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Uma cidade entre dois mundos: indígena e colonial
Em 2025, completam-se 700 anos da fundação de Tenochtitlan, cidade lacustre erguida pelos mexicas no lago Texcoco por volta de 1325. Esse marco serve como ponto de partida não apenas para a memória histórica do povo mexica, mas também para compreender o desenvolvimento urbano, político e simbólico do que hoje é a Cidade do México — uma das maiores metrópoles do mundo e centro nervoso da vida política e cultural do país.
A efeméride, oficialmente celebrada pelo governo mexicano em julho de 2025, retoma as três datas-símbolo definidas desde 2021: 700 anos da fundação de México-Tenochtitlan, 500 anos da resistência indígena e 200 anos da consumação da independência. Mas, mais que somar datas, trata-se de refletir sobre os processos que moldaram a capital mexicana — da cidade cerimonial à megacidade globalizada.
A fundação de Tenochtitlan e as fontes históricas
A narrativa tradicional da fundação remonta ao mito da peregrinação mexica, que culmina com o sinal sagrado: uma águia pousada sobre um cacto devorando uma serpente. Segundo as fontes indígenas compiladas no século XVI, como o Códice Boturini e o relato de Chimalpahin, esse evento ocorreu em 1325, embora haja divergências entre os estudiosos quanto à precisão cronológica.
O historiador Miguel Pastrana, da UNAM, observa que “os mexicas não datavam os eventos segundo o calendário europeu, e muito do que sabemos provém de fontes pós-conquista, com reconstruções simbólicas.” Em sua obra Tenochtitlan: la caída de un imperio (UNAM/INAH, 2021), coordenada com Eduardo Matos Moctezuma e María Castañeda de la Paz, Pastrana adverte para o risco de tratar 1325 como data exata: “é antes uma referência político-cultural.”
Tenochtitlan foi projetada como uma cidade-estado organizada em torno do Templo Mayor, com canais navegáveis, bairros especializados (calpulli), e um sistema político centrado no tlatoani. Já no século XV, era capital do império asteca, governado em aliança com Texcoco e Tlacopan — a chamada Tríplice Aliança.
A destruição e a refundação sob domínio espanhol
Com a chegada dos espanhóis em 1519, liderados por Hernán Cortés, iniciou-se um processo brutal de conquista. A resistência mexica culminou em 1521, com a destruição de Tenochtitlan. Sobre suas ruínas, os espanhóis fundaram a Cidade do México, símbolo da dominação colonial, mas também do sincretismo forçado entre culturas.
Conforme demonstra o arqueólogo Leonardo López Luján, diretor do Projeto Templo Mayor, a destruição foi material e simbólica: o novo poder buscava apagar as marcas da cultura mexica, construindo igrejas e palácios sobre templos indígenas. No entanto, vestígios e resistências permaneceram — e alimentam hoje debates sobre memória e patrimônio.
A Cidade do México independente e moderna
Após a consumação da independência do México, em 1821, a capital passou a exercer papel ainda mais central. Durante o século XIX, enfrentou invasões estrangeiras (como a ocupação dos EUA e o império de Maximiliano), mas também impulsionou reformas liberais, educação e o ideal de “civilização” do novo Estado-nação.
A partir do século XX, com a Revolução Mexicana (1910–1920), a Cidade do México tornou-se um palco de experimentações políticas, artísticas e urbanas. O muralismo — com Diego Rivera, David Alfaro Siqueiros e José Clemente Orozco — consolidou a cidade como capital cultural latino-americana. Ao longo do século, a expansão urbana transformou seu perfil: de cidade histórica a megacidade desigual, mas vibrante.
Tenochtitlan vive? Memória indígena e política pública
A celebração dos 700 anos reacendeu debates sobre a presença indígena na capital. Iniciativas como a instalação do monumento Tlálmanalli, inspirada no Teocalli da Guerra Sagrada, e o timbre postal comemorativo com QR code histórico, são parte do esforço do governo federal e da prefeitura em revalorizar o passado mexica como fundacional para o México contemporâneo.
A presidenta Claudia Sheinbaum, em pronunciamentos recentes, destacou que Tenochtitlan representa “organização, poder, ciência e arte indígena” — posicionando a história pré-hispânica como pilar identitário da nação. Essa leitura ecoa políticas da chamada Quarta Transformação, que busca incluir povos originários na memória oficial, ainda que sob críticas e disputas simbólicas.
Entre mito, ruína e cidade viva
Os 700 anos da fundação de Tenochtitlan não são apenas celebração, mas oportunidade para repensar como a história urbana se constrói: sobre ruínas, resistências e permanências. A Cidade do México continua sendo palco de contradições: modernidade e desigualdade, tradição e apagamento, mas também memória e reinvenção.
Como lembram os historiadores do INAH e da UNAM, o passado mexica não é apenas arqueológico: ele vive nos nomes das ruas, nos mercados, nas danças, nas línguas indígenas faladas por milhares. Tenochtitlan persiste — não como ruína, mas como cidade viva no coração da capital mexicana.
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