Direção: Guilherme Fontes/Roteiro: João Emanuel Carneiro, Matthew Robbins e Guilherme Fontes (Baseado em Chatô, o Rei do Brasil, livro de Fernando Morais)
Elenco: Marco Ricca, Andréa Beltrão, Paulo Betti, Leandra Leal, Eliane Giardini, Zezé Polessa, Gabriel Braga Nunes, Walmor Chagas, José Lewgoy.
Produção: Guilherme Fontes Filmes/Brasil, 2015, 1h42.
O próprio filme já tem história. Em 1995, no contexto do chamado renascimento do cinema nacional, cujo marco é “Carlota Joaquina, Princesa do Brasil”, o ator Guilherme Fontes anunciou que realizaria a cinebiografia do empresário Assis Chateaubriand (1892 – 1968), também conhecido como Chatô. A base da obra cinematográfica era o livro homônimo do escritor Fernando Morais. A estreia estava prevista para 1997.
Porém, não foi isto o que aconteceu. A película só estreou 20 anos depois, ou seja, em 2015. O leitor que, eventualmente, não conhece a história envolvendo a produção – que não é o objetivo do presente texto – provavelmente se questionará a razão da demora. Neste longo período, além de não conseguir finalizar o filme ainda na década de 1990, houve uma série de acusações contra Fontes, como a de que este teria empregado mal o dinheiro que recebeu via leis de incentivo fiscal e a polêmica chegou aos tribunais. Muitos disseram que a cinebiografia sequer existia. Finalmente, após idas e vindas na justiça, o filme estreou em 2015 nos cinemas brasileiros e hoje está disponível na Netflix.
Em relação aos seus méritos, pode-se elencar, por exemplo, que em termos quantitativos, a produção incrementou o número de filmes nacionais, gerou empregos e movimentou economicamente a indústria cinematográfica do Brasil. Além disto, trouxe um respeitável time de atores, o filme é bonito no aspecto estético, em suas externas tem bela reconstituição do Rio da época e retoma importantes personagens da história nacional. Também mostra ao público o quão promiscuas podem ser as relações entre empresas privadas e o poder político. Em conjunto com a história de vida do personagem, Fontes perpassa por parte da história do Brasil e dos veículos de comunicação do protagonista, como seus jornais, revistas e emissoras de rádio e televisão. Está no filme, dentre outros tópicos, parte da história da TV Tupi, dos Diários Associados, da constituição do acervo do MASP e alianças e conflitos entre Chatô e Getúlio Vargas, bem como com os militares de 64, devido às dificuldades das já combalidas empresas do personagem-título de obterem verbas governamentais, sendo preteridas a favor de grupo empresarial concorrente que, então, colocava no ar sua TV com parte de capital norte-americano – em provável alusão ao caso Time-Life.
Sobre os vários problemas da obra, estão uma série de situações mal explicadas ou pseudocômicas, que serão, algumas delas, elencadas. Uma é que a cinebiografia não apresenta ao público em que momento de sua trajetória empresarial Chateaubriand “deu o pulo do gato”, transformando seus veículos de comunicação em empresas extremamente poderosas e influentes na sociedade brasileira de então. Não se sabe o quanto do êxito logrado pelo paraibano foi fruto de seu primeiro casamento ou de suas chantagens a outros empresários ou de suas articulações políticas ou até que parte da história o seu projeto empresarial era viável economicamente.
Igualmente sem explicação, “do nada”, como um flash no meio do filme, mostra-se Chatô contra a construção de Brasília, mas sem dizer o porquê. Teria Chatô um possível perfil udenista? Ou, então, já sabia das alianças de JK com empreiteiras para erguer a nova capital? Os que já conhecem os últimos meses de vida Vargas, conseguem identificar o atentado da Tonelero, porém, Gregório Fortunato vira Terêncio e, em um passe de mágica, Chateaubriand assume o papel de Lacerda, inclusive atacando veementemente Vargas na imprensa – no caso, na TV Tupi.
O aspecto pseudocômico está em tentativas inócuas de fazer graça com cenas que não possuem comicidade alguma – ou que talvez só façam as crianças do jardim de infância rirem – como a aplicação de uma injeção nas nádegas de Chatô. O tom de caricatura é exagerado, inclusive em várias interpretações, dando-se ao público personagens tão ridículos e caricatos como os das novelas mexicanas e inundando a tela de “canastrice”.
Outro ponto é que o Chateaubriand de Fontes é desnecessariamente devasso. Se Chatô fosse um filme como as pornochanchadas da década de 1970 haveria lógica mostrar as peripécias sexuais do personagem e, quiçá, seus respectivos detalhamentos. Porém, em uma cinebiografia que traz de forma pincelada e sem nexo fatos da vida de um personagem histórico, sem apresentar vários porquês de posicionamentos políticos ou como se concretizaram importantes medidas da trajetória empresarial de Chatô, seria melhor dedicar o tempo do sexo à consistência do filme.
Para completar as oportunidades perdidas para a realização de uma cinematografia nacional de extrema qualidade, está a opção de narrar a trajetória de Chateaubriand no seu leito de morte, quando, em seus devaneios, o protagonista repassa sua vida em um julgamento em uma espécie de programa de auditório tosco. Adota-se tom teatralizado, tons farsescos, podendo até serem interpretados como paródias da vida pública nacional. Talvez o diretor tenha tomado esta via para agradar a um determinado público, que está mais preocupado com o formado do que com o conteúdo.
Depois de quase duas horas, não se sabe se o que foi assistido foi a um filme de história, comédia ou drama. Mas fica a certeza de ter estado diante de um filme “trés chatô”! Em suma, foi perdida a chance de fazer-se algo realmente bom, que prendesse o espectador do início ao fim, agregando à película parte da história do Brasil, bem como o talento dos técnicos e artistas envolvidos no projeto, resultando, assim, em um produto que poderia, inclusive, ter representado o país no Oscar. Mas, não deu. Enquanto isto, perde-se cada vez mais público para os patéticos blockbusters hollywoodianos, para as redes sociais e até mesmo para a invasão de Pokémons.