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Como a ditadura brasileira foi construída, mantida e narrada? Nova coletânea analisa o golpe de 1964

Como a ditadura brasileira foi construída, mantida e narrada? Nova coletânea analisa o golpe de 1964 a partir de múltiplas perspectivas: repressão política, ensino de História, colaboração empresarial, justiça de transição e memória.

 

Leitura estimada: 6 minutos

 

Capa do livro 60 anos do golpe de 1964 e a ditadura no Brasil, publicado pela Editora CRV.
O livro reúne pesquisadores que analisam o golpe de 1964 no Brasil. A publicação integra os debates sobre ditadura, repressão e memória.

Passadas seis décadas do golpe que depôs João Goulart, pesquisadores de universidades brasileiras e estrangeiras seguem ampliando os horizontes interpretativos sobre o regime militar. Neste contexto, foi lançada a coletânea “60 anos do golpe de 1964 e a ditadura no Brasil”, organizada por Gelsom Rozentino de Almeida, Maria Aparecida da Silva Cabral e Rafael Vaz da Motta Brandão, todos professores do Programa de Pós-Graduação em História (PPGHS) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

 

Resultado do seminário “Rastros da Verdade”, realizado em 2024 na Faculdade de Formação de Professores (FFP) da UERJ, situada na cidade de São Gonçalo, na região metropolitana do Rio de Janeiro, o livro reúne reflexões sobre autoritarismo, repressão, ensino de História, empresas, justiça de transição, violência no campo e iniciativas de história pública. Com 16 capítulos distribuídos ao longo de mais de 400 páginas, a obra expressa o compromisso da universidade pública com a memória crítica e a realização de pesquisa de excelência.

 

 

 

Ditadura empresarial-militar

No prefácio, a historiadora Virgínia Fontes (UFF) define o golpe como parte de um projeto de classe, sustentado pela convergência entre elites econômicas e as Forças Armadas. O livro reforça esse diagnóstico ao evidenciar como o regime autoritário foi construído com o apoio ativo de setores empresariais, consolidando o conceito de ditadura empresarial-militar. Essa perspectiva permite compreender o autoritarismo não apenas como resultado da força das armas, mas também como fruto de alianças estratégicas entre poder econômico e repressão militar.

 

 

Arquivos, vítimas e justiça de transição

Além de militantes de esquerda, a repressão atingiu indígenas, quilombolas, estudantes, trabalhadores, dentre outros setores da sociedade. Essa abordagem contida em capítulos do livro amplia o escopo tradicional da historiografia sobre a ditadura militar, sendo possível esta análise em razão da produção de documentos por órgãos de repressão e iniciativas de sistematização da memória, como o projeto Brasil: Nunca Mais e os trabalhos da Comissão Nacional da Verdade (CNV).

 

 

 

Educação e disputas pela memória

A coletânea também dedica espaço à forma como o regime militar foi narrado — e silenciado — nos espaços escolares. Os capítulos discutem os efeitos dos acordos MEC-USAID na estrutura educacional brasileira, a permanência de narrativas autoritárias nos livros didáticos e a importância da escuta de testemunhos como ferramenta histórica crítica.

 

Essa seção do livro evidencia que o ensino de História permanece um campo de disputa simbólica, no qual a produção de memória pode tanto reproduzir versões autoritárias quanto estimular processos de consciência crítica e emancipação.

 

 

Empresas e repressão: do conluio à cumplicidade documentada

Em vez de apresentar o empresariado como espectador passivo do regime, o livro revela como empresas nacionais e multinacionais atuaram diretamente na repressão política. O caso da Volkswagen do Brasil é emblemático: em 2020, a empresa firmou um acordo com o Ministério Público Federal e outras instituições após reconhecer que colaborou com a repressão durante a ditadura, inclusive ao permitir a prisão e tortura de trabalhadores dentro de sua fábrica em São Bernardo do Campo.

 

 

Como parte do termo, comprometeu-se a pagar indenização coletiva e a financiar ações de memória e reparação, entre elas o apoio ao Centro de Antropologia e Arqueologia Forense (CAAF) da Unifesp, voltado à identificação de ossadas de desaparecidos políticos.

 

Outras companhias também aparecem como objeto de investigação: Fiat, Petrobras, CSN, Itaipu Binacional, Folha de S. Paulo e Embraer são citadas em estudos que apontam vínculos com práticas de vigilância e coerção. A análise demonstra que a repressão também se exerceu no ambiente de trabalho e que interesses empresariais moldaram parte das políticas autoritárias do período.

 

 

 

História pública, arte e mobilização social

A publicação dialoga ainda com experiências de história pública e engajamento cultural. O capítulo da pesquisadora argentina Victoria Basualdo (Conicet/FLACSO), baseado na conferência de abertura do seminário, apresenta iniciativas que articulam exposições, produções audiovisuais e arte como formas de enfrentamento ao silêncio imposto por regimes autoritários.

 

No Brasil, um exemplo concreto é a exposição “Rastros da Verdade”, realizada na FFP-UERJ, que mobilizou estudantes e professores da rede pública a partir do acervo da Comissão Estadual da Verdade do Rio de Janeiro. O caso ilustra como ações de memória podem reforçar práticas pedagógicas democráticas e fomentar debates intergeracionais sobre justiça e reparação.

 

 

Uma obra necessária para o presente

Mais do que um livro acadêmico, “60 anos do golpe de 1964 e a ditadura no Brasil” é uma intervenção coletiva de pesquisadores pela formação crítica e contra o uso político da História. Em tempos de revisionismos, os autores reafirmam o papel das universidades públicas como espaços de produção de conhecimento de qualidade, baseado em rígidos critérios éticos, teóricos e metodológicos. Ao reunir análises interdisciplinares, a obra contribui para pensar as permanências do autoritarismo e os desafios da democracia brasileira.

 

 

Assista ao Debate Tema Livre com os organizadores do livro

“O golpe de 1964 e a ditadura militar no Brasil”

 

Capítulos e autores da coletânea

A obra está estruturada em cinco partes temáticas, que reúnem os seguintes capítulos:

 

Parte I – Ditadura, historiografia e debates conceituais

Memórias e histórias da ditadura em tempos de neofascismo bolsonarista, de Marcelo Badaró Mattos

 

A historiografia do golpe de 1964: perspectivas e debates sobre a participação civil, de Martina Spohr

 

Regime político no Brasil pós-64: uma discussão conceitual, de Renato Luís do Couto Neto e Lemos

 

Historia, memoria, arte y justicia: experiencias de comunicación y vinculación científica y tecnológica de investigaciones sobre responsabilidad empresarial en la represión dictatorial en Argentina y el Cono Sur, de Victoria Basualdo

 

Parte II – Memória, arquivos e políticas de reparação

Entre “esquecer” e “cantar as façanhas”: os discursos militares na abertura política, de Lucas Pedretti

 

Lutas, políticas de reparação e rastros documentais: reflexões sobre a escrita da história da ditadura, de Carla Simone Rodeghero

 

A exposição “Rastros da Verdade”: arquivos e memória da Comissão da Verdade do Rio na UERJ-FFP: estratégias para a educação em Direitos Humanos, ensino de História e promoção da democracia, de Maria Olívia Corrêa Bezerra, Maurício Mesquita Aragão e Rafael Vaz da Motta Brandão

 

Parte III – Ditadura, educação e ensino de História

Livro didático e ditadura, de Kazumi Munakata

 

Eu vivi, posso contar: testemunhos como argumento no ensino de História, de Helenice Aparecida Bastos Rocha e Rafael Monteiro de Oliveira Cintra

 

“Amanhã vai ser outro dia”: as contribuições do Ensino de História para pensar o golpe de 1964 no Brasil, de Maria Aparecida da Silva Cabral

 

Parte IV – Ditadura, repressão e luta armada

Presos políticos e comuns na Ilha Grande: o Museu do Cárcere/Ecomuseu Ilha Grande como lugar de memória da Ditadura Militar (1964–1985), de Gelsom Rozentino de Almeida

 

O golpe de 1964 e a ditadura na UERJ: repressão, colaboracionismo e resistência, de Rafael Vaz da Motta Brandão

 

Revolucionárias: a participação das mulheres nas esquerdas armadas brasileiras durante as décadas de 1960 e 1970, de Izabel Pimentel da Silva

 

Parte V – Militares, empresas, cumplicidade econômica e repressão a trabalhadores

Estádios públicos de futebol e a ditadura empresarial-militar brasileira, de João Manuel Casquinha Malaia Santos

 

Militares e empresas durante a ditadura: a presença de integrantes das Forças Armadas em cargos diretivos de companhias privadas durante o regime civil-militar, de Pedro Henrique Pedreira Campos

 

Estado, empresários e repressão: grilagem e expropriação camponesa no Maranhão durante a ditadura civil-militar, de Lidiane Friderichs e Monica Piccolo Almeida Chaves

 

Referência (ABNT):

ALMEIDA, Gelsom Rozentino de; CABRAL, Maria Aparecida da Silva; BRANDÃO, Rafael Vaz da Motta (org.). 60 anos do golpe de 1964 e a ditadura no Brasil: reflexões sobre passado e presente e novas agendas de pesquisa. Curitiba: CRV, 2025. Disponível em: https://editoracrv.com.br

 

Cite a matéria corretamente: REVISTA TEMA LIVRE. O golpe de 1964: pesquisadores analisam a ditadura em novo livro. Niterói, 2 jul. 2025. Disponível em: https://revistatemalivre.com/golpe-1964-ditadura-livro/ Acesso em: [colocar data de acesso].

 

 

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