinematográfica de Carla Camurati é a vez de Marieta Severo interpretar Carlota Joaquina.
Na sátira cinematográfica de Carla Camurati é a vez de Marieta Severo interpretar Carlota Joaquina.


 

 

 

O Quinto dos Infernos (Rede Globo, 2002) 

 

Carlota Joaquina volta &agrave;s telas em mais uma com&eacute;dia com tons caricaturais. Desta vez, Betty Lago &eacute; quem d&aacute; vida &agrave; princesa do Brasil. A miniss&eacute;rie foi escrita por escrita por Carlos Lombardi, Margareth Boury e Tiago Santiago, com dire&ccedil;&atilde;o geral de Wolf Maya.
A minissérie foi escrita por escrita por Carlos Lombardi, Margareth Boury e Tiago Santiago, com direção geral de Wolf Maya.

 

Para saber mais sobre Carlota Joaquina no acervo da Revista Tema Livre: 

Entrevista com a Prof.ª Dr.ª Francisca Azevedo 

– Artigo do historiador Fábio Ferreira sobre Carlota Joaquina e o Prata:
"A Presença Luso-brasileira na Região do Rio da Prata: 1808-1822" 

Lançamento do livro "Carlota Joaquina na corte do Brasil" 

Exposição sobre os 200 anos da chegada da corte ao Brasil: "Um Novo Mundo, Um Novo Império: A Corte Portuguesa no Brasil" 

– Veja fotos do Palácio de Queluz, onde Carlota Joaquina passou parte de sua vida em Portugal. 

Paço Imperial: matéria sobre o centro político do Império português no período joanino 

 

 

 

Voltar às notícias

 

 

Prof. Dr. Fernando Catroga (Universidade de Coimbra)

Catedrático da prestigiosa Universidade de Coimbra, o Prof. Dr. Fernando Catroga esteve em viagem acadêmica no Brasil e a aproveitar a passagem do pesquisador por Florianópolis, a Revista Tema Livre realizou a entrevista a seguir com o renomado pesquisador. Dentre os assuntos abordados, a utilização política da História e dos seus personagens ao longo dos séculos XIX e XX, bem como do espaço público por diversos regimes para a difusão dos seus ideais, a usar, mais uma vez, o passado.

Revista Tema Livre – Primeiramente, o Sr. pode falar-nos sobre a sua atuação na Universidade de Coimbra?

Fernando Catroga – Em Coimbra, sou professor catedrático, que corresponde, aqui, no Brasil, a professor titular. Também sou diretor do curso de doutorado sobre História Contemporânea e Relações Internacionais, bem como diretor da Revista de História das Ideias. É uma publicação anual, temática (cada número contém cerca de quinhentas páginas) e que sai desde 1977. Também me licenciei e doutorei na Universidade de Coimbra.

RTL – Como que ocorreu, no século XIX, durante a construção do Estado Nacional, a utilização da história de Portugal, dos descobrimentos e do Império português, além de personagens como Camões, Vasco da Gama e o Infante D. Henrique?

Catroga – Esse tem sido um dos campos que eu mais tenho estudado. Publiquei um pequeno ensaio, que teve uma edição aqui no Brasil, sobre memória, história e historiografia, que é o produto de reflexões teóricas que estiveram em conexão com essa minha investigação, sobre aquilo a que chamei “ritualizações da história”. Este trabalho pretendeu analisar o modo como o Estado-Nação português – em consonância com o que, no decurso do século XIX, vinha ocorrendo em outros Estados-Nação europeus – utilizou seletivamente o passado para o pôr ao serviço da refundação de uma memória nacional, projeto por sua vez indissociável da ideia de Império e das ameaças que sobre ele pairavam.
Para isso, levei em conta esta constatação: a acuidade que, também no espaço europeu, ganhou o chamado princípio das nacionalidades, expressa em lutas de libertação ou de refundação nacionais e em choques com imperialismos e hegemonias vários. Na verdade, havia regiões em que, sob a liderança da mais forte, se desencadearam processos de unificação e de construção de grandes Estados-Nação.
Os melhores exemplos serão os casos de Itália e Alemanha. Também havia regiões dentro de Estados-Nação, construídos ou em construção, em que surgiram movimentos tendentes à conquista da independência política. Para Portugal, nenhum destes modelos se aplicava, devido à sua velha de unidade lingüística e fronteiriça, assim como à existência de alguma centralidade do poder que já vinha do absolutismo. Em suma: Portugal não formava uma “nação cultural” à procura de ser um Estado, tarefa imposta pela onda das revoluções destruturadoras da ordem das sociedades de Antigo Regime. Em direta ligação com a crise do Império – como o caso do Brasil tinha começado a revelar –, necessitava-se de uma nova ideia de nação, que era, no fundo, um retomar mítico de algo que se teria perdido. Daí que tenha ganho relevo um processo, já bem visível na revolução liberal de 1820 (e não cem anos depois, como alguns defendem), a que tenho chamado refundação nacional (e imperial).
Com efeito, estas transformações arrastaram consigo a questão colonial (problema estrutural que se agudizará ainda mais nas últimas décadas do século XIX, durante a I Guerra Mundial e, depois, a partir da década de 1950). Ao mesmo tempo ditaram o aparecimento, ou o desenvolvimento, de uma forte consciência de decadência que, para alguns, já vinha de trás, particularmente do século XVIII, mas fora acentuada em Oitocentos. Sendo assim, não foi por acaso que, desde 1820, à esquerda ou à direita, todas as revoluções políticas portuguesas (a republicana de 1910, a do Estado Novo salazarista, a do 25 de abril de 1974) se apresentaram como “regeneradoras” e como portadoras do “novo”. O mesmo se pode afirmar acerca dos movimentos inteletuais e das revoluções culturais que estes queriam fomentar, desiderato que ganhou uma maior visibilidade com a Geração de 70.
De fato, foi assim com a primeira geração romântica, aquela que tinha participado na luta contra o absolutismo (Almeida Garrett, Alexandre Herculano). Mas, sobretudo a partir dos meados da década de 1860, começou-se a questionar a capacidade regeneradora da revolução liberal e surgiram programas de cariz republicano e socialista, em sintonia com as alterações que iam ocorrendo na Europa, emblematicamente consubstantaciadas na luta pela unidade italiana, na contestação ao anti-modernismo de Pio IX e às decisões do Concílio Vaticano I, no fascínio exercido pela recém formada Associação Internacional dos Trabalhadores, bem como no entusiasmo criado pelo eco dos acontecimentos da Comuna de Paris (1871). E tudo isto aparecia filosoficamente condicionado por múltiplas influências, que iam de um hegelianismo aprendido em traduções francesas a Vitor Hugo, Michelet, Quinet, Renan, Strauss, mas passavam também por Proudhon e por Comte e seus discípulos heterodoxos ligados ao magistério de Littré, etc. O desfecho dos avanços e recuos da revolução liberal estaria a saldar-se num constitucionalismo monárquico de orientação conservadora, aristocrático-burguesa e centralista, regime que, paulatinamente, foi criando a burocracia necessitada por esse tipo de Estado e uma base de apoio assente no caciquismo. Para os reformistas, tudo isto mostrava que o melhor da revolução tinha sido traído e que, contra a decadência, se impunha pugnar por uma nova revolução cultural, política e social.
Por outro lado, a Monarquia Constitucional, sendo um sistema misto, não podia reforçar o consenso somente em função do estatuto sacro-carismático da poder moderador do rei, pois o princípio monárquico coexistia com o princípio nacional. O que requeria a socialização de sentimentos inclusivos, polarizados pelas novas ideias cívicas e pactuais de indivíduo, pátria e nação, e não tanto por fidelidades de cunho pessoal.
Todos os Estados-Nação, a fim de cimentarem as novas sociabilidades políticas centradas no indivíduo-cidadão, segregaram a produção de mitos, símbolos, ritos de vocação consensualizadora e comunitarista e prometeram que o país tinha um destino inegualável a cumprir. E tudo isto era apresentado como mimético e sucedâneo em relação às práticas religiosas propriamente ditas. Rousseau chamou-lhes “religião civil”, mas outros preferem designá-los por “religião política”. Por ela se dava um complemento sentimental ao modo racionalista de justificar os ordenamentos políticos que, explícita ou implicitamente, buscavam legitimar o novo contrato social. Perceberam-no não só Robespierre e as revoluções liberais (os vintistas portugueses e brasileiros falavam na celebração de um novo contrato social), mas também todo o romantismo social, nomeadamente Augusto Comte, com a sua teorização da religião da humanidade e, em particular, do culto dos grandes homens e dos grandes acontecimentos que deviam ser revivificados, como exempla, através de ritos comemorativos dos respectivos centenários. Porém, o que, na letra do positivismo, foi iluministicamente apresentado como um porte cosmopolita, será nacionalizado pelas novas políticas da memória levadas a cabo nas últimas décadas do século XIX e durante boa parte do seguinte.
Reconhecia-se, assim, a importância do sentimento, não só ao nível subjetivo, mas também social, para a religação dos indivíduos a um sujeito coletivo, crescentemente entificado, chamado nação. E, na linha do magistério do romantismo alemão (Herder), mesmo que mitigado, falava-se de “alma”, de “índole”, de “idiossincrasia” do povo, ou, o que vai ser mais frequente, da nação. E os inteletuais auto-proclamam-se como os grandes reveladores desta essência nacional, que urgia ser ressuscitada e secularizada, devido ao anterior papel desempenhado pelo catolicismo na justificação dos mitos identitários, a começar pelo mito fundacional, em curso desde os inícios do século XV, centrado no aparecimento de Cristo ao primeiro rei de Porugal na batalha de Ourique contra os mouros.
Quer isto dizer que a fundamentação e cimentação dos Estados-Nação europeus não será devidamente compreendida se não se perceber que as justificações de teor racionalista (bem expressas na valorização dos direitos naturais do homem e do cidadão) estavam acompanhadas por argumentos e práticas de cariz mítico-simbólico, criados ou reinventados, e que estes não dispensavam o enraizamento histórico. Temos defendido que esse racionalismo estava geminado com legitimações de cunho historicista. Neste pano de fundo comum estrutural, o específico de cada mitologia nacional dizia somente respeito à escolha das origens (mais distantes, ou mais próximas), aos momentos que a retrospetiva selecionava como de apogeu e, consequentemente, ao grau da sua decadência, ou não, bem como à capacidade de cumprimento do desígnio nacional, mas de dimensão universal, que a história de cada povo, com avanços e recuos é certo, patentearia no concerto das nações.
Observe-se, porém, que tais evocações (e invocações) não se queriam passadistas. Elas exploravam a mais valia que uma certa leitura do passado podia oferecer aos interesses do presente, de modo a substituir-se ou a reformular-se o campo simbólico construído por séculos de Antigo Regime e por uma cultura senhorial assente na aliança entre o trono e o altar. Como alternativa, visava-se criar simbologias e mitologias adequadas às necessidades do Estado-Nação.
Este tipo de simbolização punha em cena uma “gramática” construtora do sentido do devir de cada povo. Não por acaso, contudo, a sua narrativa não se distanciava muito do sentido da história descrita por outras linguagens igualmente empenhadas na consolidação de uma nova memória nacional, fosse a da literatura, fosse a da nova historiografia, fosse a inscrita nas políticas de urbanização e plasmadas, sobretudo, na estatuária, na toponímia e em outros “lugares de memória”. Por isso, também em Portugal – e não é um fenômeno específico –, os grandes inteletuais dos primórdios do liberalismo foram jovens historiadores e escritores apostados em “nacionalizar”a interpretação da história e da cultura pátrias. Foi o caso do Almeida Garrett (o introdutor da poesia romântica em Portugal, cronista-mor do reino, ainda que durante pouco tempo, e criador do Teatro Nacional), e o de Alexandre Herculano, o primeiro grande historiador moderno português e cujo objeto de investigação não consistia na vida dos reis mas na do povo, ou melhor, na da nação, particularmente no seu período modelarmente fundador: a Idade Média. E, não por mera coincidência, ele também foi (finais da década de 1840) um dos principais demolidores da sustentabilidade histórica do milagre da batalha de Ourique, que teria ocorrido quando, em 1139, Cristo terá aparecido a Afonso Henriques em luta desigual contra cinco reis mouros.
Não deve surpreender esta ligação entre historicismo e racionalidade. Vendo bem as coisas, as nações necessitavam de legitimações de cariz narrativo, capazes de dar coerência, tanto retrospetiva como prospetiva, a um acreditado desígnio nacional. No caso português, porém, após a valorização romântica da Idade Média feita pelos liberais, essa filiação teleológica deixou de estar ancorada num mito fundacional. Investiu-se, sobretudo, num grande mito refundacional, enaltecido como o grande momento de apogeu da nação portuguesa: os Descobrimentos. Afirmo mesmo que, após os anos de 1870, este período passou a ser o eixo vertical a partir do qual se organizou, qualitativamente, a narrativa da história pátria: a fase anterior, que, desde D.Afonso Henriques a D. João I, era tida como preparatória e ascensional; e a posterior, que, com o absolutismo, a Inquisição e o tipo de economia gerado pela colonização, teria dado origem a um longo ciclo de decadência, estado que a revolução liberal, apesar das suas promessas regeneradoras, não tinha conseguido superar. A convocação do passado seria lenitivo revivescente para o presente. Explica-se, assim, que a consubstanciação dessa Idade de Ouro se desse na figura de Camões, como o investimento posto na passagem do centenário da sua morte bem demonstra.
É certo que, antes desta data, o poeta não estava esquecido na cultura portuguesa e no horizonte quase mítico das suas elites culturais. A sua revalorização ganhou um novo impulso na conjuntura da revolução liberal (Domingos Bomtempo, Garrett). Mas, a partir da década de 1860 e seguintes – aqui, já sob a influência positivista do culto dos “grandes homens” –, essa sacralização cívica foi inscrita num conjunto de práticas ritualistas empenhado na comemoração dos Descobrimentos e no fomento do contraste entre esse período, narrado como áureo, e a decadência do presente. E isso também permitia que, contra um certo darwinismo social subjacente à justificação da política das novas grandes potências, fossem relembrados direitos históricos que outros punham em causa, como mais explicitamente ficará patente na célebre conferência de Berlim (1885) e no decurso da comoção nacional provocada pelas exigências britânicas em relação a Moçambique (Ultimatum de 1890). Assim, não foi por acaso que do seio dos protestos anti-britânicos nasceu a canção A Portuguesa, hino que, vinte anos depois, será elevado pela revolução republicana de 5 de outubro de 1910 a “hino nacional”. Estatuto que o estado Novo não pôs em causa e que ainda hoje se mantém. Significativamente, começa deste modo: “Heróis do mar, nobre povo,/ nação valente, imortal,/ Levantai hoje de novo/O esplendor de Portugal!”.
Podemos dizer que foi sob o impulso de um regeneracionismo inseparável da manutenção do Império que se consolidou a nova “religião civil” portuguesa. Foi seu instrumento de propaganda a realização de festas cívicas, iniciativas que, porém, traziam para a rua um sentido da história narrado por outras linguagens e, em primeiro lugar, as do sistema educativo e, principalmente, a dos seus manuais de educação cívica e histórica. E as figuras didáticas eleitas (silenciando-se outras) só podiam ser personagens como Camões (grande poeta, mas também o grande cantor dos Descobrimentos), Vasco da Gama, Infante D. Henrique, Pedro Álvares Cabral, etc. É verdade que, numa conjuntura de agudização da questão religiosa, também não se esqueceu o Marquês de Pombal (1882). Contudo, o que se visava era a mobilização da história, ou melhor, de uma certa leitura histórica, para a defesa de direitos adquiridos na Índia e, sobretudo, em África. Daí o empolamento das comemorações em honra de Camões (1880), do Infante D. Henrique (1884), da viagem de Vasco da gama à Índia (1898-1899) e a relativa secundarização, em 1900, do centenário da chegada de Pedro Álvares Cabral a terras a que chamará Vera Cruz.
Para isso, procurava-se promover práticas congregadoras, capazes de inocularem nas massas sentimentos de autoestima e de coesão. Dir-se-á que, com esta mobilização exploradora do campo simbólico, se pretendia compensar a debilidade política e militar de Portugal face aos avanços coloniais das grandes potencias europeias da época. Com tais manifestações, evocadoras e invocadoras, desejava-se criar contrastes com a decadência do presente, mas, para, simultaneamente, se tonificar a vontade coletiva e, consequentemente, se realizar, como se dizia na linguagem da época, uma revivescência nacional. E, como a população era esmagadoramente analfabeta (cerca de 80 por cento), os espetáculos, como outrora o das catedrais góticas, foram montados mais para serem vistos e sentidos do que lidos e pensados.
Quanto às conexões deste ritualismo cívico com a religião propriamente dita, pode sustentar-se que esta tinha uma fraca presença. Aliás, os meios da igreja viram nestas festas efeitos da secularização das sociedades contemporâneas e pretensões de concorrência com as manifestaçãoes do catolicismo. E, numa espécie de contraresposta sentiram ser necessário utilizar a sua linguagem na controversa promoção do centenário de Santo António, em 1895.
Ainda gostava de dizer que esta galeria de heróis terá uma longa vida, embora, devido à sobre-exploração que, depois, o Estado Novo fará dela, se tenha instalado o convencimento, sobretudo nas gerações formadas na luta contra a Ditadura, de que a sua génese foi uma invenção do salazarismo. O que é um erro, porque toda esta mitologia acaba por ser transversal aos regimes políticos que se sucederam desde fins do século XIX até a revolução democrática de 1974.
É verdade que, no decurso da Monarquia Constitucional e da I Repúlica (1910-1926), a promoção de tal cultualismo e das suas expressões iconográficas esteve muito dependente de iniciativas da sociedade civil (grupos de inteletuais, associações culturais e escolares, estudantes), às quais só posteriormente o poder político se juntava, com uma espécie de contributo supletivo (frequentemente, vindo de receitas de edições filatélicas especiais). E esta relativa autonomia possibilitou que, em certas conjunturas, as manifestações se tivessem saldado a favor da forças que se opunham ao governo então em exercício. Exemplo: os republicanos foram os grandes beneficiados com o sucesso das festas comonianas em 1880. Contudo, com o Estado Novo, assistir-se-á a uma maior estadualização destes espetáculos e à sua integração numa planificada e totalizadora ação de propaganda nacional, ou melhor, nacionalista, para a qual foi criada, logo nos inícios da década de 1930, uma secretaria que se dedicava à “política do espírito” e que trabalhava diretamente na dependência de Salazar.
Seja como for, o núcleo duro dessa hagiografia cívica revela uma assinalável longevidade. A única diferença, no que às mudanças de regime diz respeito, encontra-se no maior destaque dado a certas figuras em detrimento de outras, assim como na mais estreita e tradicionalista ligação do cultualismo historicista com o catolicismo e com os valores antiliberais. De fato, com o nacional-catolicismo do regime autoritário, foi incrementada uma militante catolicização da religião civil, sem que isso tenha significado, porém, a diluição do Olimpo e dos ritos comemoracionistas, em vigor desde as últimas décadas so século XIX. Quando muito, assistiu-se, quer a uma ainda maior sobrevalorização da gesta dos Descobrimentos e da ideia de Império, quer ao regresso da fundamentação explicitamente providencialista da missão de Portugal no mundo.

RTL – O Sr. pode falar sobre a utilização destas figuras históricas durante o Estado Novo português e, também, no período posterior ao 25 de abril?

Catroga – O que acabei de dizer mostra que apresento o Estado Novo como herdeiro da mitologia nacional-imperial socializada nas últimas décadas da Monarquia Constitucional e durante a República. Património que foi integrado num ideário antiliberal, antidemocrático e de recatolocização de uma cultura que os regimes anteriores teriam secularizado em excesso. Isto é, tanto a sua releitura como o destaque que será dado dado a “heróis” até aí secundarizados, passaram estar ao serviço da ideia de dilatação da Fé e do Império e, portanto, inseridos numa propaganda cruzadística, em que a histórica diabolização do Oriente, aparece agora protagonizada pelo perigo comunista. E o mesmo se fez em relação à sacralidade da origem, que a crítica do século XIX tinha descredibilizado. Refiro-me ao mito do milagre de Ourique e, sobretudo, à tentativa para se beatificar e se heroicizar o primeiro rei de Portugal. Recorde-se que, ao contrário, em 1885, a comemoração do oitavo centenário da sua morte foi irrelevante quando comparada com os “préstitos cívicos” promovidos na mesma conjuntura para se glorificar Camões (1880) e o Marquês de Pombal (1882).
Análoga revalorização foi dada a outros símbolos fundadores e refundadores. Foi o caso de Viriato, pouco enaltecido nos finais do século XIX (está somente representado por uma pequena estátua no Arco da Rua Augusta, na “baixa” de Lisboa, no Terreiro do Paço, monumento só inaugurado nos princípios dos anos de 1870). A defesa da perenidade da nação casava-se bem com a mitificação dos lusitanos, bem como com os argumentos etnoculturais que os ideólogos do Estado Novo lançavam contra as teses contratualistas e voluntaristas acerca da origem da sociedade política e da nação.
Nuno Álvares Pereira foi uma outra personagem que viu a sua fama crescer com o avanço, ainda na I República, das forças conservadoras. Com os olhos postos no exemplo da direita francesa (Joana D’Arc), foi lançado um movimento tendente a canonizar o general de D. João, Mestre de Avis, tanto mais que ele, depois da vitória das tropas portuguesas sobre as castelhanas em 1385, recolheu a um convento. O militantismo desta cruzada será absorvido pelo Estado Novo, período em que o beato – na altura em que falo está iminente a sua canonização pelo Vaticano – foi promovido a patrono da arma de Infantaria e a uma das figuras tutelares da chamada Mocidade Portuguesa, organização masculina e feminina que, fundada em 1936-1937 com os olhos postos no seu modelo italiano e de outras experiências autoritárias, visava militarizar a juventude portuguesa.
Como não há política da memória sem uma correlata política do esquecimento, outros, anteriormente evocados, foram olvidados, ou, então, relegados para uma espécie de purgatório cívico. Não os ligados aos Descobrimentos, mas sobretudo os que significavam valores irrecuperáveis pelo Estado Novo: o anticongreganismo, o anticlericalismo, a modernidade, em suma.
De entre todos, deve destacar-se os avanços e os recuos do enaltecimento da figura e obra do Marquês de Pombal. O salazarismo teve, em relação a elas, uma leitura ambígua. Por um lado, a dimensão absolutista do ministro de D. José I parecia compaginar-se bem com o regime autoritário. Mas, a sua política iluminista e anti-jesuítica colidia com os interesses da aliança do Estado Novo com a Igreja. Prova-o o acontecido com a inauguração da estátua do Marquês de Pombal, em Lisboa, hoje uma das mais imponentes da cidade, colocada no topo da Avenida da Liberdade. A ideia nasceu em 1882, e a pedra fundacional foi colocada no mesmo ano. Para o efeito, houve várias comissões no período da Monarquia e da República, mas, por razões várias, só nos finais deste último regime se reuniram as condições materiais para, finalmente, se erguer monumento. A sua inauguração, porém, far-se-á já sob o Estado Novo (o que criou um grande incómodo às novas autoridades, precisamente porque o Marquês não era uma figura que se adequava bem à mitologia que o regime de Salazar queria dar continuidade). O salazarismo preferia os grandes heróis que vinham dos Descobrimentos, política igualmente concretizada, nas décadas de 1930-1950, por uma significativa estatuária de praça pública. Em simultâneo, também foi dado um maior relevo aos mitos fundacionais e refundacionais mais apropriáveis pela apologética católico-nacionalista.
A melhor síntese da forma como o regime reelaborou a herança e a vasou na linguagem ritual e simbólica da religião civil (agora mais catolicizada) encontra-se na comemoração do Duplo Centenário (1940) que levou a cabo. Por elas se pretendia evocar a origem da nacionalidade – convencionalmente colocada em 1140 – e a restauração da sua independência face ao domínio catelhano, em 1640. Mas, quer os cortejos cívicos, quer a exposição do “mundo português”, quer os inúmeros congregressos então realizados, foram montados para que tudo funcionasse como um espetáculo de massas, que pudesse ser lido como o livro da história de um povo imbuído de uma missão providencial. Por conseguinte, não deve admirar que os acontecimentos invocados estivessem ao serviço da apoteose da ideia de Império, bem como da nova restauração-regeneração que o Estado Novo estaria a realizar, depois de séculos de decadência. E, com a política monárquico-liberal e republicana, ter-se-ia agudizado tanto que, antes de 28 de Maio de 1926, Portugal estaria à beira de definhar. Sendo assim, o subliminar herói de toda a história contada pelas comemorações foi Salazar, espécie de ponto de chegada de uma filiação que havia começado em Viriato e, sobretudo, em D. Afonso Henriques, passado por Nuno Álvares Pereira, Infante Santo, Infante D. Henrique, D. João II, e que estaria finalmente a ser consumada.
Concluindo: não será errado afirmar que o cerne da mitologia nacional foi organizado à volta da aventura dos Descobrimentos e das suas consequências. E, para reforçar esta tese, basca analisar algo que é comum a todas as religiões civis dos Estados-Nação: os chamados “dias nacionais”.
O de Portugal é o dia de Camões, um produto do eco das comemorações de 10 de junho de 1880. Como “dia da Raça”, foi feriado nacional nos últimos anos da I República. Porém, foi o Estado Novo a estabelecê-lo de uma maneira continuada. Ora, se compararmos com o caso francês, nota-se a diferença: o “dia” gaulês referencia um acontecimento político – a Tomada da Bastilha, a 14 de julho. Pergunta-se, porquê este evento? Poderia ser qualquer outro da Revolução Francesa. Bem, a III República francesa escolheu-o, nos inícios dos anos de 1880, por causa de um pretenso cariz popular que seria mais enquadrável nos valores republicanos.
Diferentemente, Portugal é um dos poucos países em que o dia da nação parece rememorar um poeta. Nós temos que perguntar porquê, pois será limitado pensar-se que se trata de uma homenagem eivada de romantismo literário. Escolheu-se Camões porque a sua épica foi interpretada como a da gesta de um povo e da sua maior obra: os Descobrimentos. Diria que havia a consciência de que esta política da memória teria uma capacidade mais consensualizadora do que uma outra que explorasse datas ou figuras políticas. E este culto é anterior à Ditadura, incluindo a sua qualificação como “dia da Raça” em 1924. Todavia, a Ditadura em 1929 e, depois, a sua transformação em Estado Novo foi o regime que o institucionalizou como feriado nacional, consagrando o 10 de junho como “dia da Raça, de Portugal e de Camões”.
Saliente-se que os revolucionários do 25 de abril de 1974 sentiram alguma incomodidade com essa tradição. E tomaram medidas para que o 10 de junho fosse exclusivamente dedicado a Camões, enquanto o novo feriado, que iria celebrar o 25 de abril, homenagiaria o “dia da Pátria”. Porém, a inovação durou somente dois ou três anos. Os protestos e o refluxo revolucionário conduziram à situação atual: o 25 de abril é o “dia da Liberdade” e, o 10 de junho, o de “ Portugal, de Camões e das Comunidades”. Modo de relembrar, já não o Portugal imperial, mas o das diásporas, das imigrações, e de se apelar para uma ideia de comunidade compatível com a era pós-colonial em que se entrou depois da revolução. No entanto, a mitologia anterior não se extinguiu. Diria que ele sobrevive, mesmo quando já não existe a realidade que condicionou a sua emergência.
Há alguns anos, um jornal, aquando da passagem do vigésimo aniversário da revolução de 1974, fez um inquérito a algumas centenas de militares que, diretamente, estiveram envolvidos no derrube da ditadura. Procurava-se saber o que é que eles pensavam não só sobre temas da atualidade, mas também sobre personagens e acontecimentos históricos. Ora, quanto a este último assunto, as respostas indiciam um claro apego à mitologia nacional que povoa o panteão português desde as últimas décadas do século XIX.

RTL – Para finalizar, o Sr. pode falar sobre a presença destes personagens históricos no espaço público português?

Catroga – Houve uma reinvenção ou apropriação seletiva dos momentos altos do passado, para que as suas representificações pudessem funcionar como lenitivo para o presente. Aliás, em Portugal, no século XIX, os teorizadores destas questões utilizavam uma expressão muito interessante: ia-se ao passado para se criar um clima de “revivescência” nacional. Atitude que remete para uma visão qualitativa e seletiva do tempo. Todavia, não se pode esquecer que ela implicava uma demarcação qualitativa do espaço, traçando “altares da Pátria” e outros “lugares de memória”. Todos os Estados-Nação o fizeram, instituindo panteões, personalizando a toponímia, levantando monumentos no espaço público, mitificando lugares (exemplo portugueses: Sagres, a Torre de Belém, os Jerónimos – onde repousam os restos mortais de Camões e de Fernando Pessoa –, Mosteiro da Batalha, lugar de culto não só da memória de Aljubarrota, mas também do “Soldado Desconhecido”).
Também em Portugal se viveu, sob impacto francês, uma onda de “estátuomania” nos finais do século XIX. Mas se, como disse, essa foi a época da consagração dos heróis ligados à memória dos Descobrimentos, o mesmo não aconteceu ao nível da estatuária. É certo que a de Camões foi a primeira a ser inaugurada (1867). Porém, as demais, ou cultuaram as grandes figuras do movimento liberal ( D.Pedro I, Saldanha, Terceira, Joaquim António de Aguiar, José Estevão), ou surgiram impulsionadas por comemorações de centenários, embora com atos inaugurais bem posteriores (Marquês de Pombal, Guerra Peninsular, Restauradores).
Uma outra campanha monumentalizadora marcante do espaço público iniciou-se nos primeiros anos da década de 1920 e estendeu-se pelas seguintes. Teve a ver com a “internacional do luto” formada para se responder ao trauma provocado hecatombe provocada pela I Guerra Mundial e que atravessou todos os países que nela estiveram envolvidos. Traduziu-se, entre outras iniciativas, no levantamento de estátuas nas principais cidades e vilas do país, comummente dedicadas à memória dos que morreram pela pátria.
Como disse atrás, data da década de 1930 o fomento da estatuária que privilegiava a temática dos Descobrimentos. Ela será colocada em sítios nobres (como, em Lisboa, a de Pedro Álvares Cabral, oferecida pela colónia portuguesa do Brasil), mas, sobretudo, nas terras descobertas (Açores e Madeira), na terra natal dos navegadores, ou nos locais de embarque das viagens marítimas.
Quanto a este último lugar, merece particular destaque a implantada próximo da Torre de Belém, formada por um conjunto de figuras que tem como timoneiro o Infante D. Henrique. A primeira versão deste monumento foi feita, em gesso, para a Exposicão do Duplo Centenário. Mas agradou tanto a Salazar que este decidiu a sua reprodução em pedra e a sua implantação no lugar mítico da memória imperial. Referimo-nos aos Jerónimos e à sua envolvência, urbanizada quando ocorreu o centenário da Índia e sintomaticamente baptizada com o nome de “Praça do Império”, onde, nos inícios do século XX, foi instalada a estátua de Afonso de Albuquerque.
Este sítio de Lisboa tinha sido o epicentro das festas cívicas em honra de Camões e de Vasco da Gama e da chegada à Índia. E voltará a ser o grande cenário das comemorações do Duplo Centenário em 1940. No do 5º centenário da morte do Infante D. Henrique, em 1960 – acontecimento que teve como convidado de honra o Presidente do Brasil, Juscelino Kubitschek de Oliveira – o espaço mais enfatizado foi Sagres, apesar da historiografia não avalizar a existência da célebre “escola”, que teria sido liderada pelo Infante D. Henrique. Mas, o que é que aconteceu quando, a partir de 1980, se repetiu o ciclo comemorativo impulsionado um século antes, agora num contexto em que a democratização do país tinha arrastado consigo a descolonização em África e, consequentemente, o fim do Império? Poderia haver comemorações ainda imbuídas de historicismo imperial, quando o novo regime tinha sido o da descolonização?
Para responder, lembremos que, embora em moldes diferentes, a evocação dos mesmos “grandes homens” e dos mesmos “grandes acontecimentos” voltou a repetir-se um século depois. E recordemos o que, na mesma conjuntura, aconteceu com a Expo 98, realizada em Lisboa. Em primeiro lugar, no ano do centenário da viagem de Vasco da Gama, ela constituía uma resposta político-simbólica às festas promovidas em Sevilha, em 1992, pelo governo espanhol em memória de Colombo. Em segundo lugar, numa fase pós-colonial, parecia não haver mais cabimento para a retórica das comemorações anteriores. Também aqui o próprio termo “descobrimentos” deu lugar a uma expressão politicamente mais correta: “encontro de culturas”. E a temática da exposição foi dedicada aos oceanos e à sua importância ecológica e comunicacional para a vida dos povos, domínio em que os portugueses teriam sido pioneiros. Mas, o velho conteúdo não deixou de ser insinuado, nem que fosse como metáfora, como se pode ilustrar através da conotação que se quis dar à grande obra pública que rematou a urbanização daquela zona oriental de Lisboa (como, um século antes, se tinha feito para a zona dos Jerónimos) em que se implantou a Exposição. Falamos da nova ponte sobre o rio Tejo, levantada na área, e do significado do nome oficial que recebeu: Vasco da Gama! Mais uma prova de que os mitemas que dão autoestima ao sentido das histórias nacionais não estão mecanicamente dependentes das condições materiais que lhes deram origem.

 

 

 

Conheça outros artigos acadêmicos disponíveis na Revista Tema Livre.

 

Leia entrevistas com historiadores de diversas instituições do Brasil e do exterior clicando aqui.

 

 

Voltar à edição nº 14

 

A fronteira medieval entre Galicia e Portugal

Artigo de Carlos Barros

Universidade de Santiago de Compostela

Galícia, Espanha

www.cbarros.com

Que o norte de Portugal e Galicia teñan unha historia común ata o século XII, non é algo que se poida esquecer ó estudiarmos as relacións posteriores entre as dúas bandas do río Miño. Dentro das “diversas alternativas no processo de formaçôes nacionais da Península”, estaba, no século XII, a “consolidaçâo de um reino de Galiza que englobasse também Portugal”, se ben dos acontecementos soamente resultou a independencia política da Galicia bracarense1. Atrás quedaban séculos de interrelación e de convivencia social desde o río Douro ata o mar Cantábrico, que acadaron a súa máxima expresión na conformación da lingua galego-portuguesa, feito demostrativo de como, baixo o marco político do reino altomedieval de Galicia, existía unha realidade social homoxénea; a ruptura, que encomeza en 1128, de primeiras non afecta, na mesma medida que no político, ó tecido social e cultural que vinculaba as dúas partes da gran Galicia.

De aí que a fronteira Galicia / Portugal teña características distintas da fronteira Castela-Léon / Portugal. No enfrontamento que dá orixe a Portugal, e despois, na loita pola hexemonía peninsular, os protagonistas son as monarquías de Castela-Léon e Portugal; ó reino de Galicia atínxelle a conflictividade política e armada con Portugal de xeito indirecto, como parte integrante da Coroa de Castela. Queremos dicir que o pasado nacional común, e mailo carácter periférico de Galicia2 e do norte de Portugal3, verbo dos respectivos centros do poder político, fan particularmente permeable a fronteira medieval galaico-miñota. De feito, en tódalas guerras que implicaron a Portugal e Castela nos séculos XIV e XV (abano temporal deste traballo), desenvólvese un poderoso bando portugués nas terras de Galicia: 1366-1371, en favor de Pedro I e de Fernando de Castro; 1386-1387, en favor do duque de Lancaster; 1475-1476, en favor de dona Juana e de Pedro Álvarez de Soutomaior. A pervivencia dunha Galicia nobiliaria, e incluso urbana, pro-Portugal é indicativa, segundo o noso entender, dunha especial fluidez das relacións sociais, ó longo da Idade Media, entre Galicia e Portugal. En conclusión: a continuidade dos vínculos galego-portugueses vese favorecida pola inestabilidade e febleza das monarquías peninsulares, logo da secesión do século XII.

Entre dous Reis

Afonso Henriques ocupa militarmente o sur de Galicia varias veces, entre 1130 e 1169, pero neste último ano, feito prisioneiro por Fernando II de León en Badajoz, cede definitivamente Tui, as terras de Toroño e da Limia, á Coroa de León e Castela4. Houbo nobres galegos que colaboraron abertamente con este primeiro Rei de Portugal, como os condes de Toroño e da Limia en 11375. Fernando II desposeeu ó pro-portugués bispo de Tui cando reconquistou a cidade en 11696. Teñamos en conta que as terras meridionais de Galicia, reivindicadas por Afonso Henriques como herdanza da súa nai D.0 Teresa7, estiveran integradas durante séculos, xunto co condado portucalense, cando o río Miño non era fronteira, no convento xurídico bracarense8, o cal facilitou sen dúbida unhas relacións que viñan a ser máis distantes e difíciles co norte de Galicia, o antigo convento lucense. En realidade, a nobreza portuguesa que arrodea a Afonso Henriques rompe con Rei de León e tamén cos grandes señores da Galicia lucense: o conde Fernando Pérez de Traba9 e, sinaladamente, o arcebispo de Santiago, Diego Xelmírez10. Quérese dicir que a liña de demarcación galego-portuguesa fixada en 1169, despois de corenta anos de pugnas, é así mesmo unha consecuencia dos feitos militares que enfrontaron ós grandes señores galegos entre si, segundo foran da parcialidade do Rei de Castela ou do Rei de Portugal, primeiros protagonistas polo tanto dos combates pola soberanía de Galicia. Non parece que a xente común participara de seu nesas loitas fronteirizas11.

Ata 1169, a inestabilidade e o cambio de dominio, fan das dúas marxes do Miño unha marca, unha rexión de fronteira máis que unha liña definida e estable. Despois de 1169 temos fixado, no fundamental, o que vai ser o límite xurídico-político entre Galicia e Portugal ata hoxe en día; separa a provincia de Pontevedra de Minho, e a de Ourense de Minho e de Trás-os-Montes. Agora ben, as fronteiras dos países son froito da historia máis que da natureza12. As fronteiras naturais coadxuvan grandemente a precisar os lindeiros políticos, tal é o caso do río Miño, responsable da nitidez da liña divisoria Pontevedra / Minho, mentres que a zona do alto Limia e de Trás-os-Montes préstase a unha maior vaguidade13. Como fronteira estratéxica, o río Miño era decisivo: os grandes centros do condado portucalense no século XII -Braga, Guimarâes, Porto- ficaban Entre Douro e Minho14, compréndese logo a teimosía do primeiro rei de Portugal por controlar a cidade de Tui e levar a fronteira alén do Miño.

A fronteira galego-portuguesa de finais do século XII tiña como obxecto delimitar as soberanías dos dous Reis no noroeste peninsular. Coidamos que a poboación de ámbalas beiras do río Miño, unha vez estabilizada a fronteira política, poucas dúbidas podía ter respecto da xurisdicción real que llelos correspondía15. Na Francia e na Italia do século XII, os habitantes coñecían tamén as fronteiras públicas coa mesma claridade que as fronteiras diocesanas16; outra cousa ben diferente é a importancia práctica que daquela lle podían dar os galego-portugueses ó feito do afastamento xurisdiccional entre dous Reis. Somos sabedores de que a fronteira política recen estreada non afectaba ás fronteiras eclesíasticas17, as cales durante máis de douscentos anos non teñen para nada en conta a liña de demarcación entre os dous estados.

O que si afecta a formación da fronteira política é ó sistema de fortalezas. Que a liña divisoria permanece insegura, dubidosa, vese na liña que une os lugares fortificados seguindo un trazado irregular, que semella ás veces uns dentes de serra. A estabilización do límite entre os poderes monárquicos, o paso dunha franxa a unha liña de demarcación, conduce a unha liña defensiva continua que dobra a fronteira política18. Con todo, nas beiras do río Miño, a fortificación medieval non acada as mesmas proporcións que no século XVII19, nin se dan claramente as características de despoboación e adicación militar dos lugares de fronteira, que obrigaban ós agresores a internarse no territorio contrario na procura dunha acción militar decisiva, como acontecía na fronteira Portugal / Léon-Castela20.

A fronteira entre monarquías medievais incide pouco no tecido social; a súa debilidade garda relación coa febleza do poder real naquel tempo. Así se explica que os señores actúen a miúdo coma si fosen súbditos de dous Reis: igrexas e mosteiros galegos mantiñan relación e recibían donacións indistintamente do Rei de Castela e do Rei de Portugal21, e o propio vínculo vasalático contemplaba a posibilidade de cambiar de señor, mesmo se é o Rei22; prácticas que se daban maiormente nos señoríos que estaban preto da fronteira.

Doutra banda, os reis cultivaban unha política de atracción cara ós cabaleiros ‘estranxeiros’ co obxectivo de organizaren o seu propio bando no lado contrario: nas guerras dos séculos XIV e XV funcionaron bandos portugueses nos reinos de Castela e León, e bandos casteláns no reino de Portugal. Entrementres a fronteira non se moderniza, sobrevive a idea feudal de negociar a fidelidade co Rei que mellor lles favorecese, mesmo por parte das comunidades populares de fronteira23. En 1462, o Rei de Portugal, Afonso V, visita ó Miño, concedendo cartas de privilexios ás localidades fronteirizas galegas que o solicitaron por ante el24.

O carácter superestructural da fronteira medieval, certa provisionalidade consubstancial que por forza tiña que influír nas mentalidades colectivas, resultan reforzados ó considerarmos que ós límites entre Castela e Portugal son, no século XIV e XV, reversibles, sobre todo no tocante a Galicia25.

A batalla pola hexemonía peninsular, principiada en 1356 e anovada en 1474, a quebra primeiro en Aljubarrota (1385) do hexemonismo castelán e logo do hexemonismo portugués en Toro (1476)26, de maneira que as cousas quedaron como estaban, axudaron a manter, a finais da Idade Media, a medievalidade da fronteira galaico-miñota, é dicir, a mobilidade social e cultural entrámbalas partes da Galicia altomedieval.

Fronteira medieval, fronteira aberta

“Vivan los dos reyes, moitos anos”, dicían con altas voces as testemuñas de vista presentes cando veciños de Meaus, na raia de Portugal en Ourense, querendo construíren unha casa en terreo mixto, repartían así: “de aquí para allí (y va caminando), por el Rey de Castela; de esta parte a esta, por el Rey de Portugal”27. Este couto mixto, baseado en privilexios dos dous Reis que permitían -a pesar da existencia da aduana- comprar e vender nas feiras de ambos reinos sen pagar impostos, é unha clara reminiscencia medieval: unha pervivencia de longa duración, na conducta e na memoria colectiva, dos hábitos fronteirizos propios da Idade Media. En 1864, os gobernos de España e Portugal -a iniciativa de Isabel II- deron cabo desa situación de privilexio delimitando de novo a fronteira, non deberon logralo totalmente xa que tiveron que volver sobre o asunto en 1866 e en 189628. O problema, obviamente, non era tanto político, de trazar ben a raia afastadora, coma de mentalidades colectivas.

Unha cousa é a fronteira política e outra ben distinta a fronteira mental. Dito de outra forma: a fronteira política medieval non é, socialmente, unha fronteira completa, mental e social, tal como a entendemos hoxe. Vexamos outro exemplo. Tocante ó exercicio da xustiza, o concello de Ourense29 quere obrigar, en 1434, a uns veciños de San Martiño de Presqueira (Baños de Molgas), a devolveren o trigo que roubaran en Ponte Ambía a uns portugueses de Vinhais30; e, en 1441, saen de novo os de concello na defensa duns veciños de Portugal que foran agraviados polos señores ourensáns, Pedro Díaz de Cadórniga e Martín Sánchez, opoñéndose a que os cidadáns mercasen o gando roubado por aqueles na súa acción de represalia no país veciño31.

Por tanto, para a cidade das Burgas, os de Portugal tiñan os mesmos dereitos que os naturais de Galicia, con independencia de que os delictos se cometeran dun ou doutro lado da fronteira, actuaban como se esta non existira. Sen embargo, a existencia de legalidades separadas )podía ser algo ignoto para os letrados e dirixentes de Ourense? A fronteira legal, xurídica, vén ser consecuencia directa da fronteira política entre as xurisdiccións dos Reis, quen na Baixa Idade Media pasan a crear a lei, tentando así o dereito estatal impoñerse ó dereito consuetudinario; isto trae consigo, no caso de nos ocupa, a esixencia dunha política de extradicións entre os Estados, de xeito que cada un, coa colaboración do outro, puidera punir os delictos perpetrados no seu ámbito; ou sexa, trátase de desenvolver -a finais da Idade Media- a fronteira política como unha fronteira plena, mental e xurídica, po medio da xustiza pública.

En 1499, os Reis Católicos confirman mediante provisión un acordo con Portugal, para a mutua extradición de malfeitores, que negociara o alcalde maior de Audiencia de Galicia32. No século XV coñecíase ben a existencia da fronteira legal porque os malfeitores ben que se aproveitaban diso: estaba xeneralizado a costume de traspasaren a fronteira Galicia / Portugal para fuxiren das responsabilidades penais. Unha proba máis do pouco valor que, na época medieval, a xente lle daba ás fronteiras, se cadra porque había moitas. Tampouco a lei servía demasiado. E voltamos ó problema de fondo: a debilidade política do Estado feudal e a forza das relacións de mentalidade.

José Marques investigou as relacións galaico-miñotas a finais da Idade Media33, concluíndo que na “vida real das populaçôes” as relacións eran intensas e cordiais. A saber, a xente vivía coma se non houbese fronteira. Adoitaban os galegos facer casamentos en Portugal34, botar a pacer o gando en Portugal35, ordenar sacerdotes en Portugal36, e viceversa. Pero o gran problema dos Reis eran as relacións comerciais: precisaban cada vez máis transformaren a feble fronteira política nunha fronteira económica. En 1455, Afonso V diríxese ó marqués de Valença e ó conde de Ourém para que puxeran gardas fiscais que impedisen a entrada en Portugal de mercadorías prohibidas -gando, cabalos, armas, moedas-; en cambio, en 1462, o mesmo Afonso V concede cartas de vecindade ás vilas galegas fronteirizas – A Guarda, Tui, …- para que poidan comprar e vender nas feiras de Camiña, Valença, …, sen pagar tributos, como se fosen portugueses, contradicindo polo tanto a política real de pechar a fronteira por necesidades fiscais e económicas37. Sen dúbida algunha, é a maior ou menor efectividade da aduana económica o que da a medida da implantación dunha fronteira nun sentido moderno, actual, orientación que segundo vemos se manifesta contradictoriamente a mediados do século XV.

A pesar de Aljubarrota, e das feridas da guerra de sucesión (1474-1476), en 1485, o concello de Valença chega a un acordo con Tui e o seu bispo, “compre a aboa vezinages de uns e dos outros”, sobre a cuestión das barcas de pasaxe, de maneira que o ‘estrageyro’, viña ser o que non era veciño nin de Valença nin de Tui38.

Saussure dicía que “personas que no se comprenden es que hablan lenguas distintas”39; pois ben, no século XV, os galegos e os portugueses do norte falaban, e mesmo escribían, practicamente a mesma lingua40. Nun preito de principios do século XVI, arguméntase que o testamento de Maior de Soutomaior era falso porque estaba parcialmente escrito en castelán “y la dicha Doña Maior no sabia hablar castellano sino gallego cerrado por ser vezina e natural deste reyno de galicia y el escrivano de quien sonava estar signado ansi mismo era gallego y no savia hablar castellano”; máis adiante lemos que a tal Dona Maior “vivia en el reino de Portugal”41.

Tamén na fronteira Castela / Portugal, máis militar e menos comercial, sen o pasado nacional común que vinculaba as marxes do Miño, podemos dicir que a fronteira medieval é unha fronteira flexible42. Fóra dos períodos de guerra, mesmo os lugares da fronteira peninsular co Islam eran a cotío centros de convivencia entre mouros e cristiáns43, pese a tratarse da fronteira que dividía dúas formacións económico-sociais44. Por último, a fronteira propiamente feudal, que ten como función separar os señoríos entre si, tamén se caracteriza pola súa permeabilidade45.

Realmente, hai datos abondo para que algúns autores se teñan preguntado se existe en verdade a fronteira na Idade Media46. Dende logo a resposta é non se o que temos na cabeza é o concepto moderno de fronteira. Tampouco se supera a contradicción, entre a idea actual de fronteira e a realidade medieval, aplicando a noción moderna pero apostilando que nas fronteiras medievais non hai liñas de demarcación precisas, porque haber hainas. Se, por veces, a fronteira medieval semella espacialmente confusa, vaga, indecisa, é, en todo caso, porque é basicamente unha fronteira aberta, vista e sentida no imaxinario colectivo -nunca mellor dito; por definición trátase de unha liña inventada, que cómpre imaxinarmos- coma un lintel dunha porta aberta, mentres que nos representamos a fronteira moderna coma unha porta fechada á que debemos chamar se queremos entrar.

A especificidade da fronteira medieval, fendedura espacial que corta ben poucas cousas no corpo social, vén da especificidade da distribución de poderes na sociedade feudal. Os señoríos -e as cidades- porfiaban de tal xeito coa realeza polo control do espacio social, que as fronteiras e alfándegas que xeraban tiñan tanta ou máis importancia que as estatais, sobre todo no tocante á vida económica, ós vínculos de vasalaxe, ó sistema de fortalezas; a potencia e agresividade dos poderes señoriais, e os seus dereitos de paso na Galicia baixomedieval, gardan relación directa coa debilidade do poder monárquico e das súas fronteiras. A multiplicidade e a forza das fronteiras interiores debilitaba as exteriores, que no eido mercantil favorecían -como vimos- o libre tránsito en maior grado que o adoito dentro de cada reino, cuestión esta particularmente certa en toda a fronteira Coroa de Castela / Coroa de Portugal, caracterizada por unha grande liberalidade aduaneira; de feito os ingresos fiscais de Rei en Galicia viñan principalmente dos gravames sobre o tráfico de mercancías no interior e nos portos de mar, se ben na práctica eran os señores quen usurpaban estas cuantiosas rendas reais47.

Como na raia de Portugal non había demasiados impostos reais que usurpar, nin dereitos abusivos de portádego que os señores das fortalezas puidesen impoñer, para os galegos viña sendo unha fronteira máis libre que os límites xurisidicionais de cada señorío, de cada fortaleza, pois era no interior do reino onde sufrían, os bens e as persoas, os maiores agravios e limitacións na súa mobilidade48. Cinco anos antes da revolución irmandiña, Afonso V soubo captar o grande abalamento en que os galegos fronteirizos tiñan a liberdade de paso a Portugal, ata o punto de prexudicar como xa dixemos os intereses comerciais xerais49, legalizando o contrabando; dando cartas colectivas de vecindade50 ás poboacións da antiga Galicia bracarense, o Rei de Portugal deixaba sen efecto a fronteira, amosando ó cabo a súa vontade reintegracionista respecto das comarcas ó norte do Miño, o que manifesta claramente en 1476 con motivo de la guerra de sucesión.

Peche de fronteiras, inimistades colectivas

No século XV a idea de reino de Galicia, ou de Portugal, equivale á idea de señorío de Galicia, ou de Portugal51: as entidades nacionais e/ou estatais imaxínanse, pois, coma grandes señoríos. Febvre escribiu que para tal tipo de estado tal tipo de fronteira, e como na Idade Media o estado distinguíase mal das outras formas de sociedade, tampouco as fronteiras estatais tiñan moita máis importancia que os límites entre as soberanías particulares52, a miúdo incluso menos. Superpoñíanse sen cadrar as fronteiras señoriais, eclesiásticas e políticas; e as fronteiras do Rei non eran das que máis incidían na vida cotidiá da poboación.

A transición á modernidade vai significar a emerxencia do Estado e o peche, en diverso grao e de diversa forma, das fronteiras medievais. Da concepción medieval das fronteiras como un sistema de pontes baixo as cales vemos correr un continuum social e cultural, pasamos a un proceso de concentración da soberanía e de homoxeneización do espacio que entraña: a fin das aduanas señoriais interiores53, a nacionalización das xurisdiccións e señoríos eclesiásticos, e o control comercial, fiscal, xudicial, cultural, das fronteiras entre os Estados54.

A finais da Idade Media, na fronteira galego-portuguesa se manteñen relacións intensas de boa vecindade, pero tamén se ergue unha fronteira moral55 que co tempo haberá de callar, estragándose en boa medida as relacións tradicionais, deica hoxe56.

No contexto das guerras pola hexemonía peninsular entre Castela e Portugal, na segunda metade do século XIV e na segunda metade do século XV, constitúense no reino de Galicia sendos partidos: un pro-Portugal e o outro pro-Castela, o segundo rematará por se impoñer nas dúas guerras civís. Síntoma do grao acadado pola polarización mental, mesmo nos medios populares, son os alcumes e insultos que principian a dirixirse entre si galegos e portugueses; verbas aldraxantes que reflictan sentimentos colectivos de mutua hostilidade tributarios, en última instancia, de vastos procesos de recomposición estatal e social.

Logo de 1385, Joâo I animou ós cóengos rebeldes -partidarios do Papa de Roma, igual que Portugal- ó bispo de Tui, que era, o mesmo que Castela, da obediencia do Papa de Avignon. A mazá da discordia eran as propiedades do bispado de Tui en Portugal, entre o río Miño e o río Limia, que ó cabo remataron por ficaren en Portugal, no cadro da nova política de nacionalización das xurisdiccións eclesiásticas. Os tudenses chamaban chamorros ós de Valença, onde se foran a vivir os rebeldes cóengos para elixir un novo bispo de Tui aliñado con Roma, e polo tanto con Portugal. Aínda en 1424, o cabido de Tui require ó concello para que non deixe entrar na vila ós rebeldes excomungados de Valença, debendo prendelos “asi clerigo como leygo”57. Máis enriba fixemos notar como, sesenta anos despois, as relacións Valença-Tui tiñan recobrada a súa cordialidade. Pero o alcume ficou nada menos que ata o primeiro tercio do século XX58.

Chamorro significaba ter o pelo corto e a barba rapada, moda propagada en Portugal a partir do rei Fernando (1367-1383), e que valeu para que os casteláns llo puxeran de mal nome ós portugueses, “ressentidos de batalha de Aljubarrota, donde os poucos que puderam fugir, levaram eternos motivos de chorar”59. Fernâo Lopes pon en boca do derrotado Juan I de Castela: “Fuyo de chamorros …”, o que viña a ser unha grande “deshomrra”60. A verdade é que a voz chamorro (o que “tiene la cabeza esquilada”) podía asumir connotacións ben pexorativas: “corto de haberes, pobre, vil”61. A relación entre andar co pelo corto e o seu sentido aldraxante é máis que probable que estea na identificación simbólica da falta de cabelo coa servidume e a minusvalía62. Xa temos, logo, a fronteira moral erguida.

Vaiamos agora do tempo de Aljubarrota ó tempo de Toro. Durante a guerra de sucesión, un século escaso despois de Aljubarrota, os galegos e os portugueses daranse tanto xeito en deshonrarse reciprocamente que ditas habilidades pronto terán aplicación militar. Os homes do arcebispo Fonseca, e do conde de Monterrei, provocaron ós portugueses de Pedro Álvarez de Soutomaior chamándolles “sebosos, cabrones, que no eran buenos para nada sino para comer bofes de vaca”; e, asemade, os portugueses “arremetieron a los enemigos diciendo: `Esperad, ladrones gallegos, páparos, torrezneyros'”; o de Soutomaior non puido evitar que ós seus homes caeran na celada que os do bando dos Reis Católicos lles tiñan preparada, tal era a forza provocadora dos agravios verbais: foron mortos ou presos cento cincuenta portugueses, defensores da causa de Afonso V, partidario da reintegración de Galicia en Portugal.

Temos dúbidas de que o peche das fronteiras medievais fora posible, e completo, sen esta contribución das inimistades nacionais propias da modernidade. Ningunha medida fiscal ou burocrática lograría, quizais, mellores resultados, que esta difusión de mentalidades nacionais refractarias, á hora de afastar á xente dunha secular convivencia e trato internacional; de aí o interese actual por investigarmos as mentalidades de fronteira, sobre todo se consideramos que -(ironía da historia!-, logo de cincocentos anos, recobramos a fronteira aberta entre España e Portugal no contexto da Unión Europea.

Dixemos que a cada tipo de sociedade e de Estado corresponde, en liñas xerais, un tipo de fronteira; valería dicir, así mesmo, que a cada tipo de fronteira pertence un tipo de autoconciencia nacional. Por conseguinte, o fenómeno do peche da fronteira medieval, )non vai parello coa tendencia moderna a expresar o coñecemento colectivo da propia identidade de forma negativa, contra as comunidades veciñas?

_________________________________________________________________________

Notas

1 – José MATTOSO, O essencial sobre a formaçâo da nacionalidade, Lisboa, 1985, pp. 39-40.

2 – Conforme nos achegamos ós tempos modernos, fanse máis longas as ausencias dos Reis de Castela e León no cada vez máis lonxano reino de Galicia, Mentalidad xusticiera, pp. 27-29.

3 – Humberto BAQUERO MORENO, ‘Areas de conflicto na fronteira galaico-minhota no fim da Idade Media’, II Colóquio galaico-minhoto, I, p. 54.

4 – Pascual GALINDO ROMEO, Tuy en la Baja Edad Media (siglos XII-XV), Madrid, , 1923, pp. 21-24; Alexandre HERCULANO, História de Portugal, I, Amadora, 1980, pp. 401-403, 407-408, 413-421, 437-438, 559-566.

5 – Alexandre HERCULANO, op. cit., pp. 413-415; Benito VICETTO, Historia de Galicia (1872), Lugo, 1979, pp. 106-111; José MATTOSO, Identificação de um país, I, Lisboa, 1985, p. 187.

6 – Pascual GALINDO ROMEO, op. cit., p. 24.

7 – Alexandre HERCULANO, op. cit., p. 401.

8 – Alexandre RODRÍGUEZ COLMENERO, Galicia meridional romana, Bilbao, 1977, pp. 14 ss.

9 – Alexandre HERCULANO, op. cit., pp. 373 ss.

10 – Entre 1124 e 1131, sucédense os problemas pola legacía e a xurisdicción eclesiástica co arcebispo de Braga e co bispo de Coimbra, Historia Compostelana, ed. de José CAMPELO, Santiago, 1950, pp. 358, 394, 434-435, 458; Xelmírez acompaña, en 1127, co seu exército a Alfonso VII contra os portugueses, idem, pp. 397-398; en 1137, contribúe con dous mil soldos a que o emperador de León recupere Tui, de novo conquistada por Afonso Henriques, e disponse a xuntar outro exército, idem, p. 508.

11 – Consta que Xelmírez, en 1127, obligó a los compostelanos, parte con ruegos, parte por la fuerza, a seguirle en aquella expedición, Historia Compostelana, p. 398.

12 – Lucien FEBVRE, ‘Frontière: le mot et la notion’, Por une histoire à part entière, Paris, 1962, p. 21.

13 – José MATTOSO, Identificaçâo de um país, pp. 194-195; en 1418, ten lugar un acto notarial na terra da Limia, para marcar e divisar en o termo entre Portugal e Galiza con homes bos dambos dos Reinos en esta maneira, resultando uns lindeiros precisos, a raia de Portugal, baseados en puntos de referencia da paisaxe, publica José Ramón FERNÁNDEZ OXEA (ed.), Descripción de los Estados de la Casa de Monterrey en Galicia, por D. Pedro González de Ulloa (1777), Santiago, 1950, pp. 92-99.

14 – Joaquim VERISSIMO SERRÃO, História de Portugal, I, Póvoa de Varzim, 1978 (2.0 ed.), pp. 87-88.

15 – Na Corte de Castela, séculos despois, por contra, seguían algúns sen veren claro onde remataba Galicia e onde empezaba Portugal, por iso escribía o cronista que, en 1372, avian tomado un logar de Galicia que dicen Viana, Crónica del rey Enrique II, BAE, n1 68, Madrid, 1953, p. 14.

16 – Rita COSTA GOMES, ‘Sobre as fronteiras medievais: A Beira’, Revista de História Económica e Social, n1 21, 1987, pp. 58-59; a fronteira do río Miño malamente pode considerarse imprecisa como di Roger Dion, e só referenciable por medio de castelos e poboacións fortes, segundo Herculano (ibídem), anque tales afirmacións sexan correctas para o período anterior a 1169.

17 – José MATOSSO, Identificaçâo de um país, II, pp. 194-195.

18 – Lucien FEBVRE, op. cit., pp. 22-23.

19 – Jaime GARRIDO RODRÍGUEZ, Fortalezas de la antigua provincia de Tuy, Pontevedra, 1987, p. 250; A.H. OLIVEIRA MARQUES, Portugal na crise dos séculos XIV e XV, Lisboa, 1987, p. 347.

20 – José Luis MARTÍN MARTÍN,’Notas sobre la frontera medieval entre Portugal y Castilla’, 1383-1385 e a Crise Geral dos Séculos XIV/XV. Jornadas de História Medieval. Actas, Lisboa, 1985, pp. 156-157.

21 – Ermelindo PORTELA SILVA, La Región del Obispado de Tuy en los siglos XII a XV, Santiago, 1976, pp. 244 ss.; véxanse cartas reales portuguesas a prol do mosteiro de Oia, dos anos 1340-1455, en Luis SÁNCHEZ BELDA, Documentos reales de la Edad Media referentes a Galicia, Madrid, 1953, pp. 462, 465, 533, 538, 539, 543, 559, 560, 565.

22 – De Paio Sorred, cabeza da linaxe dos Soutomaior de Galicia, di o xenealoxista: tan buen Cavallero como otro qualquier de su tiempo, preciado tanto de los Reyes, i altos señores, que cada uno le queria consigo, Nobiliario del Conde de Barcelos, Madrid, 1646, p. 381.

23 – José MATTOSO, Identificaçâo…, II, p. 195.

24 – José MARQUES, Acçâo governativa de D. Afonso V durante a visita ao Minho, em 1462, Braga, 1984.

25 – En 1476, despois da súa victoria na batalla de Toro, Afonso V propón -sen resultado- ós Reis Católicos, dentro do tratado de paz, que, polos dereitos que como esposo da filla de Enrique IV tinha nos Regnos de Castella, lhe soltassem liuremente algua parte do senhorio della, e que esta seria ho regno de Galiza com todos seus termos, Crónica do Príncipe D. Joâo de Damiâo de Góis, ed. de Graça ALMEIDA RODRIGUES, Lisboa, 1977, p. 128.

26 – A. H. OLIVEIRA MARQUES, Portugal na crise dos séculos XIV e XV, p. 317.

27 – Descripción de los Estados de la Casa de Monterrey en Galicia, pp. 180-181.

28 – ibídem.

29 – O seu afastamento da liña fronteiriza fai máis representativa do conxunto dos galegos a mentalidade ó respecto dos burgueses ourensáns.

30 – Publica Xesús FERRO COUSELO, A vida e a fala dos devanceiros. Escolma de documentos en galego dos séculos XIII ao XVI, II, Vigo, 1967, pp. 258-259.

31 – ídem, pp. 271-272.

32 – Archivo General de Simancas, Cámara de Castilla, leg. 2763, fol. 28 ss.

33 – José MARQUES, Relaçôes económicas do norte de Portugal com o reino de Castela, no século XV, Braga, 1978; Relacôes galaico-bracarenses, no século XV, segundo as matrículas de ordens do Arquivo Distrital de Braga, Ponte de Limia, 1981; Acçâo governativa de D. Afonso V durante a visita ao Minho, em 1462, Braga, 1984; O mosteiro de Oia e a granja da Silva no contexto das relaçôes luso-castelanhas dos séculos XIV-XV, Porto, 1985; Cartas inéditas de D. Joâo I do Arquivo Histórico Nacional de Madrid, Braga, 1985.

34 – José MARQUES, Relaçôes económicas…, pp. 12, 14, 16, 48.

35 – José MARQUES, ídem, p. 14.

36 – Fenómeno indicativo de unha forte relación informativa, José MARQUES, Relaçôes galaico-bracarenses…, p. 342

37 – José MARQUES, Relaçôes económicas …; Acçâo governativa …; é moi posible que o interese do Rei de Portugal en manter boas relacións co reino de Galicia -e internamente coa rexión do Minho- teña que ver a política, manifestada catorze anos despois, de integrar a Galicia no reino de Portugal (véxase a nota 25).

38 – ACT, Libro Becerro, I, fol. 244-245, publ. Ernesto IGLESIAS ALMEIDA, Los antiguos “portos” de Tuy y las barcas de pasaje a Portugal, Apéndice, doc. n1 2.

39 – Ferdinand de SAUSSURE, Curso de Lingüística general, Madrid, Akal, 1980, p. 269.

40 – Véxanse, por exemplo, os documentos portugueses mentados nas notas 30 e 38; tamén Henrique CHAO ESPINA, “Algumas diferenças entre o Galego e o Português”, Bracara Augusta, n1 59-62, 1971-1972, pp. 238-248.

41 – Memorial ajustado del pleito Teresa de Soutomaior / García Sarmiento sobre la fortaleza de Fornelos, Biblioteca Museo de Pontevedra, Colección Solla, caixa 60, fols. 9, 10, 55.

42 – José Luis MARTÍN MARTÍN, “Notas sobre la frontera medieval entre Portugal y Castilla”, 1383/1385…, pp. 155, 157, 158; J. MARQUES, Relaçôes económicas …, pp. 17, 18, 39.

43 – Angus MACKAY, La España de la Edad Media. Desde la frontera hastal el Imperio (1000-1500), Madrid, Cátedra, 1985, pp. 214-222.

44 – Reyna Pastor, Del islam al cristianismo. En las fronteras de dos formaciones económico-sociales, Barcelona, Península, 1985, pp. 9-17.

45 – P. PEYVEL, “Structures féodales et frontières médiévales: l’exemple de la zone de contact entre Forez et Bourbonnais aux XIIIe et XIVe siècles”, Le Moyen Age, 1, 1987, pp. 80 ss.

46 – José Antonio MARAVALL, Estado moderno y mentalidad social (siglos XV a XVII), I, Madrid, 1972, p. 121; P. PEYVEL, op. cit., p. 51; R. COSTA GOMES, op. cit., pp. 57-58, 61.

47 – Miguel Ángel LADERO QUESADA, La Hacienda Real de Castilla en el siglo XV, La Laguna, 1973, pp. 80, 119-125.

48 – Mentalidad justiciera, pp. 127 ss.

49 – Miguel Ángel LADERO, op. cit., p. 120.

50 – José MARQUES, Relaçôes económicas …; Acçâo governativa …

51 – Véxanse os documentos citados nas notas 30 e 31.

52 – Lucien FEBVRE, op. cit., p. 18.

53 – José Antonio MARAVALL, op. cit., pp. 129-132.

54 – José Luis Martín Martín estudiou o paso dunha fronteira flexible entre Portugal e Castela a unha fronteira ríxida, particularmente despois dos feitos de 1383-1385, en “Notas sobre la frontera medieval entre Portugal y Castilla”, 1383/1385…

55 – Lucien FEBVRE, op. cit., p. 19.

56 – Para os tempos máis recentes, véxase Ramón VILLARES, “As relacións da Galiza con Portugal na época contemporánea”, Grial, n1 81, 1983, pp. 301-314.

57 – Pascual GALINDO ROMEO, op. cit., p. 55.

58 – En la comarca norte de Galicia aún hace pocos años se daba este nombre a los gallegos de la raya del Miño, Boletín de la Comisión de Monumentos de Orense, XII, 1939-1940, p. 235.

59 – Joaquim de SANTA ROSA de VITERBO, Elucidário das palavras, termos e frases, II, Porto-Lisboa, 1966, p. 93; A.H. OLIVEIRA MARQUES, A Sociedade medieval portuguesa, Lisboa, 1981, p. 61.

60 – Fernâo LOPES, Crónica de D. João I, II, Porto-Lisboa, 1983, pp. 110, 157.

61 – Joan COROMINAS, Diccionario crítico etimologico castellano e hispánico, II, Madrid, 1984, p. 320.

62 – Joaquin de SANTA ROSA, op. cit., pp. 55-56.

 

 

Conheça outros artigos acadêmicos disponíveis na Revista Tema Livre.

 

Leia entrevistas com historiadores de diversas instituições do Brasil e do exterior clicando aqui.

 

 

Voltar à edição nº 13

 

 

Imagens de Portugal: Concelho de Feira

Castelo de Vila da Feira, Quinta do Engenho Novo e Freguesia de Lamas

 

Vista geral do Castelo do Concelho de Feira.
Vista geral do Castelo do Concelho de Feira.

INFORMAÇÕES GERAIS

Nesta edição, a Revista Tema Livre apresenta a sétima parte da exposição virtual “Imagens de Portugal”, com destaque para o Concelho de Santa Maria da Feira, localizado na região das Beiras, na antiga província Douro Litoral. O concelho conta com 240km² de área e cerca de 140.000 habitantes e compõe o Distrito de Aveiro, sendo que nos seus limites encontram-se os municípios de Gondomar, Castelo de Paiva, Arouca, Oliveira de Azemeis, S.João da Madeira, Ovar , Espinho e Vila Nova de Gaia. A sede do concelho é a cidade de Santa Maria da Feira, que está localizada a 30km da cidade do Porto e a 240km de Lisboa. Ainda fazem parte do concelho as seguintes freguesias: Argoncilhe, Arrifana, Caldas de S. Jorge, Canedo, Escapaes, Espargo, Fiães, Fornos, Gião, Guizande, Lobão, Louredo, Lourosa, Milheirós de Poiares, Mosteirô, Mozelos, Nogueira da Regedoura, Paços de Brandão, Pigeiros, Rio Meão, Romariz, Sanfins, Sanguedo, Santa Maria da Feira, Santa Maria de Lamas, S. João de Vêr, S. Paio de Oleiros, Souto, Travanca, Vale, Vila Maior. Destas 31 freguesias, 12 possuem a categoria de vila: Argoncilhe, Arrifana, Fiaes, Lobão, Lourosa, Mozelos, Paços de Brandão, Rio Meão, S. João de Vêr, S. Miguel do Souto, S. Paio de Oleiros e Santa Maria de Lamas.

 

Interior do Castelo de Feira
Interior do Castelo de Feira

Sobre a freguesia de Lamas, esta dista cerca de 10km da sede do concelho. Lamas possui 3,92 km² de área, onde encontram-se aproximadamente 5.120 habitantes. Lamas tem nos seus limites as seguintes freguesias: a Norte, Mozelos, a Este, Lourosa, a Sul, Rio Meão e São João de Ver, e a Oeste, Paços de Brandão. Acrescenta-se que Lamas é importante centro produtor de cortiça, com destaque para a produção de rolhas, e é nesta freguesia que estão as sedes da Associação dos Industriais Exportadores de Cortiça e do Centro Tecnológico da Cortiça.

Torre do Castelo de Feira e parte de sua muralha
Torre do Castelo de Feira e parte de sua muralha

Interior do Castelo de Feira
Interior do Castelo de Feira

 

A cortiça tem papel importante na economia da região, vindo, também, a influir em outros aspectos da sociedade de Lamas, como, por exemplo, no artesanato e no acervo do Museu Comendador Henrique Amorim, que conta com diversas peças em cortiça. É importante ainda ressaltar que a Freguesia de Lamas conta com o Estádio Comendador Henrique Amorim, que foi inaugurado em 1930 e com capacidade para 9.000 pessoas. No Estádio funciona a sede do Clube de Futebol União de Lamas, fundado em 1932.

 

Muralhas e torres do Castelo de Feira.
Muralhas e torres do Castelo de Feira.

 

Muralhas e torres do Castelo de Feira.
Muralhas e torres do Castelo de Feira.

 

Também nesta exposição virtual encontra-se outra atração do Concelho de Feira, que situa-se na Freguesia de Paços de Brandão (3,71 km² de área e 4 590 habitantes), a Quinta do Engenho Novo. Esta construção é datada do século XIX, onde funcionou uma fábrica de papel, destruída em 1958 por um incêndio, sendo, hoje, importante sítio para a Arqueologia Industrial.

 

BREVE HISTÓRICO

A região de Feira possui vestígios muito antigos, como, por exemplo, castros pré-romanos e vias datadas do período em que o Império Romano ocupou a região. Estas vias ligavam Lisboa a Braga e o Porto a Viseu, continuaram a ser usadas na Idade Média e, muitas delas, estão visíveis até os dias de hoje. Do período medievo, uma grande herança que o Concelho possui é o Castelo de Feira, um dos maiores expoentes – quiçá, o maior – da arquitetura militar medieval portuguesa. Em torno desta edificação surgiu uma feira que, por sua notoriedade, passou a designar a região e a vila que formou-se nas proximidades do Castelo. Observa-se que a feira é realizada até a atualidade.

 

Arredores do Parque Municipal Quinta do Engenho Novo, na Freguesia de Paços de Brandão.
Arredores do Parque Municipal Quinta do Engenho Novo, na Freguesia de Paços de Brandão.

 

A denominação da localidade a referir-se à virgem Maria apareceu em documento de 977 e a primeira menção em documentos sobre o Castelo foi na Chronica Gothorum, de autoria desconhecida, datada de finais do século XVII. Na crônica encontra-se informação da vitória de Bermudo III de Leão sobre os mouros nas terras do Castelo de Santa Maria, em 1045. Datada de 1117 há documentação que faz menção à “Terra de Santa Maria, um lugar que as pessoas chamam de Feira.” À época do Condado Portucalense, mais precisamente durante o período de atuação do Conde D. Henrique de Borgonha, o Castelo de Feira, bem como os de Guimarães, Neiva e Faria estavam nas terras controladas pelo Conde.

Neste mesmo período, mais especificamente em 1095, chega ao Condado Portucalense o aristocrata Fernand Blandon, vindo da Normandia. Por sua luta contra o Islão, Blandon ganha uma área designada Villa Palatiolo, que, em função do normando, passa a chamar-se Paços de Brandão. Com o falecimento do Conde D. Henrique, houve a insatisfação dos senhores do sul do Minho em relação a sua viúva, D. Teresa. Deste modo, estes senhores se articularam em torno do filho do finado Conde, D. Afonso Henriques. Grande parte destas articulações, que culminaram na batalha de São Mamede, realizaram-se em Feira e no seu Castelo, sendo que esta batalha foi importantíssima para a independência de Portugal.

 

Quinta do Engenho Novo, parque municipal localizado na Freguesia de Paços de Brandão.
Quinta do Engenho Novo, parque municipal localizado na Freguesia de Paços de Brandão.

 

Além de D. Afonso Henriques, o Castelo de Feira vincula-se também a outros reis portugueses: Por exemplo, D. Sancho I (1185-1211) elegeu, em seu testamento, esta fortificação, dentre outras cinco, como a principal para eventual refugio da Rainha e das Infantas; D. Dinis (1279 – 1325) garantiu, em 1282, este Castelo (junto com outros onze) como arras a sua esposa, a Rainha D. Isabel; e D. Afonso, filho de D. Dinis, em guerra contra o seu progenitor, tomou o Castelo de Feira, sendo que, após fazer as pazes com seu pai, D. Afonso ganhou-o e, assim, passou a controlá-lo.

Em 1372, o rei D. Fernando (1367-1383) doou o Castelo e as Terras de Santa Maria ao Conde de Barcelos, D. João Afonso Telo de Meneses. No entanto, pelo fato do Conde de Barcelos ter ficado ao lado de Castela na guerra de 1383-1385, ele perdeu o Castelo, pois quando a fortificação caiu nas mãos de D. João I, mestre de Avis, o rei da nova dinastia portuguesa concedeu-o a João Rodrigues de Sá.

 

Ruínas da Quinta do Engenho Novo.
Ruínas da Quinta do Engenho Novo.

 

Na centúria seguinte, mais precisamente em 1448, D. Afonso V (1438–1481) fez mercê do Castelo de Feira a Fernão Pereira, 3º senhor da Feira, que foi sucedido no controle do Castelo pelo seu filho, Rui Vaz Pereira, 1º Conde da Feira. Neste período, a fortificação ganhou sua atual configuração e adaptações às funções de residência senhorial.

O rei D. Manuel I (1495-1521) hospedou-se no Castelo de Feira em 1502 e, em 10 de fevereiro de 1514, este rei concedeu foral a atribuir a Feira o título de cabeça das Terras de Santa Maria. No mesmo foral surgiu a designação Lama e, posteriormente, a denominação Lamas da Feira para o que hoje é a Freguesia de Lamas.

 

Parque Natural, localizado ao lado da principal praça da Freguesia de Lamas.
Parque Natural, localizado ao lado da principal praça da Freguesia de Lamas.

 

O Castelo de Feira permaneceu nas mãos dos Pereira até 1700, quando faleceu o oitavo e último Conde de Feira, que não deixou descendência direta. A partir daí, a Casa da Feira foi incorporada à Casa do Infantado, até a extinção desta última.

No século XVIII, o Castelo foi atingido por dois acidentes: Um incêndio em 1722, e o terremoto de 1755. A partir do sinistro, o Castelo de Feira foi abandonado, a permanecer assim até a segunda metade do século XIX, quando a municipalidade exerceu alguns esforços para a sua recuperação. Mas foi na centúria seguinte que o Castelo passou por várias restaurações, foi aberto à visitação pública e, ainda, declarado Monumento Nacional, por decreto de 16 de junho de 1910.

 

Espelho d'água e chafariz no Parque Natural.
Espelho d'água e chafariz no Parque Natural.

 

Sobre Feira, a mesma foi elevada a cidade pelo decreto-lei nº 39 de 14 de agosto de 1985. Até então a localidade era conhecida somente como Vila da Feira. Também em 1985 Lamas e Paços de Brandão tornam-se vila. Acrescenta-se, ainda, que os atuais concelhos de Albergaria-a-Velha, Arouca, Castelo de Paiva, Espinho, Estarreja, Gondomar, Murtosa, Oliveira de Azeméis, Ovar, S. João da Madeira, Santa Maria da Feira, Sever do Vouga, Vale de Cambra e Vila Nova de Gaia compõe a região que já foram Terras de Santa Maria.

 

Parque Natural.
Parque Natural.

 

Fachada do Estádio Comendador Henrique Amorim, onde funciona o Clube de Futebol União de Lamas.
Fachada do Estádio Comendador Henrique Amorim, onde funciona o Clube de Futebol União de Lamas.

 

Fachada do Museu Comendador Henrique Amorim, também conhecido como Museu da Cortiça.
Fachada do Museu Comendador Henrique Amorim, também conhecido como Museu da Cortiça.

 

 

LOCALIZAÇÕES

 

CASTELO DE VILA DA FEIRA
Largo do Castelo
Santa Maria da Feira
4520 Santa Maria da Feira
Telefone: + 351 25 – 6372248

 

QUINTA DO ENGENHO NOVO
Rua do Engenho – Paços de Brandão.

 

CLUBE DE FUTEBOL UNIÃO DE LAMAS
Av. Comendador Henrique Amorim – Apartado 68
4535-904 Santa Maria de Lamas
Telefone: + 351 22 – 7442411

 

MUSEU COMENDADOR HENRIQUE AMORIM
Situa-se na praça principal da Freguesia de Lamas
Telefone: +351 22 – 7442287

 

 

BIBLIOGRAFIA E SÍTIOS CONSULTADOS

FERREIRA, Fábio. O Condado Portucalense e as relações de poder no Portugal de D. Henrique: séculos XI/XII. In: Revista Tema Livre, ed.01, 23 abril 2002. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

SARAIVA, José Hermano. História de Portugal. Lisboa: Alfa, 1993.

PORTUGAL, MADEIRA E AÇORES. In: Guia Visual Folha de S. Paulo. São Paulo: Publifolha, 1999.

http://www.arqnet.pt/dicionario/feiracondes.html

http://www.byweb.pt/santamariadafeira/mapa.html

http://www.cm-feira.pt/site/paginas.asp?acr=cnc_s1220

http://www.feirenseweb.com/feira.php?colname=3

http://www.imultimedia.pt/papel/nucleos2.htm

http://www.ippar.pt/pls/dippar/pat_pesq_detalhe?code_pass=70478

http://www.jf-pacosdebrandao.pt/

http://www.jf-santamariadelamas.pt/

http://pt.wikipedia.org/wiki/Lamas_(Santa_Maria_da_Feira)

http://pt.wikipedia.org/wiki/Santa_Maria_da_Feira

http://www.roteirosdaagua.com/site/patrimonio.asp?acr=rct&ac=ver&id=352&concelho=9

http://www.zerozero.pt/equipa.php?id=34&PHPSESSID=5c0c083e59fe8ce93746579c4146696f

 

 

 

GALERIAS DE OUTRAS EDIÇÕES

Lisboa – 1ª parte (edição 12

TN_torrebelemsilhueta12

 

 

Porto (edição 10)

TN_ponteporto0210

 

 

Barcelos (edição 09)

TN_barcelos0909

 

 

Mar português (edição 08)

TN_caboroca0108

 

 

Conimbriga, vestígios de Roma (edição 07)

TN_conimbriga0207

 

 

Aveiro, a Veneza portuguesa (edição 06)

TN_aveiro406

 

 

Palácio de Queluz (edição 05)

TN_embqueluz05

Inauguração da exposição "Imagens de Portugal"

 

 

Veja, também, belíssimas fotos do Brasil:

 

Crepúsculo Niteroiense: 1ª parte

TN_coqueiro04

 


Crepúsculo Niteroiense: 2ª parte

TN_mac03

 

 

Voltar à Edição

Tema Livre Especial: Real Gabinete Português de Leitura

Real Gabinete Português de Leitura visualizado a partir do Largo Alexandre Herculano.
Real Gabinete Português de Leitura visualizado a partir do Largo Alexandre Herculano.

 

Nesta edição, a Revista Tema Livre apresenta o Real Gabinete Português de Leitura, ponto obrigatório para quem quiser apreciar um Rio de Janeiro que vai além de suas belas praias e montanhas. Para os interessados em conhecer a história e a cultura da cidade, que também é maravilhosa por seu vasto potencial histórico-cultural, o Real Gabinete é uma preciosidade.

 

rgpl187

 

A instituição foi fundada em 14 de maio de 1837 como Gabinete Português de Leitura, no número 20 da então rua Direita (atual Primeiro de Março), por um grupo de 43 portugueses residentes no Brasil. Este grupamento era composto por comerciantes estabelecidos na praça do Rio de Janeiro e por exilados políticos, em função do absolutismo em Portugal. O primeiro presidente da instituição foi o Sr. Augusto José Marcelino da Rocha Cabral e, atualmente, o Real Gabinete é presidido pelo Sr. António Gomes da Costa.

 

rgpl104

 

A atual sede da instituição, localizada na Rua Luís de Camões nº 30, no Centro do Rio, teve sua pedra fundamental lançada em 10 de junho de 1880 pelo imperador do Brasil, D. Pedro II, e a sua inauguração ocorreu em 10 de setembro de 1887, com a presença da Princesa Isabel e do seu esposo, o Conde D’Eu.

 

rgpl149

 

Hall de entrada do Real Gabinete. Ao fundo, salão de leitura da biblioteca.
Hall de entrada do Real Gabinete. Ao fundo, salão de leitura da biblioteca.

 

Construído em estilo ‘neomanuelino’, o prédio teve como arquiteto o português Raphael da Silva e Castro. Acrescenta-se, ainda, que foi no edifício da Rua Camões que ocorreram as primeiras sessões solenes da Academia Brasileira de Letras (ABL), sob a presidência de Machado de Assis.

 

Vista geral do salão de leitura da biblioteca.
Vista geral do salão de leitura da biblioteca.

 

Busto de Camões, no salão de leitura.
Busto de Camões, no salão de leitura.

 

Em 1906, o Rei de Portugal, D. Carlos, concedeu o título de Real ao Gabinete de Leitura do Rio de Janeiro, sendo o único dos gabinetes localizados no Brasil (os outros dois estão em Salvador e Santos) a possuir tal designação. A partir de 1935, a biblioteca do já intitulado Real Gabinete Português de Leitura passou a contar com o depósito legal luso.

 

Aspecto geral do salão de leitura.
Aspecto geral do salão de leitura.

 

Vista de parte do acervo.
Vista de parte do acervo.

 

 

Atualmente, o Real Gabinete possui aproximadamente 350.000 livros, sendo, em todo o mundo, o maior acervo de autores portugueses fora de Portugal, além de contar com diversas publicações de autores africanos e de Macau, possessão lusa até 1999.

 

Corredor do terceiro andar da biblioteca.
Corredor do terceiro andar da biblioteca.

 

Porta que dá acesso ao Salão dos Brasões.
Porta que dá acesso ao Salão dos Brasões.

 

 

Sobre o acervo, a bibliotecária da instituição, Vera Lúcia Almeida, afirma que o mesmo “foi formado através de coleções doadas ao Gabinete e, adquirido, também, através de compra e do depósito legal português, sendo assim, nós temos o acervo atualizado com o que é editado em Portugal.” Vera Lúcia ainda chama a atenção de que a instituição possui a primeira edição dos Lusíadas, de Luís de Camões, datada de 1572. Ressalta-se, também, que o Real Gabinete possui manuscritos autógrafos de “Amor de Perdição”, de Camilo Castelo Branco, e do “Dicionário da Língua Tupy”, de Gonçalves Dias.

 

Vitral e lustre do salão de leitura.
Vitral e lustre do salão de leitura.

 

Aspecto do teto do salão de leitura.
Aspecto do teto do salão de leitura.

 

A consulta ao acervo do Real Gabinete é aberta à comunidade e a instituição também fornece regularmente cursos e palestras, além de possuir importante coleção numismática e de pinturas de José Malhoa, Carlos Reis, Oswaldo Teixeira, Eduardo Malta e Henrique Medina. Ressalta-se, ainda, que o Real Gabinete publica a revista Convergência Lusíada e possuí pólo de pesquisas.

 

Lustre do salão de leitura. No teto, ao fundo, pintura em homenagem a Pedro Alvares Cabral.
Lustre do salão de leitura. No teto, ao fundo, pintura em homenagem a Pedro Alvares Cabral.

 

Destaca-se, ainda, que os citados cursos e palestras ocorrem no Salão dos Brasões. Este salão tem no seu teto brasões das cidades portuguesas à época em que o Real Gabinete foi construído, bem como das possessões ultramarinas de Goa, Luanda, Macau e Maputo.

 

Salão dos Brasões, onde ocorrem cursos e palestras.
Salão dos Brasões, onde ocorrem cursos e palestras.

 

Ao centro, brasão de Portugal. À esquerda, o de Lisboa, e à direita, o do Porto.
Ao centro, brasão de Portugal. À esquerda, o de Lisboa, e à direita, o do Porto.

 

Assim, o Real Gabinete é uma instituição de enorme valor histórico-cultural para o Rio de Janeiro, que já chegou a ser, atrás, somente, de Lisboa, a maior cidade com população lusa em todo o mundo. O Real Gabinete reflete a relevância da colônia portuguesa nas terras em que Cabral chegou, além de ser um ponto de acesso à cultura e à educação. Pelo acervo de sua biblioteca, com o maior número de títulos de autores lusos fora de Portugal, e pelos seus cursos e eventos, definitivamente, o Real Gabinete Português de Leitura é ponto obrigatório para aqueles que querem conhecer e desfrutar da cultura e da história do Rio de Janeiro, do Brasil, de Portugal e de todos os emigrantes portugueses ao redor do mundo.

 

Endereço: Rua Luís de Camões, 30.
CEP: 20051-020 – Rio de Janeiro – RJ – Brasil.
Tel.: +55 21 2221-3138/2221-2960
Correio eletrônico: gabinete@realgabinete.com.br

 

 

Voltar à edição 11

Voltar à seção Tema Livre Especial

Imagens de Portugal: Porto

Vista geral da Sé do Porto e do antigo Palácio Episcopal. Mais adiante, mosteiro em Vila Nova de Gaia.
Vista geral da Sé do Porto e do antigo Palácio Episcopal. Mais adiante, mosteiro em Vila Nova de Gaia.

O Porto conta com cerca de 400.000 habitantes1, sendo o maior centro industrial do país. É no Porto que o Douro tem a sua foz. Este rio é o maior do Norte de Portugal, com 927 km de sua nascente na Espanha até o Atlântico, existindo nas suas margens diversas vinícolas, de onde produz-se o tradicional vinho do Porto.

No Porto encontram-se vestígios arqueológicos referentes à pré-história e à ocupação romana. Onde hoje encontra-se a Sé, existiu um Castro, bem como no morro fronteiro de Vila Nova de Gaia. Ainda sobre a região da Sé, durante a ocupação romana, essa é ponto estratégico fundamental para os ocupadores, assim como as atividades desenvolvidas no citado espaço são de grande relevância.

Vista geral da cidade do Porto, a partir do Terreiro da S&eacute;. Ao fundo, &agrave; direita, Torre dos Cl&eacute;rigos.
Vista geral da cidade do Porto, a partir do Terreiro da Sé. Ao fundo, à direita, Torre dos Clérigos.

Durante a invasão dos suevos e dos vândalos à Península, datada do século V, Portucale ascende a sede episcopal e, durante o período da dominação visigótica, a sua importância não cessa de crescer.

Em 711 os muçulmanos desembarcam no sul da península, logo chegando à região do Douro. No entanto, a ocupação às margens do citado rio é efêmera. Destaca-se, nos conflitos com os muçulmanos, Vimara Perez, que reconquista o Porto em 8682 e atua no repovoamento do núcleo urbano.

Catedral. S&eacute; do Porto: Erguida nos s&eacute;culos XII e XIII como igreja-fortaleza, sofreu uma s&eacute;rie de reformas, n&atilde;o tendo hoje um estilo &uacute;nico.
Catedral. Sé do Porto: Erguida nos séculos XII e XIII como igreja-fortaleza, sofreu uma série de reformas, não tendo hoje um estilo único.

O Condado Portucalense, derivação de Portucale, em finais do século XI, é controlado por D. Henrique, em função do seu casamento com a filha ilegítima de Afonso VI, D. Teresa. Nessa época, a cidade do Porto corresponde ao morro da Sé, que é cercado por muralhas.

D. Teresa concede ao bispo D. Hugo, em 1120, um vasto território, que, três anos mais tarde, aos seus moradores, o clérigo doa carta de foral. Pelas características do foral, a cidade desenvolve-se rapidamente, ultrapassando os limites das muralhas.

Nos séculos seguintes, o Porto tem papel central na atividade mercantil. A cidade fornece provisões para os cruzados a caminho da Terra Santa, obtendo grandes lucros. Em meados do século XIV, constrói-se nova muralha em torno do núcleo urbano.

No  episódio de 1383-85, o Porto permanece ao lado do mestre de Avis. Nesta cidade, em 1387, o fundador da dinastia de Avis, D. João I, casa-se com D. Filipa de Lencastre e, sete anos mais tarde, nasce aí o infante D. Henrique.

Em 1414, a expedição do infante para Ceuta organiza-se no Porto, ocorrendo mobilização da população local em torno do episódio. Atribuí-se a este advento a alcunha de tripeiros dada aos habitantes do Porto, pois teriam doado toda a carne à armada de D. Henrique, ficando a população somente com as tripas. Em 1415 a expedição do infante está preparada para a sua missão.

Claustro g&oacute;tico. S&eacute; do Porto.
Claustro gótico. Sé do Porto.

No século XV a cidade é divida em três partes: Alta, Baixa e Monte do Olival. A primeira corresponde ao morro da Sé e identificada com o poder religioso. A Baixa é composta, grosso modo, por pescadores, mercadores e pessoas ligadas às finanças, tendo a Praça da Ribeira como grande representante da atuação desses segmentos da sociedade. No Monte do Olival, pouco populosa e dedicada ao lavradio, localiza-se a comunidade judaica.

Os descobrimentos exercem grande impacto no Porto, bem com em todo o país, havendo a circulação de diversos produtos orientais na cidade. A cidade possui várias feiras, surgem novas praças, a rede viária é consideravelmente incrementada.

Em 1725 chega ao Porto o arquiteto italiano Nicolau Nasoni, que, dentre várias outras realizações, constrói a Torre dos Clérigos. No século seguinte, mais precisamente em 1807, Portugal é invadido pelas tropas francesas, sendo o Porto saqueado pelos gauleses. A segunda invasão, liderada por Soult, devido a não rendição da cidade, é extremamente violenta.3

Aspecto de igreja no Porto.
Aspecto de igreja no Porto.
Alguns anos mais tarde, a cidade assiste aos conflitos entre D. Pedro IV (D. Pedro I do Brasil) e D. Miguel. Em 1828, D. Miguel chega ao poder. A cidade posiciona-se contra ele. Em 1832, D. Pedro busca libertar o Porto, durando dois anos os conflitos entre liberais e absolutistas, culminando na vitória do segmento liberal e na aclamação de D. Maria II como Rainha de Portugal.

Nos últimos anos do século XIX, o Porto elege o primeiro deputado republicano e, em 31 de janeiro de 1886, eclode aí a primeira revolução republicana, que malogra. Em 1899, a cidade elege três deputados republicanos. Em 1910, instala-se a República em Portugal.

Em 1933 origina-se o Estado Novo, tendo a frente Oliveira Salazar. Durante a guerra colonial, iniciada em 1961, no Porto realizam-se diversas manifestações contrárias ao conflito e, no restabelecimento da democracia, no episódio do 25 de abril de 1974, o Porto também promove movimento revolucionário.Em 1996 o Porto é considerado pela Unesco “Cidade Património Mundial” e, em 2001, ao lado de Roterdão, o Porto é Capital Européia da Cultura.

 

Câmara Municipal do Porto vista da Avenida dos Aliados.
Câmara Municipal do Porto vista da Avenida dos Aliados.
Notas

1 – “A cidade do Porto situa-se no litoral norte de Portugal, na margem direita do rio Douro. A área urbana do concelho do Porto é de somente 42 Km2 e a população de cerca de 400 mil habitantes. No entanto a Área Metropolitana do Porto tem cerca de 1 700 000 habitantes.” Informação disponível em: http://homepage.oninet.pt/873mzj/

2 – http://xenealoxia.org/modules.php?name=Forums&file=viewtopic&p=2462

3 – FERREIRA, Fábio. As incursões franco-espanholas ao território português: 1801-1810. In: Revista Tema Livre, ed.05, 23 abril 2003. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

 

 

Bibliografia e sítios consultados

FERREIRA, Fábio. O Condado Portucalense e as relações de poder no Portugal de D. Henrique: séculos XI/XII. In: Revista Tema Livre, ed.01, 23 abril 2002. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

____________. As incursões franco-espanholas ao território português: 1801-1810. In: Revista Tema Livre, ed.05, 23 abril 2003. Disponível em: http://www.revistatemalivre.com

O Porto visto do alto da Torre dos Clérigos (75m, 240 degraus). Pode-se ver a Sé e o Antigo Palácio episcopal, bem como Vila Nova de Gaia e seu convento.
O Porto visto do alto da Torre dos Clérigos (75m, 240 degraus). Pode-se ver a Sé e o Antigo Palácio episcopal, bem como Vila Nova de Gaia e seu convento.
[/caption] PORTUGAL, MADEIRA E AÇORES. In: Guia Visual Folha de S. Paulo. São Paulo: Publifolha, 1999.

http://www.cm-porto.pt/

http://homepage.oninet.pt/873mzj/

http://www.portoturismo.pt/

http://html.rincondelvago.com/historia-medieval-de-espana.html

http://www.vidaslusofonas.pt/d_joao_i.htm

http://xenealoxia.org/

 

 

 

 

 

Pôr-do-sol. À direita, o Porto. À esquerda, Vila Nova de Gaia. Ao fundo, Ponte da Arrábida.
Pôr-do-sol. À direita, o Porto. À esquerda, Vila Nova de Gaia. Ao fundo, Ponte da Arrábida.

 

Pôr-do-sol no rio Douro.
Pôr-do-sol no rio Douro.

 

Ponte D. Luís I. À esquerda, a Ribeira. À direita, avenida Gustavo Eiffel. Pode-se ver, também, parte das muralhas que outrora cercaram o Porto.
Ponte D. Luís I. À esquerda, a Ribeira. À direita, avenida Gustavo Eiffel. Pode-se ver, também, parte das muralhas que outrora cercaram o Porto.

 

 

Ponte D. Luís I, que une as duas margens do Douro. À esquerda, o Porto, cais da Ribeira. À direita, Vila Nova de Gaia e o seu mosteiro.
Ponte D. Luís I, que une as duas margens do Douro. À esquerda, o Porto, cais da Ribeira. À direita, Vila Nova de Gaia e o seu mosteiro.

 

 

Praça da Ribeira.
Praça da Ribeira.

 

 

Porto e rio Douro. À direita, Cais da Estiva.
Porto e rio Douro. À direita, Cais da Estiva.

 

 

Porto e rio Douro. Ao fundo, Ponte da Arrábida.
Porto e rio Douro. Ao fundo, Ponte da Arrábida.

 

 

Aspecto de rua do Porto, próximo à Praça Almeida Garret e à Estação S. Bento.
Aspecto de rua do Porto, próximo à Praça Almeida Garret e à Estação S. Bento.

 

 

Jardim do Palácio de Cristal.
Jardim do Palácio de Cristal.

 

 

Detalhe do Jardim do Palácio de Cristal.
Detalhe do Jardim do Palácio de Cristal.

 

 

Vista do Porto e do Rio Douro. No alto, à direita, Torre dos Clérigos e o antigo Palácio Episcopal. Na margem esquerda, parte de Vila Nova de Gaia.
Vista do Porto e do Rio Douro. No alto, à direita, Torre dos Clérigos e o antigo Palácio Episcopal. Na margem esquerda, parte de Vila Nova de Gaia.

 
 
 
 
 
GALERIAS DE OUTRAS EDIÇÕES

Lisboa – 1ª parte (edição 12

TN_torrebelemsilhueta12

 

 

Concelho de Feira (edição 11)

TN_casteloextgeral11

 

 

Barcelos (edição 09)

TN_barcelos0909

 

 

Mar português (edição 08)

TN_caboroca0108

 

 

Conimbriga, vestígios de Roma (edição 07)

TN_conimbriga0207

 

 

Aveiro, a Veneza portuguesa (edição 06)

TN_aveiro406

 

 

Palácio de Queluz (edição 05)

TN_embqueluz05

Inauguração da exposição "Imagens de Portugal"

 

 

Veja, também, belíssimas fotos do Brasil:

 

Crepúsculo Niteroiense: 1ª parte

TN_coqueiro04

 


Crepúsculo Niteroiense: 2ª parte

TN_mac03

 

 

Voltar à Edição

 

Prof.ª Dr.ª Maria Helena da Cruz Coelho (Universidade de Coimbra)

Catedrática em História Medieval da Universidade de Coimbra, a Profª. Drª Maria Helena da Cruz Coelho, possuí ainda assento em diversas instituições nacionais, dentre as quais, o Instituto de Paleografia, do qual é Diretora, e internacionais, sendo membro da Commission International de Diplomatique e da International Commission for the History of Representative and Parliamentary Institutions, académica de número da Academia Portuguesa da História e académica correspondente da Academia das Ciências de Lisboa. Possui publicado, entre obras e artigos, mais de uma centena de estudos, alguns traduzidos em russo, espanhol, francês e italiano.

No dia 29 de abril de 2004, no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a Drª. Maria Helena proferiu a conferência “O Poder Municipal e o Poder Régio: evolução de um Relacionamento”. Na oportunidade, a Revista Tema Livre realizou entrevista, que consta a seguir, com a historiadora:

Revista Tema Livre – Qual o tema da conferência que a Sra. proferiu hoje?

Maria Helena da Cruz Coelho – Hoje, proferi a conferência sobre “O Poder Municipal e o Poder Régio: evolução de um Relacionamento”, tentando mostrar como é que o poder régio necessitava do poder municipal, atuava sobre ele, mas sempre na perspectiva de o manter como um suporte da sua política. Mas, por outro lado, do ponto de vista do poder municipal, procurou-se analisar as relações entre os concelhos e o rei, sobretudo em cortes. Este relacionamento tem vindo a ser muito estudado na parte da representação oficial dos concelhos às cortes. Mas, para, além disso, acho que trouxe a novidade de se conhecerem as presenças em cortes de delegações paralelas às delegações oficiais, que levavam as queixas e a procuravam remédio para os males daqueles que eram dominados, que sofriam, com o poder municipal, portanto, essencialmente, lavradores, homens do artesanato ou, como eles mesmo muitas das vezes se diziam, o povo miúdo.

RTL – E como o poder régio necessitava desse poder municipal?

Maria Helena – O poder régio necessitava do poder municipal, como até podemos dizer também do poder senhorial. A actuação dos oficiais régios estendia-se sobre um território, mas um território que tinha enquadramentos locais. O que o monarca queria é que esses poderes se concertassem com a política régia. Não que acabassem. E, portanto, nunca atentou acabar, nem por um lado, com os senhorios – durante a Idade Média, nem durante todo o Antigo Regime – , nem pelo outro, com os concelhos. Tenta assim chegar até eles por oficiais de justiça, chegar até eles por oficiais fiscais, por oficiais militares, já que precisava destes órgãos de enquadramento, como hoje se precisa, porque ninguém pode governar uma monarquia, ou uma república, só a partir de um poder central. Tem que se apoiar, digamos, em outros enquadramentos de poderes mais locais. Assim, na Idade Média, como durante todo o Antigo Regime, o enquadramento através de senhorios, ou de concelhos foi uma realidade.

RTL – Esse poder municipal era composto basicamente por quem?

Maria Helena – O poder municipal, mesmo na Idade Média, foi variando. È preciso lembrar que ainda antes de termos cartas de foral, e temos cartas de foral em Portugal ainda antes de termos reino, porque já foram dadas pelos condes, já antes (séculos VIII-IX) havia comunidades de homens livres, que decidiam e que punham em prática as suas decisões exatamente porque os reis das Astúrias estavam longe e eles tinham de tomar as suas próprias decisões. Não havendo poderes próximos eram eles que as tomavam. E esse poder nunca deixou de existir, existiu de facto e foi reconhecido juridicamente por cartas de foral e depois foi assumido por oficiais e pelos homens bons do concelho. Primeiro de uma forma mais aberta e alargada, depois, nos séculos XIV e XV tendendo a, digamos, um exercício de um poder através de uma câmara, que é um órgão fechado, contrariamente à assembléia dos vizinhos, que se reuniam em espaços abertos, e houve uma tendência a fechar-se mais esse grupo de poder. Ao fechar-se esse grupo de poder, também se fechou o número de pessoas que governavam, e tendeu-se ao desempenho do poder por um grupo mais restrito, que assegurava o poder por alianças familiares, por rotatividade nos cargos e que poderia sempre conter o perigo de exercer o poder menos em nome de toda a comunidade e olhando mais para os próprios interesses. Claro que também não podemos ver isto só por esta maneira, já que estes homens também quereriam que a sua comunidade não os hostilizasse completamente e, portanto, também eles próprios determinavam posturasa favor do bem comum. Também levavam ao rei aspectos que poderiam interessar a toda a comunidade, pois quando falamos de conflitos, não podemos pensar que, cotidianamente, andavam em conflitos, já que de tal maneira não se tinham sustentado ao longo de todos estes séculos. Na verdade se na história municipal pensarmos o ontem, ela ajuda-nos a refletir sobre o hoje. Verdadeiramente, acho que há muitos problemas que nos levam a pensar melhor. Pensar que não podemos esperar tudo das autoridades, mas tem de haver o comprometimento como cidadãos, e que nos devemos então também organizar para tentar resolver os nossos próprios interesses. E esse movimento associativo, esse movimento confraternal, já existiu na própria Idade Média, era uma maneira daqueles que queriam lutar pelos seus interesses não esperar que os outros o fizessem por eles, mas eles que fizessem por si mesmos.

RTL – O afastamento da população do poder e a busca de determinados setores pelo seu próprio interesse através da utilização do poder municipal existia em outras partes da Europa? Como deu-se tal processo?

Maria Helena – Claro que existia, a prova de que tal existia é que quando chegamos à época das tensões, ou mesmo se quisermos, das revoluções, sejam elas rurais ou urbanas, que rebentam na Inglaterra, que eclodem na Flandres, isso significa que, quer os homens que trabalhavam a terra ou aqueles que se dedicavam ao artesanato, estavam a lutar pelos seus próprios interesses. Portanto, teriam consciência de que não estavam bem, viam, sentiam na pele que não estavam bem, mas, também entendiam que podiam a vir conseguir alguma coisa fazendo as suas exigências, apresentando as suas reivindicações, algumas vezes de forma institucional outras por meiode uma luta aberta ou mesmo de uma revolução.

RTL – A Sra. pode falar um pouco sobre o papel da escrita no âmbito municipal, a guarda e a destruição de documentos da câmara durante conflitos com Castela à época da primeira dinastia?

Maria Helena – O que eu quis lembrar é que se nós temos sempre muito a idéia, correta, de que o mundo letrado pertence aos eclesiásticos em uma primeira fase da Idade Média. Depois, o circuito das universidades, nos séculos XII e XIII, fez com que grupos do laicado tivessem acesso à cultura e, portanto, a escrita e aos escritos. O que eu quis demonstrar é que não sendo a maioria da sociedade na Idade Média uma sociedade alfabetizada, teria por certa consciência de que a escrita podia ser uma arma. Podia ser uma arma que se voltasse contra eles, ou também uma arma que pudesse ser a sua reivindicação. Do ponto de vista municipal e dos corpos que dirigiam o municipalismo é claro que, nos séculos XIV e XV, a escrita invadia já a vida municipal. Nas reuniões de câmara, eles escreviam todas as decisões que tomavam nos livros de vereação, as posturas eram passados a escrito, as cartas que enviavam aos concelhos ou ao monarca eram também escritas. Claro que, por exemplo, a postura municipal era decidida, era passada a escrito.Mas depois para ser conhecida e cumprida tinha de ser anunciada por um pregoeiro à população, porque esta era analfabeta e não saberia nunca lê-la. Tinha de ser divulgada oralmente para ser cumprida, sem poderem alegar a ignorância como meio de possível incumprimento.

Mas a consciência de que a escrita era um poder tinham-na já nessa época. O que foquei é que guardando os seus escritos, muitas vezes em arcas, onde estavam estes livros de vereação, essas posturas, essas cartas régias, essa correspondência expedida e recebida por parte do município, quando estávamos em guerra, e temos casos das guerras ao tempo da segunda dinastia, concretamente até o tempo de D. João I, entre Portugal e Castela, quando os castelhanos invadiram alguns concelhos, ou roubaram, ou queimaram mesmo as arcas, na certeza de que ao fazê-lo estavam a queimar ou a roubar a memória municipal. Portanto, tudo aquilo em que eles poderiam ir ver, ou que tinham decidido, ou que o rei lhes tinha dado, ou que eles tinham mandado a alguém , antes sabiam perfeitamente o que era com o apoio da escrita e depois deixavam de ter um registo, uma memória desses factos.

Como depois, em um outro registro peranteuma pergunta que me fizeram, tentei explicar que mesmo os analfabetos tinham bem consciência de que a escrita poderia ser um bem ou um mal, em termos de ter conhecimento do que lá estava para poder fazer valer os seus direitos. Daí que uma profissão com poder, com muito poder era a dos tabeliães. Eram esses homens que escreviam para a população os documentos, porque eram eles que passavam a escrito a vontade daqueles que a ditavam, que era oral, e eram eles que depois lha liam para ver se estava conforme. Conheciam muito da vida privada das pessoas, porque faziam testamentos, cartas de divida, ou contratos e, portanto, tinham conhecimento do que se passava na comunidade e na vida de cada um pelos escritos que faziam.

RTL – Como é o acesso e as maiores dificuldades para trabalhar com fontes para o período medieval em Portugal?

Maria Helena – Bom, em Portugal temos alguns arquivos de primeira monta, porque tem mais documentação para qualquer medievalista ou mesmo para qualquer estudioso. O grande arquivo é o da Torre do Tombo, em Lisboa, mas depois existem arquivos distritais, arquivos municipais, arquivos ligados às Universidades, onde se encontra muita documentação inédita. Em alguns casos, temos muita coleções de documentos, já publicadas, a que podemos ter acesso. É evidente que, no caso da documentação inédita, existe sempre o ônus de quem não vive no local onde está o arquivo, ter de acarretar com as deslocações, a permanência no local, o que equivale e tempo e custos. Outros problemas são a espera de microfilmagem, ou fotocópia da documentação, entraves com que o investigador se tem de deparar e que, com certeza, também como aqui, muitas vezes não são muito fáceis. E são onerosos. Muito onerosos. E, é sempre muito pouco o apoio à investigação, porque mesmo para a investigação em História, que não será uma investigação tão dispendiosa como em outras áreas da ciência, ela é uma investigação cara exatamente por essa necessidade, por um lado, de ir até as fontes, por outro, de comprar bibliografia, e nós sabemos que os livros estão cada vez mais caros. E, portanto, aquela idéia de que a investigação só nas ciências exatas tem custos, não é verdadeira, porque na área das ciências sociais e humanas a investigação está também cada vez mais pesada. As fontes não estão no local onde o investigador reside, acho que raramente estão, e os livros têm de vir de todo o mundo. E aí a internet não resolve todos os problemas. Temos de adquirir mesmo os livros e eles estão mundialmente cada vez mais caros, portanto, a investigação é uma coisa que deveria de ser mais apoiada pelos governos, e eu falo por Portugal e, os meus colegas brasileiros dirão certamenet o mesmo por aqui. Merecia ser apoiada, porque toda a esperança está no que a investigação puder trazer de novo tanto nas áreas com uma aplicação mais prática, como no caso da história que é o suporte das identidades das comunidades e do conhecimento do seu passado. Eu acho que a investigação deveria ser mais apoiada e faço votos para que o seja tanto lá como cá.

RTL – A Sra. falou sobre a internet no cotidiano do pesquisador. Então, finalizando, qual a sua opinião a respeito da internet como meio de divulgação da história?

Maria Helena – A internet tem muitíssimo interesse. A capacidade de termos acesso a bibliografias internacionais, a base de dados, a trocarmos trabalhos que possam estar em livre acesso na internet… Mas continuo a dizer que a internet não resolve todos os problemas. Não chega haver dinheiro para computadores, é preciso dinheiro para livros, continua a ser preciso dinheiro para ir aos arquivos, para fazer reprodução da documentação, etc, etc, etc O computador passou a ser mais um instrumento de trabalho. Já podemos dispensar o suporte do papel e caneta para a escrita, mas não podemos dispensar os livros. Se um historiador algum dia dispensar os livros deixa de ser historiador, penso eu. Não podemos também dispensar as fontes, quer sejam as coleções documentais, quer sejam os fundos que estão ainda inéditos, e logo isso não se resolve com nenhum computador, nem com uma base de dados, ainda que esses elementos sejam auxiliares no trabalho de investigação, e muito preciosos.

Imagens de Portugal: Barcelos

O Concelho de Barcelos localizado no distrito de Braga, norte de Portugal, conta com 111 7331 habitantes em uma área de 363km2 a abranger 89 freguesias2, dentre elas a de mesmo nome que o concelho, Barcelos, com 43713 residentes. A cidade, grande produtora de cerâmicas e artesanato4, ainda fornece a Portugal um dos seus mais conhecidos símbolos, que é o galo de Barcelos.

A demarcação de Barcelos remonta ao período de D. Afonso Henriques, que concede-lhe a sua primeira carta foral, na primeira metade do século XII. Cerca de três séculos mais tarde, D. Afonso, oitavo Conde de Barcelos e primeiro duque de Bragança, que residia em Chaves, passa a residir em Barcelos, onde inicia diversos melhoramentos, a gerar, assim, desenvolvimento. No século XIX, mais precisamente em 1836, quando reorganizava-se administrativamente Portugal em distritos, o antigo concelho de Barcelos é desmembrado, a dar origem ao atual e a novos concelhos, como o de Vila Nova de Famalicão.

 

barcelos0109

 

 

 

barcelos0209

 

 

 

barcelos0409

 

 

 

barcelos0309

 

 

 

barcelos0509

 

 

 

barcelos0609

 

 

barcelos0709

 

 

barcelos0809

 

 

barcelos1009

 

 

barcelos1109

 

 

 

barcelos0909

 

 

barcelos1209

 

Notas

1 – Disponível em: http://www.anafre.pt/

2 – As freguesias que compõem o concelho são as seguintes: Abade de Neiva, Aborim, Adães, Aguiar, Airó, Aldreu, Alheira, Alvelos, Alvito (S. Martinho), Alvito (S. Pedro), Arcozelo, Areias de S. Vicente, Areias de Vilar, Balugães, Barcelinhos, Barcelos, Barqueiros, Bastuço (Santo Estêvão), Bastuço (S. João), Cambezes, Campo, Carapeços, Carreira, Carvalhal, Carvalhas, Chavão, Chorente, Cossourado, Courel, Couto, Creixomil, Cristelo, Durrães, Encourados, Faria, Feitos, Fonte Coberta, Fornelos, Fragoso, Galegos (Santa Maria), Galegos (S. Martinho), Gamil, Gilmonde, Góios, Grimancelos, Gueral, Igreja Nova, Lama, Lijó, Macieira de Rates, Manhente, Mariz, Martim, Midões, Milhazes, Minhotães, Monte de Fralães, Moure, Negreiros, Oliveira, Palme, Panque, Paradela, Pedra Furada, Pereira, Perelhal, Pousa, Quintiães, Remelhe, Rio Covo (Santa Eugénia), Rio Covo (Santa Eulália), Roriz, Sequeade, Silva, Silveiros, Tamel (Santa Leocádia), Tamel (S. Pedro Fins), Tamel (S. Veríssimo), Tregosa, Ucha, Várzea, Viatodos, Vila Boa, Vila Cova, Vila Frescainha (S. Martinho), Vila Frescainha (S. Pedro), Vila Seca, Vilar de Figos e Vilar do Monte.

3 – Disponível em: http://www.anafre.pt/

4 – Disponível em: http://www.camaramunicipal.bcl.pt/

 

 

GALERIAS DE OUTRAS EDIÇÕES

Lisboa – 1ª parte (edição 12

TN_torrebelemsilhueta12

 

 

Concelho de Feira (edição 11)

TN_casteloextgeral11

 

 

Porto (edição 10)

TN_ponteporto0210

 

 

Mar português (edição 08)

TN_caboroca0108

 

 

Conimbriga, vestígios de Roma (edição 07)

TN_conimbriga0207

 

 

Aveiro, a Veneza portuguesa (edição 06)

TN_aveiro406

 

 

Palácio de Queluz (edição 05)

TN_embqueluz05

nauguração da exposição "Imagens de Portugal"

 

 

Veja, também, belíssimas fotos do Brasil:

 

Crepúsculo Niteroiense: 1ª parte

TN_coqueiro04

 


Crepúsculo Niteroiense: 2ª parte

TN_mac03

 

 

Voltar à Edição